Foto: Ruy Sposati/Cimi

Com pesquisa sobre insegurança alimentar, entidades pedem a Cidh urgência no caso dos Guarani e Kaiowá

Foto: Ruy Sposati/Cimi
Foto: Ruy Sposati/Cimi

A Aty Guasu, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a FIAN Brasil, a FIAN Internacional e a Justiça Global apresentaram novas informações à denúncia oferecida contra o Estado brasileiro no caso envolvendo violações de direitos humanos de cinco comunidades dos povos indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul: Apyka’i, Guaiviry, Kurusu Ambá, Ñande Ru Marangatu e Ypo’i.

Foram incluídos achados da pesquisa recém-lançada sobre insegurança alimentar e nutricional nesses territórios; o contexto do marco temporal, que ameaça as demarcações; e um relato sobre a morte da xamã Damiana Cavanha, liderança histórica do tekoha Apyka’i.

O memorial entregue no dia 27 de fevereiro à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), em Washington (EUA), expõe as violações em especial quanto à soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN) dos dois povos. As peticionárias caracterizam a situação como um quadro de violência estrutural e sistêmica e recorrem ao artigo 29 da instância, que trata de casos de urgência ou gravidade. A Cidh é um órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA).

“Trazemos mais uma vez para o mundo a questão do nosso povo”, diz o líder da comunidade de Kurusu Ambá, Elizeu Lopes, conselheiro da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá. “Estamos cercados. Expulsos dos nossos territórios, baleados à queima-roupa, envenenados por agrotóxicos, atacados com leis no Congresso Nacional. É muito triste trazer essa realidade para fora do país, mas precisamos trazer, porque é o dia a dia que vivemos com nossas crianças, com nossos avós, com nossos anciãos.”

Precariedade e vulnerabilidade

A pesquisa lançada em fevereiro pela FIAN com o Cimiatualiza a situação de três comunidades estudadas em 2013 (Guaiviry, no município de Aral Moreira; Kurusu Ambá, em Coronel Sapucaia; e Ypo’i, em Paranhos) e inclui outras duas (Apyka’i, em Dourados, e Ñande Ru Marangatu, em Antônio João). Os números mostram uma melhora em relação a dez anos atrás, mas também a persistência de um quadro de precariedade e vulnerabilidade.

Enquanto no levantamento de 2013 não houve nenhum domicílio em situação de segurança alimentar e nutricional (SAN), no de agora, naquelas três áreas, esse percentual foi de 15,0% – um dado que reforça a importância das retomadas de terras tradicionais para a alimentação e a promoção da saúde das famílias. Quase 95% dos entrevistados e entrevistadas associaram essa mudança à permanência no tekoha – “lugar onde se é”, ou em que se pode viver plenamente.

Cabe ressaltar que o índice de segurança alimentar e nutricional (SAN) é muito pior que aquele verificado no conjunto da população brasileira em 2022, sob o impacto de dois anos de pandemia.

“Além disso, como alertamos nesta nova ida à comissão, esse elemento de estabilização e melhoria – a demarcação das terras – está totalmente inviabilizado no momento, com a aprovação da lei inconstitucional do marco temporal”, ressalta o membro do Cimi Flávio Vicente Machado. O dispositivo só permite aos indígenas reivindicar áreas que estivessem ocupando quando foi promulgada a atual Constituição Federal, em 1988. Os deputados e senadores votaram a favor da tese mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerá-la inconstitucional, e derrubaram o veto do presidente Lula a ela, inscrevendo-a na Lei 14.701, de 2023, já contestada na Justiça.

Como demonstração do grave cenário, as entidades destacam no memorial o caso da matriarca Damiana Cavanha, de Apyka’i. Ela passou por toda sorte de violações de direitos e violências na vida – como perder vários membros da família em atropelamentos – e morreu aos 84 anos em novembro, em condições a esclarecer, sem ver reconhecido seu tekoha, que no momento está sem moradores e em risco de desaparecer.

