Em nota publicada na tarde de hoje (31/5), 54 organizações de direitos humanos brasileiras qualificaram de “gravíssima” e “destemperada” a reação do Itamaraty ao comunicado divulgado pelo ACNUDH (Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos) em conjunto com a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) no dia 26/5.
No documento, os órgãos expressam preocupação com a repressão policial ao protesto realizado em Brasília no dia 24. Também mencionam a violência no campo, destacando a chacina de dez trabalhadores rurais na cidade de Pau D’Arco, no Pará, e a operação realizada na região do centro de São Paulo conhecida como Cracolândia.
O Ministério das Relações Exteriores reagiu imediatamente às críticas através de uma nota à imprensa em que “repudia, nos mais fortes termos, o teor desinformado e tendencioso” do comunicado conjunto e qualifica a posição dos dois órgãos como “leviana” e “fantasiosa”, em tom pouco usual para diplomacia brasileira.
Na nota divulgada hoje, as entidades de direitos humanos defendem a CIDH e o Alto Comissariado. Para elas, “a linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia demasiadamente da postura que se espera de um país que se diz comprometido com a proteção internacional dos direitos humanos”.
As organizações também afirmam que, com a reação, “o governo de Michel Temer demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos internacionais e regionais de direitos humanos”. “A Constituição Federal de 1988 vincula as relações internacionais do país à prevalência dos direitos humanos e clamamos para que o Itamaraty se retrate imediatamente”, completam.
Clique aqui para ler o comunicado conjunto publicado pela CIDH e o Alto Comissariado da ONU para os direitos humanos.
Clique aqui para ler a nota à imprensa divulgada pelo Itamaraty.
Clique aqui para ler a nota de repúdio das organizações de direitos humanos.
“A proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária”, afirma o conselheiro Marcelo Brito. Professor de filosofia da rede pública de educação do estado do Mato Grosso do Sul e graduando em geografia, Marcelo Brito é diretor-presidente da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e tomou posse na nova gestão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) na primeira plenária de 2017, realizada no último dia 18 de maio.
O conselheiro demonstra preocupação com discussões em andamento no Congresso Nacional que representam graves ameaças à segurança alimentar e nutricional como a Proposta de Emenda às Constituição n° 215/2000, que retira do Poder Executivo e transfere para o Legislativo a competência sobre a homologação de terras indígenas. Ele cita ainda a Medida Provisória n°759/2016, que trata da regularização fundiária rural e urbana, que põe em risco o direito à terra, primordial para a produção de alimentos.
Confira a entrevista.
Como a Fian avalia a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil?
Marcelo Brito: A ausência da plena realização do DHAA no Brasil criou, historicamente, diversas violações de direitos humanos, muitas extremamente graves, a exemplo da fome. A garantia do DHAA cresceu muito no Brasil pós-redemocratização, especialmente entre 2003 e 2016, com o reestabelecimento do Consea, a promulgação da Losan [Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional], a criação e efetivação de políticas públicas essenciais e muitas vezes inovadoras, a exemplo do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e do Bolsa Família, todas conquistas da sociedade civil brasileira em prol deste direito humano. Contudo, desde 2016, o que vemos é um grave retrocesso de direitos e políticas públicas que garantem esses direitos. A reforma da previdência, a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95 são exemplos disso. Nosso trabalho e o de parceiros já indicam que há premente risco de que a fome volte a impactar com força o país, especialmente no que tange a PCTs [povos e comunidades tradicionais] e as parcelas mais pobres da população.
Quais projetos em andamento no Congresso representam ameaças à segurança alimentar e nutricional?
Marcelo Brito: O cenário atual é tão intenso, complexo e conturbado que fica difícil indicar somente alguns projetos. Contudo, neste exato momento, algumas ameaças podem ser apresentadas como as de maior impacto. Neste sentido, como indicado acima, as grandes reformas propostas pelo Executivo Federal (Previdência e Trabalhista) impactarão diretamente na qualidade da alimentação da população brasileira. No que tange PCTs, a PEC 215 [Proposta de Emenda à Constituição n° 2015/2000] continua avançando, englobando em seu texto outras ameaças, como a teoria jurídica do marco temporal. No campo territorial e ambiental, a MP 759 [Medida Provisória n° 759/2016] e a nova lei do licenciamento ambiental são também ameaças gravíssimas que tornarão ainda mais injusta a distribuição e uso da terra no país. No que tange o tema dos agrotóxicos, o projeto de lei n° 6299/2002 tramita em regime de prioridade e contêm apensadas em si outras 16 propostas legislativas perversas à regulação destes venenos.
Em janeiro deste ano, a Fian divulgou informações sobre a situação dos quilombolas em Minas Gerais. Que políticas públicas precisam ser desenvolvidas nessas comunidades para garantir o direito humano à alimentação?
Marcelo Brito: A Fian Brasil lançará o relatório em junho, mas, de acordo com nosso acompanhamento do caso — que se dá desde 2007 — podemos indicar que o processo de luta por direitos de Brejo dos Crioulos avançou muito com a conquista do direito à terra, mas que neste momento as violações de direitos humanos que se colocam dizem respeito à finalização deste processo e à garantia de políticas públicas de produção, de acesso à água, sementes tradicionais, entre outras questões essenciais para a produção agrícola tradicional deste povo quilombola. Estas questões são tão importantes que percebemos, na pesquisa que resultou neste relatório, que muitas pessoas ainda passam fome em Brejo dos Crioulos e que o risco desta fome aumentar em breve é muito grande devido a cortes no Programa Bolsa Família, à falta de atenção do Estado para as políticas públicas acima indicadas, e à retirada de direitos que está em marcha no plano do governo federal.
Quais temas devem ser priorizados nos debates do Consea?
Marcelo Brito: Vivemos em um momento muito complexo, como disse acima, em que os retrocessos de direitos humanos e de construções democráticas estão ocorrendo em marcha acelerada. Neste sentido, pautas reativas e protetivas são as mais emergenciais, de modo a se garantir que as propostas legislativas, judiciais e do Poder Executivo não passem. Sendo assim, as pautas indicadas acima servem de base, assim como outras questões prementes, como a criminalização de movimentos sociais e defensores/as de direitos, a necessidade de se restabelecer plenamente a ordem democrática no país, e a questão do MATOPIBA, nova “fronteira agrícola” que está sendo dilacerada pelo agronegócio brasileiro e internacional. Além disso, pautas propositivas são sempre essenciais, principalmente quando já não se encontram inseridas nestas que citei acima. Neste sentido, a proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária.
As conferências nacionais de segurança alimentar realizadas periodicamente pelo Brasil foram foco de interesse de várias delegações participantes da instância de diálogo promovida pela organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO), entre 11 e 12 de maio, na cidade da Guatemala. Segundo o agrônomo Eduardo Amaral Borges, conhecido como Cazuza, nenhum dos países presentes ao encontro tinha organizado eventos deste porte, com a presença do governo e ampla participação da sociedade civil, para a definição e monitoramento da implementação de políticas pública nesta área..
Para os representantes da FAO, essa deve ser uma política de Estado inspiradora aos diversos governos da região, que manifestaram interesse em conhecê-la melhor. Cazuza, que integra o Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre), esteve na reunião em nome do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), quando detalhou o processo de realização das conferencias e de mobilização para oportunizar a diversidade de participação dos grupos sociais.
“A 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, por exemplo, organizada em novembro de 2015, em suas diversas etapas (municipais, estaduais e nacional), envolveu cerca de 30 mil brasileiros de todas as regiões do país, para a reflexão e proposição de políticas e programas relacionadas ao direito humano à alimentação adequada e saudável”, relatou Cazuza.
“Somente a etapa nacional, a conferência em si, reúne em média dois mil participantes. Destacamos que a ampla participação nacional é facilitada quando há uma abertura do governo, que ajuda a financiar a participação da sociedade civil neste processo. Daí a importância de ser uma política de Estado”, acrescentou o conselheiro, que recentemente tomou posse para o biênio 2017-2019 do Consea.
Experiência e construção
O encontro “Instâncias de Diálogo e Construção Participativa de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional: Um Assunto de Estratégia Política” apresentou as distintas experiências de atuação da sociedade civil nos conselhos de segurança alimentar que funcionam na Guatemala, Equador e Brasil.
Para representantes da entidade presentes, como a oficial de Alianças e Parcerias da FAO/Chile, Duclair Sternadt, e a engenheira agrônoma Emma Siliprandi (ex-integrante do Consea), o objetivo foi deixar algumas sugestões para a Guatemala, na elaboração de seu próprio sistema. Além de estabelecer uma rede entre esses países para continuar aprimorando os mecanismos de participação da sociedade civil na questão da segurança alimentar e nutricional.
De acordo com Cazuza, foi interessante observar as diferenças entre Guatemala, Equador e Brasil. Na Guatemala, por exemplo, a composição da instância equivalente ao Consea é diferente. A presença da sociedade civil é minoritária no conselho governamental. Mas existe a Instância de Consulta e Participação da Sociedade Civil da Guatemala (Incopas), que é acionada na medida em que o governo sente necessidade. A Incopas indica cinco membros para participar do Consea local.
“A experiência brasileira é de fato inspiradora para a América Latina, como disse a FAO. Por isso fomos chamados. Mas todos reconhecem que cada país precisa construir a sua própria estratégia. Com base em suas próprias realidades sociais. E essas iniciativas se fortalecerão a partir do momento em trocarmos experiências.”
Modo de trabalho do Consea
“Com referência ao Brasil, o que apresentamos, como estratégia de participação da sociedade civil, foi a estrutura do Consea – que tem dois terços da sociedade civil e a presidência da entidade”, enfatizou Cazuza.
O conselheiro explicou que o Consea possui comissões permanentes para aprofundar os temas de segurança alimentar e nutricional com diversos recortes: social, cultural, regional etc. Há a criação de grupos de trabalho e a realização de mesas de controvérsias e seminários temáticos.
“Detalhamos também que as comissões se reúnem previamente para preparara as plenárias, que são encontros de dois dias que ocorrem cerca de seis vezes por ano. E que o processo mais importante realmente é a organização das conferências nacionais”.
Conquistas e avanços
Cazuza enfatizou que o Consea e seus métodos de trabalho resultam de um longo processo de conquistas da sociedade, de mais de duas décadas. Esse processo começou a partir da Constituição de 1988, que garantiu a participação da sociedade na governança do país. por meio de conselhos, como o Consea. Desde a Carta Magna de 88, vêm ocorrendo aperfeiçoamentos nos normativos, como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, conhecida como Losan, que institucionalizou a responsabilidade do poder público na promoção do direito de todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos, em qualidade e quantidade, e criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). A Losan foi sancionada pelo presidente da República no dia 15 de setembro de 2006,
O conselheiro ressalvou que o atual cenário de crise é um desafio, não apenas para o Brasil, no sentido de garantir que os direitos e conquistas em soberania alimentar sejam mantidos e que haja os avanços esperados.
“Entre os avanços desejados, queremos ampliar a diversidade de segmentos sociais representados no Consea, além da aproximação com outros segmentos que não estão no Consea, como alguns segmentos de movimentos urbanos que também trabalham a questão da segurança alimentar, e outras entidades de comércio solidário”, revelou.
