Diálogo entre povos da Amazônia combate insegurança alimentar na região

Foto: MDSA

Na Amazônia, cenário de imensas riquezas naturais, pessoas passam fome – e não são poucas. Para se ter uma ideia do tamanho deste desafio para a população local, o índice médio de insegurança alimentar grave no Brasil, como um todo, gira em torno de 3,2%, enquanto na Amazônia a média é três vezes maior, de 9,7%. E pode alcançar 14% e até 24% entre comunidades indígenas e quilombolas, de acordo com a Escala Brasileira de Medida Domiciliar da Segurança Alimentar (Ebia), revelam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) 2004-2009-2013.

Políticas públicas aplicadas com bons resultados em outras regiões têm sido insuficientes e algumas vezes até inadequadas às características da Amazônia. “Qualquer avanço nesse sentido terá de começar por considerar as peculiaridades sociais e a realidade física da região Amazônica”, afirma a médica Ana Maria Segall, mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health (1986) e doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ana Maria Segall tem tido atuação ativa no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e, na última semana, participou do primeiro Seminário Pan-Amazônico de Proteção Social, realizado em Belém (PA). De acordo com ela, o encontro, promovido pelo Brasil e com a participação de representantes dos outros oito países amazônicos, marcou um momento importante para alavancar o diálogo permanente entre gestores e população, requisito básico para o sucesso das políticas públicas de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional.

A segurança alimentar e nutricional foi definida pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Losan/2006) como o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. O quadro inverso, é o de insegurança alimentar. E, nas situações de insegurança grave, o que se verifica mesmo é a fome.

Isolados por seis meses

Para começar, Ana Maria Segall lembra que a Amazônia abrange uma gigantesca área geográfica de nove estados, banhada pelos maiores rios do planeta, um clima de alta umidade, chuvas e enchentes constantes. “Há comunidades que ficam fisicamente isoladas durante seis meses. Como a população pode ter acesso a políticas públicas nestes locais sem um planejamento específico, juntamente com a comunidade?”, questiona a médica.

Nas chamadas “áreas secas”, o acesso também não é fácil. São áreas de florestas, com vegetações densas e grande biodiversidade que precisam ser protegidas. O que, de outro lado, dificulta a abertura de estradas ou outros meios de transportes terrestres. Assim, os caudalosos rios ainda são, mesmo difíceis, as principais vias de comunicação da Amazônia.

“Não podemos esquecer o contexto social, as questões organizacionais e históricas”, acrescenta Ana Maria Segall. São fazendeiros, colonos, extrativistas, ribeirinhos, exploradores, indígenas e quilombolas. Pessoas de diversas etnias e que falam diferentes idiomas – muitas vezes mais identificados pela cultura a que pertencem do que pelas fronteiras físicas onde moram. Em alguns locais, como em Santa Isabel do Rio Negro, onde a população é 95% indígena, a insegurança alimentar pode chegar a 24%.

Combate ao isolamento

Somados todos os fatores, e até por causa de alguns deles, a população local esteve quase sempre fora das tomadas de decisão acerca de seu próprio destino, amargando um isolamento histórico, cujas consequências são sentidas até hoje. O isolamento só acabará com o entendimento das realidades locais e a compreensão sobre como lidar com as características complexas da grande região da Amazônia, destaca a médica, que é também professora Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unicamp.

“Há necessidades de novas pesquisas. Faltam informações sobre os biomas extremamente ricos da Amazônia, os meios de produção, os modos de vida tradicionais, os sistemas alimentares – caracterizados pelos valiosos conhecimentos tradicionais de seus povos sobre plantas comestíveis e medicinais, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre, aquática e peixes”, aponta Ana Maria Segall.

Além do mais, esses sistemas estão ameaçados de extinção pelo desmatamento, a expansão da monocultura na região (especialmente soja e cana de açúcar), construção de barragens, concentração de terras e grandes projetos de infraestrutura. Todos estes desafios foram abordados com precisão pelo Consea, enfatiza Ana Maria Segall, na Carta da Amazônia, divulgada após o Encontro Temático “Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da Amazônia”, realizado em junho de 2015.

“O que precisamos agora é prosseguir no diálogo com a sociedade civil, para adequarmos as políticas públicas aos povos da Amazônia e implantar uma fiscalização mais eficiente das mesmas, inclusive por meio do controle social”, conclui a professora.

Leia aqui a Carta da Amazônia

Fonte: Ascom/Consea 

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