“Outro elemento que agregamos é o dos direitos econômicos, sociais e culturais, os Desc”, relata o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil Adelar Cupsinski, citando como exemplo a total ligação do bem-viver e da espiritualidade das duas etnias com a terra e a produção de alimentos. “Como signatário do pacto internacional que protege essas dimensões da cidadania, o Pidesc, nosso país tem o dever de honrá-lo. Mais um motivo para a admissão e a priorização do caso. Sem a terra demarcada, os Desc não são viabilizados.”

Para o coordenador do programa de Justiça Internacional da Justiça Global, Eduardo Baker, o caso permite ao sistema interamericano aprofundar sua discussão sobre esses direitos no contexto específico dos indígenas no Brasil. “É algo ainda pouco explorado por seus órgãos”, observa. “Vale lembrar que a própria Cidh elegeu os direitos econômicos, sociais e culturais como um de seus três temas prioritários e os povos indígenas como uma população prioritária para os próximos anos. É uma oportunidade para conciliar a agenda do órgão com uma demanda de reversão de um quadro estrutural de violações.”

“A situação das cinco comunidades é emblemática e consegue representar as principais violências que assolam há décadas os Kaiowá e Guarani, então esperamos que a análise e as providências beneficiem as outras 55 retomadas e o povo como um todo”, acrescenta Flávio Vicente Machado, do Cimi.

A Cidh tem uma “fila” de pedidos e, quando decide pela admissibilidade de um deles, abre um processo que pode resultar em recomendações a um Estado nacional. Descumpri-las pode levar a um julgamento na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), como aquele em que o governo brasileiro foi condenado a demarcar o território indígena e indenizar o povo Xukuru.

Histórico

A petição inicial submetida à comissão da OEA já completou sete anos. Em dezembro de 2019 o Estado brasileiro apresentou sua resposta e em julho de 2020 as peticionárias fizeram observações a essa manifestação.

“Na prática, não mudou nada, a não ser quando retomamos nossos territórios por conta própria, conseguindo um pedaço de mato, um rio, um mínimo para sobreviver”, pontua Elizeu Lopes, lembrando das visitas de duas relatoras da ONU, comissões do Parlamento Europeu e outras missões internacionais. “Esperamos agora, pelo menos, ter um retorno sobre a denúncia e que ela pressione o governo do estado e o governo brasileiro. Que diminua a perseguição e que sejam punidos os assassinos de Xurite Lopes, Dorvalino Rocha, Nísio Gomes, Ronildo Ramires. Não queremos que esse massacre continue.”

Pesquisa detalha insegurança alimentar e nutricional em retomadas guarani e kaiowá

Agricultora indígena no tekoha Ypo’i. Foto: Ruy Sposati/Cimi

A FIAN Brasil lançou o relatório Insegurança Alimentar e Nutricional em Retomadas Guarani e Kaiowá – Um Estudo em Cinco Territórios Indígenas do Mato Grosso do Sul. A pesquisa atualiza a situação de três comunidades estudadas em 2013 (Guaiviry, no município de Aral Moreira; Kurusu Ambá, em Coronel Sapucaia; e Ypo’i, em Paranhos) e inclui outras duas (Apyka’i, em Dourados, e Ñande Ru Marangatu, em Antônio João). Acesse o livro e veja como foi o lançamento.

“Com esta pesquisa, pudemos avaliar a importância das retomadas das terras tradicionais para a alimentação e a promoção da saúde das famílias”, comenta a secretária-geral da organização, Nayara Côrtes Rocha. “Os números mostram uma melhora em relação a dez anos atrás, mas também a persistência de um quadro de precariedade e vulnerabilidade.”