A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, rede composta por 41 organizações de defensores de direitos humanos, denuncia erepudia a intensificação da repressão do Estado brasileiro aos movimentos populares, com destaque para os ocorridos nesta quarta-feira (24/5).
A violência contra as lutas sociais pela terra e pela reforma agrária por parte do Estado brasileiro tomou proporções ainda maiores no dia 24 de maio. Foram assassinados/as ao menos 10 trabalhadores/as rurais em uma chacina promovida pelas polícias civil e militar da região de Pau d’Arco, no estado do Pará. Foi enviada missão ao Pará com a presença do presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo (representante da Plataforma Dhesca).
Horas depois, em Brasília, 49 manifestantes foram feridos/as e 8 detidos/as em uma brutal repressão das forças policiais ao protesto que pedia a saída do Presidente Michel Temer, a realização de novas eleições e o fim das Reformas Trabalhista e da Previdência. A repressão em Brasília incluiu o uso de armas letais, conforme comprovado por imagens de redes de TV e noticiários de grande circulação.
Denunciamos a aprovação relâmpago e em série no mesmo dia de diversas Medidas Provisórias (MP) que violam direitos fundamentais e agridem populações tradicionais: como a MP 756 que permite, entre outras coisas, a venda das terras na União em toda a região da Amazônia Legal, acirrando os conflitos de demarcação de terras de povos indígenas.
Por fim, o contexto de graves violações aos direitos humanos e à democracia atingiu seu ápice no final da tarde de ontem, dia 24 de maio, com a promulgação de Decreto Presidencial emitido pelo Sr. Michel Temer que autorizou o uso das Forças Armadas para “a garantia da lei e da ordem” nas ruas do Distrito Federal até o dia 31 de maio — coincidentemente, a mesma data prevista para o fim da votação das reformas acima indicadas.
Apesar de o Decreto ter sido revogado na manhã desta quinta-feira (25/05), o uso dos militares para tais fins demonstra, como denunciado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), uma sinalização de que pode ser instalado Estado de Sítio no país. Ressalta-se, ainda, que a publicação de tal decreto configurou crime de responsabilidade por parte do Presidente da República, haja vista que descumpriu os requisitos legais impostos pela Lei Complementar nº 97, de 1999.
Assim, a Plataforma Dhesca e suas entidades pedem a devida investigação por parte dos órgãos públicos brasileiros responsáveis dos crimes e violações de direitos humanos citados e a atenção dos organismos internacionais para a grave situação enfrentada pelo povo brasileiro, que tem a cada dia usurpados e ameaçados seus Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.
A Produção agroalimentar, agricultura familiar e camponesa e suas repercussões ambientais, sociais, territoriais e no padrão alimentar foram temas escolhidos como prioridades centrais para os próximos dois anos para o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A orientação foi dada pelos novos conselheiros, que assumiram o cargo para o biênio 2017-2019 durante a primeira reunião plenária, realizada nesta quinta-feira (18). Os temas deverão ser confirmados e aprofundados na próxima reunião do grupo, prevista para daqui a um mês.
O direito à terra, ao território, direitos dos povos indígenas, da população negra e de povos e comunidades tradicionais também foi citada pela maior parte dos conselheiros, além da erradicação da fome, da pobreza e desigualdade social no Brasil. A escolha dos temas foi feita após a apresentação dos relatórios do cinco grupos de trabalho integrados pelos conselheiros, que se reuniram durante dois dias em Brasília.
Como estratégia para alcançar os objetivos traçados, os conselheiros afirmaram que é importante o Consea buscar se aproximar de outras iniciativas do Legislativo e do Judiciário, a promoção de reuniões com outros conselhos da sociedade civil e o apoio à participação social para elaboração dos planos de segurança alimentar e nutricional nos estados e municípios, por meio de seminários.
A água como alimento
Outro tema de grande destaque foi a água como alimento e recurso produtivo, além da abordagem dos fatores limitantes do acesso universal a esse bem. Os novos conselheiros destacaram ainda a atenção à saúde, à nutrição e ao consumo alimentar adequado e saudável.
Devido ao grande interesse na questão da água como alimento, a nova presidenta do Consea, Elisabetta Recine, solicitou que à Secretária-geral do órgão que avalie a possibilidade de levantar informações para que este seja o tema da próxima plenária. Lembrou que haverá, neste ano, o Encontro sobre Água e o Fórum Mundial da Água.
Elisabetta ponderou que seria interessante para o Consea realizar um evento sobre o tema da água como alimento durante o fórum. A sugestão deverá ser analisado em agosto, após a próxima plenária da água, quando serão consolidadas as propostas de organização interna do Consea.
O presidente do Consea da Paraíba, José de Arimatéia Rodrigues França, alertou que há atualmente um grave problema de água em vários estados. Informou que o Consea-PB está organizando uma atividade sobre o projeto de integração do Rio são Francisco e os impactos em matas ciliares, bem como sobre a redução das políticas de cisternas de placa. Por isso, reforçou a importância do tema.
Estratégias
Os novos conselheiros definiram também, nesta quinta-feira, quais devem ser as principais estratégias de trabalho do Consea no próximo biênio 2017-2019, a partir de três grandes temas: direito à agua, terra e território; relação e cooperação internacional; e a defesa e fortalecimento do caráter estatal e público.
Para viabilizar essa atuação, acrescentaram, é preciso considerar a diversidade da natureza dos temas, dos sujeitos (diferentes gerações, mulheres, população negra, povos e comunidades internacionais) e suas dimensões (rural e urbana), além de buscar formas de articulação entre eles. É importante garantir a criação de um espaço e uma estratégia que permita a discussão permanente das questões de gênero, de modo a permear a discussão em todas essas instâncias.
O Consea deve atuar na difusão do direito humano à alimentação adequada; na divulgação da missão da entidade (que é mais conhecida fora do Brasil do que internamente); ampliar sua relação com o Legislativo e Judiciário; promover a integração das comissões internas permanentes; identificar avanços, gargalos e ameaças à implantação das políticas de segurança alimentar e nutricional.
Os conselheiros consideram importante a promoção de reuniões entre conselhos da sociedade civil e o apoio à participação social para elaboração dos planos estaduais e municipais de segurança alimentar e nutricional, por meio de seminários.
A Comissão Pastoral da Terra – CPT, que registra e analisa os conflitos no campo desde 1985, percebeu um aumento significativo no número de assassinatos no campo em 2015, quando sete camponeses foram assassinados num período de cinco meses, na Gleba Bacajá, Anapú, PA. Notou também que o número de assassinatos no campo aumentou sucessivamente, de 36 em 2014, para 50 em 2015 e 61 em 2016.
O ano de 2017 já apresenta um cenário desolador de violência que não se restringe apenas a algumas pessoas, mas adquiriu caráter de chacinas e massacres brutais. A CPT já confirmou 26 assassinatos no campo desde janeiro de 2017.
O Brasil todo viu o massacre de Colniza, MT, no dia 19 de abril de 2017, quando nove vidas foram ceifadas, e em Viana, MA, no dia 29 de abril de 2017, quando um ataque brutal deixou 22 feridos.
A região de Vilhena, RO, palco de conflitos violentos em 2015 e 2016, teve mais um caso em 2017: três pessoas foram encontradas carbonizadas, dentro de um veículo incendiado; o mesmo que se viu em Sta. Maria das Barreiras, PA, onde 4 pessoas foram encontradas carbonizadas dentro de um carro.
Esses casos assustam ainda mais pelo nível de crueldade e violência empregados.No ataque aos Gamela, um indígena teve as mãos decepadas e ferimentos graves à altura dos joelhos, e outro uma das mãos praticamente decepada. Em Colniza/MT, uma pessoa foi degolada e outras mortas depois de sofrerem tortura. O militante do MST, Etevaldo Soares Costa, assassinado no dia 5 de maio de 2017, na fazenda Serra Norte em Eldorado do Carajás, no Pará, teve os dedos cortados, as pernas cortadas em quatro partes, os olhos furados, e foi colocado num saco plástico e jogado fora da área da fazenda.
Vivemos uma situação de violência estrutural e recorrente. A impunidade das violações de direitos humanos ocorridas no campo garante a eficácia da repressão e aumenta a lista de pessoas e grupos ameaçados e assassinados. Para exemplificar este cenário, tendo como referência o período de 2007 a 2017, das 390 vítimas de assassinatos, 48 foram ameaçadas anteriormente. Neste mesmo período, tivemos 407 vítimas de tentativas de assassinato, destas, 55 foram ameaçadas anteriormente. De um total de 302 pessoas ameaçadas de morte, 254 foram ameaçadas mais de uma vez, 55 já sofreram tentativa de assassinato e 48 foram assassinadas.
A violência não se restringe às ameaças, tentativas e assassinatos, pois é igualmente preocupante a intensificação da criminalização de lideranças e movimentos do campo, com aumento de prisões preventivas e tentativas de aplicação de leis que tratam de organização criminosa como formas de coibir o protesto social.
As prisões de militantes do MST nos Estados de Goiás e do Paraná, com acusações de formação de organização criminosa, são graves e revelam a sanha punitivista de parte de nosso sistema de justiça.
O Estado não é apenas conivente e omisso, posição que perpetua a impunidade no campo pela ‘seletividade’, ‘morosidade’ e ‘inoperância’ do sistema de justiça que de um lado criminaliza os movimentos populares e de outro mantém impunes as ameaças, homicídios e violações de direitos humanos. O Estado é também agente ativo no fomento à violência, tanto pelas políticas e programas do Executivo que fomentam a acumulação de terras e de riquezas, como pelo Legislativo que, ao passo que destrói os direitos humanos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras, faz uso de mecanismos, como a CPI da Funai e Incra, para criminalizar as vítimas e defensores de direitos humanos.
Nos últimos tempos, especialmente após o golpe que retirou do poder uma presidenta eleita pelo voto popular, os ataques institucionais e físicos experimentaram crescimento acelerado. Entre as primeiras medidas, o governo usurpador extinguiu Ministérios e autarquias e seguiu o desmonte do Estado com diminuição de recursos e pessoal de órgãos responsáveis por garantir políticas sociais, como Funai e INCRA.
É longa, enfadonha e trágica a série de Medidas Provisórias, Projetos de Lei, Propostas de Emendas à Constituição e Decretos que afetam diretamente povos e comunidades do campo, entre as quais destacamos:
A PEC 215, que propõe transferir para o Congresso Nacional a prerrogativa de reconhecimento de terras indígenas, hoje competência do Executivo Federal;
Os 29 Projetos de Decreto Legislativo-PDCs, apresentados pelo deputado federal Jerônimo Goergen-PP-RS em junho de 2016, à Câmara Federal, para suspender decretos assinados pela presidenta afastada Dilma Rousseff, de desapropriação de imóveis rurais para a Reforma Agrária e regularização de territórios quilombolas e terras indígenas;
A MP 759/2016, que aniquila políticas de reforma agrária e do uso social da terra, municipaliza a prerrogativa de regularização fundiária urbana e rural e privatiza ainda mais as terras públicas.
O povo do campo clama por seus direitos e protesta:
Pelo cumprimento dos acordos internacionais assinados pelo Estado Brasileiro e respeito à Constituição Federal;
Pela autodeterminação dos povos originários e tradicionais;
Pela realização da Reforma Agraria com a ampliação das desapropriações de terras para assentar a todas as famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra e com pouca terra, atendendo emergencialmente aquelas que se encontram em áreas de conflito agrário, em ocupações e acampamentos;
Pela titulação dos territórios quilombolas;
Pela demarcação dos territórios indígenas;
Para que sejam assegurados recursos orçamentários e financeiros em quantidade suficiente para a execução das políticas de reforma agrária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas, atendendo à demanda por ampliação dos recursos humanos, tecnológicos e operacionais de modo a permitir a realização das políticas públicas, programas e serviços destinados aos trabalhadores e trabalhadoras rurais;
Pela não aprovação da MP 759/2016 e dos demais instrumentos normativos que significam retrocessos nos direitos dos povos, comunidades tradicionais e trabalhadores rurais;
Pela atualização dos instrumentos normativos que possibilitem o fortalecimento do papel do Estado nos processos de fiscalização do latifúndio e das propriedades rurais que não cumpram a Função Social, especialmente quanto à Função Social da Propriedade, à Criminalização da Luta pela Terra, à atualização dos índices de Produtividade, e contra a estrangeirização das Terras;
Pelo pleno desenvolvimento econômico e social dos projetos de assentamento de reforma agrária, garantindo crédito, políticas públicas, infraestrutura e serviços de qualidade, em quantidade e com prazos adequados para que as famílias assentadas possam fortalecer seus processos organizativos e produtivos e viver com dignidade e segurança nas áreas reformadas;
Pela adoção emergencial de procedimentos e ações de combate à violência e impunidade no campo, em especial:
a) Retomada da Ouvidoria Agrária Nacional com caráter independente do Incra, assegurando condições operacionais e financeiras para atendimento de toda a demanda;
b) Fortalecimento da FUNAI como autarquia responsável pela política indigenista garantindo o orçamento e estrutura necessária para dar celeridade aos processos de demarcação e atendimento aos povos indígenas;
c) Gestão junto aos órgãos do poder judiciário nos estados, junto aos tribunais regionais e aos ministros do STJ e STF, visando dar prioridade ao julgamento de ações pendentes e que tenham relação com os conflitos fundiários, uma vez que a demora no julgamento das mesmas faz acirrar os conflitos fundiários e geram imensos prejuízos financeiros ao Estado;
d) Gestão junto aos tribunais estaduais e regionais cobrando julgamento prioritário dos processos criminais relativos à violência no campo e ao trabalho escravo;
e) Reativação do Fórum de Assuntos Fundiários no âmbito do CNJ;
Pela urgente investigação e punição dos responsáveis pelos assassinatos, massacres e violências no campo!
Diante do exposto, nós participantes deste Ato Denúncia, nos comprometemos a:
Manter esta articulação com a sociedade para o desenvolvimento de ações urgentes;
Lutar pelo direito à terra e ao território dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e camponeses;
Lutar pelo direito dos povos originários e tradicionais à autodeterminação;
Lutar contra a criminalização dos movimentos sociais e defensoras e defensores de direitos humanos;
Lutar por direitos e combater as violações de direitos humanos no campo!
De janeiro a maio deste ano, foram registrados no país 25 assassinatos relacionados a conflitos agrários, segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). No ano passado, foram 61 casos, o dobro da média dos últimos dez anos.
Para movimentos populares, o cenário atual anuncia um possível aumento da violência, por conta das iniciativas que vêm sendo tomadas pelo governo do presidente golpista, Michel Temer (PMDB), incluindo a Medida Provisória (MP) 759, que compromete a reforma agrária, e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O alerta foi feito nesta terça-feira (23) em carta-denúncia divulgada durante um ato realizado em Brasília por dezenas de entidades que pedem soluções imediatas para os conflitos no campo. Para os grupos que assinam o documento, tais medidas visam ao sufocamento da luta agrária e à criminalização dos movimentos do campo, impulsionando o motor da violência.
A situação dos povos indígenas, por exemplo, é considerada prioritária. Com as demarcações de terra paralisadas há cerca de um ano, as comunidades amargam o descaso do poder público e temem a criminalização crescente dos grupos que lutam por direitos, alvo constante do agronegócio. A situação chegou ao ápice nos últimos tempos, com o indiciamento de lideranças indígenas na CPI da Funai, na Câmara Federal. Para os críticos da medida, a CPI seria uma manobra da base governista para pôr em xeque territórios já reconhecidos em lei.
“Estão tentando acabar com a imagem das principais lideranças que brigam pela recuperação dos nossos territórios e que sempre estão prontas pro enfrentamento. Eles querem nos tirar de circulação pra facilitar a entrega das terras das nossas comunidades pro agronegócio, principal responsável pela violência no campo”, desabafa o indígena Nailton Pataxó, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), um dos citados no relatório da CPI.
A problemática dos conflitos de terra envolve ainda sem-terra e quilombolas, grupos que também estão na mira do agronegócio. “Nossa maior preocupação é com esse aumento da violência. É como se alguém tivesse licença pra nos caçar e nos matar. (…) Não podemos esquecer a omissão do Estado diante disso tudo, principalmente com a demarcação dos nossos territórios”, disse Fátima Barros, do quilombo Ilha de São Vicente, em Tocantins.
Reforma agrária
A declaração da quilombola reverbera também o pensamento da procuradora da República Deborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF). Para ela, o pano de fundo do problema é a falta de iniciativa do Estado brasileiro no sentido de promover a reforma agrária, democratizando o acesso à terra.
“A ONU já afirmou que isso é fundamental para implementação de outros direitos, porque todo mundo precisa de um espaço físico pra ter direito à intimidade, à constituição de uma família, etc. Ao paralisar a política nacional de reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas, cria-se uma situação de insegurança no campo e as velhas práticas de violência tendem a retornar”, analisa a procuradora.
Sistema de Justiça
Para a jurista Beatriz Vargas, professora da Universidade de Brasília (UnB), o contexto de conflitos no campo levanta ainda uma reflexão sobre o papel de atores do sistema de Justiça no processo de criminalização de lideranças populares.
Ela menciona, de forma destacada, a tentativa de enquadramento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como organização criminosa em alguns processos judiciais. “Isso é um absurdo e é preocupante. Precisamos ficar atentos pra evitar que esse precedente se alastre pelo sistema de Justiça afora”, assinala a jurista.
O agricultor Luís Batista, do MST de Goiás, conhece bem o gosto amargo da tentativa de criminalização. Depois de ter ficado preso por mais de um ano no estado, ele afirma ter sido vítima de uma ofensiva. “Fui preso sem que houvesse qualquer prova contra mim. Fui vítima de perseguição política. Nunca tinha visto trabalhador ser denunciado por lutar pela terra. As pessoas precisam entender a importância dessa luta. (…) Se o pequeno produtor parar de produzir, o Brasil passa fome”, desabafa, reafirmando a importância da reforma agrária.
Articulação
Para as entidades que lutam pela pacificação do campo, os últimos conflitos registrados no país, com chacinas no Mato Grosso, em Rondônia e no Pará, exigem uma aglutinação de forças por parte de diversos atores para tentar frear a violência.
“Esses episódios ainda podem se multiplicar, então, é preciso denunciar essa violência e organizar ações urgentes que envolvam lideranças populares, entidades da sociedade civil e instituições públicas, considerando o que ainda restou na República que possa ter algum compromisso com a garantia de direitos”, Darcy Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Segundo ele, a carta-denúncia produzida pelas entidades nesta terça-feira será enviada para instituições dos Três Poderes e organismos internacionais, no intuito de solicitar providências.
A CPI fez o que não podia, e não fez o que devia, afirma coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF
A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) divulgou nesta terça-feira (23) nota pública contra o teor do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar fatos relativos à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Apresentado no início do mês, o documento foi aprovado na última semana pela comissão e aguarda votação dos destaques apresentados.
De autoria do deputado federal Nilson Leitão, o relatório investiu contra procuradores da República, antropólogos, servidores públicos, indígenas e indigenistas. Segundo o coordenador da 6CCR, subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, “o objetivo é desqualificar as condutas dos que participam de processos de identificação de comunidades indígenas e quilombolas e de suas terras de ocupação tradicional”.
A nota do MPF destaca que a CPI não está autorizada a fazer indiciamentos e reafirma que os procuradores e procuradoras citados no relatório “atuam em cumprimento a um mandato constitucional, de defender os direitos dos índios”. Reitera ainda que a posição adotada pelos membros do MPF em cada um dos casos citados no relatório da CPI é “expressão coerente da atuação coordenada pela 6ª Câmara e projeção da opinião jurídica manifestada tanto pelo atual procurador-geral da República, quanto por seus antecessores, nos casos sob apreciação do Supremo Tribunal Federal”.
De acordo com o MPF, a CPI extrapolou sua atribuição e atropelou leis e a própria Constituição quando decidiu analisar, “superficial e tendenciosamente”, documentos e testemunhas relacionados a processos de identificação e demarcação de terras indígenas e de territórios quilombolas. A nota critica ainda a suposta solução indicada pelos deputados, de subordinar a decisão técnica à vontade política do Ministério da Justiça, para que seja este a definir o que é e o que não é terra indígena.
“A CPI não quer demarcar as terras indígenas ainda não demarcadas; quer revogar as demarcações reconhecidas recentes; quer que os ruralistas possam explorar as terras indígenas já demarcadas. Aos que lutam pelo direito, resta a confiança na Justiça.”, conclui o texto.
Diante da intensificação da violência no campo, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), em conjunto com organizações da sociedade civil e órgãos públicos de atuação em defesa dos direitos humanos, realiza no próximo dia 23 de maio (terça-feira), às 14h, no Memorial do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, o ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo”.
Por meio de dados que revelam o aumento da violência no último ano e de depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e defensores e defensoras de direitos humanos, vítimas ou ameaçadas, o ato vai denunciar a omissão do Estado diante do aumento da violência no campo, bem como sua contribuição para o aumento e manutenção deste quadro, por meio da criminalização dos movimentos sociais, da atuação desproporcional das polícias e da aprovação de medidas que agravam os processos de concentração, privatização e estrangeirização das terras brasileiras.
De acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2016 teve registro recorde no número de conflitos no campo: foram 61 assassinatos de trabalhadores rurais (o dobro de casos de assassinato em relação à média dos últimos 10 anos) e 1.536 conflitos, envolvendo 909.843 famílias. O ano de 2017 já revela que os conflitos serão intensificados. Nos primeiros cinco meses deste ano foram registrados pela CPT 25 assassinatos em decorrência dos conflitos agrários no Brasil, o dobro dos assassinatos do ano passado para o mesmo período. Outros seis estão sob investigação e ainda não foram inseridos no banco de dados da Pastoral.
Além de um contexto de impunidade aos responsáveis pelos assassinatos, o aumento significativo de conflitos no campo possui relação direta com o desmonte do Estado brasileiro e da política agrária, como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a paralisação das ações de reforma agrária e da demarcação e reconhecimento das terras indígenas e quilombolas.
O modelo de desenvolvimento vigente, que prioriza o agronegócio voltado à monocultura para exportação em detrimento da agricultura familiar e camponesa, real responsável pela alimentação da população brasileira, também contribui para o acirramento e manutenção dos conflitos no campo. Em vez de buscar progresso e bem estar social com inclusão, tal modelo reforça a lógica de concentração da terra, do trabalho escravo, da devastação das florestas e do ataque aos direitos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e de comunidades tradicionais, sobretudo o direito à terra e aos territórios.