No levantamento de 2013, não houve nenhum domicílio em situação de segurança alimentar e nutricional (SAN). No de agora, naquelas três áreas, esse percentual foi de 15,0%, Côrtes lembra que 94,9% das famílias associaram essa mudança à permanência no tekoha – “lugar onde se é”, ou em que se pode viver plenamente. A insegurança alimentar e nutricional (InSAN) grave (fome) e a moderada diminuíram, ao passo que a leve subiu.

“Cabe ressaltar que o índice de SAN é muito pior que aquele verificado no conjunto da população brasileira sob o impacto de dois anos de pandemia. Mesmo computando os dados de Ñande Ru Marangatu, que não estava no levantamento anterior e eleva o índice para 23,3%.”

Comparação dos dados das pesquisas realizadas em 2013 e em 2023 pela FIAN Brasil nas áreas de retomada guarani e kaiowá (Mato Grosso do Sul, Brasil)

 “A dimensão alimentar depende de uma série de outros elementos”, comenta a professora Verônica Gronau Luz, uma das coordenadoras do estudo. “Os indicadores socioeconômicos e sanitários constatam a escassez de água, a exposição a agrotóxicos, as limitações de transporte e mobilidade, a falta de acesso a educação e saúde.”

 A docente da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) lembra, ainda, o desafio de um solo empobrecido por desmatamento, monocultura e pastagem ao longo de décadas. “Muitos moradores e moradoras relatam, por exemplo, a dificuldade de capinar a braquiária e o colonião sem equipamentos, bem como a ocorrência fora do comum de formigas e outros animais afugentados pela pulverização intensiva das fazendas no entorno.”

A pesquisa de 2023 mostra tanto o peso de programas assistenciais como o Bolsa Família e as cestas de alimentos – uma expressão das possibilidades limitadas de soberania ou autonomia alimentar – quanto a negação do acesso a esses direitos por racismo institucional.  

Casos emblemáticos

As áreas estudadas têm em comum a luta histórica pela reocupação de seus territórios originários, o processo de demarcação estagnado e as mortes violentas de lideranças ao longo do movimento de retorno e autodemarcação territorial. “Foi difícil, para as lideranças da Aty Guasu, escolher apenas cinco retomadas de um universo de 60 que diariamente registram um quadro de violações generalizadas”, pontua o membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Flávio Vicente Machado. “Foram ao menos dois anos de assessoria jurídica e política especializada, por parte das organizações aliadas, às lideranças. O consenso resultou na identificação de comunidades emblemáticas dessa luta.”

Ele adianta que o retrato atualizado dessa realidade será incorporado à petição encaminhada em 2016 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), em conjunto também com a FIAN Internacional e a Justiça Global. “Denunciamos ali o quadro histórico de violência e esbulho, ora sob omissão do Estado brasileiro, ora com sua contribuição ativa”, diz. “Esta nova documentação criteriosa aumenta a chance de admissão da petição baseada nas demandas dessas populações quanto a seus direitos territoriais, à vida, à integridade pessoal e às garantias e proteções judiciais, entre outros direitos civis, políticos e sociais. E o seu resultado beneficiará todo o povo Guarani e Kaiowá.”

Para o integrante do Conselho da Aty Guasu Genito Gomes, líder do tekoha de Guaiviry, a parceria dará mais visibilidade ao cenário de massacre. “As falas dos nossos grandes pais e mães trouxeram a voz sagrada para o relatório, que levará o nosso clamor às autoridades e mostrará como a gente vive”, diz. “Não dá mais para os fazendeiros seguirem nos matando, não dá mais para derramar sangue indígena.”

Genito aponta o Marco Temporal como uma lei criada pelos não indígenas para exterminar esses povos. A tese, inscrita na Lei 14.701/2023 pelos deputados e senadores, condiciona o direito territorial indígena à ocupação dos locais na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que precisará voltar à questão. “Nós não aceitamos essa lei”, enfatiza. “Nossos grandes pais e mães criaram esta terra para a gente viver com saúde, plantar nosso próprio alimento – mandioca, milho, arroz, abóbora, feijão, banana.”

Metodologia mista e protagonismo

O estudo combina dados quantitativos e qualitativos. A parte quantitativa teve como principal instrumento de coleta um questionário construído com o apoio da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O questionário passou por validação com a população do estudo por meio dos entrevistadores e das entrevistadoras da pesquisa.

“Foram várias etapas de aprimoramento, ouvindo pessoas-chave, até chegar ao aplicativo de celular usado nas entrevistas”, conta o pesquisador Lucas Luis de Faria, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que coordenou o trabalho com Verônica Gronau. “Essa metodologia não foi ao acaso. Ter as comunidades como protagonistas era um pressuposto e foi fundamental tanto em termos de legitimidade quanto de qualidade.” Houve várias devolutivas, conversas para apresentação dos resultados e escuta.

As dimensões qualitativas abrangeram a etnografia colaborativa e multissituada, observações de campo, registros fotográficos e escritos, história oral, descrições realizadas no decorrer das atividades de capacitação e entrevistas.

“Para realizar as entrevistas capacitamos 17 pessoas das próprias comunidades”, conta a pesquisadora Indianara Ramires Machado, mestre pela Universidade de São Paulo (USP). “Muitas delas destacaram a oportunidade de conhecer melhor as condições de vida das famílias ou viram mais a fundo coisas com que tinham contato no atendimento de saúde ou no cotidiano escolar. Algumas se mostraram interessadas no fazer científico. Que esse oguata [caminhada] seja mais um meio de empoderamento indígena”, completa a integrante da Ação dos Jovens Indígenas de Dourados (AJI).

A ideia é que as adaptações do app da Rede Penssan e da Escala de Insegurança Alimentar Indígena sirvam a pesquisas com outras etnias em todas as regiões do país.

Pressão pela garantia de direitos

“Queremos que o material tenha o máximo possível de usos, tanto na academia como na incidência – a pressão para que o poder público cumpra suas obrigações”, diz o antropólogo da Universidade de Lisboa Felipe Mattos Johnson, também da equipe, exemplificando com as manifestações do Abril Indígena em Brasília e em todo o país.

“Tudo o que vimos e ouvimos nesta construção reafirma que as condições para que os Guarani e Kaiowá possam viver de forma plena só estarão garantidas a partir de um conjunto de elementos, cosmológicos e institucionais, fortalecidos com a demarcação dos territórios.”

Retrospectiva 2023 e próximos passos

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Em 2023, entre muitas outras lutas, construções e vitórias,

fizemos parte da resistência ao “PL do Veneno” diante de um Congresso fortemente ruralista;

participamos centralmente, como FIAN Brasil e no Observatório da Alimentação Escolar, da pressão que garantiu o reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), além de documentar os avanços na execução do programa e denunciar as ameaças legislativas às suas diretrizes;

apoiamos uma oficina para jornalistas para uma cobertura mais densa sobre a fome;

participamos de diversos espaços de debate e construção coletiva, a exemplo da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;

estivemos em articulações com organizações de outros países para fazer frente a violações de direitos cometidas por empresas transnacionais;

vimos nosso conhecimento sistematizado resultar num guia para defensores públicos/as;

integramos a resistência ao Marco Temporal, caso em que a vitória no STF teve contribuição jurídica nossa;

lançamos um estudo sobre as desigualdades nos sistemas alimentares.

Em 2024, ao lado de muitas outras frentes,

continuaremos atuando nos espaços de participação, atentas/os às iniquidades e conflitos de interesse, promovendo a alimentação escolar adequada (inclusive em termos culturais), apoiando as lutas dos Guarani e Kaiowá e dos geraizeiros, integrando iniciativas internacionais, disseminado informação, trocando experiências, incidindo nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para que o Estado cumpra suas obrigações.

E queremos você ainda mais junto da gente na defesa do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, o Dhana.

Bora?