Além de manifestar solidariedade às vítimas e seus familiares, o ato buscará construir soluções e apontar compromissos que devem ser assumidos pelas organizações e reunir exigências que devem ser tomadas pelo Estado em caráter de urgência para conter o avanço do quadro. Parlamentares, demais autoridades e ativistas comprometidos com a luta por justiça e paz no campo são convidados e a se somarem ao evento, aberto à participação do público em geral.
Programação
14h: Mesa de abertura (Conselho Nacional dos Direitos Humanos e autoridades)
14h10: Direitos e violência no campo, com Beatriz Vargas
Professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Criminologia e Direito, com ênfase em Direito e Processo Penal. Membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).
Pesquisa sobre os temas: Sociedade, Conflito e Movimentos Sociais; Sociedade, Controle Penal e Sistemas de Justiça; Criminologia; Direito Penal; Direitos Humanos e Processo Penal.
14h30: Testemunhos
– Pessoas em situação de ameaça, defensores/as de direitos humanos, vítimas da violência no campo e/ou familiares dos que foram assassinados nos conflitos.
Indígenas: Povo Tupinambá/Bahia e Povo Gamela/Maranhão
Quilombolas
Pescadores/as artesanais
Trabalhadores/as rurais: Luiz Batista (Goiás) e liderança de Castanhal/Pará
15h30: Leitura da carta de exigências ao poder público e compromissos da sociedade civil com a defesa dos direitos e contra a violência no campo
16h: Encerramento
ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo”
Data: 23 de maio de 2017 (terça-feira)
Hora: 14h
Local: Memorial do MPF – Procuradoria Geral da República
Endereço: Setor de Administração Federal Sul, Quadra 4, Conjunto C, Brasília Mais informações: (61) 2027- 3907 |www.atodenuncia.wordpress.com
O presidente da FIAN Brasil Marcelo Brito tomou posse na manhã desta quinta-feira, 18 de maio, como membro titular do Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para o período 2017-2019. A programação de posse dos novos conselheiros, representantes da sociedade civil e do governo, iniciou na terça-feira, 16, em Brasília, durante a 1ª Reunião Plenária Ordinária do órgão.
“O Consea se constitui como um espaço de exigibilidade, de monitoramento e de garantia de direitos. Levando em consideração essa conjuntura de golpe e momento antidemocrático do Brasil, consideramos que ocupar este espaço é muito importante e estratégico para que esses retrocessos não avancem”, destacou Marcelo Brito.
A FIAN Brasil é uma das organizações da sociedade civil que integra o Conselho. “Na quarta (17/05) fizemos uma reunião entre as organizações da sociedade civil e mais uma vez foi reforçado nós que estamos neste espaço não compactuamos com o momento político do país e não reconhecemos esse governo”, ressalta Brito.
Segundo Marcelo Brito, na reunião foi apontado que o que se percebe é um crescimento da pobreza no Brasil e o decrescimento de programas de combate à pobreza. Entre as prioridades apontadas para a gestão, estão a questão da terra, agua, território, fortalecimento do SISAN, entre outros.
Presidenta
Depois da posse, os novos integrantes do Consea escolheram a nutricionista, professora e pesquisadora Elisabetta Recine para presidir o órgão no período 2017-2019. A indicação agora será submetida ao presidente Michel Temer, a quem compete a nomeação oficial. A presidência do Consea, de acordo com a Lei 11.346/06, deve ser exercida por representante da sociedade civil. Caso seja confirmada a escolha, Elisabetta será a segunda mulher a ocupar a presidência do Consea, sucedendo no cargo a antropóloga Maria Emília Pacheco. O Conselho foi criado em 1993, desativado em 1995 e recriado em 2003. Em ordem cronológica, os outros presidentes do Consea foram Dom Mauro Morelli, Luiz Marinho, Chico Menezes e Renato S. Maluf.
Consea
Nestes próximos dois anos, 24 novas organizações passam a fazer parte do Consea Nacional, outras 56 organizações que já participavam do conselho permanecem com suas vagas. O conselho será composto por um total de 60 representantes, sendo 40 representantes titulares da sociedade civil (2/3) e 20 representantes titulares do governo (1/3), além dos suplentes. O decreto de nomeação de representantes da sociedade civil foi publicado no Diário Oficial da União em 17 de abril.
Nas últimas décadas, aumentou o número de brasileiros com sobrepeso e obesidade. Para o professor e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Segurança Alimentar e Nutricional do PGDR/UFRGS Irio Conti, a mudança dos padrões alimentares e nutricionais está entre as principais causas dessa realidade. “Mais e mais a população brasileira está sendo bombardeada pela publicidade de alimentos que estimulam o consumo de produtos ultraprocessados, que não são saudáveis mas são de interesse das indústrias de alimentos”, afirma Conti na entrevista a seguir. Ele tomou posse nesta terça-feira (16) para novo mandato como conselheiro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
– Quais os principais fatores que contribuíram para o aumento dos índices de sobrepeso e obesidade entre os brasileiros?
Irio Conti: O aumento dos índices de sobrepeso e obesidade no Brasil precisa ser analisado como uma epidemia multicausal com causas inter-relacionadas. Por um lado, está a vida sedentária de amplo segmento da população. Por outro, as mudanças de hábitos alimentares da população brasileira, muito baseados em alimentos industrializados e ultraprocessados, com alto teor de sódio e açúcar, com diminuição de frutas e verduras e aumento de carboidratos e calóricos. Mais e mais a população brasileira está sendo bombardeada pela publicidade de alimentos que estimulam o consumo de alimentos que não são saudáveis, mas que são de interesse das indústrias de alimentos.
– Qual a importância do Consea na agenda da segurança alimentar e nutricional brasileira?
Irio Conti: A atuação do Consea tem o respaldo das organizações e movimentos sociais, e essa legitimidade também se dá no relacionamento com Presidència da República e demais órgãos públicos. A diversidade da composição do Consea possibilita dar voz aos segmentos que têm seus direitos em geral e o DHAA [Direito Humano à Alimentação Adequada] mais violado, que são os povos e comunidades tradicionais, povos indígenas, quilombolas, ciganos e tantos outros, que são historicamente marginalizados.
– Quais os principais avanços que podem ser destacados?
Irio Conti: A maioria das políticas públicas relevantes em SAN [Segurança Alimentar e Nutricional] que foram implantadas tiveram seu nascedouro e proposição no Consea. Os Planos Nacionais de SAN incorporaram as orientações emanadas das nossas conferências. O Plano Nacional de Agroecologia e Plano de Prevenção da Obesidade, por exemplo, contaram com a ampla participação do Consea em todas as suas fases de concepção, elaboração e monitoramento.
– Quais são suas expectativas quanto à atuação do Consea no período 2017-2019?
Irio Conti: Espero que o Consea continue sendo um ator estratégico na formulação de proposições de políticas públicas relevantes para a realização do DHAA e que a Presidência da República e os demais ministérios, especialmente os que integram a Caisan, sigam reconhecendo e acolhendo as proposições e recomendações do Consea no âmbito das políticas de SAN. É importante que Planos Nacionais de SAN e de Agroecologia continuem sendo implementados em todas as suas diretrizes e metas, já que resultam de ampla participação social. Apesar das diferenças políticas, acredito que é possível estabelecer um diálogo construtivo e proativo em torno das questões fundamentais de políticas públicas que interessam à população brasileira.
A primeira reunião plenária da gestão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que começou nesta terça e termina na quinta-feira, teve, entre os temas de debates, os números e as metas do 2º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), que é um conjunto de ações intersetoriais compreendendo nove desafios, 121 metas e 99 ações, no período de 2016 a 2017.
A conselheira e pesquisadora Ana Lúcia Pereira elogiou as metas do plano e enfatizou a necessidade de monitoramento da sua execução. “Eu acredito que esses números, essas metas aqui apresentadas são importantes e nós precisamos acompanhar e monitorar a realização, a implementação na prática”, afirmou, destacando as metas estabelecidas para as populações negra, indígena e de povos e comunidades tradicionais.
Opinião semelhante foi apresentada pelo conselheiro Marcos Rochinski, que representa a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Contraf). “O plano, na forma em que está estabelecido, a partir das diretrizes que o governo a sociedade traçaram na última conferência nacional [realizada em 2015], este plano está bem, é um ótimo plano”.
Rochinski, no entanto, questiona se as metas estão traduzidas pelos dados executados na prática. “Na quinta-feira [dia da apresentação dos dados consolidados] nós precisamos ver se as metas estão traduzidas nos números de fato, pois em 2016, por exemplo, praticamente não foi assentada nenhuma família na reforma agrária e na agricultura familiar nós temos uma diminuição de recursos no PAA [Programa da Aquisição de Alimentos]”.
Além de Ana Lúcia Pereira e Marcos Rochinski, a mesa teve a apresentação de Priscila Bocchi, representando o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), e Marília Leão, secretária-executiva do Consea. O debate foi mediado pela conselheira Ana Paula Bortoletto, que representa o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
O 2º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 2016-2019 é constituído por um conjunto de ações do governo federal que buscam garantir a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada à população brasileira. Foi elaborado pela Caisan, em conjunto com o Consea, a partir das deliberações da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Planta-se aqui para se colher lá fora. A despeito do discurso nacionalista, é de conhecimento notório que o modelo de produção do agronegócio brasileiro é amplamente benéfico aos interesses econômicos de grandes corporações multinacionais. Essas empresas revertem anualmente bilhões de reais às suas matrizes na forma de lucros e dividendos colhidos de suas atividades no Brasil. Assim fazem a Monsanto, a Cargill e a John Deere para os EUA; a Syngenta para a Suíça; a Bunge para a Holanda; a New Holland para a Itália; a Bayer e a Basf para a Alemanha; a Louis Dreyfus Company (LDC) para a França, entre outras.
Não satisfeitos, representantes do agronegócio no Congresso Nacional, em conluio com o governo federal, agora se empenham para entregar o próprio território brasileiro aos estrangeiros. O principal instrumento legislativo dos ruralistas é o Projeto de Lei 4.059/12, que autoriza a “aquisição de áreas rurais e suas utilizações por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras”. Sabe-se, além disso, que germina no Executivo uma medida provisória ainda mais agressiva a ser enviada ao Congresso Nacional em breve.
Apesar da gravidade dessas iniciativas, não se trata de ações isoladas. A eficácia delas poderá ser fortificada com um conjunto de outras medidas defendidas pelo setor, como a implantação da Lei 13.178/15, que legaliza a titulação privada de terras públicas em regiões de fronteiras; e da MP 759/15, que prioriza a titulação privada de terras desapropriadas para fins de reforma agrária, o que permitirá a reconcentração destas terras, inclusive por estrangeiros. Já o Projeto de Lei (PL) 827/15, do ruralista Dilceu Sperafico (PP/PR), que “altera a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências”, desmonta o sistema de proteção às sementes. Sendo aprovado, reforçará ainda mais a homogeneização, a hegemonização e a dependência tecnológica externa — marcadamente dominada pelas transnacionais Monsanto/Bayer e Syngenta.