#FIANBrasil #2024 #Dhana

Ofício ao MDH requer apuração dos novos casos de violência contra os Guarani e Kaiowá

Na quarta-feira (20) a FIAN Brasil enviou ofício ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) requerendo o acompanhamento e providências do órgão Federal para a apuração de todas as violências cometidas contra os indígenas do tekoha Pyelito Kue/Mbaraka’y, bem como contra a antropóloga Carolina Porto e o jornalista Renaud Philippe, registradas no último 22 de novembro.

No documento, a secretaria-geral juntamente com a assessoria de direitos humanos da FIAN Brasil também solicitaram o apoio e acompanhamento do MDHC para que o processo administrativo demarcatório do tekoha Pyelito Kue/Mbaraka’y seja concluído em prazo razoável pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.

O tekoha Pyelito Kue/Mbaraka’y é uma área reivindicada como território tradicional indígena na cidade de Caarapó, município a cerca de 140 quilômetros de Iguatemi, no estado de Mato Grosso do Sul. A região tem sido palco de conflitos fundiários que envolvem comunidades indígenas e fazendeiros.

A FIAN Brasil tem acompanhado os povos indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul desde 2005 e, nos últimos anos, fazendeiros da região têm intensificado os graves ataques contra esta população.

Recentemente, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) noticiou o caso em vídeo e reportagem especial, em que os indígenas, a antropóloga e o jornalista relatam a brutalidade do ataque.

O caso também vem sendo acompanhado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), que em sua 60ª Reunião Plenária Ordinária, aprovou a Recomendação 27/2022, dirigida a diferentes instâncias do Estado brasileiro. No documento, o CNDH argumenta que desde 2015 a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá (Aty Guasu) já contabilizou mais de 40 ataques contra povos indígenas do Mato Grosso do Sul, e afirma que os conflitos em áreas de retomadas não constituem casos isolados, mas fazem parte de uma série de ataques sistemáticos contra esses povos, e que precisam ser devidamente investigados.

Para saber mais, acesse os documentos O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá e O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: Enunciados Jurídicos.

FIAN Brasil

FIAN Brasil anuncia vaga para consultoria

A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas anuncia a abertura de processo seletivo para a contratação temporária de consultor/a para desempenhar atividades de pesquisa, sistematização, revisão bibliográfica e escrita do (i) Protocolo do Programa Nacional de Alimentação Escolar para o judiciário e do (ii) Guia de implementação e exigibilidade do Pnae.

A contratação será na modalidade remota, no período entre fevereiro e agosto de 2024. No entanto, é necessário ter disponibilidade para atividade(s) presencial(is) em Brasília.

As pessoas interessadas em se candidatar devem encaminhar currículo e carta de motivação até 23h59 minutos do dia 28 de dezembro de 2023, para o e-mail indicado no Termo de Referência.

As entrevistas serão realizadas em janeiro e a resposta sobre a contratação está prevista para o dia 29 de janeiro de 2024.

Estamos comprometidos em dar oportunidade igual a todas as pessoas, a partir de critérios que valorizam a diversidade, incentivando particularmente a candidatura de mulheres, negras e negros, indígenas, LGBTQIAPN+ e pessoas portadoras de deficiência.

Acesse todas as informações no Termo de Referência, disponível AQUI.

FIAN Brasil

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Estudo da FIAN Brasil examina conexões entre sistemas alimentares e iniquidades – e caminhos para enfrentá-las

A FIAN Brasil lançou nesta terça-feira (19) o livro Prato do Dia: Desigualdades. Raça, Gênero e Classe nos Sistemas Alimentares. A publicação compila os resultados de estudo conduzido em 2022 e 2023 por três pesquisadoras e dois pesquisadores, sob supervisão da entidade. Um material que investiga narrativas e dados sobre a forma como se expressam as iniquidades ao longo do processo alimentar.