A inviabilização das demarcações de Terras Indígenas (TIs) também faz parte deste esforço de desnacionalizar o território brasileiro. Quando demarcadas, as TIs são registradas como Bens da União pela Secretaria de Patrimônio da União. A Constituição brasileira também veda a sua alienação. Isso, evidentemente, constitui-se num poderoso instrumento jurídico que estabelece limites aos interesses de apossamento e apropriação privada do território brasileiro pelo capital internacional.
A Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (que transfere do Executivo para o Legislativo o controle das demarcações), relatada na Comissão Especial da Câmara pelo então deputado federal e hoje ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB/PR), e a Portaria 80/17 (que prevê a revisão de processos de terras já demarcadas), nitidamente servem a este propósito.
Estas ações desnudam o caráter antinacional do “agro” e de seus defensores. O medo de serem desmascarados perante a sociedade brasileira faz com que os ruralistas queiram construir uma nuvem de fumaça que encubra suas verdadeiras intenções. Acreditam que formarão esta nuvem indiciando, sem fundamento, cientistas sociais, procuradores da República, lideranças indígenas e dirigentes de organizações da sociedade civil que apoiam os direitos dos povos originários (entre os quais, o Conselho Indigenista Missionário) na CPI da Funai/Incra. Mas assim como não conseguiu esconder a crueldade do ataque aos gamela, no Maranhão, que tiveram suas mãos decepadas, essa nuvem também não encobre o fato de que o agronegócio quer decepar o Brasil.
Por Cleber César Buzatto, Secretário Executivo do Cimi, publicado no O Globo
A Medida Provisória (MP) 759/2016, que estabelece novas diretrizes legais sobre a regularização de terras urbanas e rurais no país pode ser apreciada a qualquer momento pela Câmara de Deputados. A matéria já consta na pauta desta semana da Câmara e tramita em caráter de urgência. De autoria do presidente Michel Temer (PMDB) e publicada na antevéspera de natal do último ano, a MP convertida em Projeto de Lei de Conversão (PLV) segue pela casa legislativa após sofrer alterações no texto original por senadores e deputados federais integrantes da comissão mista.
Para parlamentares de oposição ao Governo Federal e movimentos populares, o contexto recente de aprovação do relatório elaborado pelo senador Romero Jucá (PDMB-RR), na última quarta-feira (3), evidencia o ambiente legislativo para temas de grande relevância para a população, principalmente a de menor renda: a ausência de abertura ao debate público à altura do impacto da medida e o fácil avanço no Congresso de matérias de interesse da bancada ruralista.
“É preciso tornar conhecida a MP no momento da votação pela comissão. Isso mostra o quanto se ressente da necessidade de um maior conhecimento, um debate mais aprofundado. Não se consultou a sociedade plenamente, os institutos e as organizações que atuam, que militam, que trabalham em torno da questão rural e da questão urbana”, denunciou o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA). “Essa MP tem uma história: a história da luta pela terra no Brasil. A história da terra no Brasil é uma história que precisa ser discutida e, neste momento conjuntural, nós temos medo e temos certeza de que há muitos interesses”, pondera o deputado João Daniel (PT-SE), reforçando a necessidade de ampliação do debate público.
Com prazo de vigência de 60 dias e prorrogáveis pelo menos período, a MP pode vigorar até o dia 01 de julho. A extensão dos trabalhos da comissão até a data limite poderia, na avaliação da oposição, ampliar o reduzido número de quatro audiências públicas realizadas pela Comissão, com participação majoritária de representantes de órgãos públicos da base de apoio a Temer. Dos 24 convidados participantes das audiências, apenas dois fazem oposição à polêmica medida. Além do MST, a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Outra denúncia feita de maneira recorrente pela oposição na comissão mista foi a de disponibilização da primeira e última versão do relatório apenas no momento de votação do texto pelos parlamentares – o que impede a leitura anterior. A deputada Luiza Erundina (PSOL-SP) chamou a situação de “votar no escuro” e reforçou que o desconhecimento obstaculiza o debate, principalmente pelos opositores à matéria. “Não é razoável o que acontece nesta casa, se vota no escuro ou se vota por ordem de quem tem poder. (…) Entendo que isso não é democrático. Isso deixa uma imagem de que as coisas se fazem sem o devido debate, sem a devida análise, sem o contraditório, sem o contraponto, e isso empobrece o debate. Compromete a legitimidade do resultado de uma votação”, problematizou a deputada.
A aprovação do relatório, com ampla margem de 16 votos favoráveis e apenas quatro contrários, demonstra como a medida encontra no Congresso um cenário favorável a esses temas. Dos 37 deputados e senadores com titularidade ou suplência na composição inicial da comissão, 13 integram a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), articulação do setor ruralista para a atuação legislativa. Os cargos centrais ao trabalho do colegiado, relator e presidente, são preenchidos por integrantes da FPA, o senador Jucá e o deputado federal Izalci Lucas (PSDB-DF), respectivamente. Este cenário deve se repetir na Câmara. Como aponta a agência A Pública. Do total de 513 deputados federais, 207 são da bancada ruralista. No Senado o contexto é semelhante: dos 81 senadores, 32 possuem estreitos vínculos com interesses do agronegócio.
Retrocessos
Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), Gerson Teixeira, o texto final encaminhado à Câmara contém dispositivos que podem colaborar para a reconcentração fundiária e privatização das terras públicas. Para ele, a medida que é, desde a primeira versão, “estruturalmente danosa”, acresceu no percurso pela comissão mista um dispositivo que reforça a desobrigação do Estado em cumprir com obrigações constitucionais no processo de regularização fundiária.
O novo texto estabelece que o prazo limite para emancipar uma família, ou seja, possibilitar ao assentado as condições adequadas para prática agrícola, é de 15 anos. Para aqueles que já estão 15 anos à espera, o prazo limite é três anos. Para Teixeira, o problema não está no prazo limite de emancipação, mas na ausência de menção no texto às obrigações do Estado, como prevê o Artigo 188 da Constituição Federal. Pela lei constitucional, “a destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o Plano Nacional de Reforma Agrária”. O texto do PLV não faz menção às políticas que devem acompanhar a emancipação do assentado.
“A maior parte dos assentamentos tem condições precárias. Não tem crédito, não tem infraestrutura. Tem assentamento de 20 anos que não tem nenhum poço de água. Ao emancipar uma pessoa na condição que está, sem ter condições de produzir, ela vai vender a terra. Tudo indica, na síntese desta MP, é que vamos entrar numa novo processo de reconcentração de terras bastante acentuado, com o componente da estrangeirização”, aponta Teixeira, em referência ao PL 4059/2012 que tramita no Congresso e que retira restrições para compra de terras brasileiras por estrangeiros. “Isso é grande obstinação, cobiça da bancada ruralista pela terra dos assentados”, complementa.
Ele manifesta preocupação com a possibilidade de apropriação dos 80 milhões de hectares de terras públicas da União por grandes empresas e latifundiários, e problematiza que a titulação massiva é a política adotada pela gestão Temer para se descomprometer com a política agrária. “O Incra anunciou, apostando na aprovação da MP, que irá emancipar 280 mil famílias até o final do ano. Esta obstinação em se livrar do assentado é porque está sucateado, já que não poder fazer nada”, em referência ao progressivo corte no orçamento destinado ao órgão federal.
Outro elemento adicionado ao texto na comissão mista é a possibilidade de regularização fundiária de megalatifúndios. Nas normativas anteriores, o limite de área de terra pública regularizada era de 1,5 mil hectares na Amazônia Legal, grande extensão de terra dado o contexto da região. Pelo novo texto, áreas de até 2,5 mil hectares, em qualquer região do país, estão incluídas na política de regularização. “1,5 mil hectares fora da Amazônia já seria um absurdo de área, imagine 2,5 mil hectares”, destaca.
Manifestações contrárias
Desde a publicação da MP no Diário Oficial da União em dezembro de 2016, um conjunto de organizações e organismos públicos tem se manifestado contrário à matéria. Em abril, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) do Ministério Público Federal, enviou ao Congresso Nacional uma nota técnica desaprovando o uso do dispositivo constitucional para tratar do tema, desrespeitando aos princípios de urgência e relevância necessários à emissão de uma MP.
“Essa matéria não poderia, de maneira alguma, ser tratada por Medida Provisória. (…) A urgência e a relevância, necessariamente, tinham de ser para garantir infraestrutura para os assentamentos, para os trabalhadores rurais, para todos aqueles que fazem a luta pela política de garantia do direito à terra no nosso país. Infelizmente essa matéria não faz isso. Ela, na verdade, quer ser mais uma vez um instrumento de especulação dos grandes proprietários de terra, latifundiários, representados inclusive nesta comissão, querendo garantir que eles tenham uma maior capacidade ainda de fazer a compra de terras de pequenos produtores rurais, de pequenos agricultores, de camponeses”, denuncia a nota técnica.
“Eles [os ruralistas] se aproveitaram da urgência para fazer desaguar uma quantidade de temas extremamente preocupantes. Trata-se de uma avalanche que tem como finalidade principal acabar com o patrimônio público e privatizar terras e bens do Brasil”, declara a assessora de política agrária da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Cleia Anice Porto
Logo depois da manifestação da PFDC, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) dirigiu à Presidência da República uma recomendação para que suspenda a tramitação da MP em razão de “representar uma grave distorção do sistema democrático”, ao alterar mais de 19 legislações e normativas estabelecidas para o tema, e fruto da reivindicação e debate popular, como a Lei da Reforma Agrária e o Estatuto das Cidades.
A articulação e construção de uma unidade de resistência também estão no horizonte das manifestações públicas contrárias à MP. Um coletivo composto por 88 organizações urbanas e rurais elaboraram a carta pública “MP 759 — A desconstrução da Regularização Fundiária no Brasil”. O documento pretende, além de paralisar a tramitação da matéria, convocar a população a apoiar a luta pela reforma agrária e urbana no país.
Órgãos governamentais, como a Câmara de Direitos Sociais e atos administrativos em geral do Ministério Público Federal, também manifestaram desaprovação à medida.
As manifestações de organizações e órgãos públicos, em consonância com movimentos sociais, reforçam que o Congresso não faz a real escuta à população sobre suas reivindicações, bem como que a aprovação da matéria consolidará a injustiça social no campo e cidade, acentuando um cenário da violência. “As medidas do Congresso e do executivo em aprovar a grilagem de terra para regular a terra pública para latifundiários e políticos é apenas o inicio do desmonte da soberania nacional e a porta de aumento da violência no campo”, declara o membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Alexandre Conceição.
CPI que investigará FUNAI e INCRA poderá atingir atores importantes para o desenvolvimento de políticas indigenistas e fundiárias, alerta rede
A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil e suas cerca de 40 afiliadas, além da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e do Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, assinaram nesta semana um documento enviado conjuntamente para diversos atores-chave das Nações Unidas.
A carta chama atenção para os potenciais efeitos negativos sobre as populações indígenas e sobre grupos de defensores de direitos humanos a partir da votação da CPI da Fundação FUNAI-INCRA, que terá seu relatório votado nesta quarta-feira (10).
A carta foi encaminhada para o relator especial da ONU para a proteção de Defensores de Direitos Humanos, Sr. Michel Forst; para o Representante Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Sr. Amerigo Incalcaterra; e, para o Coordenador Residente das Nações Unidas no Brasil e representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Sr. Niky Fabiancic.
Além disso, convoca os parceiros com incidência internacional a se manifestarem publicamente sobre o ataque à direitos promovidos no Congresso Nacional e no Brasil.