Os resultados mostram como as iniquidades (as desigualdades injustas e produzidas pela sociedade) contribuem para as diversas violações do direito humano à alimentação e nutrição adequadas (Dhana) vivenciadas por brasileiros e brasileiras. E como marcam, historicamente, os sistemas alimentares e o processo alimentar, afetando de forma mais intensa a vida de pessoas negras, mulheres e crianças, e daqueles/as com mais baixa renda.

O estudo analisa dados quantitativos (numéricos) pré-pandemia (2017-2018) coletados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE. Também mergulha em textos públicos de organizações de diferentes setores da sociedade – comercial, movimentos sociais, entidades profissionais e academia, além de uma década de conferências nacionais vinculadas a políticas setoriais.

“Com a leitura integrada desse conjunto amplo de dados pudemos observar como o problema das desigualdades no acesso, no consumo, no produção e no processamentos dos alimentos é tratado de forma generalizada e, em alguns momentos, naturalizada”, comenta a coordenadora da investigação, Veruska Prado Alexandre-Weiss. “Chamou-nos atenção que, mesmo entre setores mais críticos da sociedade, é como se o que vivemos até aqui, na formação do Brasil, estivesse naturalizado a ponto de ser imutável.”

Para Veruska, a principal contribuição da pesquisa “é um alerta à necessidade de sermos mais específicos em nossas falas sobre desigualdades e iniquidades relacionadas ao acesso à alimentação, assim como a efetivação de todos os demais direitos humanos, uma atitude fundamental neste novo ciclo de gestão pública”.

A coautora Rute Costa avalia que “precisamos avançar na compreensão das interações complexas do racismo e do sexismo no contexto dos sistemas alimentares”. “Essas tecnologias de opressão social produzem profundas desigualdades e insegurança alimentar, mas também um estado de ‘proteção’, a depender do grupo social a que a pssoa pertença”, analisa.

A seu ver, “não é possível superar a insegurança alimentar sem enfrentarmos o racismo e o sexismo, produtores de barreiras à realização do direito humano à alimentação adequada”.

“A narrativa hegemônica da chamada ‘guerra contra a fome’ encobre as desigualdades que estão na base da crise alimentar, baseando-se num antigo diagnóstico de que sua origem está na escassez de alimentos diante do constante aumento populacional,”, alerta a assessora de Políticas Públicas da FIAN Brasil Mariana Santarelli. Ela acrescenta que esse discurso coloca como centro da solução soluções tecnológicas para o aumento da produtividade – na linha “o agro é tech, o agro é pop” – somadas à filantropia.

“Queremos contribuir para a superação desse cenário, na perspectiva da construção coletiva e permanente de um Brasil sem injustiças sociais. E lembrar que se trata de uma obrigação do Estado, que deve ser cumprida – e funciona muito melhor – com participação social.”

Entre as dezenas de propostas aprovadas nas conferências e encontros nacionais analisados no estudo estão:

Promover arranjos locais que facilitem o acesso à alimentação adequada e saudável, como mercados populares com alimentos subsidiados, feiras livres, hortas urbanas coletivas e hortas em ambientes institucionais.

Oportunizar espaços de governança sobre políticas e ações públicas voltadas à população negra e a outros povos e comunidades, pautados na escuta e na participação ativa e efetiva das pessoas nos processos de tomada de decisões.

Equidade e saúde em pauta

O estudo integra o projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”, que a FIAN Brasil está concluindo. A iniciativa foi pensada para contribuir com o debate sobre as desigualdades em todas as etapas do processo alimentar – como produção, comercialização, consumo –, bem como para seu enfrentamento.

A ideia é que o conhecimento produzido embase estratégias para incidir nas compras públicas, aquelas realizadas por organizações do Estado. O chamado mercado institucional pode dar lastro a uma série de políticas.

Líderes guarani e kaiowá pedem apoio na defesa de seus territórios e do direito à alimentação

A partir desta segunda-feira (18) até 30 de setembro, dois representantes/líderes dos povos indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul (MS) estarão em viagem pela Europa para chamar a atenção para as violações estruturais de direitos humanos enfrentadas por seus povos e pedir aos formuladores de políticas europeus e aos órgãos de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que adotem medidas de apoio à sua luta. Eles estão acompanhados pela FIAN Brasil, FIAN Internacional e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Atualmente, no Brasil, 62% das terras indígenas e reivindicações territoriais existentes estão pendentes de regularização administrativa (demarcação). A insegurança fundiária está no centro de várias violações de direitos humanos e de um conflito brutal de terras que registrou 795 assassinatos de indígenas e 535 casos de suicídio nos últimos quatro anos (consulte CIMI, 2023). Os povos Guarani e Kaiowá do MS estão entre as principais vítimas dessa dura realidade. 

As atuais violações de direitos humanos, os conflitos socioterritoriais e as inseguranças vivenciadas pelos Guarani e Kaiowá são motivados por invasões de seus territórios tradicionais por empresas agroindustriais, latifundiários, condomínios de luxo, prisões ilegais e a expansão de megaprojetos de infraestrutura para o transporte de commodities. Os conflitos se materializam em ataques de milícias armadas formadas pelos próprios fazendeiros e seus sindicatos rurais, ações paramilitares e operações militares sem autorização judicial, promovidas pelas forças de segurança pública estaduais ou pela Força Nacional.

As violações dos direitos dos Guarani e Kaiowá à alimentação e nutrição adequadas têm origem na desapropriação histórica de suas terras ancestrais, das quais foram – e continuam sendo – expulsos; na exploração predatória de seus recursos naturais, incluindo a contaminação por agrotóxicos de seus rios, terra e ar; e na negação de praticamente todos os seus direitos humanos. Desde a dificuldade de acesso à documentação e aos serviços públicos, passando pela violência psicológica e física resultante do racismo generalizado, até a dependência de cestas básicas entregues irregularmente, todas essas violações culminam em índices alarmantes de insegurança alimentar e fome. A situação já terrível piorou consideravelmente durante os anos do regime de Bolsonaro e seu desmantelamento sistemático de políticas, programas e estruturas sociais, além da promoção de políticas e princípios anti-indígenas. 

Estudo da FIAN Brasil e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a ser lançado em breve, realizado em cinco comunidades guarani e kaiowá, constatou que 77% das famílias vivem com algum nível de insegurança alimentar, enquanto 33,6% das famílias não têm alimentos suficientes para a alimentação.

Durante a missão de defesa de seus direitos, os líderes guarani e kaiowá se reunirão com membros do Parlamento Europeu, com o Serviço de Ação Externa da Comissão Europeia, bem como com representantes de órgãos de direitos humanos e missões diplomáticas em Genebra. Eles também participarão da 54ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos e da análise do Brasil pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A FIAN Brasil, juntamente com outras organizações da sociedade civil, apresentou um relatório sobre a situação dos direitos econômicos, sociais e culturais no país. 

Haverá também um evento público em conjunto com várias outras organizações e redes brasileiras de direitos humanos para chamar a atenção para a situação dos povos indígenas e o contexto mais amplo dos direitos econômicos, sociais e culturais pós-Bolsonaro. 

Inaye Gomes Lopes, moradora da comunidade Ñanderu Marangatu – um dos locais participante da pesquisa e da petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – e vereadora no município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul, relata que a viagem à Europa tem como objetivo “exigir a demarcação de nossas terras, o reconhecimento das terras tradicionais, a homologação das terras, para dar voz aos jovens, às mulheres, aos nossos idosos. Clamar para que o mundo saiba como vivemos, como estamos vivendo no estado do Mato Grosso do Sul, como estamos sendo assassinados, como estamos sendo violados, massacrados, pelos próprios poderes do Estado brasileiro”.

Lopes espera que os funcionários da ONU/União Europeia notifiquem e exijam das autoridades brasileiras a implementação de seus direitos territoriais segundo estabelece a Constituição Federal. E que denunciem “como nossos direitos estão sendo violados, continuam sendo violados e estão sendo massacrados”.

Entre as reivindicações centrais estão a proteção efetiva dos povos indígenas contra os ataques violentos que sofrem nas retomadas de suas terras ancestrais, a conclusão dos processos de demarcação de seus territórios, além da rejeição da tese do “marco temporal” e do Projeto de Lei 2.903/23 (para obter mais informações, consulte o comunicado de imprensa da FIAN Brasil sobre a declaração de Francisco Cali a esse respeito).

Além disso, os legisladores e os formuladores de políticas europeus serão instados a garantir que os acordos comerciais existentes e atualmente negociados, bem como os investimentos e as ações das empresas sediadas ou com vínculos com a União Europeia e seus estados-membros, não alimentem o conflito fundiário nem contribuam para violações dos direitos do povo Guarani e Kaiowá. A proibição das exportações de agrotóxicos nocivos, proibidos na UE, para o Brasil e outros países é outra demanda fundamental.  

A FIAN Brasil e a FIAN Internacional acompanham os Guarani e Kaiowá desde 2005. Juntamente com a Aty Guasu, o Cimi e a Justicia Global, eles têm uma petição pendente de admissão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 

FIAN Internacional com FIAN Brasil

Fotos: Ruy Sposati/Cimi

Insegurança Alimentar e Nutricional nas Retomadas Guarani e Kaiowá

O livro tem como subtítulo Um Estudo em Cinco Territórios Indígenas no Mato Grosso do Sul.

Resumo executivo em inglês – Food and Nutrition Sovereignty and Security in the Guarani and Kaiowá territories of Mato Grosso Do Sul, Brazil

Assista à íntegra do lançamento, em 7 de fevereiro de 2024, e saiba mais sobre a metodologia, o processo e os achados da pesquisa.

Estudo analisa expressões da sociedade nas desigualdades de gênero, raça e classe no processo alimentar

Na próxima terça-feira, 19 de setembro, às 16h, a FIAN Brasil lança, em evento virtual e aberto ao público, o sumário e o livro Prato do Dia: Desigualdades. Raça, Gênero e Classe Social nos Sistemas Alimentares.

Realizada entre 2022 e 2023, a investigação analisa como diferentes segmentos da sociedade civil expressam as desigualdades, especialmente de gênero, raça e classe, no processo alimentar no Brasil, e como estas desigualdades emergem dos dados coletados na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017/2018).

“Nossa expectativa é desnaturalizar e retirar da invisibilidade mecanismos estruturantes como o machismo, o racismo e o classismo, de forma a contribuir com a construção de um Brasil sem injustiças sociais e com direitos humanos plenamente realizados”, registram as publicações que estarão em breve disponíveis aqui mesmo, no nosso site.

O estudo integra o projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”, realizado pela FIAN Brasil com apoio da Global Health Advocacy Incubator (GHAI).

Salve a data, garanta sua inscrição (vagas limitadas) e participe conosco.

Serviço

Lançamento: Prato do Dia: Desigualdades. Raça, Gênero e Classe Social nos Sistemas Alimentares

Dia: 19/09/2023

Horário: das 16h às 17h30

Local: Plataforma Zoom

Inscrições: bit.ly/lancamento_pratododia_desigualdades

Estudo sobre desigualdades de raça, gênero e classe social nos sistemas alimentares brasileiros

Trabalho conduzido em 2022 e 2023 por três pesquisadoras e dois pesquisadores, sob supervisão da FIAN Brasil, que investiga narrativas e dados sobre a forma como as iniquidades se expressam ao longo do processo alimentar.

Participaram como consultores/as Veruska Prado Alexandre-Weiss (coordenadora), Rute Costa, Patrícia Mourão, Pedro Rossi e Arthur Welle.

Acesse o relatório, o sumário e as notas metodológicas. Summary in English here.

Saiba mais.