O Brasil foi cobrado na sexta-feira 5 pela falta de demarcação de terras indígenas em sabatina de direitos humanos na Organização das Nações Unidas (ONU). Recebeu também recomendações para fortalecer a Funai, manter políticas específicas de saúde e educação indígena, e fazer valer o direito de consulta livre, prévia e informada.
Mais de 30 países mencionaram a questão indígena em seus discursos ao país e vários relacionaram o racismo e a discriminação com a violência e a impunidade praticadas contra lideranças e povos indígenas.
A manifestação internacional se alinha com os encaminhamentos definidos pelos mais de 3600 indígenas que participaram do Acampamento Terra Livre e resultam também de um trabalho de sensibilização feito por organizações indígenas, indigenistas e de direitos humanos no processo de Revisão Periódica Universal durante 2016 e 2017.
Especial preocupação dos países na ONU foi direcionada à inoperância do programa de proteção de defensores de direitos humanos, cujos inscritos são majoritariamente indígenas, ambientalistas e campesinos que enfrentam tentativas de criminalização enquanto defensores de direitos.
O relatório da CPI da Funai e Incra – que promete ser votado esta semana – é um exemplo concreto dessa situação. Seis dos 31 indígenas indiciados junto com servidores do MPF, da Funai e do Incra, por essa CPI – que desde sua criação foi colocada à serviço de interesses anti-indígenas-, estão inscritos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos.
Sem conhecimento básico sobre o sistema internacional de direitos humanos, o relatório da CPI também ataca o Itamaraty e a própria ONU a partir de uma retórica alarmista que pelo medo tenta justificar a injustificável negação de direitos fundamentais aos povos e pessoas indígenas.
O que os povos indígenas do Brasil e do mundo querem, e é aceito pela Declaração dos Povos Indígenas da ONU (2007), é continuar a existir de acordo com seus modos de vida e visões de mundo, dentro dos Estados Nacionais e com o devido respeito às suas terras, línguas e culturas. O Brasil e outros 147 países são apoiadores dessa declaração da ONU, que em setembro comemorará dez anos.
Para manter o alerta sobre o possível retorno de práticas de extinção de povos e culturas pela mão do próprio Estado, organizações indígenas vem informando o alto comissariado da ONU sobre a situação. Alertaram recentemente sobre o fato de que, mesmo depois de receber recomendações da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2016, o país não está garantindo os direitos humanos dos povos indígenas.
Pelo contrário, em poucos meses, o atual governo consolidou sua estratégia para a extinção da Funai visando cristalizar o quadro de não-demarcação de terras – mesmo sem a aprovação da PEC215 – e incita, a partir de falas de autoridades públicas, o ódio, o racismo e situações de maior conflito, violência e intolerância contra os povos indígenas.
Sem as informações trazidas pelas próprias organizações e lideranças indígenas à ONU, os países teriam apenas as informações parciais trazidas pelo governo e que não refletem a realidade. Por isso mesmo, a posição do Brasil na ONU foi considerada “dissimulada” pela representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.
“Parece que não estamos falando do mesmo país. As questões que são apresentadas como avanço aqui, lá no Brasil, estão sendo desconstruídas, como a demarcação das terras indígenas; a redução de orçamento da Funai e o loteamento de cargos para partidos políticos; o corte de servidores especialmente nas áreas que chegam na ponta (CTLs) e na coordenação de licenciamento ambiental. Tudo isso enfraquece ainda mais a execução da política indigenista e não garante a ocupação e gestão plena das terras como anuncia o governo.”
De fato, a contradição da posição do Brasil na ONU evidenciou-se ainda mais com a ausência de um representante do Ministério da Justiça durante a sabatina que deu ênfase a pelo menos três temas de competência do Ministério, o tema indígena, o tema da segurança pública e violência policial e o tema do sistema prisional.
Além disso, no mesmo dia em que, em Genebra, a Ministra de Direitos Humanos Luislinda Valois afirmava o compromisso do país com a demarcação das terras indígenas, em Brasília a Funai ficava sem presidente.
Dentre outros motivos, o Ministério da Justiça insinuou entraves na Funai para seguir com projetos em terras indígenas sem qualquer processo de consulta (como o da implantação da linha de Transmissão Manaus-Boa Vista na TI Waimiri Atroari).
Segundo o próprio (agora) ex-presidente da Funai Antonio Costa, o Ministro ruralista da (in)Justiça Osmar Serrraglio coloca a Funai sob risco e forte ingerência política. Um dia antes, o Ministro da Justiça anunciava um “mutirão” para demarcar terras indígenas.
Sem uma Funai operando, com um Ministro da Justiça defensor da retirada de direitos constitucionais indígenas, e sem boa-fé do governo para efetivamente fazer respeitar os direitos territoriais e sobre os recursos naturais dos povos indígenas tal como escritos na Constituição Federal, os trabalhos técnicos de demarcação de terras indígenas não podem ser transformado em mutirões ruralistas sem antes violar vários direitos.
*Erika Yamada é Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca e perita no Mecanismo de Direitos dos Povos Indígenas da ONU.
Conselheiros debateram recentes casos em três estados brasileiros
Os recentes episódios de violência contra trabalhadores rurais nos estados de Mato Grosso, Rondônia e Minas Gerais nas últimas semanas foram foco de debates e deliberações do plenário da 26ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), finalizada em Brasília na última quinta-feira (27).
Em Colniza (MT), a escalada de violência no campo se refletiu, no último dia 19 de abril, no massacre de nove lideranças. Nesse contexto, a Comissão Permanente de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos e Enfrentamento da Criminalização dos Movimentos Sociais do Conselho produzirá uma manifestação pública sobre criminalização dos movimentos sociais e o crescimento da violência no campo, além de cobrar as autoridades federais providências sobre o caso.
Outra deliberação da Comissão acolhida pelo pleno do CNDH foi a sistematização e estudo de ofícios recebidos em resposta às recomendações enviadas pelo Conselho a instâncias públicas sobre o alto índice de conflitos agrários em Rondônia, incluindo o assassinato da militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Nilce de Souza Magalhães. Nicinha, como era conhecida, desapareceu no dia 7 de janeiro de 2016, em Porto Velho (RO), e seu corpo foi encontrado cinco meses depois no lago da hidrelétrica de Jirau. Além disso, será solicitada a realização de uma audiência pública no estado, com a presença de conselheiros do CNDH.
Na avaliação do pleno do Conselho, a ampliação da violência está diretamente ligada ao gradual desmonte do Estado brasileiro, levado a cabo pelo Executivo federal e pelo poder Legislativo. Um dos principais catalisadores desse processo, segundo os (as) conselheiros (as), é a Medida Provisória 759/16 – que estabelece novas regras para a regularização fundiária urbana, rural e da Amazônia Legal.
“Há várias leituras sobre a Medida Provisória abrir possibilidade de grilagem e certa autorização geral, já que o Ministro da Justiça tem afinidade com o campo do agronegócio. Além disso, há um quadro geral de impunidade”, afirmou o presidente do CNDH e integrante da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, Darci Frigo.
Neste contexto, o Conselho aprovou recomendação, direcionada ao Presidente da República, para que retire a MP 759, abrindo um processo de discussão com as instituições e entidades da sociedade civil ligadas à temática. Direciona-se também ao Presidente do Congresso Nacional, para que suspenda, imediatamente, a tramitação do projeto de lei, e ao Ministério Público Federal (MPF), para que fiscalize a legalidade da atuação do Executivo em casos concretos de transferência de domínio de imóveis públicos a terceiros e de regularização fundiária que tenham ocorrido desde a edição da MP 759.
De acordo com a recomendação expedida pelo CNDH, a MP 759 “padece de vícios de inconstitucionalidade formal e material que repercutem diretamente no exercício de direitos essenciais à dignidade humana, o que desafia a atuação deste CNDH na promoção e a defesa dos direitos humanos”.
Violência cresce, proteção diminui
Segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensoras de Direitos Humanos, que está finalizando a sistematização dos casos em 2016 e 2017, em 2016 houve 70 assassinatos de defensores no país. Para os (as) conselheiros (as) da instância, é preciso combater a retração das políticas de proteção a defensores, como o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) da Secretaria Especial de Direitos Humanos. O programa foi criado em 2004 e tem como objetivo a adoção e articulação de medidas que possibilitem garantir a segurança de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça em decorrência de sua atuação na promoção ou defesa dos direitos humanos.
“A Comissão vai reiterar o compromisso da Secretaria de Direitos Humanos para a realização de uma reunião com a antiga composição do PPDDH. É preciso garantir a presença da sociedade civil nos debates para aperfeiçoamento dos programas de proteção, além do amadurecimento maior sobre os processos de inclusão e exclusão de nomes. Temos tomado ciência do desligamento de vários defensores sem compreender os critérios de exclusão”, afirmou a coordenadora da Comissão e representante da Justiça Global, Sandra Carvalho.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa sua preocupação pelos 9 camponeses assassinados no contexto de conflitos pela terra no município rural de Colniza na região de Taquaruçu do Norte (Mato Grosso), Brasil, no dia 19 de abril de 2017.
Relatos indicam que as 9 vítimas, que foram assassinadas por pessoas encapuzadas, eram homens adultos cujos corpos apresentavam marcas de violência, sinais de tortura. Alguns deles foram amarrados e decapitados. De acordo com informações de conhecimento público, as autoridades brasileiras transladaram-se ao local dos acontecimentos, que se encontra em uma zona de difícil acesso, e realizam as investigações correspondentes.
Segundo o registro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), seriam 19 as pessoas assassinadas desde o início de 2017 em cinco estados do país devido aos conflitos no campo. Esta cifra se soma aos 61 assassinatos em consequência dos conflitos por terras registrados em 2016. O número de pessoas que recebem ameaças de morte neste contexto de conflito também aumentou em 39%, de 144 em 2015 para 200 em 2016. Além disso, registrou-se um aumento no número de pessoas vítimas de violência física, que passou de 187 em 2015 para 571 em 2016, o que reflete um aumento de 205%. Esta violencia se concentra nos estados das regiões norte e nordeste.
A Comissão observa com preocupação que esses atos formam parte de um contexto caracterizado pelo conflito territorial que envolve o movimento dos trabalhadores rurais sem terra e camponeses despejados. A CIDH chama as autoridades a continuar com a investigação desses fatos e de outros atos de violência contra trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra ou assentados com devida diligência, a fim de identificar e sancionar as pessoas responsáveis e assim combater a impunidade e evitar a repetição de atos similares. Além disso, a CIDH urge ao Estado brasileiro a atender as causas estruturais relacionadas à luta por reforma agraria.
A CIDH também expressa sua profunda preocupação pelo grave problema que enfrentam dezenas de milhares de famílias do campo que ano a ano são deslocadas por ordem judicial das terras que habitam ou coupam. De acordo com a CPT, registrou-se um aumento no número de famílias expulsas dos territórios aonde habitam, passando de 795 em 2015 a 2,639 em 2016, o que representa um crescimento de 232%. Adicionalmente, o relatório da CPT indica que no ano de 2016 12,829 famílias foram despejadas por ordem judicial, e identifica que outras 31,278 famílias correm o risco de enfrentar a mesma situação.
A CIDH insta o Estado brasileiro a formular e implementar medidas imediatas e sustentáveis para solucionar este grave problema, aplicando os standards internacionais sobre deslocamento interno. Nesse sentido, a CIDH urge o Brasil a adotar um marco normativo baseado nos Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos. A CIDH ressalta também que ante situações deste tipo o Estado brasileiro tem a obrigação de adotar medidas para prevenir o deslocamento, proteger e fornecer assistência aos expulsos e despejados durante o seu deslocamento, prestar e facilitar a assistência humanitária e facilitar soluções duradouras.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
Acampamento Terra Livre, em Brasília, liderado por uma nova geração, foi uma das maiores mobilizações indígenas da história
As bombas jogadas pela polícia contra a marcha pacífica dos indígenas, em 25 de abril, não foram suficientes para abafar os gritos de guerra. As fumaças do gás lacrimogênio não tiravam o fôlego de quem corria pelos gramados da Esplanada, transformados num campo de batalha.
E não escrevo de forma retórica: observei os guerreiros com flechas correndo contra a nuvem tóxica, em direção ao Congresso Nacional. Corriam com flechas apontadas contra revólveres e espingardas. Nesse cenário, vi xavante com o olho ardendo, tossindo, mas gritando de forma contínua e intercalada; um guarani chutando as bombas; um jovem pataxó pegando uma bomba com a mão e lançando contra os novos bugreiros uniformizados; um grupo pankararu cantando e dançando o toré com tanta força espiritual que o lacrimogênio virou gelo seco em frente ao Ministério da (in)Justiça.
A força da mobilização vinha de quem sabe suspender o céu. Do carro de som ecoavam cantos xamânicos, cantos de força espiritual e de proteção, cantos para pacificar os inimigos. Eram velhos xamãs marchando ao lado de jovens guerreiras e guerreiros; avôs e avós de braços dados com seus netos e netas.
Essa foi a mais linda, a mais inspiradora e a mais estimulante de todas as 14 mobilizações do Acampamento Terra Livre (ATL), organizado pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), em Brasília, no Abril Indígena. Este ATL 2017 não foi apenas uma das maiores mobilizações políticas dos povos indígenas, com mais de quatro mil lideranças do País todo, mas a mais jovem e inovadora, liderado por uma terceira geração do movimento.
Na segunda marcha, na quinta-feira 27, todos e todas viram quando um pajé lançou um feitiço que desequilibrou o policial montado num cavalo. A juventude riu do policial, e prestou reverência ao velho pajé. Me parece esse um maravilhoso símbolo dessa construção coletiva do movimento indígena, no qual a nova geração assume o protagonismo com um respeito que é raro de ser observado em outros movimentos sociais.
Com bombas, bala e cassetetes, as agressões físicas do governo Temer não intimidaram quem pertence a essa terra. Apenas serviu para mobilizar e engajar ainda mais a jovem resistência reunida em Brasília. “A bala de borracha e o spray de pimenta que são lançados contra nós, ainda está muito longe de ser, de representar, a violência que a gente vive nas terras indígenas. Todos os dias os ataques, todos os dias os assassinatos”, disse Sonia Guajajara, secretaria-executiva da Apib, em entrevista a Daiara Tukano, da Rádio Yandé, num vídeo que bombou de visualizações nas redes sociais. “A luta é nossa e não vamos recuar”, completou, na entrevista disponível na página da Yandé no Facebook.
Bombas contra os indígenas. Só mais um episódio de violência. Fotos: Felipe Milanez
A Rádio Yandé, aliás, bombou e fez bombar muitas mensagens insurgentes: por Whatsapp desde o campo de batalha, as informações de Daiara, Idjahuri Kadiweu, Anapuaka Tupinamba e Naine Terena eram postadas à distância por Renata Tupinambá, e rapidamente atingiam milhares de visualizações. Que lindo ver indígenas em resistência numa batalha campal, junto de indígenas numa batalha midiática e das narrativas.
Como os velhos ruralistas sentados no poder usurpado irão calá-la se os indígenas que a fazem não dependem de um centavo de anúncio do governo? A lógica da comunicação da Yandé é diferente da lógica da imprensa que divide em anúncios inescrupulosos o bolo do golpe, que se presta a propagandear contra direitos da classe trabalhadora, a favor da reforma trabalhista e do fim da Previdência: a Yandé é o novo jornalismo, descolonial, situado, comprometido. Informa o Brasil desde o ponto de vista do indígena – e não desde o ponto de vista da Casa Grande, do Capital, da linha de cima do racismo, da bolha do confinamento racial do jornalismo brasileiro.
Esse estúpido cenário de guerra produzido pelo autoritarismo do atual governo ao menos serviu para ilustrar, em imagens que giraram o mundo, que vivemos em um Estado de Exceção. Tal como explica Sonia, os povos indígenas vieram a Brasília “dizer o que é uma democracia”. E foram recebidos com covarde truculência.
As bombas que ecoaram na Esplanada assustaram muitos jovens e representaram um rito de iniciação. Foi a primeira vez que Piray, jovem Awa Guajá classificado de “recente contato” pela Funai, saiu do Maranhão. Ele veio para mostrar que aqueles “isolados” ou de pouco contato, também devem ser ouvidos e respeitados.
Geraldino Patté, do povo Laklãnõ/Xokleng, também saiu pela primeira vez do sul do Brasil. Ele sabe muito bem de toda a história da violência dos bugreiros contra seu povo, dos contos de atrocidade do Martinho Bugreiro. E agora, com sua irmã que cursa mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, investigam e denunciam a tentativa de construção de usinas hidrelétricas no seu território. Ele postou uma linda foto sua no Facebook, segurando uma lança: “A batalha é grande, mas eu não desistirei dessa luta. Orgulho de ser indígena. Orgulho de ser Laklãnõ/Xokleng”.
De repente, nesse encontro, eu estava numa roda de conversa entre Geraldino e Auricélia Arapium, que é uma intelectual orgânica do movimento Em Defesa da Vida e da Cultura do Rio Arapiuns, liderança indígena, estudante de direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém. De norte a sul, era uma luta por direitos, para denunciar o racismo institucional, o apagamento da história. São indígenas que estão conseguindo furar o confinamento racial das universidades brasileiras, e repensando a nossa história para projetar um novo futuro.
Nessa nova geração, emerge ainda um movimento feminista que deve chacoalhar o pensamento no Brasil: são as xinguanas organizadas no movimento Yamarikumã, as mulheres de Roraima, os movimentos com apoio da ONU Mulheres, rodas de debate e plenárias das mulheres. Telma Taurepang, uma das mulheres que lideram essa onda feminista indígena, anunciou a convocação da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que vai acontecer em 8 de março do ano que vem. Anotem na agenda.
Políticos indígenas como o vereador xinguano Mutuá Mehinaku, do povo Kuikuro, de Gaúcha do Norte, que é mestre em linguística pelo Museu Nacional da UFRJ, estão assumindo o poder institucional com o intuito de transformar a representação e radicalizar a democracia: “Temos que ocupar esse espaço da política. Chega de falarem por nós, nunca nos representaram. Somos nós que temos que estar no parlamento nos representando a nós mesmos”, me disse Mutuá.
Quem sabe um dia, em vez de grileiros e ruralistas, os eleitores e as eleitoras do estado do Mato Grosso contribuam para o Brasil elegendo como deputados brilhantes intelectuais indígenas, como Mutuá, para ajudar a construir um país mais igualitário, justo e democrático.
O encontro teve luta em múltiplos sentidos: a luta na Esplanada, a luta intelectual na organização de comissões, de debates, a luta política com deputados, senadores, e a recusa em receber ministros ruralistas do governo Temer. Encontros que cruzavam realidades de Norte a Sul, povos geograficamente distantes mas politicamente muito próximos, epistemologicamente vizinhos, lado a lado a enfrentar o genocídio. Do Xokleng no sul do Brasil, aos povos que vivem no Tapajós e na bacia do Juruena, todos e todas trocavam informações, ideias e estratégias para enfrentar o barramento e morte de seus rios de vida.
Várias lideranças que encontrei e conversei cursam mestrado, falam a língua, aprendem na universidade e valorizam cada vez mais o conhecimento da aldeia. Sabem também que a luta ensina, aprendem com o movimento indígena e com as vozes mais antigas das aldeias. Esse encontro talvez tenha marcado a emergência de uma terceira geração do movimento indígena.
E o que é muito interessante, comentou comigo Ailton Krenak, grande liderança do primeiro movimento nos anos 1980, e que não esteve dessa vez em Brasília, é que todas essas gerações se reconhecem, com empatia, que não é comum, como ocorre muitas vezes que uma nova vem desqualificar os velhos. “Há alguma herança no sentido cultural, que distingue esse movimento indígena de outros movimentos. E essas vozes não vão ser caladas. Não vamos nos calar, nem imobilizar nossa capacidade de luta ante a força bruta dos aparatos de proteção do Estado dominado pelo Capital sem fronteiras”.
Segundo o Valor, além de permitir a troca do salário por remuneração de “qualquer espécie”, texto prevê jornada de até 12 horas e 18 dias consecutivos. Por meio de nota, a Frente Parlamentar da Agricultura afirma que o projeto prevê comida e casa como “acréscimos” ao salário
Após a votação da reforma trabalhista na Câmara, a bancada ruralista se movimenta para alterar as leis que tratam da proteção dos direitos do trabalhador rural. A intenção é restringir o poder da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho e alterar normas para permitir, por exemplo, que o empregador deixe de pagar salário ao empregado do campo. Nesse caso, a remuneração poderá ser feita por “qualquer espécie”, como alimentação e moradia. As informações são do Valor Econômico.
Para não aumentar ainda mais a resistência à sua proposta, o relator da reforma trabalhista, Rogério Marinho (PSDB-RN), deixou de fora 192 mudanças legislativas reivindicadas pela bancada ruralista. Esses itens, agora, serão rediscutidos em um projeto do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da frente parlamentar.
Segundo o Valor, o texto aumenta para até 12 horas a jornada diária por “motivos de força maior” e permite a substituição do repouso semanal dos funcionários por um período contínuo, com até 18 dias de trabalho seguidos. Autoriza, ainda, a venda integral das férias dos empregados.
“Existe preconceito muito grande da Justiça do Trabalho com o trabalhador rural”, diz Nilson Leitão. Para ele, as leis trabalhistas e os regulamentos expedidos pelo Ministério do Trabalho são elaborados com base nos conhecimentos adquiridos no meio urbano, desprezando “usos, costumes e a cultura do campo”.
Deputados e entidades ligados à agricultura familiar, como a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados (Contar) Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag), classificam a proposta como ataque ainda maior aos direitos trabalhistas.
“As normas existentes são esparsas e em grande medida, subjetivas, dependentes das interpretações dadas pelos auditores fiscais do Trabalho e da própria Justiça do Trabalho em determinados casos, o que põe o produtor rural em situação de insegurança jurídica, tornando os altos gastos efetuados para o atendimento destas normas, um investimento de risco”, alega o tucano na justificativa do projeto de lei.
Indígenas
Nilson Leitão é conhecido como um dos principais porta-vozes dos ruralistas no Congresso. No ano passado, foi um dos autores do pedido de criação da CPI da Funai, comissão que relatou. Também foi o presidente da comissão especial que aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC 215) que transfere, do Executivo para o Legislativo, a palavra final sobre o reconhecimento das terras indígenas.
Conforme reportagem da Pública, Nilson angariou R$ 1,43 milhão do setor agropecuário dos R$ 2,46 milhões investidos na campanha.
O deputado é investigado no STF por suspeita de envolvimento com outra quadrilha, acusada de invadir reiteradamente a terra indígena Marãiwatsédé, em Mato Grosso. Em setembro, 13 pessoas do grupo foram denunciadas pelo Ministério Público Federal do estado pelos crimes de invasão de terras públicas, resistência, associação criminosa, incêndio, roubo, corrupção ativa, incitação ao crime e crime de dano. “É terceiro falando pro quarto sobre um quinto”, diz Nilson Leitão, sobre as escutas telefônicas nas quais integrantes do grupo afirmam haver um pedido do deputado por 30 lotes da invasão. “Eu nunca fui lá, nunca pisei lá. Aliás, fui numa comissão externa da Câmara, com outros deputados, ficamos duas horas em cima de um caminhão e voltamos.”
Nota enviada pela Frente Parlamentar da Agricultura sobre PL 4662/2016:
“Sobre notícia publicada nesta terça-feira (02/05) pelo jornal Valor Econômico, “Leis do trabalho rural devem mudar”, é preciso esclarecer, em nome da verdade, que o Projeto de Lei 6442/2016 nunca levantou a hipótese de diminuir o salário em troca de casa e comida. Ao contrário, o que o projeto prevê são acréscimos beneficiando o trabalhador por conta de acordos previamente firmados. Ou seja, só há benefícios ao trabalhador acordados antecipadamente.
Não se mexe no salário. Ele é sagrado. O texto do projeto em nenhum momento prevê a possibilidade de o trabalhador passar a ser remunerado tão somente com o fornecimento de sua habitação e alimentação necessária à sua sobrevivência. Tal possibilidade é fantasiosa.
Observe-se no § 4º, do art. 16 que “a cessão pelo empregador, de moradia e de sua infraestrutura básica, assim como, bens destinados à produção para sua subsistência e de sua família, não integram o salário do trabalhador”. Ou seja, qual é a dúvida que o salário está preservado? E mais, que uma coisa não tem nada a ver com a outra?
Algumas pessoas por incompreensão do texto, ou mesmo por total desconhecimento decorrente da falta de leitura, têm levantado hipóteses que definitivamente não são verdadeiras, como, por exemplo, no possível estabelecimento de jornada de 12 horas diárias. O tema jornada de trabalho está descrito no art. 6º que assim diz: “A duração do trabalho normal não será superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais”. Observe-se ainda que a jornada semanal, por exemplo, está definida na Constituição Federal, logo, seria impossível alterá-la por meio de lei ordinária. Ou seja, faltam com a verdade essas pessoas que se manifestam nesse sentido.
Sobre o trabalho contínuo, conforme consta do projeto, a fim de possibilitar melhor convívio familiar e social, o trabalhador rural que desenvolva sua atividade laboral em local distante de sua residência poderá, mediante solicitação e sujeito à concordância do empregador, usufruir dos descansos semanais remunerados em uma única vez, desde que o período trabalhado consecutivamente não ultrapasse 18 (dezoito) dias. Observe-se que não há supressão alguma do direito atualmente existente, o texto apenas permite que o trabalhador escolha a forma como prefere gozá-lo.
Não se trata de uma premissa impositiva do empregador, mas sim de um benefício que pode estar amparado pela legislação, e só pode ser exercido desde que seja requerido pelo trabalhador, que muitas vezes perde muito tempo – chegando a dias em alguns casos – no deslocamento até sua residência. Hoje, no meio urbano, essa hipótese é socialmente aceita, basta ver o caso dos trabalhadores em plataformas petrolíferas, cruzeiros marítimos, dentre outros.
As propostas legislativas apresentadas por parlamentares, além de serem uma forma de sua legítima atuação mandatária para propor ou mesmo rever determinada legislação que afeta a sociedade, consiste em verdadeiro convite para a promoção do diálogo social dentro do Congresso Nacional, por todos os atores sociais envolvidos ou interessados.
No que se refere ao PL 6442/2016 não é diferente, vários são os dispositivos em que se busca uma necessária atualização ou adequação às necessidades do campo, já que boa parte da legislação aplicável ao setor decorre de normas tipicamente urbanas.
Eventuais ajustes em propostas legislativas complexas, como é o caso, são absolutamente normais, todavia, o que não se pode admitir é a prática de um “terrorismo social” por parte de pessoas que sequer leram o texto, ou por aquelas que dolosamente o desvirtuam como forma de promoção pessoal ou de promoção de discursos de conveniência.”
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), representada por seu presidente, deputado Paulão (PT-AL), embarca hoje de Brasília com destino a Genebra, na Suíça, para participar da Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
A RPU, como é conhecida essa revisão, é um mecanismo da ONU que monitora a cada quatro anos e meio a situação dos Direitos Humanos nos países membros. A elaboração do relatório brasileiro é responsabilidade do Governo Federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, e será debatido em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU na próxima sexta-feira (05.05).
Em janeiro de 2017, a CDHM solicitou à então secretária especial dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan, à época autoridade máxima do Executivo na temática, a inclusão no relatório oficial do governo de um documento produzido pela assessoria técnica da Comissão que listava 40 proposições em tramitação no Congresso Nacional que ameaçam a garantia dos Direitos Humanos de parcela significativa da população brasileira.
A CDHM tem contribuído ao processo de Revisão Periódica Universal (RPU), seja produzindo sugestões de conteúdo, seja realizando audiências públicas para debater a versão prévia do relatório do Executivo com participação de representantes do Itamaraty, Ministério de Direitos Humanos, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e de organizações da sociedade civil credenciados junto à ONU.
Em Genebra, o presidente da CDHM pretende contribuir para conscientizar a comunidade internacional sobre o cenário grave de violações de Direitos Humanos recorrentes no território brasileiro, listando temas importantes como o aumento no número de mortes em conflitos agrários, a vulnerabilidade dos povos indígenas, chacinas em presídios e a escalada de violência institucional praticada por agentes do Estado contra manifestantes, bem como a criminalização articulada entre setores estatais de lideranças de movimentos sociais.
O deputado Paulão deverá participar na tarde da sexta-feira de uma sessão paralela à oficial, promovida por organizações da sociedade civil que monitoram os Direitos Humanos no mundo e no Brasil. O parlamentar deverá apresentar sua avaliação divergente da versão do governo Temer, por meio de relatos demonstrando agravamento de conflitos sociais, violações e arbitrariedades praticadas contra a população, em especial as minorias. Com isso, pretende enriquecer a discussão que se dará no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU acerca da situação real de ataques aos direitos fundamentais previstos na Constituição do Brasil, tanto os relacionados ao indivíduo como aos que defendem a coletividade.
O retorno da missão está previsto para a noite do sábado, com chegada ao Brasil no domingo (07.05)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem a público repudiar os ataques perpetrados contra o povo Gamela, ocorrido no Povoado de Bahias, município de Viana (MA) no dia 30 de abril de 2017, e mais uma vez denunciar o genocídio que está em trâmite no Estado brasileiro contra os povos indígenas.
As lideranças do Povo Gamela já vinham denunciando os planos de fazendeiros para matar lideranças de seu povo. No entanto, mais uma vez as autoridades competentes se omitiram diante das graves violações praticadas contra os povos indígenas seja por agentes estatais, seja por entes privados com o aval do Estado.
Não admitimos mais a morte de nosso povo e iremos até as instâncias internacionais cobrar a responsabilização daqueles que de forma descarada violam e incitam violências contra nossas comunidades confiando na impunidade de seus atos.
O direito ao território é um direito sagrado e não recuaremos um palmo de terra retomada. O massacre contra o povo Gamela envolvendo inclusive a amputação de membros do corpo de dois indígenas com mãos decepadas, cinco baleados e 13 lideranças feridos a golpes de facão e pauladas, que só não resultou em morte pela proteção de nossos encantados, pois o comando era para matar.
Somos povos originários desta Terra e exigimos respeito! Com tantas omissões e violações sistemáticas o Estado brasileiro declara guerra aos povos originários que lutam por justiça e o direito de viver dignamente como seres humanos.
Conclamamos todos e todas defensores e defensoras dos direitos humanos a cobrar do Estado brasileiro providências, pois basta de genocídio de nosso povo!
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil,
Parem o genocídio dos Povos Indígenas!
Por nenhum direito a menos!
Nós, povos e organizações indígenas do Brasil, mais de quatro mil lideranças de todas as regiões do país, reunidos por ocasião do XIV Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília/DF de 24 a 28 de abril de 2017, diante dos ataques e medidas adotadas pelo Estado brasileiro voltados a suprimir nossos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil, vimos junto à opinião pública nacional e internacional nos manifestar.
Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais, essenciais para a preservação da vida e o bem estar da humanidade, bem como devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos.
Desde que tomou o poder, o governo Michel Temer tem adotado graves medidas para desmantelar todas as políticas públicas voltadas a atender de forma diferenciada nossos povos, como o subsistema de saúde indígena, a educação escolar indígena e a identificação, demarcação, gestão e proteção das terras indígenas. Além disso, tem promovido o sucateamento dos já fragilizados órgãos públicos, com inaceitáveis cortes orçamentários e de recursos humanos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e com nomeações de notórios inimigos dos povos indígenas para cargos de confiança, além de promover o retorno da política assimilacionista e tutelar adotada durante a ditadura militar, responsável pelo etnocídio e genocídio dos nossos povos, em direta afronta à nossa autonomia e dignidade, garantidos expressamente pela Lei Maior.
No Legislativo, são cada vez mais frontais os ataques aos direitos fundamentais dos povos indígenas, orquestrados por um Congresso Nacional dominado por interesses privados imediatistas e contrários ao interesse público, como o agronegócio, a mineração, as empreiteiras, setores industriais e outros oligopólios nacionais e internacionais. Repudiamos com veemência as propostas de emenda constitucional, projetos de lei e demais proposições legislativas violadoras dos nossos direitos originários e dos direitos das demais populações tradicionais e do campo, que tramitam sem qualquer consulta ou debate junto às nossas instâncias representativas, tais como a PEC 215/2000, a PEC 187/2016, o PL 1610/1996, o PL 3729/2004 e outras iniciativas declaradamente anti-indígenas.
Igualmente nos opomos de forma enfática a decisões adotadas pelo Poder Judiciário para anular terras indígenas já consolidadas e demarcadas definitivamente, privilegiando interesses ilegítimos de invasores e promovendo violentas reintegrações de posse, tudo sem qualquer respeito aos mais básicos direitos do acesso à justiça. A adoção de teses jurídicas nefastas, como a do marco temporal, serve para aniquilar nosso direito originário às terras tradicionais e validar o grave histórico de perseguição e matança contra nossos povos e a invasão dos nossos territórios, constituindo inaceitável injustiça, a ser denunciada nacional e internacionalmente visando à reparação de todas as violências sofridas até os dias de hoje.
Soma-se a essa grave onda de ataques aos nossos direitos o aumento exponencial do racismo institucional e a criminalização promovidos em todo o País contra nossas lideranças, organizações, comunidades e entidades parceiras.
Diante desse drástico cenário, reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem estar de todas as formas de vida.
Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena
Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos