FIAN Brasil participa das atividades do Acampamento Terra Livre

Diante dos ataques e medidas adotadas pelo Estado brasileiro voltados a suprimir os direitos dos povos indígenas brasileiros, garantidos pela Constituição Federal e pelos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil, Brasília reuniu entre os dias 24 a 28 de abril a maior mobilização indígena dos últimos anos, durante o 14º Acampamento Terra Livre. Organizado pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e da Mobilização Nacional Indígena, o ATL reuniu mais de 4 mil indígenas.

A FIAN Brasil participou do Acampamento que contou com uma diversidade de agendas. No dia 25 de abril, a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, participou do debate sobre as ameaças aos direitos indígenas nos três poderes do Estado brasileiro. Na quinta-feira (27/04), a FIAN Brasil também integrou a comitiva, formada por de cerca de 30 indígenas e organizações da sociedade civil,  que participou de audiências com ministros e assessores do Supremo Tribunal Federal (STF). A comitiva, composta por lideranças e advogados indígenas, entregou documentos e firmou sua posição contra o Marco Temporal ao ministro Dias Toffoli, à ministra Rosa Weber e aos assessores dos ministros Marco Aurélio de Mello e Luís Roberto Barroso. Na ocasião, os ministros também receberam o diagnóstico sobre a situação alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiowá.

Campanha Marco Temporal

A FIAN Brasil, em parceria com a APIB, prepara uma campanha de informação sobre a tese Marco Temporal utilizado pelo Poder Judiciário. A campanha terá como principal objetivo informar e apresentar as ameaças que o Marco Temporal representa aos direitos dos povos indígenas e será lançada em meados de junho.

FIAN Brasil participa do Colóquio Internacional Elikadura²¹ no País Basco

“O futuro de desafios alimentares e agrícolas para o século XXI: debates sobre  quem, como e com que implicações sociais, econômica e ecológica alimentarão o mundo”, este foi o tema do Colóquio Internacional Elikadura²¹ realizado entre os dias 24 e 26 de abril, no País Basco. A FIAN Brasil participou do Colóquio com a apresentação de um artigo sobre o diagnóstico da situação alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiowá. O texto foi apresentado pelo assessor de direitos humanos da organização, Lucas Prates.

O principal objetivo do Colóquio é discutir a complexidade sobre o tema da alimentação, com a intenção de unir perspectivas de diferentes setores (o campesinato, pesca, instituições públicas e pesquisa). Os debates no Colóquio partiram de seis temas que orientaram a discussão: 1. O capitalismo, classe, agricultura, pecuária e pescas; 2. Mudança climáticas e convergências; 3. Modelos de desenvolvimento no contexto dos fluxos de capital, bens e pessoas; 4. O acesso e controle sobre os meios de produção; 5.Consumo, saúde, nutrição e do direito à alimentação; 6. Movimentos Soberania Alimentar. Mais informações sobre o Colóquio.

Indígenas reforçam posição contra o marco temporal a ministros do STF

Uma comitiva de cerca de 30 indígenas participou de audiências com ministros e assessores do Supremo Tribunal Federal (STF) na tarde desta quinta (27). A comitiva, composta por lideranças e advogados indígenas, entregou documentos e firmou sua posição contra o marco temporal ao ministro Dias Toffoli, à ministra Rosa Weber e aos assessores dos ministros Marco Aurélio de Mello e Luís Roberto Barroso.

A presença dos advogados e advogadas indígenas foi marcada presencial e juridicamente: Luiz Henrique Eloy, indígena Terena e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Joênia Batista, advogada Wapichana, Ricardo Weibe, advogado indígena Tapeba, participaram das audiências.  Junto com eles, o advogado indígena Dinamam Tuxá, assinou um documento que foi entregue em nome da Apib aos ministros e assessores.

Em argumentação jurídica assinada pelos quatro advogados indígenas, o documento manifesta a posição dos povos indígenas do Brasil pela demarcação de suas terras. Pede ainda que o STF faça prevalecer “os direitos fundamentais territoriais dos povos indígenas, respeitando-se o princípio fundamental da vedação do retrocesso a direitos fundamentais”.

Também acompanharam a comitiva os advogados e advogadas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Instituto Socioambiental (ISA) e da Fian Brasil.

“O STF é a instância máxima do nosso país, é muito importante que ele tome decisões conforme a Constituição Federal de 1988. Nenhum direito a menos, é isso que nós estamos esperando dessa casa”, afirma Joênia de Carvalho. A advogada foi a primeira indígena a fazer uma sustentação oral no STF, no ano de 2009, durante o julgamento a respeito da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388/RR), em Roraima.

Sua presença no STF, junto às lideranças e demais advogados indígenas, foi também simbólica: uma das principais ameaças aos direitos dos povos indígenas na atualidade, a tese do “marco temporal” foi pela primeira vez aplicada no julgamento que admitiu a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol.

“O Supremo acertou quando disse que o modelo de demarcação de terras indígenas no Brasil é o modelo de área contínua, ao reconhecer a demarcação conforme os critérios constitucionais. Por outro lado, a gente vem aqui protestar junto com todas as lideranças indígenas do Brasil contra algumas das condicionantes [do julgamento de Raposa Serra do Sol], e contra a má interpretação do marco temporal”, afirma Joênia.

Contra as indicações do próprio acórdão da decisão de Raposa, que dizia que a aplicação do marco temporal não deveria se estender a outras terras indígenas, ministros da Segunda Turma do STF anularam duas demarcações de terras indígenas em 2014. Com base numa interpretação equivocada e restritiva do marco temporal, as decisões afetaram os processos das TIs Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena.

Segundo a tese do marco temporal, conforme adotada pela Segunda Turma do STF, os indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

“A tese é totalmente inconstitucional, a Constituição reconheceu o direito indígena como direito originário e anterior a qualquer outro. Ela não está consolidada, é o posicionamento de alguns ministros. No entanto,  magistrados de primeira e segunda instância estão aplicando o marco temporal, determinando o despejo de comunidades inteiras e anulando processos de demarcação já consolidados”, afirma Luiz Henrique Eloy.

Preocupação das comunidades

Além dos advogados e advogadas indígenas e das organizações de apoio, lideranças indígenas de todas as regiões do Brasil também tiveram espaço para falar aos ministros.

“Estamos vivendo numa situação muito difícil lá no Mato Grosso do Sul por causa da não demarcação das nossas terras. Nós vivemos de violência, de massacre, sendo expulsos de nossas terras por causa deste marco temporal, que não está valendo como lei mas que na prática está funcionando”, afirmou à ministra Rosa Weber o Guarani Kaiowá Elizeu Lopes.

Outro ponto abordado nas falas e documentos foi a questão do acesso à justiça para os indígenas, um direito assegurado na Constituição Federal mas que, na prática, é negado em grande parte dos processos que resultam em decisões contrárias as comunidades.

“Vários magistrados não estão admitindo a participação das comunidades indígenas nos processos sob a alegação de que são tuteladas ou que não têm legitimidade para estar em juízo. É uma flagrante inconstitucionalidade, a Constituição Federal já reconheceu o direito dos povos indígenas de estar em juízo e os povos têm seus próprios advogados”, afirma Eloy.

Fonte: CIMI

Lideranças indígenas e dos movimentos sociais firmam compromisso com a luta dos povos originários

Microfone aberto no último dia da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL)! Lideranças indígenas brasileiras e estrangeiras, políticos, procuradores, representantes de organizações da sociedade e civil e movimentos sociais estiveram na plenária da manhã para apoiar as reivindicações dos povos indígenas e repudiar a ação truculenta da polícia nos protestos promovidos ao longo da semana, em Brasília.

Mais de quatro mil indígenas participam do acampamento. A expectativa inicial da organização era que um pouco mais de 1,5 mil pessoas estivessem na mobilização. A 14ª edição do ATL foi a maior da história.

O documento final do ATL será protocolado em vários ministérios e no Palácio do Planalto, na tarde de hoje (27/4), durante mais uma marcha dos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Também está prevista a visita de uma comitiva de líderes indígenas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). À noite, à partir das 19h, segue a programação cultural do acampamento, com uma a apresentação musical e a exibição do filme “Martírio”, de Vincent Carelli.

Movimentos sociais marcam presença no ATL

Integrantes do Ministério Público Federal (MPF), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros, estiveram no acampamento.

“Estamos juntos com vocês, lutando ao lado de vocês aonde vocês estiverem, contra as iniciativas do ministro da Justiça, que quer impedir a demarcação das terras. Estamos lutando junto com vocês contra o desmantelamento da Funai [Fundação Nacional do Índio]. Para mim, reconhecer as terras tradicionais é realizar justiça, que é o único modo de conseguir paz.” Luciano Maia, procurador da República

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Coordenador Nacional do MTST, Guilherme Boulos também esteve no ATL. Foto: Mídia NINJA / MNI

“O ATL é um exemplo de organização e dignidade. Tem mais coragem debaixo de cada barraca de lona do que atrás dos prédios envidraçados aqui em Brasília. A luta dos sem teto, assim como a dos sem terra, é herdeira da luta dos povos indígenas. Os povos indígenas ensinaram todo povo brasileiro a fazer a luta pela terra, ensinaram a resistir bravamente, com coragem e sabedoria”. Guilherme Boulos, MTST

“Vocês não estão sozinhos, não somos apenas 100 povos no ATL. Todos os povos indígenas do mundo estão com vocês”, Cândido Mezua, líder indígena do Panamá

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Marina Silva na plenária aberta do ATL. Foto: Mídia NINJA / MNI

“Hoje, nós temos no Congresso Nacional várias iniciativas de lei para barrar os direitos indígenas. O que eles querem é retroceder a Constituição de 1988. A luta indígena deve ser uma luta de todos!”. Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente e ex-senadora

“Somos os defensores não apenas das floresta, somos também os defensores da vida, da humanidade e de toda existência desse planeta. Apenas unidos nossas demandas vão ser escutadas a nível de governo. Amigos, vamos seguir nessa luta que não termina hoje.” Eddy Timias, líder indígena do Equador

“Os povos indígenas vão continuar lutando até que as nossas demandas sejam realidade.” Maria Paula, atriz e integrante do Uma Gota No Oceano

“O branco já fez mártires na nossa terra, mas eles não sabem que o sangue que eles derramaram corre em nossas veias e nos fortalece”. Jowanda Macuxi 

“Os primeiros habitantes da terra somos nós. Essa terra não é roubada! Quando meu avô estava vivo, não existia barragens. Hoje existe, mas por que? Vai morrer nós tudo, até os brancos vão morrer desse jeito”. Isabel Xerente

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“Eu já estou cansado, daqui pra frente vocês que vão lutar. Não podemos brigar um com o outro, quero que vocês lutem juntos, não pode separar um do outro”. Raoni Metukire

“Cada um vai ter espírito forte, nós indígenas do Brasil inteiro. Demarcação já!” Viseni Wajãpi

“Sabemos que temos muita terra pra ser demarcada, não vamos recuar. Estamos aqui pra lutar, lá na nossa aldeia, tem pessoa passando fome, sofrendo, sem água, que não tem mais floresta. Nós nos alimentamos da terra!” Gilberto Palikur

 

Fonte: APIB

Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprova recomendação contra Reforma Trabalhista

Para o colegiado, a medida fere os direitos humanos dos trabalhadores brasileiros, pois retira e enfraquece direitos fundamentais previstos na Constituição e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil

O Plenário do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou, na manhã desta quarta-feira (26/04), por unanimidade, a Recomendação n° 4, de 26 de abril de 2017, sobre o Projeto de Lei (PL) n° 6787/2026 (Reforma Trabalhista), que promove mais de 100 alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A discussão se deu na 26ª Reunião Ordinária do colegiado, que acontece hoje e amanhã (26 e 27) em Brasília.

No documento, o CNDH recomenda aoPresidente da República a retirada do PL 6787/2016, e aos Presidentes da Câmara, do Senado, da Comissão Especial da Reforma Trabalhista e ao Relator do PL, que o projeto tramite em rito ordinário, passando pelas diversas comissões relacionadas à temática, garantindo o debate público diante das alterações propostas no âmbito da CLT.

O colegiado também recomenda ao Ministro do Trabalho que sejam apresentados estudos técnicos que “avaliem e dimensionem os impactos e prejuízos aos direitos dos trabalhadores em caso de aprovação da Reforma Trabalhista,  bem como demonstrem a efetiva e real possibilidade de aumento do número de empregos, inclusive fazendo cotejo com a experiência de outros países, de modo a não se realizar mera substituição de trabalhos protegidos e de qualidade, por relações de trabalho determinadas, precárias e sem proteção”.

Para o CNDH, o substitutivo recém-apresentado ao PL 6.787/2016 (reforma trabalhista), bem como o PLS 432/2013 (restrição conceitual do trabalho análogo à escravidão), o PLC 30/2015 (terceirização da atividade fim), o PLS 218/2016 (jornada intermitente) e o PL 1.572/2011 (anteprojeto de lei do Código Comercial) “constituem um conjunto de medidas que consubstanciam atroz retrocesso social, pois ferem os direitos humanos dos trabalhadores brasileiros, retirando e/ou enfraquecendo inúmeros direitos fundamentais trabalhistas previstos em nossa Carta Magna e em diversos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário”.

O documento também traz recomendação às Centrais Sindicais, indicando que levem as propostas aos Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, para análise mais crítica e aprofundada frente as destacadas violações às normas e convenções internacionais, em especial a ativação do sistema de proteção de direitos humanos da Organização Internacional do Trabalho.

Leia a Recomendação completa AQUI

Fonte: Ascom CNDH

Seminário em Bruxelas debate Violação de Direitos Humanos dos Povos Indígenas do Brasil

O “Seminário da Sociedade Civil União Europeia-Brasil em Direitos Humanos”, que acontece na cidade de Bruxelas, Bélgica, neste dia 26 de abril, reunirá representantes de organizações brasileiras e europeias para um diálogo sobre a situação vivida pelos povos indígenas, população privada de liberdade, migração e discriminação Racial e intolerância religiosa.

O evento é preparatório ao Diálogo oficial entre a União Europeia e o Brasil sobre direitos humanos, que ocorre no dia 27 de abril, também em Bruxelas. Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, que representa a entidade no Seminário, “trata-se de uma importante oportunidade de fortalecer o engajamento e a articulação da sociedade civil brasileira e europeia a fim de que os direitos humanos sejam melhor protegidos e promovidos em ambas realidades geográficas”.

As conclusões do Seminário da sociedade civil serão levadas e consideradas como parte do Diálogo Bilateral, que contará com a participação do corpo diplomático da União Europeia, representada pela Comissão Europeia, e do Brasil, representado pelo Ministério das Relações Exteriores.

Em sua 6ª. Rodada, pela primeira vez o tema “Povos Indígenas” entrou na pauta do Diálogo Oficial bilateral EU-Brasil sobre direitos humanos.  A visibilidade internacional relativa à situação caótica enfrentada pelos povos indígenas no Brasil certamente contribuiu para a inclusão do tema na pauta do Diálogo bilateral neste ano de 2017. “Os povos indígenas, seus direitos e aliados estão sob violento e sistemático ataque por parte de setores político-econômicos vinculados ao agronegócio no Brasil. O agronegócio produz commodities e a União Europeia importa parte dessa produção”, denuncia Buzatto.

Para o missionário indigenista, “é importante que a sociedade civil e a Comissão Europeia estejam cientes das violações de direitos humanos dos povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e camponeses decorrentes da produção dessas commodities no Brasil e como sua importação e consumo, pelos Europeus, pode estar contribuindo nesse processo”.

Na ocasião, serão apresentados casos concretos de violações de direitos humanos de povos indígenas no Brasil, a exemplo do que ocorre com os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. O massacre de camponeses em Colniza, no Mato Grosso, ocorrido no último 19 de abril, também será retratado no Seminário. Por fim, serão aportadas recomendações a serem adotadas pela União Europeia e seus Estados Membro e pelo Estado brasileiro.

Do Brasil, além do Cimi, participam, dentre outros, representantes da Associação Nacional de Organizações Não Governamentais (Abong), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Movimento Nacional de População de Rua e FASE. Da Europa, dentre outros, participam representantes da Anistia Internacional, FIAN Internacional, AVSI Fundation e Povo Saami.

Fonte: CIMI

Dentro do pacote de austeridades do governo Temer, MP 759 é “assalto ao patrimônio público federal”

Não há dúvidas sobre o grave cenário de retrocessos nas políticas públicas e retiradas de direitos implantados no país, desde que o presidente Michel Temer assumiu a Presidência da República – primeiro como presidente interino em razão do afastamento de Dilma para início do processo de impeachment e depois com a consumação do golpe, quando assumiu como Presidente de fato em agosto de 2016. Desde então, diversos são os projetos de leis, medidas provisórias, propostas de emendas constitucionais direcionados, severamente, contra a população brasileira, atentando principalmente contra direitos constitucionais, como o direito à alimentação.

Considerada como uma das ofensivas desse Governo para travar de vez a reforma agrária no país e legalizar a grilagem de terras, a Medida Provisória  (MP) 759 foi apresentada no apagar das luzes de 2016 sob a justificativa de “facilitar a regularização fundiária de terras urbanas e rurais” e desde o dia 11 de abril tramita na Câmara dos Deputados.

Movimentos sociais, pesquisadores e o Ministério Público Federal já se posicionaram contrários à medida que é encarada como uma ameaça à soberania nacional.

Para a integrante do Movimento de Mulheres Camponesas, Juçara Ramos, na MP 759 a regularização deixa de ser utilizada como um processo complementar à reforma agrária e na forma como se apresenta, se traduzirá na “maior anti-reforma agrária já vista e na maior usurpação do patrimônio público, atingindo toda a população do campo e da cidade, no momento em que expõe, a toda sorte, quase 50% do Território Nacional”. Ainda segundo Ramos, a MP 759 não só aprofunda a concentração da terra, como também “transfere para mãos privadas um patrimônio público que gira em torno de 310 milhões de hectares de terras, patrimônio pertencente ao povo brasileiro”.

Sob o impacto da MP na vida das mulheres camponesas Juçara Ramos destaca que, embora não existam ainda dados específicos para avaliar esse impacto deve-se levar em consideração que “todas as crises ou decisões do Governo em prol do capital, como é o caso em pauta, a principal atingida é sempre a mulher, portanto esse impacto pode não ser visível, mas ele existe. Provavelmente várias famílias de micros, pequenos e pequenas ocupantes de terras públicas serão expulsas por grileiros na ânsia da acumulação do capital e da concentração da terra. E nessas expulsões toda a família sofre, sendo que a mulher, os idosos e as crianças são as partes frágeis desse processo”, destaca.

Também em entrevista à FIAN Brasil, a advogada e pesquisadora, mestra em Direito Urbanístico e Ambiental, Patrícia Menezes, destacou que a MP 759 é uma componente estrutural do golpe à democracia e soberania nacional e permitirá um verdadeiro assalto ao patrimônio público federal (terras, águas e florestas). “A MP visa legalizar a ocupação irregular em áreas públicas e privadas para aquelas pessoas que não são de baixa renda, num verdadeiro favorecimento e anistia a grileiros, desmatadores e invasores de alto padrão”.

Confira a entrevista com Patrícia Menezes abaixo:


Proposta em dezembro de 2016 pelo governo Temer, a Medida Provisória 759 foi apresentada sob a justificativa de facilitar a regularização fundiária de terras urbanas e rurais. Na sua avaliação, qual a concepção ideológica dessa MP?

No apagar das luzes de 2016, em 22 de dezembro, foi publicada a MP 759 que destrói toda a construção de anos de trabalho em regularização fundiária ao impor, entre outros destaques a revogação da disciplina nacional de Regularização Fundiária de Assentamentos Urbanos (Capítulo III da Lei nº. 11.977/2009), a alteração das regras de Regularização Fundiária e Venda de Imóveis da União, do Programa Terra Legal na Amazônia, da Regularização Fundiária Rural, e a alteração das regras da Política Nacional de Reforma Agrária.

A MP é uma componente estrutural do golpe à nossa democracia e soberania, na medida em que permite um verdadeiro assalto ao patrimônio público federal – terras, águas e florestas – essenciais à manutenção do modo de vida de diversos povos e comunidades tradicionais da Amazônia e litoral brasileiro, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores que vivem em territórios ainda não reconhecidos, bem como para a preservação da natureza no bioma amazônico e da Mata Atlântica, sem falar de recursos naturais como madeira e minérios.

Este ato do Governo Temer inverte a lógica do Estado de Direito, ao prever privilégio àqueles que não cumprem a função social da propriedade (ex. proprietários desapropriados para fins de Reforma Agrária) ou que grilam áreas públicas como negócio, e em detrimento da população mais vulnerável e pobre que vive e mora em áreas públicas e privadas e tem na regularização fundiária um direito.

A MP visa legalizar a ocupação irregular em áreas públicas e privadas para aquelas pessoas que não são de baixa renda, num verdadeiro favorecimento e anistia a grileiros, desmatadores e invasores de alto padrão. Ao que parece, a regularização das moradias de alto padrão do entorno do lago em Brasília e de condomínios de média e alta renda no Distrito Federal são um dos principais motivadores da MP promulgada de forma açodada, cheia de inconstitucionalidades e inconsistências jurídicas e até erros de redação.

Quais são as principais inconstitucionalidades desta Medida Provisória?

A MP 759/2016 que está vigente com força de lei, desconstrói os regimes jurídicos construídos democraticamente nas últimas décadas que regem: a regularização fundiária rural, a regularização fundiária urbana, regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal e regime sobre os imóveis da União em especial sobre o regramento da alienação de imóveis da União.

A MP coloca em cheque a função socioambiental do patrimônio público federal (terras, águas e florestas) em prol de uma privatização que atenta contra direitos do povo brasileiro e nossa soberania. Nem mesmo a função arrecadatória dos imóveis da União é disciplinada de forma eficiente, pois a liquidação é tamanha. A norma jurídica está cheia de inconsistências jurídicas, vícios de competência e inconstitucionalidades – apontadas inclusive em nota técnica do MPF – e tem baixa eficácia, pois remete indevidamente muitos assuntos que devem ser regulados por lei à regulamentação do Poder Executivo.

 

Mais de 700 emendas foram apresentadas no Congresso Nacional à MP, e este cenário pode ainda piorar. Dentre tais emendas apresentadas à MP estão as do Deputado Federal Nilson Leitão (PSDB/MS). O deputado propõe alterar a Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, e com isto liberar a venda de terras rurais para pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior – o que atualmente é vedado para evitar a concentração fundiária em poder de estrangeiros e empresas brasileiras com maior parte do capital estrangeiro. No mesmo sentido, o Projeto de Lei nº 4.059/2012 que tramita em regime de urgência, apoiado pelo atual Governo.

Este é um dos aspectos mais perigosos da presente proposta, a venda a estrangeiros de terras públicas federais na Amazônia e Zona Costeira Brasileira, em detrimento do cumprimento da função socioambiental do patrimônio da União e acirrando ainda mais os conflitos fundiários com povos e comunidades tradicionais especialmente. Conflitos que alcançaram o maior número de assassinatos em 2016, nos últimos 13 anos, segundo a CPT.

Outro risco é aumentar de 1.500 para 2.500 hectares o limite das áreas rurais passíveis de regularização na Amazônia, apesar de não haver nenhum interesse público na privatização de extensas áreas públicas de floresta, relevantes para as comunidades tradicionais e conservação. Atendendo apenas o interesse de grandes grileiros ou desmatadores.

Você acredita que essa MP pretende dificultar o avanço da Reforma Agrária no país, de que forma?

Primeiro, a MP ao prever o pagamento em dinheiro, em plena crise política e econômica, para a desapropriação para fins de reforma agrária padece de constitucionalidade por violar o art. 184 da CF/88 que prevê expressamente que a desapropriação para fins de reforma agrária se dará mediante prévia e justa indenização paga em títulos da dívida agrária. Aqui temos uma inversão de prioridades, em relação ao investimento de recursos públicos. Outro aspecto problemático da MP em relação à Reforma Agrária é que a MP viola a distribuição de competências entre os entes da Federação prevista na Constituição Federal de 1988. Assim um tema de interesse da União, federal, que é a Reforma Agrária, é municipalizado, na medida em que se atribui aos municípios o papel de seleção de beneficiários. Ora, a Reforma Agrária é assunto de interesses nacional que muitas vezes contraria interesses dos coronéis que comandam o Poder Local e Regional.

Uma das críticas à medida é de que ela dá carta branca ao governo para vender terras públicas, inclusive aquelas onde já existem acampamentos ou assentados da Reforma Agrária, ou mesmo áreas ocupadas por famílias de baixa renda nas cidades, quais os impactos dessa medida nas comunidades tradicionais, como ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas?

A permissão da avaliação e alienação em massa dos terrenos de marinha fora da faixa de segurança em qualquer área urbana, no litoral brasileiro, autorizada pela MP, somada a deturpação dos critérios para a regularização fundiária do Terra Legal, na Amazônia e fora dela, são as principais ameaças da MP à função socioambiental do patrimônio da União. Pois áreas da União ocupadas e utilizadas tradicionalmente por povos e comunidades tradicionais, como ribeirinhos na Amazônia, pescadores no Litoral, mas ainda não reconhecidas e regularizadas, e até mesmo, área de presença de índios isolados não contatados na Amazônia Legal, correm o risco de serem destinadas, regularizadas em favor de grileiros, especuladores, desmatadores e estrangeiros, por exemplo, interessados na exploração madeireira, de minérios ou em investimentos turísticos.

Por Flávia Quirino/Ascom FIAN Brasil

 

Relatório da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca

A plenária de abertura do 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que já reúne em Brasília cerca de 3 mil indígenas, de cem povos diferentes e de todas as regiões do país, foi palco do lançamento do Relatório da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil na noite desta segunda-feira (24).

A publicação, elaborada a partir das principais atividades realizadas pela Relatoria em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e outras instituições, é integrada pelo Relatório da Missão ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, o Relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) sobre a situação dos povos indígenas no sul do Brasil e o Relatório da Coalizão de Defesa dos Direitos Indígenas para a Revisão Periódica Universal (RPU/ONU).

Além de apresentar o contexto político com os marcos legais em que o trabalho foi desenvolvido, o documento discute assuntos estruturais como violência e discriminação contra povos indígenas; megaprojetos; medidas legislativas e administrativas e o dever de consultar (ou a necessidade de garantir espaços de participação e consulta diferenciados para os povos indígenas nas tomadas de decisões que lhes afetem); demarcação de terras; saúde, educação e serviços sociais; atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o acesso à justiça.

“No plano do legislativo brasileiro, observamos uma série de Projetos de Lei que tramitam sem qualquer consulta e visam diretamente à retirada de direitos dos povos indígenas, especialmente aqueles relacionados aos direitos territoriais e à proteção de recursos naturais”, aponta o texto de introdução ao Relatório. Entre os principais projetos, estão a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 (que transfere ao legislativo a prerrogativa de conduzir as demarcações das terras indígenas, titulação de comunidades quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental) e o Projeto de Lei n.º 1218, que determina que sejam consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios apenas aquelas que foram demarcadas até cinco anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988.

O relatório também chama atenção para a Portaria nº 80, editada pelo Ministério da Justiça e Cidadania, com o intuito de inviabilizar as demarcações de terras indígenas e anular procedimentos já em curso ou concluídos, a partir da exigência de critérios que contrariam a Constituição.

Instrumento de luta

Na atividade de lançamento, que contou com as participações de representantes da APIB, Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Plataforma Dhesca e Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) – instituições parceiras na realização das atividades reportadas pela relatoria –, a relatora Erika Yamada destacou que o documento, produzido conjuntamente com povos e organizações indígenas, pode se tornar mais um instrumento de luta, principalmente no que se refere a reverberar internacionalmente o atual quadro de retrocessos que o Brasil enfrenta. “A sociedade brasileira, indígena e não indígena, está olhando para o exemplo de mobilização e unificação de lutas que vocês trazem, de resistência, para que não haja retrocessos e para que nossa Constituição não seja jogada no lixo. A informação que chega para os países fora do Brasil, na ONU, nem sempre leva toda a verdade. Há lideranças indígenas em retomada sendo atacadas e mortas, há crianças e mães sofrendo com a discriminação e o racismo, além de todos os ataques à Funai e às leis que protegem os direitos dos povos indígenas. Esses informes são recebidos com muito alerta. É um momento sério de ataques aos Direitos Humanos, especialmente aos dos povos indígenas”.

As estratégias de ações de denúncia internacionais que vêm sendo executadas por um amplo conjunto de entidades indígenas e indigenistas brasileiras foram elencadas por Luis Donisete Grupioni, da RCA. “Uma dessas oportunidades é neste ano, em que o Brasil será avaliado pela ONU. O governo brasileiro enviou um documento, as entidades da sociedade civil mandaram outro e a ONU produziu um terceiro. Os outros países vão ler esses documentos e haverá uma sessão na semana que vem em Genebra em que serão feitas sugestões para melhorar a situação dos Direitos Humanos dos indígenas. Queremos que os países façam recomendações para pressionar governo, Ministério Público e outros órgãos. O governo não pode assumir compromissos e não cumprir”, afirmou.

Continuidade

O integrante da Plataforma Dhesca e presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, apresentou o funcionamento da rede e anunciou a continuidade do trabalho da relatoria de direitos indígenas a partir da manutenção do mandato da relatora Erika Yamada. “Como o relatório traz uma série de recomendações, entendemos que o mandato deve ser estendido para que, junto a organizações indígenas, possamos garantir seu monitoramento”.

Confira a íntegra do documento: Relatório DH e Povos Indígenas – INTERNET (2)

Fotos: Leonardo Prado/ISA

Fonte: Plataforma DHESCA

“Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”

Tese que visa a restringir o direito dos indígenas à demarcação de suas terras foi um dos focos do seminário do MPF

 A oficina “Diálogos entre o Direito Constitucional, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Antropologia” aconteceu, ontem (24/4), no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Com a participação do Ministério Público Federal (MPF), lideranças indígenas, pesquisadores e entidades da sociedade civil, a atividade integra o seminário “Povos indígenas e os direitos originários”, proposta pelo MPF com apoio dada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto Socioambiental (ISA) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

“Nós estamos defendendo direitos que foram consagrados com o custo de vidas”, afirma Joênia Wapichana, advogada indígena que integrou uma das mesas do seminário. “Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”, alertou.Uma das pautas em discussão foi o “marco temporal”, uma das principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Bandeira de grupos anti-indígenas, como a bancada ruralista, o marco temporal vem sendo utilizado como instrumento para anular a demarcação de Terras Indígenas no Poder Judiciário, especialmente a partir de decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Diversos juristas e o próprio MPF vêm se manifestando seguidamente pela inconstitucionalidade do marco temporal.

A tese do “marco temporal” foi utilizada no processo que decidiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2009. Depois disso, foi utilizada pela Segunda Turma do STF para anular a demarcação das Terras Indígenas (Tis) Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul.

“Em nenhum desses processos houve a presença das comunidades indígenas. Claramente se diz que eles não têm possibilidade de agir por si sós, estão representados pela Funai, o que mostra o quanto há de desconhecimento ou de intencionalidade da recusa dos direitos que vêm com a Constituição de 1988”, criticou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat.

O “marco temporal” também foi incorporado ao relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovado na Comissão Especial da Câmara, outra das principais ameaças aos direitos indígenas no Poder Legislativo. O relator da proposta foi o então deputado e agora ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR).

Um dos principais problemas da tese é que ela desconsidera todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes e durante a Ditadura Militar e ignora o fato de que, até então, os indígenas não tinham sequer sua autonomia reconhecida pelo Estado brasileiro. O marco temporal considera que poderiam ser demarcadas terras que não estivessem sob posse dos indígenas em outubro de 1988, mas que estivessem sob disputa – física ou judicial – naquela data. A tese desconsidera que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram “tutelados”, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante à Justiça.

O risco representado pelo marco temporal é agravado pelo fato de que, até a década de 1980, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado brasileiro, de modo que não haveria como comprovar sua posse nas áreas em questão.

“O direito dos indígenas às suas terras não pode se perder se o Estado não teve aptidão ou não soube defender esse direito indígena por todos os seus meios e modos”, criticou Deborah Duprat. “O marco de 1988 é algo que não existe no texto constitucional e não se pode inferir do texto sequer por interpretação, porque nós estamos diante de uma constituição que amplia direitos e não podemos retroceder”, concluiu.

“Precisamos dizer que é absolutamente incoerente, absolutamente incompatível com a ideia de reconhecer como originários os direitos dizer que eles desapareceram em 5 de outubro de 1988 se não estivessem os índios ali”, afirmou o subprocurador-geral da República e coordenador da Sexta Câmara do MPF, Luciano Maia.

Fonte: Mobilização Nacional Indígena

Direito Humano à Alimentação Adequada é discutida em reunião do CNDH

A FIAN Brasil participou no dia 24 de abril da reunião do CNDH – Conselho Nacional de Direitos Humanos que discutiu sobre a importância da Comissão Permanente de Direito Humano à Alimentação Adequada, mais duas comissões também foram discutidas: Direito ao Trabalho, à Educação e à Seguridade Social e Segurança Pública.

Na reunião, a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity destacou a importância da Comissão dentro do CNDH, considerando o contexto de retrocessos que já estão afetando e afetarão negativamente ainda mais o direito humano à alimentação e nutrição adequadas no Brasil.

O Plenário do CNDH se reuniu na 26ª reunião ordinária do CNDH nos dias 26 e 27 de abril, em Brasília. Dentre os temas discutidos, com encaminhamentos que foram levados para aprovação do Plenário no dia 26 de abril destacam-se a emissão de recomendação sobre o Projeto de Lei n° 6787/2016, que trata da Reforma Trabalhista, e a proposta de realização do seminário “Segurança Pública Democrática e Reforma das Polícias”, direcionado a gestores e atores sociais das áreas de segurança pública e direitos humanos.

Acampamento Terra Livre 2017 é a maior mobilização indígena da história

Mobilização com mais de três mil indígenas acontece em meio à maior ofensiva contra os direitos dos povos originários nos últimos 30 anos  

O Acampamento Terra Livre (ATL) vai reunir mais de três mil indígenas de todo o país em Brasília, nesta semana, entre 24 a 28 de abril. A estimativa inicial previa a presença de entre 1,5 mil e 2 mil pessoas, mas a organização refez a contagem. Com a nova estimativa, o ATL será a maior mobilização indígena já realizada na capital federal. Estão previstos protestos, marchas, atos públicos, audiências com autoridades, debates e atividades culturais (saiba mais ao final do documento).

Estão na pauta da mobilização, entre outros temas, a paralisação das demarcações indígenas; o enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; as proposições legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso; a tese do “Marco Temporal”, pela qual só devem ser consideradas Terras Indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição (5/10/1988).

A programação oficial do acampamento começa nesta segunda à noite, a partir das 19h, com a recepção das delegações, uma plenária de abertura e, na sequência, uma “palhinha” do cantor Chico César.

Grande ação para esta terça, dia 25/04

Os indígenas vão realizar uma histórica marcha na Esplanada dos Ministérios nesta terça, à tarde, para protestar em frente ao Congresso contra os retrocessos em seus direitos previstos em vários projetos em tramitação. Uma grande ação lembrará os políticos a respeito das centenas de indígenas que são assassinados no Brasil. A manifestação gerará belas imagens. Convidamos os jornalistas a acompanharem. O ponto de encontro será na tenda da Assessoria de Imprensa do ATL, no gramado do Teatro Nacional, às 14 horas.

Astros da música se unem a favor da demarcação das terras indígenas no país

Será lançada nesta segunda-feira, (24/4), a partir das 14h, nas redes sociais da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Mobilização Nacional Indígena a música “Demarcação Já!”, interpretada por uma seleção de artistas que inclui nomes como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, Elza Soares, Criolo, Lenine, Zélia Duncan, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro e Nando Reis. No dia 26/04, quarta-feira à noite, será realizado um pocket show com alguns dos artistas.

A letra é de Carlos Rennó com o cantor e compositor Chico César. Resultado de uma parceria das organizações Greenpeace, Instituto Socioambiental e Bem-Te-Vi Diversidade com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e as produtoras Cinedelia e O2 Filmes, a canção ganhou vida graças ao trabalho de mais de 25 artistas que doaram seu talento para apoiar os direitos indígenas, em especial a garantia do território, que é vital para a sobrevivência física e cultural desses povos.

O que é a APIB?

O ATL 2017 é promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) com apoio de organizações indígenas, indigenistas, da sociedade civil e movimentos sociais parceiros. A convocatória do ATL 2017 está disponível no link.

Fazem parte da APIB as seguintes organizações indígenas regionais: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Conselho Terena, Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Comissão  Guarani Yvyrupa.

Acampamento Terra Livre 2017
Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena.
Pela garantia dos direitos originários de nossos povos.

Quando: 24 a 28 de abril de 2017
Onde: Teatro Nacional Cláudio Santoro
Endereço: Setor Cultural Teatral Norte – Asa Norte, Brasília – DF, 70040-010

Fonte: APIB

O aumento da violência no campo tem a cara do golpe

O relatório  “Conflitos no Campo Brasil 2016” da CPT traz índices recordes e ainda mais preocupantes: aumentaram todos os tipos de conflito (maiores números dos últimos 10 anos, o de terra maior em 32 anos de documentação) e todas as formas de violência no campo em relação a 2015. Os assassinatos tiveram um aumento de 22%, menor índice de aumento em 2016, mas o maior número desde 2003. As agressões tiveram o maior índice de aumento: 206%

A violência é uma marca da trajetória do Brasil, 517 anos do “descobrimento” neste sábado, 22 de abril. Está nos momentos históricos e no cotidiano do povo, na cidade e no campo. A propalada “cordialidade” do tipo brasileiro tornou-se uma construção ideológica que impede de enfrentá-la. Há, por exemplo, um muito popular noticiário de violência urbana feito por uma imprensa especializada, apelidada “mundo cão”, de jornais (e telejornais) que, como se diz, “se espremer sai sangue”… Já a violência rural, mesmo sendo constante, aparece pouco, até quando excede padrões, em determinados períodos, como o atual. A crise ampla que vivemos, sobretudo política, marcada pelo golpe que foi o impedimento da Presidenta Dilma pelo Congresso, com apoio do Judiciário e da mídia empresarial, combina corrupção generalizada com retrocessos constitucionais e perda de direitos sociais e impacta e agrava a tradicional conflitividade agrária. Confirma-se a tese de que em anos de mudanças políticas, tanto à “esquerda” quanto à direita, recrudescem os conflitos no campo e sua violência característica.

Criada há 42 anos para apoiar os camponeses e camponesas vítimas da violência no campo, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) mantém um Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno, que coleta informações e publica um relatório anual desta violência, com dados estatísticos e análises. O deste ano – “Conflitos no Campo Brasil 2016” –  lançado na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. A data, 17 de abril, lembra o Massacre de Eldorado dos Carajás, em que 21 trabalhadores rurais sem- terra foram mortos pela Polícia Militar do Pará em 1996. O relatório traz índices recordes e ainda mais preocupantes: aumentaram todos os tipos de conflito (maiores números dos últimos 10 anos, o de terra maior em 32 anos de documentação) e todas as formas de violência no campo em relação a 2015. Os assassinatos tiveram um aumento de 22%, menor índice de aumento em 2016, mas o maior número desde 2003. As agressões tiveram o maior índice de aumento: 206%.

Sob as sombras da violência

No texto analítico que escreveu para esta edição, Leonardo Boff aponta as “quatro sombras que pesam sobre nós e que originaram e originam a violência”. São elas o nosso passado colonial elitista e dependente da matriz; o genocídio indígena, que gerou o desrespeito e a discriminação social; a escravidão negra, “a mais nefasta de todas”, que estruturou a desigualdade social das maiores do mundo; e a capitalista Lei de Terras (1850), que excluiu os pobres e, preventivamente, os ex-escravos (Abolição, 1888) do acesso à terra e os entregou “ao arbítrio do grande latifúndio, submetidos a trabalhos sem garantias sociais”.

A terra sempre foi eixo do poder no Brasil, ainda hoje define quem tem e quem não tem o Estado a seu favor (ou contra). No momento atual crítico sem precedentes, ampliam-se e se aprofundam as consequências entrecruzadas destas sombras do passado. É o que significam os sucessivos golpes, culminados no impedimento da Presidenta Dilma e no “saco de maldades” sem fim, aberto pelo interino e ilegítimo Presidente Temer. Na verdade, já vinham de antes, a crise mundial chegando aqui, desfavorecendo as exportações de commodities, os “ajustes estruturais” da economia com impacto negativo nas políticas agrárias e agrícolas. Puseram-se todas as políticas ainda mais a serviço dos processos reciclados de acumulação ampliada do capital globalizado, aos quais associam-se como sempre as oligarquias nacionais corruptas e corruptoras do Estado. Para tanto, impunha-se e se impõe afastar quaisquer resquícios de soberania político-econômica e social e subtrair representatividade popular e direitos constitucionais, no que poderia ser chamado de hiper-neoliberalismo.

No campo isto tem se traduzido em mais violência, privada e pública, contra as povos, comunidades e pessoas e seu modo de viver e se relacionar com os bens da terra. Agora não mais só a terra de lavrar e/ou extrair a sobrevivência e a soberania alimentar, mas também a que contêm e protege água, floresta, minério, vento, biodiversidade, que o mercado absoluto reclama como acumulação primitiva de capital.

Dados alarmantes

Os números de 2016 documentados pela CPT revelam em proporções até certo ponto inéditas nos últimos anos, essa exacerbação da violência rural de sempre. Na Apresentação do relatório, a Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da CPT apontam os seguintes dados principais:

– 61 assassinatos, mais de 5 por mês (entre as vítimas, 16 jovens de 15 a 29 anos, 01 adolescente e 06 mulheres). No quadro dos últimos 25 anos, número superior a esse só em 2003 [primeiro ano do governo Lula], com o registro de 73 assassinatos;

– 1.079 ocorrências de conflitos por terra (ações em que há algum tipo de violência – expulsão, despejo, assassinatos, tentativas de assassinato, ameaças de morte, prisões etc.). É o número mais elevado nos 32 anos de registros da CPT;

– 1.295 no total do conjunto dos conflitos por terra (soma de ocorrências, ocupações/retomadas, acampamentos) – média de 3,8 conflitos por dia. Número mais elevado desde 2006;

– 172 conflitos pela água, número mais elevado desde quando a CPT iniciou o registro em separado destes conflitos em 2002;

– 1.536 conflitos no campo (soma de conflitos por terra, pela água e trabalhistas) – média de 4,2 conflitos por dia. Número mais elevado desde 2008.

As áreas de maior conflitividade continuam sendo as de expansão da fronteira, não só do carro-chefe agronegócio, mas também da mineração, dos projetos de energia (hidrelétricas, eólicas etc.) e de outras obras de infraestrutura, como as rodoviárias, ferroviárias, hídricas etc. Estão sobretudo na Amazônia e nos Cerrados. Os números revelam uma guerra não declarada, obscurecida pelo discurso do desenvolvimento, reduzido a crescimento econômico, que se impõe inquestionável como gerador de emprego e renda, bom para todos etc.

O desmatamento e as queimadas na Amazônia voltaram a crescer, e com eles a violência contra os povos da floresta. Lá ocorreram 57% dos conflitos, 54% das famílias envolvidas em conflitos por terra e 79% dos assassinatos (48). Quanto à área em disputa em 2016, a Amazônia Legal (inclui, além dos estados da região Norte, o Mato Grosso e parte do Maranhão) representou 96% do total do país, quase 23 milhões de hectares. Com apenas 12% da população brasileira, imagina-se a intensidade destes conflitos.

Já os Cerrados, com 14,9% da população rural do país, tiveram 24,1% do total das suas localidades envolvidas em conflitos, um índice de 1,67 (24,1 dividido por 14,9), o número destes sendo relativamente maior (67%) do que sua população. São dados do texto analítico dos conflitos na região, que consta no relatório, elaborado pelo Coletivo LEMTO-UFF (Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense). Nos Cerrados, o aumento da violência coincide com o início do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA, região que engloba a parte deste bioma dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, com cerca de 73 milhões de hectares e 6 milhões de habitantes. Trata-se da metade do que resta dos Cerrados em pé, de crucial importância para o ciclo hidrológico e a recarga das principais bacias hidrográficas do continente sul-americano. Boa parte ainda preservada porque sob controle de povos e comunidades tradicionais. O Tocantins, estado todo dentro do MATOPIBA, teve o maior aumento dos conflitos por terra, 313%, de 24 em 2015 para 99 em 2016. O Maranhão, o mais conflagrado do país, 196 ocorrências.

Os ideólogos do agronegócio insistem em exaltar a importância maior da tecnologia e do conhecimento científico e a concomitante perda de importância da terra. Ao contrário, o texto citado do Coletivo LEMTO afirma que “é impossível a produção agrícola sem as condições metabólicas de produção-reprodução da vida – terra, água, fotossíntese-flora-fauna. Enfim, não se planta sem acesso a água, sem acesso ao Sol (à fotossíntese) e essa energia gratuita é ainda maior em países tropicais, o que, sem dúvida, ajuda a explicar a reprodução há mais de 500 anos desse bloco de poder de acumulação em sua subordinação voluntária ao sistema mundo capitalista moderno-colonial. Assim, concentração fundiária (latifúndio) implica não somente a concentração de uma área, mas também maior acesso à energia solar e a água.” E pela tradição que se recicla e se reproduz conforme as nuances históricas desta trajetória brasileira, a questão agrária e sua violência característica também se refaz, modernamente, para infelicidade camponesa e nacional, com seus reflexos nas cidades.

No período recente, têm sido os camponeses posseiros (possuem a terra sem título de propriedade) e os povos e comunidades tradicionais, em quase todas as regiões do país, as principais vítimas da violência rural. A partir de 2009, os dados relativos a eles ultrapassam os relativos aos sem-terra. Reflexo, por um lado, da confluência entre retrocessos na política agrária dos governos de coalizão do PT (redução à quase paralisação da reforma agrária e do reconhecimento das terras indígenas e territórios tradicionais) e o recuo das ocupações de terra e acampamentos de luta pela reforma agrária. Por outro lado, consequência do diversificado avanço recolonizado dos empreendimentos privados e públicos sobre os recursos naturais presentes nos territórios de posse imemorial destes povos e comunidades.

O golpe e os golpes no campo

Ao impedimento golpista da Presidenta Dilma em 31 de agosto de 2016, por um Congresso dos mais conservadores, com o apoio do Judiciário e da mídia, seguiu-se uma avalanche de ataques aos direitos dos pobres e da classe média, a população que trabalha, paga impostos e sustenta o Estado. Sete meses e meio depois, ao confirmarem-se as apressadas alterações legais em curso, inclusive na Constituição de 1988, chamada “Cidadã”, somadas às já sancionadas, estará desmontado o que restava de social no Estado brasileiro e reinará absoluta a plutocracia, em níveis semelhantes ao do período colonial. Fica a certeza de que o golpe foi engendrado justamente para isto, possível só por um governo ilegítimo, corrupto, sem votos e sem programa aprovado nas urnas. Dada a centralidade da terra (leia-se agronegócio e neo-extrativismo) para o poder, o impacto deste desmonte no campo tem sido devastador.

A publicação da CPT traz um estudo liderado pelo professor Marco Mitidiero Jr, da UFPB, que mostra, com base no monitoramento minucioso do comportamento legislativo e executivo (e judiciário, acrescentaríamos) no referente ao campo, a intensificação dos ataques aos direitos dos povos para beneficiar os interesses ruralistas, a partir do golpe de agosto. No centro, a Bancada Ruralista de 207 deputados e dois dos principais ministros – os ruralistas da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o “sojeiro” Blairo Maggi, e da Justiça, Omar Serraglio. Em 2016 foram 11 novos projetos e propostas de legislação e 29 Decretos-Leis, totalizando 40 ações contra os povos e comunidades do campo, das águas e das florestas.

Na Apresentação do relatório consta uma síntese destes principais ataques, como se fosse um “programa de governo” consubstanciado:

– na série de Medidas Provisórias, Projetos de Lei, Propostas de Emendas Constitucionais e Decretos que afetam diretamente povos e comunidades do campo e na nomeação de pessoas para altos cargos abertamente contrárias aos direitos dos povos indígenas, das comunidades quilombolas e de outras comunidades camponesas;

– na extinção de ministérios e autarquias que deviam se preocupar com os direitos humanos; e na diminuição de recursos e de pessoal para órgãos responsáveis por garantir algumas políticas sociais, como Funai, Incra, Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho, e outros;

– em mandados judiciais que enquadraram os movimentos sociais (de modo mais explícito o MST) como organização criminosa nos termos da lei 12.850/2013, como se viu em Goiás;

– em procedimentos judiciais, como no seringal Capatará no Acre, em que o mandado de reintegração de posse de 2.000 hectares se estendeu para aproximadamente 7.000; e em outros casos na identificação policial de cada família expulsa ou despejada de áreas ocupadas;

– na atribuição às vítimas das agressões e violências a responsabilidade pelo conflito. Lideranças indígenas foram indiciadas judicialmente, no conflito em Caarapó, MS, onde um índio foi assassinado e outros cinco saíram feridos;

– na tentativa de desqualificação das vítimas. “[Os] trabalhadores são, em sua maioria, viciados em álcool e em drogas ilícitas, de modo que […] gastam todo o dinheiro do salário, perdem seus documentos e não voltam para o trabalho, quando não muito praticam crimes”, esta é uma ilustrativa sentença proferida, em 2016, por uma Juíza do Trabalho de Santa Catarina contra a atuação dos fiscais do trabalho que resgataram 156 vítimas em condições análogas a trabalho escravo;

– na polêmica em torno à divulgação da Lista Suja do Trabalho Escravo em que a preocupação maior é como proteger os responsáveis pela exploração do trabalho em condições análogas ao trabalho escravo, não as pessoas que sofrem a exploração.

Entre outros destacaríamos, dada a gravidade das consequências: o PL 4059/2012, da bancada ruralista com apoio do governo golpista, que trata da venda irrestrita de terras a estrangeiros; o substitutivo do deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB/RS) ao PL 3729/04, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, praticamente retirando o ambiental do licenciamento, à semelhança do que fez o Código Florestal com as florestas; a privatização das águas, bem público essencial; a retirada da ANVISA e do IBAMA do controle sobre os agrotóxicos, dos quais a agricultura brasileira já é a maior consumidora mundial; e os cortes na Previdência Rural, que levará miséria ainda maior ao campo.

Soluções estão nas lutas

Difícil imaginar que as soluções para quadro tão tenebroso possam vir de quem é parte central dos problemas. Dizia Paulo Freire que quem inaugura a violência é quem violenta e que só os oprimidos têm futuro, porque almejam a liberdade, enquanto os opressores só tem a reprodução do seu presente de opressão. São premissas que nos levam a buscar as soluções para este quadro histórico e presentemente exasperado de conflitos agrários, entre os violentados do campo não entre os violentadores.

A despeito dos ideólogos do agronegócio para quem a questão agrária brasileira está resolvida pelas modernas empresas-latifúndios, com base na tecnologia e na média e grande propriedades, estruturalmente apoiadas pelo Estado, os dados apresentados pela CPT atestam a sua irresolução, reiteração e reciclagem em pleno século XXI. Atrás um imenso rastro de sangue.

Impõe-se ressignificada e revalorizada contemporaneamente a reforma agrária como solução, o que a CPT vem dizendo desde 2009 (“Por outra compreensão e ressignificação da reforma agrária”) e a CNBB desde 2013 (“A Igreja e a questão agrária no século XXI”). Ela continua como um instrumento nas mãos do Estado para a democratização sócio-político-econômica da terra e da nação brasileira, mas que se imponha pela força da sociedade, em torno dos movimentos populares de luta pela conquista e defesa da terra e dos territórios. E precisa agregar as dimensões não só distributiva e produtiva, mas também da soberania alimentar, do “cuidado da casa comum” (Papa Francisco) – frentes às crises ambiental, climática, hídrica e energética – e a dimensão étnico-cultural. Algo que depende de um projeto nacional que não temos mais, se já tivemos… É mais que urgente construí-lo, para sairmos da barafunda em que nos metemos/meteram.

Ao final do citado texto de Leonardo Boff no relatório, ele sugere algumas implicações desta reforma agrária: “(…) um programa de fortalecimento da agricultura familiar, orgânica e ecológica e dos assentamentos de reforma agrária; uma política de promoção de uma nova matriz científica e tecnológica; educação para o meio rural [do campo, diríamos]; uma política pública de crédito rural; associativismo e cooperativismo; rede de proteção social; soberania e segurança alimentar e especialmente desenvolver o bio-regionalismo aproveitando os bens e serviços de cada região, a fim de se garantir a sustentabilidade das populações aí residentes; por fim, a cultura e o lazer que conferem plenitude à vida”.

Com isto tem a ganhar todo o povo brasileiro, não apenas uma elite diminuta e predatória, que nunca se locupleta. Resgata-se a dignidade das vítimas e seus familiares, reconhece-se a importância da imensa população rural, bem maior do que dizem as enviesadas estatísticas oficiais, descomprimem-se as inseguras e inviáveis metrópoles, em tudo colaborando para o bem-estar e a paz no país e a sobrevivência da humanidade e do planeta.

* Ruben Siqueira é CPT Bahia e Coordenação Executiva Nacional da CPT, graduado em Filosofia e Pedagogia e Mestre em Ciências Sociais.

Fonte: CPT

CPT lança o relatório Conflitos no Campo Brasil 2016

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, no dia 17 de abril, a sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF), sua publicação anual: Conflitos no Campo Brasil 2016. É a 32ª edição do relatório que reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, neles inclusos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais.

Participaram do lançamento, o presidente da CPT, Dom Enemésio Lazzaris, membros da coordenação executiva nacional da CPT, representantes da CNBB, o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Marco Mitidiero, a filha da Nicinha, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), assassinada em Rondônia, Divanilce Andrade, entre outros convidados, como a FIAN Brasil, representada pela secretária geral Valéria Burity e pelo assessor de direitos humanos, Lucas Prates.

O relatório de 2016 destaca o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 13 anos, 61 assassinatos – 11 a mais que no ano anterior, quando foram registrados 50 assassinatos. 48 destes assassinatos ocorreram na Amazônia Legal. Além do aumento no número de assassinatos, houve aumento em outras violências. Ameaças de morte subiram 86% e tentativas de assassinato 68%.

Os dados mostram 2016 como um dos anos mais violentos do período em que a CPT faz o registro desde 1985.

Assassinatos e julgamentos: os números da impunidade

Segundo os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT, entre 1985 e 2016 foram 1.387 casos com 1.834 pessoas assassinadas em conflitos no campo. Deste total, apenas 112 casos foram julgados, e houve a condenação de apenas 31 mandantes destes assassinatos.

Com informações da CPT Nacional

 

Medida provisória que altera normas sobre regularização fundiária é inconstitucional, afirma MPF em nota técnica

Texto elaborado pelo Grupo de Trabalho Terras Públicas do MPF alerta para aumento da concentração fundiária e agravamento do desmatamento a partir das mudanças legislativas trazidas pela MP 759/2016

A Câmara de Direitos Sociais e Atos Administrativos em geral do Ministério Público Federal (1CCR/MPF) elaborou nota técnica sobre a Medida Provisória (MP) 759/2016, que trata da regularização fundiária de ocupantes irregulares de lotes de assentamentos, de terras públicas federais (na Amazônia e fora dela) e de áreas urbanas. Para o MPF, o texto legislativo apresenta vícios de inconstitucionalidade tanto no conteúdo quanto na forma.

Com relação às exigências formais para a edição da medida, o MPF questiona o requisito de urgência, necessário para a edição de medida provisória. Segundo a nota técnica, uma MP para regular a matéria não se justifica. A urgência apontada fundamenta-se apenas na edição do acórdão do TCU que ocasionou a suspensão do processo de seleção de beneficiários da Reforma Agrária. O referido acórdão não abarca os demais pontos abordados pela MP. “A mudança legislativa pretendida (…) poderia seguir o devido processo de lei ordinária”, destaca o texto. O MPF também aponta que algumas alterações empreendidas por meio da medida provisória deveriam ser tratadas por meio de lei complementar.

Regularização fundiária rural – Para o MPF, a previsão de indenização mediante pagamento em dinheiro por desapropriações para fins de reforma agrária é inconstitucional. A modalidade de pagamento prevista na Constituição se dá por meio de títulos da dívida agrária, com prazo de resgate de até 20 anos. A modificação trazida pela MP 759/2016 representa, de acordo com a nota, “evidente retrocesso e possibilidade de lesão ao patrimônio público”.

A nota também alerta para a possibilidade de regularização de parcelas de terras (remembramentos e desmembramentos), bem como as decorrentes de ocupação irregular de lotes da reforma agrária. A alteração dos artigos 18-A e 26-B da Lei 8.629/93 permite, segundo o GT Terra Públicas, a burla de critérios de seleção de beneficiários, uma vez que assume a incapacidade de fiscalização e transforma o INCRA em mera “imobiliária” e não efetivo gestor da Reforma Agrária. Registre-se que a mera condição de pequeno produtor não é suficiente para a regularização, uma vez que há outras iniciativas governamentais como o Fundo de Terras e da Reforma Agrária – Banco da Terra, que podem proporcionar o acesso à propriedade rural dentro dos parâmetros legais.

Desmatamento – A medida provisória altera a Lei 11.952/2009, que trata da regularização fundiária em áreas federais da Amazônia Legal. Segundo o MPF, o cumprimento de legislação ambiental não se resume à mera formalização do Cadastro Ambiental Rural (CAR), é necessário o efetivo monitoramento do desmatamento de áreas regularizadas. De acordo com a nota, é despropositada a não revogação de título concedido com a infringência de legislação ambiental.

A nota ainda critica a possibilidade de transferência de áreas da União, por preços abaixo do mercado, a infratores ambientais, ou mesmo a pessoas que tenham trabalho escravo em suas propriedades. Isso porque a MP permite a alienação aos ocupantes de imóveis rurais que tenham ocupado áreas de forma irregular após 2004, ou que não atendam aos critérios de seleção do programa em função da posse de outro imóvel rural.

Concentração fundiária – A Medida Provisória 759/2016 caminha ainda na direção da regularização fundiária de grandes posseiros. O texto do GT Terras Públicas do MPF atenta para a alteração do parágrafo 4º, artigo 15, da Lei 11.952/2009. A norma original, revogada pela MP, previa a transmissão do ônus das “cláusulas resolutivas” ao novo adquirente das terras – que deveria obedecer aos mesmos critérios de seleção dos demais participantes do programa de reforma agrária. “Ao permitir a alienação no prazo de três anos, há possibilidade de burla à verificação de cláusulas resolutivas, em face da ineficiência estatal, associada a concentração fundiária que será oficializada, uma vez que grandes proprietários poderão adquirir livremente as áreas regularizadas”, aponta a nota técnica.

Ao tratar da regularização fundiária urbana e rural, a MP 759/216 institui mecanismos para melhor eficiência de procedimentos de alienação de imóveis da União, dispõe sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária em terras da Amazônia Legal, além de outras providências. A nota técnica do GT Terras Públicas do MPF analisa as alterações efetuadas em pelo menos sete dispositivos legais afetados pela MP: Lei 8.629/93; Lei 13.001/2014; Lei Complementar 76/93; Lei 11.952/2009; Lei 8.666/93; Lei 6.015/73 e Lei 12.572/2011. A exposição de motivos que apresenta as justificativas para a criação da MP fala sobre a vigência de diversas normas de hierarquia diferentes tratando sobre regularização fundiária, algumas delas “versando de maneira contraditória sobre a mesma política”.

A MP 759/2016 tramita em regime de urgência em Comissão Mista sob relatoria do senador Romero Jucá.

Leia a íntegra da nota técnica do MPF.

Fonte: MPF

Publicado o decreto de nomeação dos novos conselheiros do Consea

O decreto de nomeação de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), para o período 2017/2019, foi publicado nesta segunda-feira (17/04) no Diário Oficial da União, conforme recomendado pela Comissão de Transição.

A comissão de transição, definida pela legislação e deliberações da 5ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, observou critérios e requisitos previamente definidos, como a atuação no campo da soberania e segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada e saudável; a representação regional e territorial nos vários setores sociais; o equilíbrio entre regiões e gênero; e o respeito às formas específicas de representação dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, população negra, mulheres e pessoas com deficiência e necessidades alimentares.

As indicações dos representantes foram feitas diretamente pelas próprias entidades ou organizações sociais, sem interferência do poder público, tendo em conta atributos como a atuação, o domínio do assunto, o comprometimento e a disponibilidade para participar das atividades do conselho.

A comissão de transição, de acordo com a legislação, foi composta por representantes da sociedade civil (2/3) e do governo federal (1/3). Representaram a sociedade civil Maria Emília Pacheco, Carlos Eduardo de Souza Leite, Edgard Moura, Gil Marcos Carvalho, Mariza Rios e Renato S. Maluf. Representaram o governo Michele Lessa (Ministério da Saúde), Patrícia Gentil (MDSA) e Rogério Neuwald (Presidência da República).

Clique aqui para conhecer os nomes dos conselheiros titulares e suplentes.

Fonte: Ascom/Consea

Filme Martírio, de Vincent Carelli, está em cartaz em 19 capitais

O filme Martírio, ganhador do Júri Popular no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, aborda o tema da batalha dos indígenas em busca do respeito às suas terras. Com direção de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tatiana Almeida, o longa analisa a violência sofrida pelos Guarani Kaiowá diante ao genocídio do seu povo. Segundo filme da trilogia que começou com Corumbiara, o povo indígena retratado é uma das maiores populações indígenas brasileiras, que entram em constantes conflitos com latifundiários, pecuaristas e fazendeiros locais pela luta de terras.

O documentário que estreou no dia 13 de abril em 19 capitais do país denuncia os sucessivos massacres e violências contra os povos indígenas. Em Brasília, o filme estreia no dia 19 de abril, com sessão às 21h, no Cine Brasília. Após a exibição, haverá debate com dois dos seus diretores e a professora doutora Dácia Ibiapina (UnB), com mediação do crítico e pesquisador de cinema Guilherme Lobão (Abraccine). Entrada franca.

Com informações do Cine Brasília

Lutar contra os agrotóxicos e em defesa da vida é urgente e necessário

Neste dia 7 de abril de 2017, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida completou 6 anos de luta e de construção da resistência contra os agrotóxicos. Desde o início, seu objetivo é denunciar o modelo do agronegócio e seus impactos nos territórios, e fortalecer uma ampla rede com movimentos populares da cidade e do campo, instituições de pesquisa e ensino, e todas as organizações empenhadas em estudar, monitorar, denunciar e construir ações que deem visibilidade ao problema dos agrotóxicos.

Uma iniciativa em defesa da vida

De fato, a luta contra os agrotóxicos existe desde que os agrotóxicos surgiram. Contudo, em 2010, quando o Brasil se tornou oficialmente o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, diversas organizações que lidam com tema da luta pela terra, agroecologia e saúde sentiram a necessidade de criar um instrumento concreto para ações conjuntas. Desta forma, no dia 7 de abril de 2011 foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, coincidindo com Dia Mundial da Saúde.

Atualmente, a Campanha é construída por uma diversidade de mais de 100 organizações nacionais e regionais, tornando-se uma grande rede de ação na luta contra os agrotóxicos. Trata-se de uma articulação da sociedade civil que tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio para a população, e anunciar alternativas de modelo de organização da produção de alimentos baseadas na agroecologia. Neste contexto, a luta contra os agrotóxicos torna-se indissociável da luta contra os transgênicos, já que ambos fazem parte do mesmo pacote tecnológico imposto pelo agronegócio.

Atuação em Rede

Diante das ofensivas cada vez mais agressivas de flexibilização da legislação de agrotóxicos no Brasil, fica clara a necessidade da atuação em rede para ampliar o escopo de comunicação dos efeitos do agronegócio sobre a saúde da população brasileira.

Neste sentido, foi lançada em março de 2017 a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, uma iniciativa unificada com dois objetivos: (i) barrar o Pacote do Veneno, um conjunto de projetos de lei que têm por objetivo revogar a atual Lei de Agrotóxicos (Lei 7802/1988), colocando a “Lei de Defensivos Fitossanitários” em seu lugar; e (ii) Mobilizar pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA – PL6670/2016).

O site http://chegadeagrotoxicos.org.br, que coleta assinaturas pela aprovação da PNaRA, foi lançado no dia 16 de março e já conta com mais de 45 mil apoios. Nele, a sociedade encontra informações sobre a PNaRA e o Pacote do Veneno. A articulação para construção desta plataforma reuniu entidades como a Via Campesina e seus movimentos, Fiocruz, Abrasco, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Greenpeace, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Ministério Público, FIAN, Movimento Slow Food, Aliança pela Alimentação Saudável e ACT Promoção da Saúde, e ainda com potencial de se expandir.

A partir do mês de maio, iniciaremos uma série de lançamentos da plataforma com atividades nos estados, de modo a ampliar ainda mais o apoio popular à produção de alimentos saudáveis, fortalecendo a agroecologia e a reforma agrária na opinião publica.

Mudanças na Legislação

No Brasil na atualidade, há uma pressão para inflexão dos marcos regulatórios, de avaliação e monitoramento caminhado para uma flexibilização do marco legal e das agências reguladoras como a Anvisa. Isso cria uma insegurança para toda a população que poderá ficar mais vulnerável e ter maiores impactos sobre a saúde humana e no ambiente.

É nesta conjuntura que a bancada Ruralista busca concluir o processo legislativo de um novo regulamento para os agrotóxicos com o PL 6299/2002, que torna mais fácil a liberação de variedades de agrotóxicos, inclusive alguns que já foram banidos em outros locais do mundo, representando um retrocesso significativo o para conjunto da população e o ambiente.

Temos clareza do desafio que tem sido e será fazer oposição a pauta dos agrotóxicos, principalmente com este governo Golpista e um Congresso Nacional reacionário que visa seguir o retrocesso nesta pauta.

No entanto também temos a certeza de que a questão dos agrotóxicos ainda é uma das maiores contradições deste modelo do agronegócio, ou seja, alimentar-se e envenenar-se ao mesmo tempo é algo que assusta a população. Nossa tarefa é que estas contradições e estes retrocessos fiquem expostos para o conjunto da sociedade e assim contribuir para uma massa crítica que se preocupe com debate dos alimentos e com modelo de produção e de sociedade.

*Por Nivia Silva, membra da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e do MST.

Fonte: Brasil de Fato

Missão Especial de Relatorias de Direitos Humanos apontará impactos da política econômica sobre condições de vida da população

Diante da Constituição brasileira e das normas internacionais, o Estado brasileiro pode adotar políticas econômicas que levem à rápida deterioração das condições de vida da população? Como se relacionam o aumento dos índices de desemprego, de insegurança alimentar e de pessoas em situação de rua, ou a queda nos investimentos na indústria, na educação e na saúde, com a desvinculação de recursos financeiros às políticas públicas garantidoras dos direitos?

Investigar os impactos da política econômica de austeridade adotada pelo Estado brasileiro a partir de 2014 na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e na ampliação das desigualdades é a proposta de uma Relatoria Especial que a Plataforma Dhesca Brasil deu início em seminário realizado nesta terça-feira (11), na organização Ação Educativa, em São Paulo.

O objetivo da articulação de redes e organizações de direitos humanos é produzir, até agosto deste ano, um documento que evidencie as consequências do choque recessivo que redundou na maior crise da história brasileira sobre as condições de vida da população – considerando, em especial, as desigualdades referentes a gênero, raça, campo/cidade, geracionais e entre regiões do país.

O trabalho envolverá a realização de missões de investigação em cinco estados (fortalecendo a capacidade de questionamento dos sujeitos políticos locais quanto à relação economia e direitos sociais), além da análise de indicadores oficiais e da implementação de estratégias de judicialização e de incidência política que questionem o atual modelo econômico.

Austeridade e retrocesso

Iniciativas recentes do atual governo federal, como a Emenda Constitucional 95 (que congela gastos públicos nos próximos vinte anos) e a Reforma da Previdência, apontam para o gradual desmonte do Estado como indutor de políticas sociais e fragilizam trabalhadoras e trabalhadores, suas entidades, movimentos sociais e organizações da sociedade civil. De maneira articulada, tem-se o aumento da repressão policial, da criminalização de movimentos do campo e da cidade e de defensores (as) de direitos humanos, além da intensificação de políticas racistas de contenção de conflitos sociais – sobretudo por meio do encarceramento em massa e de medidas socioeducativas.

O Brasil enfrenta hoje a maior contração do PIB (Produto Interno Bruto) da história, superior a 7%, além dos índices mais alarmantes de desemprego já vistos: de acordo com os dados do último PNAD, são 13 milhões de pessoas sem ocupação formal.

Segundo o economista Pedro Rossi, professor do Instituto de Economia da Unicamp que apresentou, no Seminário, o estudo intitulado “Austeridade e retrocesso”, a premissa de que políticas econômicas são neutras e técnicas é falsa.

Junto dos pesquisadores da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) Lucas Teixeira, Fernando Rugitsky e Guilherme Melo, Rossi resgatou a história do comportamento da política econômica do último triênio no Brasil, que após três mandatos federais com características desenvolvimentistas – que envolveram desonerações e política de subsídios para indústrias, ampliação de financiamento do BNDES e desvalorização cambial – passou a assumir uma perspectiva financista (marcada, por exemplo, pelo choque fiscal e monetário).

Segundo Rossi, a partir de 2015, marco da promoção do desemprego, da queda de indicadores e da ruptura constitucional, o discurso da necessidade de redução das funções do Estado e de austeridade ganhou amplitude. “A EC 95 é um ponto fundamental para esse projeto porque é limitador das funções do Estado. E o governo Temer tem várias outras iniciativas. A Petrobras vai virar exportadora de óleo cru e deixar de ser instrumento de desenvolvimento nacional, por exemplo. O BNDES está sendo desmontado. O que está acontecendo é disputa pela narrativa da crise, que tem consequências muito importantes. É a ‘Doutrina do choque’. Estamos transformando a natureza do Estado brasileiro”, alertou.

Para os economistas, são três os caminhos a serem percorridos para a superação do cenário de retrocessos: a disputa ideológica, a de representatividade e a judicialização como atitude política, exigindo juridicamente a revogação das violações à Constituição Federal. Em sintonia com este último ponto, a pesquisadora e Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Elida Pinto apresentou elementos da política orçamentária passíveis de questionamento do ponto de vista jurídico.

“O sentido máximo do Orçamento Público é estar a serviço do cumprimento da Constituição Federal. Não é possível que o Estado arrecade nos próximos 20 anos se desapegando do comportamento das despesas que justificam sua existência. É preciso multiplicar fontes de resistência a essa lógica. Acompanhar decretos de programação financeira nunca foi tão coerente”, defendeu.

Após os debates, as (os) representantes de 27 entidades filiadas à Plataforma presentes à atividade, além de ex e atuais relatoras (es) em Direitos Humanos (saiba mais abaixo) e pesquisadoras e pesquisadores de universidades, discutiram as bases sobre as quais a relatoria se desenvolverá e delinearam possibilidades de estratégias para a realização das missões das relatorias in loco, além de possíveis ações de judicialização contra política econômica em curso. O evento também contou com a participação de João Akira Omoto, procurador federal da PFDC, órgão do Ministério Público Federal.

Uma nova reunião de trabalho foi agendada para 12 de junho. “A iniciativa da Plataforma DHESCA está comprometida em tonar visível não somente os impactos da política de austeridade na vida da população, mas também de subsidiar ações que questionem o fundamentalismo econômico e apontem alternativas a ele. A sociedade brasileira não pode aceitar o recuo do país a patamares e a indicadores sociais de vinte anos atrás. Assim como outras, esta é uma iniciativa comprometida com a defesa intransigente da Constituição brasileira”, afirma Denise Carreira, integrante da Coordenação da Plataforma Dhesca responsável pela Missão Especial e ex-Relatora Nacional de Educação.

Relatorias

Inspiradas nas Relatorias Especiais da ONU, as Relatorias em Direitos Humanos foram criadas em outubro de 2002 como uma iniciativa inédita para a efetivação dos direitos no Brasil. Implementadas pela Plataforma de Direitos Humanos, em conjunto com outras organizações, as Relatoria têm como objetivo de que o Brasil adote um padrão de respeito aos direitos humanos, tendo por fundamento a Constituição Federal, o Programa Nacional de Direitos Humanos, os tratados e convenções internacionais de proteção aos direitos humanos ratificados pelo Brasil e as recomendações dos/as Relatores/as da ONU e do Comitê Dhesc.

O desafio das Relatorias é de diagnosticar, relatar e recomendar soluções para violações apontadas pela sociedade civil. Para averiguar as denúncias acolhidas, visitam os locais realizando missões, audiências públicas, incidências junto aos poderes públicos, contando com o envolvimento de organizações e movimentos sociais, assim como representantes do Poder Executivo, Legislativo e do Sistema de Justiça.

As (os) relatoras (es) são especialistas em direitos humanos escolhidos por um grupo composto por órgãos do Poder Legislativo (Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e Comissão de Direitos Humanos do Senado), Executivo (Secretaria de Direitos Humanos e Ministério das Relações Exteriores), Sistema de Justiça (Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos – PFDC) e Agências da ONU (FAO, PNUD, Unesco, ONU Mulheres, UNV, Unicef e UNFPA) para o mandato de dois anos.

Até hoje, já foram realizadas mais de 130 missões em todo o país, como assentamentos da reforma agrária, comunidades quilombolas, territórios indígenas, comunidades urbanas em situação de conflitos e despejos, grandes obras de infraestrutura e megaeventos, educação no sistema prisional e em áreas de conflito armado, entre outras.

Fonte: Plataforma DHESCA

Rede de Pesquisa começa a receber inscrições para 3º Encontro Nacional

Termina no dia 10 de junho o prazo para inscrição de trabalhos no Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Este ano o evento será realizado entre os dias 8 e 10 de novembro em Curitiba, capital paranaense.

Os interessados devem enviar seus trabalhos para o correio eletrônico [email protected]. O resultado será publicado no site do evento de 1º de agosto de 2017. Os autores também serão comunicados pelo correio eletrônico.

A programação do encontro ainda está sendo finalizada, mas estão mantidos os seis grupos de trabalho (GTs) do 2º encontro: Direito Humano à Alimentação Adequada; Produção sustentável e processamento de alimentos; Abastecimento e consumo alimentar saudável; Efeitos da Insegurança Alimentar e Nutricional; Comida e cultura: os múltiplos olhares sobre a alimentação; A Construção da Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional: avaliações, métodos e indicadores.

Cronograma
Inscrições de trabalhos: 10 de abril a 10 de junho
Avaliação: 10 de junho a 15 de julho
Divulgação dos selecionados: a partir de 1º de agosto
Esclarecimento de dúvidas: [email protected]

Serviço
3º Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Quando: 8 a 10 de novembro
Onde: Curitiba (PR)
Local: a definir
Informações: www.ceresan.net.br/eventos/iii-enpssan

Fonte: Ascom/Consea

Oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários” está com inscrições abertas

Estão abertas, até 20 de abril, as inscrições da oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários”. O evento é uma das realizações do Ministério Público Federal para o #ABRILindígena. A oficina acontece no dia 25 de abril, das 9h às 13h, no Auditório JK, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Para garantir sua participação, envie e-mail para o endereço [email protected]. As inscrições são gratuitas.

A primeira mesa da programação terá como tema as Terras Indígenas nas constituições brasileiras. O debate será presidido pelo subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF), realizadora do evento. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão do MPF, Deborah Duprat, e o constitucionalista Daniel Sarmento debaterão a temática.

Etnografia nas terras indígenas será o assunto da segunda mesa, que contará com a mediação de Luiz Eloy, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e participação dos antropólogos João Pacheco e Fabio Mura como debatedores. A cientista política e ativista indigenista Dalee Dorough (University of Alaska) participa da terceira mesa, cujo tema é Terras indígenas na Jurisprudência do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Indígenas.

A oficina é uma iniciativa da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (Isa), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Plataforma Dhesca.

Confira programação completa.

Fonte: MPF

Ato Inter-religioso será realizado em Brasília, em memória dos 20 anos do assassinato do indígena Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe

Acontecerá no dia 20 de abril de 2017, às 18 horas na Praça do Compromisso, Brasília, DF, o Ato Inter-religioso em memória dos 20 anos do assassinato de Galdino Jesus dos Santos. Liderança do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe, presente no sul da Bahia, Galdino foi queimado na madrugada do dia 20 de abril de 1997, quando dormia em uma parada de ônibus da W3 Sul, zona central da capital federal.

O Ato Inter-religioso, que fará memória a história e vida de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe e denunciará toda forma de racismo e violação de direito aos povos originários, é organizado pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Conselho Indigenista Missionário, Rede Ecumênica da Juventude, Conselho Indígena do Distrito Federal, Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília , Comissão Brasileira Justiça e Paz e  Fórum Ecumênico ACT – Brasil. Estarão presentes indígenas relembrando a resistência e luta diante as violações dos direitos constitucionais e das políticas anti-indígenas do Estado brasileiro.

Informações sobre o Ato Inter-religioso em memória de Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe.

Quando: 20 de abril de 2017
Horário: 18 horas
Onde: Praça do Compromisso, entre as Quadras 703 e 704 Asa Sul do Plano Piloto – Brasília (DF)
O que: o ato contará com apresentações culturais, depoimentos de lideranças da causa indígena e caminhada

“Por que fizeram isso comigo?”

Galdino Pataxó Hã-Hã-Hãe viajou à capital no dia 18 de abril de 1997 para debater com representações do poder público sobre a situação da terra do seu povo, a área de Caramuru/Paraguassu, sul da Bahia. Após reuniões e de participar de comemorações que marcavam o Dia do Índio, evento organizado pela Funai, Galdino não conseguiu voltar a pensão onde estava hospedado. Dormiu em um ponto de ônibus na Asa Sul, onde foi queimado por um grupo de cinco jovens de classe média.

Socorrido, foi levado a um hospital de Brasília. Completamente cego, devido as queimaduras nas córneas, mas ainda consciente, identificou-se à equipe médica e indicou a localização de seus parentes indígenas. Antes de entrar em coma, perguntou repetidas vezes: “Por que fizeram isso comigo?”. Com queimaduras em 95% do corpo, Galdino não resistiu e faleceu na madrugada de 21 de abril.

Fonte: CIMI

Guia Alimentar para a População Brasileira ensina 10 passos para alimentação saudável

O Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde do Brasil em parceira com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) e a Universidade de São Paulo (USP), oferece várias dicas de combinações saudáveis para o café da manhã, almoço, jantar e lanches, respeitando as diferenças regionais e sugerindo alimentos e bebidas de fácil acesso para os brasileiros.

Entre outras informações, a publicação (acesse aqui) apresenta 10 simples passos para alcançar uma alimentação saudável. São eles:

1) Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados.
2) Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades.
3) Limite o consumo de alimentos processados.
4) Evite alimentos ultraprocessados, que são aqueles que sofrem muitas alterações em seu preparo e contêm ingredientes que você não conhece.
5) Coma regularmente e com atenção. Prefira alimentar-se em lugares tranquilos e limpos e na companhia de outras pessoas.
6) Faça suas compras em locais que tenham uma grande variedade de alimentos in natura. Quando possível, prefira os alimentos orgânicos e acroecológicos.
7) Desenvolva suas habilidades culinárias. Coloque a mão na massa, aprenda e compartilhe receitas.
8) Planeje seu tempo. Distribua as responsabilidades com a alimentação na sua casa. Comer bem é tarefa de todos.
9) Ao comer fora, prefira locais que façam a comida na hora.
10) Seja crítico. Existem muitos mitos e publicidade enganosa em torno da alimentação. Avalie as informações que chegam até você e aconselhe seus amigos e familiares a fazerem o mesmo.

Fonte: Opas/OMS

Falta de informação prejudica debate sobre gênero nas escolas, aponta especialista

Em entrevista à ONU Mulheres, a cientista social Sylvia Cavasin defende que políticas escolares devem levar discussões sobre gênero para centros de ensino. Segundo a especialista, os debates desenvolvidos continuam sendo fruto de iniciativas individuais de alguns professores.

Para ela, “as famílias desconhecem o que é gênero e caem na desinformação, que tem criado uma espécie de terrorismo e de perseguição” aos docentes que abordam a temática com alunos.

“É preciso falar de gênero nas escolas”, enfatiza Sylvia, que lembra que, nos anos 1980, a pauta da sexualidade era melhor aceita pelos familiares do corpo estudantil e pelo restante da comunidade acadêmica porque estava associada ao combate ao HIV.

“Naquele tempo, era possível conversar sobre a prevenção à AIDS. As famílias gostavam porque a gente falava o que elas não falavam. Havia receptividade de alunos e de professores. A gente trabalhou tranquila durante muitos anos até chegar esse momento que traz perdas para a educação com a ação de conservadores [contrários ao tema]”, avalia a cientista.

Sylvia trabalha há 28 anos na organização não governamental Ecos, que faz parte do grupo Gênero e Educação — rede de instituições articulada para promover o debate sobre igualdade de gênero em colégios do Brasil. A cientista é também uma das autoras do livro “Por que discutir gênero da escola?”. A publicação está disponível online e pode ser acessada clicando aqui.

A especialista lembra que o debate pode abrir os horizontes de cada aluna e aluno para uma vida com igualdade entre mulheres e homens.

Sylvia elenca algumas iniciativas importantes para as políticas públicas na área de educação e gênero, como o programa Gênero e Diversidade na Escola, Escola sem Homofobia, Mulher e Ciência.

“Mas são políticas públicas que não entraram pela porta da frente. Entraram pelos fundos”, comenta em alusão aos esforços concentrados de órgãos como as Secretarias de Políticas para as Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial e com pouca capilaridade em estados e municípios.

A cientista social identifica o que chama de “investida contra a sexualidade” e aponta que o momento atual é de incertezas sobre o futuro da educação com perspectiva de gênero.

“Mas vimos também a mobilização em torno das escolas pós-Plano Nacional de Educação (em 2014). Essa foi uma grande surpresa: ver a juventude com a visão diferente da educação ortodoxa e antiga. Vejo a juventude interessada e discutindo. Os altos espaços institucionais têm de se abrir e ouvi-los”, acrescenta.

Em 2015, as Nações Unidas adotaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de metas que inclui a igualdade de direitos e oportunidades para todos, nas suas diversidades de gênero, raça, etnia e classe social. Conheça as ações da ONU para pôr um fim às disparidades entre homens e mulheres clicando aqui.

Fonte: ONU Brasil

Organizações fazem alerta sobre as crescentes ameaças aos direitos indígenas no Brasil

Um ano após a visita de Victoria Tauli-Corpuz ao Brasil, Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, organizações indígenas, indigenistas, socioambientalistas e defensores dos direitos humanos alertam o Alto Comissariado da ONU sobre as crescentes ameaças aos direitos constitucionais e dos povos indígenas no Brasil.

 

Em carta assinada pela APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil em conjunto com cerca de 30 organizações, denúncias sobre o não cumprimento por parte do governo brasileiro de compromissos assumidos no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, e que ao invés de avanços, os últimos meses foram marcados pela forte escalada de vários retrocessos preocupantes são focos do documento.

 

Entre eles, ataque aos direitos territoriais, através de medidas legislativas como a PEC 215; o desmantelamento das políticas públicas de Saúde, Educação e outras; o desmonte de instituições governamentais indigenistas, tais como a FUNAI e a SESAI; a tentativa de criminalização de lideranças indígenas e organizações que os apoiam; ameaças e até assassinatos de lideranças indígenas, além da ausência de qualquer diálogo, participação e consulta com os representantes indígenas.

 

Ao fim do documento, as organizações solicitam que a Relatoria siga com o monitoramento da situação no Brasil e que, se possível, considere a pertinência de alertas urgentes e questione o Estado sobre quais as razões para os fatos apontados.

O informe original pode ser acessado neste link e a tradução para o português pode ser conferida a seguir:

 

Estimada Señora Victoria Tauli-Corpuz

Relatora de la ONU sobre los Derechos

Estimado Señor Joaquín Alexander Embajador

Presidente del Consejo

Estimado Señor Zeid Ra’ad Al Hussein

Alto Comisariado de Derechos Humanos

Estimado Señor Amerigo Incalterra

Representante de la Oficina del para América del Sur

Cc.: Estimado Señor Luciano Mariz

Coordinador da 6ª Cámara do Ministerio Público Federal

No mês de março de 2017 completamos um ano desde a visita ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, enquanto o Brasil completa seu terceiro mês como membro do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

 

Como já havíamos afirmado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o informe da missão e as recomendações da Relatora Especial Victoria Tauli-Corpuz coincide com nossas principais preocupações ante a violação e negação dos direitos humanos dos povos e das pessoas indígenas no Brasil. Por exemplo, a Relatora apresenta muito bem a conexão existente entre o persistente racismo institucional, a falta de capacidade dos órgãos governamentais e as principais violações e retrocessos no campo das políticas e leis que protegem os direitos dos povos indígenas, em especial o direito à terra, à vida, a não discriminação e proteção dos líderes defensores dos direitos humanos. Em seu informe, a relatora assinala que as propostas de redução do orçamento e de funcionários do instituto indigenista (Fundação Nacional do Índio – FUNAI) ia contra as demandas dos povos indígenas e as recomendações do Relator Especial anterior, James Anaya, que já destacavam a necessidade de fortalecer a Funai para que o Estado possa cumprir suas obrigações legais de proteção aos direitos dos povos indígenas.

 

Em reação ao informe independente, o governo brasileiro afirmou, na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2016, que se comprometia a fortalecer a Funai e a proteger o direito constitucional de reconhecimento das terras indígenas, ameaçado por propostas legislativas como a Proposta de Emenda Constitucional conhecida como PEC 215.

 

Ocorre que, realmente, estamos assistindo exatamente o contrário. FUNAI e outros importantes órgãos para a implementação de direitos indígenas estão sofrendo intenso desmonte, da mesma forma que as políticas específicas conquistadas nos últimos 30 anos, como por exemplo as de demarcação de terras, de proteção de povos voluntariamente isolados, de assistência diferenciada à saúde educação bilíngue, intercultural, diferenciada. Projetos de lei que buscam prejudicar e discriminar ainda mais os povos indígenas (como o que condena a prática do infanticídio como se fosse uma prática comum e generalizada somente entre os indígenas) andam junto com propostas de mudanças legislativas para diminuir o controle dos povos indígenas sobre suas terras e territórios, tudo isso sem nenhum processo de consulta livre, prévia e informada. Depois de sua visita, e diante do contexto de mudanças políticas, a Relatora assinalou preocupação com o fato da concentração do poder político e econômico nas mãos de um pequeno segmento da sociedade brasileira, situação que levou à exploração abusiva de terras e recursos dos povos indígenas sem considerar seus direitos.

 

De fato, diante do quadro político e dos casos de corrupção do governo atual, os povos indígenas e seus direitos seguem ainda mais ameaçados, incluindo a sua integridade física. As constantes mudanças de ministros, secretários e da presidência da FUNAI atendem a estes setores abertamente contrários aos interesses e direitos dos povos indígenas e contribuem para o agravamento de situações de violência e impunidade no campo. Neste último ano aumentou o retrocesso dos direitos fundamentais dos povos indígenas, incluindo a suspensão da demarcação de terras indígenas.

 

Abaixo seguem as principais violações concretizadas somente neste último ano, e depois do envio do informe dos povos indígenas ao Exame Periódico Universal das Nações Unidas. As medidas adotadas pelo Estado brasileiro contradizem suas recomendações assim como os compromissos e obrigações com os Direitos Humanos no campo internacional e, em especial, com a declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Solicitamos que a Relatoria siga com o monitoramento da situação no Brasil e, se possível, considere a pertinência de alertas urgentes e questione o Estado sobre quais os motivos para estes fatos:

 

1) Apesar de sua recomendação para que os escritórios regionais da FUNAI tivessem recursos adequados para oferecer os serviços que os povos indígenas, incluindo os isolados, necessitam, em outubro de 2016 o governo reduziu drasticamente o orçamento da instituição, que já estava trabalhando com apenas 36% da capacidade de funcionários. E em março de 2017 foram realizadas mudanças estruturais para a extinção de 347 cargos de coordenação e assessoria (incluindo técnicos de campo) da FUNAI, afetando especialmente a atenção local para as comunidades indígenas, o setor de acompanhamento de licenciamento ambiental e de proteção aos povos indígenas em isolamento.

 

2) O corte de postos na FUNAI foi encomendado pelo ministro da Justiça, Osmar Serraglio (no cargo desde fevereiro de 2017). Antes ele era deputado federal pelo estado do Rio Grande do Sul, um dos promotores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra as atividades da FUNAI e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Esta CPI continua o seu trabalho sem justificação técnica ou jurídica suficiente, depois de ter sido anteriormente arquivado sem conclusões, mas continua a intimidar os organismos públicos e seus servidores, assim como, para criminalizar as organizações indígenas e da sociedade civil que defendem os direitos indígenas. O atual ministro da Justiça, ao qual está subordinada a FUNAI, também foi o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215) que tenta transferir a demarcação das terras indígenas para decisões políticas do Congresso Nacional, composto majoritariamente por grandes fazendeiros, proprietários de terras e produtores rurais, o que impediria conclusões favoráveis aos povos indígenas. De fato, em uma de suas primeiras entrevistas a jornais nacionais, o ministro afirmou que “o que os povos indígenas precisam não são suas terras tradicionais porque (“terra não enche barriga de índio”).

 

3) Neste março de 2017 também foi aprovada pelo Congresso a prorrogação do prazo para o funcionamento da CPI contra FUNAI e INCRA por supostas ações irregulares dos órgãos públicos na demarcação de terras indígenas e comunidades negras rurais (quilombolas), mas na realidade o que está em jogo é a criminalização de lideranças indígenas e de organizações que os apoiam, disseminando suspeitas infundadas que buscam atacar seu prestígio com a divulgação de informações sigilosas ou privadas de pessoas e instituições da sociedade civil.

 

4) O ex-ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que a partir de março de 2017 assume como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e participará de julgamento de casos constitucionais. Ele teve sua candidatura muito criticado pela sociedade civil, entre outras razões, pela manobra realizada pelo governo e Congresso Nacional para minimizar os impactos de casos de corrupção envolvendo seus colegas do governo e políticos apoiadores que foram a julgamento na Supremo Corte. Da mesma forma, questões como a demarcação de terras indígenas que estavam diretamente sob sua autoridade agora passam a ser analisados pelo próprio, à partir da mais alta autoridade do Judiciário, afetando até mesmo o direito de acesso dos povos indígenas à Justiça em virtude de privilegiar interesses políticos anti-indígenas.

 

5) Poucos meses antes de sua indicação para o Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes ainda como ministro da Justiça, acabava de tentar alterar o processo de demarcação de terras indígenas, através de legislação chamada Portaria MJ 68. Essa legislação criou uma instância de pressão política no processo de demarcação, diminuiu o papel da Funai e de informações técnicas especializadas e incluiu possibilidades inconstitucionais para justificar a negação de direitos à terra dos povos indígenas. Depois de fortes protestos do movimento indígena e do Ministério Público Federal, e também de segmentos da sociedade civil, a norma foi substituída pela Portaria 80, de conteúdo similar entrelinhas.

 

6) Todas essas mudanças estão sendo feitas sem qualquer diálogo, participação ou consulta dos representantes indígenas. Mesmo o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão paritário entre representantes indígenas e governamentais, criado para o diálogo com os povos indígenas, passou a ser desvalorizado e desde 2016 não realiza suas reuniões. Em seu relatório, a Relatora Especial recomendou que o CNPI deveria participar das indicações da FUNAI, buscando competência técnica e independência política para cumprir o mandato do órgão, além condições de funcionamento garantidos.

 

7) As ameaças não dizem respeito apenas aos direitos territoriais. A nível federal, os povos indígenas estão lutando contra o fim das políticas que foram construídas com muito empenho pelos indígenas como, por exemplo, as políticas de atenção diferenciada à Saúde Indígena, implementadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde e políticas de Educação intercultural bilíngue coordenadas pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade, Inclusão e Diversidade do ministério da Educação (SECADI), instituições indicadas pelo relator especial como importantes e dignas de fortalecimento.

 

8) No caso da saúde, também foram editados normativas que mudaram o funcionamento dos serviços de Saúde e espaços de controle social, e logo depois revogadas, em resposta aos protestos indígenas. Foi criado um Grupo de Trabalho com a participação indígena, e o Ministério da Saúde se comprometeu de realizar pelo menos 05 seminários regionais de consulta que logo se reduziram a reuniões dos 34 Distritos de Saúde Especial Indígena (ADIS), mas até agora não tiveram efeito, e mudanças na estrutura do ministério estão ocorrendo por interesse político e sem consulta.

9) As tentativas de mudanças normativas e estruturais de importantes órgãos como a FUNAI e SESAI vem acompanhadas por mudanças em suas diretorias, a partir de indicações políticas e, muitas vezes, sem compromisso com os direitos dos povos indígenas. Em janeiro de 2017, foi nomeado um novo presidente da FUNAI, Sr. Antonio Toninho Costa, um pastor evangélico que anteriormente assessorava parlamentares do Partido Social Cristão (PSC), um dos mais ativos nas proposta de iniciativas e discursos anti-indígenas no Congresso Nacional. Em uma de suas primeiras entrevistas, e sem considerar as recomendações da ONU sobre a necessidade de olhar para as situações específicas dos povos indígenas ao falar de programas de geração de renda, o novo presidente da FUNAI afirmou que as demandas para demarcação de territórios a solução seria fazer que os indígenas produzam, sem deixar clara a obrigação do Estado de cumprir as demarcações. Ele sinalizou a necessidade de reforçar a FUNAI e justificou que não foi informado sobre as iniciativas do ministério para reduzir o papel da Funai nas demarcações.

 

10) Alguns meses antes, outro pastor evangélico e de carreira militar foi nomeado diretor da área responsável pelo acompanhamento de licenciamento de obras que impactam as terras indígenas, assim como, as políticas de assistência social e econômica para povos. Há uma grande preocupação de que o órgão indigenista seja usado para legitimar mega-projetos que podem inviabilizar o meio ambiente, a vida indígena e suas culturas, bem como um instrumento de evangelização e de assimilação dos povos indígenas, suas culturas e terras.

 

11) Agora, em março de 2017, circularam informações de que o ex-secretário de Saúde Indígena, Rodrigo Rodrigues, também apoiado pelo bloco ruralista, será o novo diretor da FUNAI para a área responsável pela demarcação e proteção das terras indígenas, incluindo os territórios dos povos isolados. Em entrevista, ele afirmou que a terra indígena Marãiwatsédé, da aldeia Xavante, no estado do Mato Grosso, homologada depois de muitas décadas de conflitos provocados ​​por ruralistas e políticos, não seria uma terra indígena. A declaração fez com que a FUNAI escrevesse uma nota pública.

 

12) Nesse sentido, também, sem a observação do direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado, avançam os mega projetos como o de mineração da canadense Belo Sun, na mesma região do impacto da barragem de Belo Monte, que afetará a saúde e territórios dos povos Juruna e Arara; a linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista a ser construído dentro da terra indígena Waimiri-Atroari; a conclusão do desvio do rio São Francisco na região nordeste; a implantação de hidrovias e hidrelétricas na Bacia de Tapajós; a construção de estradas no Mato Grosso como a MT-242 e BR-158; Projetos de Lei para abrir terras indígenas à mineração; entre outros.

 

13) O contexto nacional de ataques a instituições e leis que minimamente protegem os direitos dos povos indígenas no Brasil no último ano, vimos um aumento dos casos de ameaças e até assassinatos de líderes indígenas, por exemplo, no Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, objeto de alerta do Representante do Alto Comissariado de Direitos Humanos na região e da relatoria especial sobre defensores de Direitos Humanos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Também se somam a isso o uso indevido da força com forte carga de racismo institucional por determinação judicial e a realização de despejos em caráter provisório, em nome de indivíduos e contra o direito originário dos povos indígenas sobre suas terras como nos casos Tapeba, Pataxó, Terena e Guarani-Kaiowá.

 

Por estas razões e preocupados com a destruição das instituições de defesa e proteção dos direitos dos povos indígenas no Brasil, bem como o aprofundamento da negação dos seus direitos, além do não cumprimento das recomendações dos Direitos Humanos emitidas pelos Relatores Especiais das Nações Unidas, do Sistema Interamericano e no Exame Periódico Universal, pedimos sua atenção e manifestação junto ao Estado, de modo a evitar um novo ciclo de extermínio dos povos indígenas e suas culturas no Brasil.

 

APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil

APOINME – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

Conselho Terena

Comissão Guarani Yvyrupá

ARPINSUDESTE – Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste

ARPINSUL – Articulação dos Povos Indígenas do Sul

ATY GUASSU – Grande Assembleia do Povo Guarani

COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira

ATIX – Associação Terra Indígena Xingu

AMAAIC – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre

APINA – Conselho das Aldeias Wajãpi

FOIRN – Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro

HAY – Associação Yanomami

CIR – Conselho Indígena de Roraima

OPIAC – Organização dos Professores Indígenas do Acre

Wyty-Catë – Associação Wyty-Catë dos Povos Indígenas Timbira do Maranhão e Tocantins

OGM – Organização Geral Mayuruna

ABA – Associação Brasileira de Antropologia

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

Conectas Direitos Humanos

CTI – Centro de Trabalho Indigenista

CPI-AC – Comissão Pró-Índio do Acre

CPI-SP – Comissão Pró-Índio de São Paulo

IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil

Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena

ISA – Instituto Socioambiental

Greenpeace

RCA – Rede de Cooperação Amazônica

Plataforma de Direitos Humanos – DHesca Brasil

Nas fotos: Reunião entre as lideranças indígenas Sonia Guajajara e Davi Kopenawa Yanomami com representantes do Alto Comissariado da ONU, Juan Nuez e Melanie Santizo. Acompanham o encontro representantes da RCA e DHESCA, Luis Donisete Benzi Grupioni e Erika Yamada. Genebra, 05/04/2017.

Fonte: CIMI

Diálogo entre povos da Amazônia combate insegurança alimentar na região

Na Amazônia, cenário de imensas riquezas naturais, pessoas passam fome – e não são poucas. Para se ter uma ideia do tamanho deste desafio para a população local, o índice médio de insegurança alimentar grave no Brasil, como um todo, gira em torno de 3,2%, enquanto na Amazônia a média é três vezes maior, de 9,7%. E pode alcançar 14% e até 24% entre comunidades indígenas e quilombolas, de acordo com a Escala Brasileira de Medida Domiciliar da Segurança Alimentar (Ebia), revelam dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) 2004-2009-2013.

Políticas públicas aplicadas com bons resultados em outras regiões têm sido insuficientes e algumas vezes até inadequadas às características da Amazônia. “Qualquer avanço nesse sentido terá de começar por considerar as peculiaridades sociais e a realidade física da região Amazônica”, afirma a médica Ana Maria Segall, mestre em Saúde Pública pela Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health (1986) e doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ana Maria Segall tem tido atuação ativa no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e, na última semana, participou do primeiro Seminário Pan-Amazônico de Proteção Social, realizado em Belém (PA). De acordo com ela, o encontro, promovido pelo Brasil e com a participação de representantes dos outros oito países amazônicos, marcou um momento importante para alavancar o diálogo permanente entre gestores e população, requisito básico para o sucesso das políticas públicas de combate à fome e à insegurança alimentar e nutricional.

A segurança alimentar e nutricional foi definida pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Losan/2006) como o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. O quadro inverso, é o de insegurança alimentar. E, nas situações de insegurança grave, o que se verifica mesmo é a fome.

Isolados por seis meses

Para começar, Ana Maria Segall lembra que a Amazônia abrange uma gigantesca área geográfica de nove estados, banhada pelos maiores rios do planeta, um clima de alta umidade, chuvas e enchentes constantes. “Há comunidades que ficam fisicamente isoladas durante seis meses. Como a população pode ter acesso a políticas públicas nestes locais sem um planejamento específico, juntamente com a comunidade?”, questiona a médica.

Nas chamadas “áreas secas”, o acesso também não é fácil. São áreas de florestas, com vegetações densas e grande biodiversidade que precisam ser protegidas. O que, de outro lado, dificulta a abertura de estradas ou outros meios de transportes terrestres. Assim, os caudalosos rios ainda são, mesmo difíceis, as principais vias de comunicação da Amazônia.

“Não podemos esquecer o contexto social, as questões organizacionais e históricas”, acrescenta Ana Maria Segall. São fazendeiros, colonos, extrativistas, ribeirinhos, exploradores, indígenas e quilombolas. Pessoas de diversas etnias e que falam diferentes idiomas – muitas vezes mais identificados pela cultura a que pertencem do que pelas fronteiras físicas onde moram. Em alguns locais, como em Santa Isabel do Rio Negro, onde a população é 95% indígena, a insegurança alimentar pode chegar a 24%.

Combate ao isolamento

Somados todos os fatores, e até por causa de alguns deles, a população local esteve quase sempre fora das tomadas de decisão acerca de seu próprio destino, amargando um isolamento histórico, cujas consequências são sentidas até hoje. O isolamento só acabará com o entendimento das realidades locais e a compreensão sobre como lidar com as características complexas da grande região da Amazônia, destaca a médica, que é também professora Curso de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unicamp.

“Há necessidades de novas pesquisas. Faltam informações sobre os biomas extremamente ricos da Amazônia, os meios de produção, os modos de vida tradicionais, os sistemas alimentares – caracterizados pelos valiosos conhecimentos tradicionais de seus povos sobre plantas comestíveis e medicinais, frutos, sementes, raízes, fauna silvestre, aquática e peixes”, aponta Ana Maria Segall.

Além do mais, esses sistemas estão ameaçados de extinção pelo desmatamento, a expansão da monocultura na região (especialmente soja e cana de açúcar), construção de barragens, concentração de terras e grandes projetos de infraestrutura. Todos estes desafios foram abordados com precisão pelo Consea, enfatiza Ana Maria Segall, na Carta da Amazônia, divulgada após o Encontro Temático “Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional da Amazônia”, realizado em junho de 2015.

“O que precisamos agora é prosseguir no diálogo com a sociedade civil, para adequarmos as políticas públicas aos povos da Amazônia e implantar uma fiscalização mais eficiente das mesmas, inclusive por meio do controle social”, conclui a professora.

Leia aqui a Carta da Amazônia

Fonte: Ascom/Consea 

Consea relaciona ‘tragédia humana’ dos Guarani Kaiowá ao agronegócio

Relatório feito após visita ao MS critica juízes federais, governos e desmonta argumentos dos fazendeiros; confira trechos mais importantes

Ligado diretamente à Presidência da República, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) pode representar mais um peso na balança de poder que envolve a situação dos índios Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul. A entidade esteve em comitiva no Estado entre agosto e setembro de 2016, onde visitou diversas comunidades – reservas, terras ocupadas e acampamentos em beira de estrada. O resultado é um relatório alarmante sobre a realidade dos indígenas no Estado.

(Reprodução: Consea)

Intitulado ‘Tekoha: Direitos dos Povos Guarani e Kaiowá“, o relatório critica o poder público de forma abrangente. Após constatar a fome, a saúde precária e demais violências sofridas pelas comunidades, o Consea afirma que os Guarani Kaiowá vivem uma tragédia humana no Mato Grosso do Sul. O teor de denúncia do relatório não economizou nos detalhes: de juiz ruralista à omissão do governo estadual, passando pela perseguição de pistoleiros aos agentes de saúde da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

O PAPEL DO AGRONEGÓCIO

A presidente do Consea, Maria Emília Lisboa Pacheco, destacou a tradicionalidade da terra para os Guarani Kaiowá. A necessidade que eles têm de matas, com frutos para coleta, plantas medicinais, áreas para plantio da roça familiar ou coletiva. Cultura que eles estão sendo impedidos de viver. “A comitiva constatou um quadro de violência com mortes por assassinato, manifestações de preconceitos e violação de direitos humanos, em especial o Direito Humano à Alimentação Adequada”, diz o relatório. “Uma verdadeira tragédia humana!”

(Reprodução/ Consea)

A presidente do Consea critica o que chamou de “expansão do agronegócio, com um alto nível de degradação ambiental e contaminação por agrotóxicos do solo e dos mananciais”, além do “confinamento a que estão submetidos esses povos”. Para a entidade, a questão só tem uma resposta: demarcação e titulação de terra, a garantia do Direito Humano à Alimentação e o acesso a políticas públicas, “em conformidade com as cláusulas de nossa Constituição cidadã”.

O documento também destaca a história da colonização do Estado, e critica a marginalização dos índios durante o processo. Desde 1920, época da criação dos “aldeamentos” pelo Estado, as diminutas áreas reservadas para a população Guarani:

– Entre os anos 50 e 70, a expansão do agronegócio no Centro-Oeste brasileiro deu-se por meio da expulsão dos povos indígenas Guarani e Kaiowá de suas terras tradicionais, que contou com o apoio e o incentivo governamental das três esferas (União, estado e município) e dos três Poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo), demonstrados objetivamente por meio da autorização da emissão de títulos de propriedade para terceiros, pela impunidade dos crimes cometidos contra os povos indígenas do estado e pela ausência de políticas públicas adequadas de saúde, educação e alimentação.

Para a presidente, a violação aos direitos territoriais dos índios continua até hoje, e pode ser ilustrada pela “consumação de interpretações jurídicas preconceituosas e parciais em prol dos interesses econômicos locais”.

Leia matéria completa AQUI.

Fonte: De Olho nos Ruralistas

Sistema agroalimentar remove o sentido original da agricultura. Entrevista especial com Valéria Burity

As irregularidades do setor alimentício de carnes, apresentadas recentemente pela Operação Carne Fraca, demonstram um “processo” de “violações de direitos”, que “engloba um ciclo que vai da produção ao aproveitamento do alimento por quem o consome”, e a “imposição” de um “modelo neoliberal e de um sistema agroalimentar corporativo que lhe é funcional”, diz Valéria Burity à IHU On-Line.

Segundo ela, situações como essas ocorrem “porque existe uma opção política em apoiar o agronegócio e isso se dá porque a lógica das normas e das leis ainda favorece grandes empresários, em detrimento de agricultores familiares”. E assevera: “A causa de tudo isso é que o agronegócio tem influência sobre os poderes públicos, e um grande exemplo disso é a Bancada Ruralista do Congresso”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Valéria Burity defende a elaboração de políticas públicas que incentivem a agricultura familiar e medidas regulatórias mais rígidas para o agronegócio e para as transnacionais. “Um Estado efetivamente comprometido com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas promoveria ações regulatórias sobre a ação das transnacionais e das grandes empresas, sobre a liberação de transgênicos e o uso de agrotóxicos”, pontua.

Valéria Burity é advogada e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é secretária geral da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais violações cometidas por empresas do ramo alimentício no processo alimentar?

Valéria Burity – O processo alimentar, no conceito usado pela Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil, engloba um ciclo que vai da produção ao aproveitamento do alimento por quem o consome, e envolve outros elementos, como a possibilidade de exigir direitos. Nesse processo existem grandes violações de direitos. Só para citar algumas, destaco a concentração/grilagem e estrangeirização de terras; a persistência de relações trabalhistas que vulnerabilizam os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais; o uso excessivo de agrotóxicos; a produção de transgênicos sem respeito ao princípio da precaução; a destruição da economia familiar campesina a favor do monocultivo ou de megaprojetos que afetam o campo e as florestas, atingindo, principalmente, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais e ainda a imposição de um modo agroindustrial baseado na produção de alimentos altamente processados que respondem a necessidades alimentares criadas por outras culturas e interesses.

IHU On-Line – Em artigo recente, ao comentar a Operação Carne Fraca, você mencionou “a pequena capacidade do Estado em fazer frente de maneira efetiva a todas as irregularidades” do setor alimentício. A que atribui essa ineficiência?

Valéria Burity – São as mesmas razões que impedem a superação de violações de direitos humanos no Brasil, como essas que citei antes. Todos esses problemas, com evidentes raízes estruturais, se somam, em décadas recentes, às imposições do modelo neoliberal e de um sistema agroalimentar corporativo que lhe é funcional. Ou seja, um modelo onde os interesses das corporações transnacionais configuram as decisões políticas sobre o setor rural, concentram e verticalizam os recursos e a produção, removem o sentido original da agricultura para o agronegócio ou para a lógica de megaprojetos e depreda tanto o ser humano quanto os bens naturais. Nesse sentido, os fatores estruturais se agudizam ou se readaptam aos interesses desse modo e sistema de produção e consumo. O Estado brasileiro deve fortalecer seu papel regulador em relação à produção, ao abastecimento, à distribuição, à comercialização e ao consumo de alimentos. Um estado efetivamente comprometido com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, promoveria ações regulatórias sobre a ação das transnacionais e das grandes empresas, sobre a liberação de transgênicos e o uso de agrotóxicos, sobre a publicidade de alimentos, só para citar alguns exemplos.

IHU On-Line – Neste mesmo artigo, você aponta que atualmente no Brasil ocorrem dois fenômenos em relação à comercialização de alimentos: de um lado, a liberalização das regras para o agronegócio e, de outro, a imposição de exigências de produção e comercialização para a agricultura familiar. Pode nos dar exemplos de como esses dois fenômenos ocorrem hoje? Por que essas diferenças ocorrem?

Sempre existiu um apoio maior ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar

Valéria Burity – Antes de responder, é importante falar sobre agricultura familiar no Brasil. Sempre existiu um apoio maior ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar. É verdade que houve um apoio maior à agricultura familiar a partir de 2003, mas sempre houve mais apoio ao agronegócio. Ainda em 2009, quando o ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier Dschutter, fez uma missão no Brasil, ele destacou que a agricultura familiar produzia 750 reais/hectare/ano, contra 358 reais/hectare/ano nas plantações de grande escala, e que os grandes proprietários de terra que representavam apenas 1% dos estabelecimentos rurais, captavam mais de 43% de todo o crédito agrícola, enquanto fazendeiros com menos de 100 ha, 88% do total de estabelecimentos, captavam apenas 30%. Porém o último censo agrícola, realizado em 2006, deixou claro que quem alimenta a população brasileira é a agricultura familiar e camponesa. Por essa razão os movimentos que lutam por soberania e segurança alimentar e nutricional no Brasil defendem a aproximação entre quem produz alimento de verdade, a agricultura familiar, e quem consome o alimento.

Só que existe muita dificuldade, por exemplo, na regularização para a comercialização de alimentos tradicionais, artesanais e de base familiar. A legislação sanitária é um dos grandes entraves, pois as normas da legislação são elaboradas tendo como referência a produção agroindustrial de larga escala, e acabam promovendo a concentração de todo processo alimentar, reforçando uma lógica excludente e concentradora da produção, do processamento e da distribuição. O padrão de fiscalização que temos hoje tende a criminalizar alimentos artesanais e tradicionais e dificulta o acesso aos mercados institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – Pnae.

Um exemplo desta criminalização à agricultura familiar foi a Operação Agro-Fantasma, desencadeada pela Polícia FederalPF, em setembro de 2013, que culminou em vários processos judiciais que foram julgados pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba/PR. Diversos agricultores foram presos e, junto a esses, muitos outros de diversas regiões do Paraná foram indiciados pelos crimes de falsificação de documento público, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. Funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab também foram indiciados por peculato e prevaricação. As acusações diziam respeito, basicamente, a supostos desvios de recursos públicos por parte das associações e cooperativas de agricultores familiares. Segundo a PF e o Ministério Público FederalMPF, isso estaria ocorrendo no momento da entrega dos alimentos às entidades conveniadas (escolas, hospitais, equipamentos públicos da assistência social, entre outros). Segundo as normativas de operação do PAA, toda associação ou cooperativa de agricultores que almejasse entrar no programa para venda de seus produtos alimentares, deveria elaborar um plano no qual estariam discriminadas de forma detalhada as entidades que receberiam os alimentos, bem como os tipos de alimentos e as respectivas quantidades a serem entregues pelos agricultores.

Dessa maneira, no decorrer das investigações da PF, foram apontadas inconsistências nas entregas realizadas pelos/as agricultores/as, com quantidades e tipos de produtos muitas vezes diferentes daqueles indicados meses antes nos planos de entrega originais. Contudo, em análise mais apurada, percebe-se que a inconsistência na entrega dos produtos se deu em razão de questões ligadas à safra, mudanças climáticas e/ou baseadas em outros imprevistos inerentes à vida no campo — motivos esses explicitados, em muitos casos, pelos próprios agricultores no verso das notas fiscais. Passados mais de três anos desde a deflagração da Operação Agro-Fantasma, a maioria das pessoas acusadas foi absolvida devido a pedidos posteriores do próprio Ministério Público Federal. Por outro lado, volumosos exemplos podem ser citados no que se refere à liberalização das regras para o agronegócio.

Segundo relatório recente da Oxfam, existiam no Brasil em 2015 mais de 4 mil pessoas físicas e jurídicas detentoras de terra, as quais possuíam, cada uma, dívidas de ao menos 50 milhões de reais — totalizando quase 1 trilhão de reais. Ao mesmo tempo em que tal dívida existe, o governo Temer editou a Medida Provisória nº 733/2017 (posteriormente convertida na Lei nº 13.340/2016), a qual permite o abatimento de dívidas do agronegócio em porcentagens que variam de 35 a 95% a depender das especificidades da dívida. Outro caso notável é a chamada Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/2016), a qual isenta de ICMS produtos primários e secundários destinados à exportação. O mesmo relatório da Oxfam estima em 22 bilhões de reais por ano o prejuízo dos estados com tal lei. Estes são somente dois exemplos, dentre vários, que indicam a dimensão de impactos negativos causados pelo agronegócio — nestes casos, impostos devidos — à sociedade.

Essas diferenças ocorrem porque existe uma opção política em apoiar o Agronegócio e isso se dá porque a lógica das normas e das leis ainda favorece grandes empresários, em detrimento de agricultores e agricultoras familiares. A causa de tudo isso é que o agronegócio tem influência sobre os poderes públicos, e um grande exemplo disso é a Bancada Ruralista do Congresso. E agora tudo caminha para invisibilizar a agricultura familiar e tratar tudo como agronegócio. É isso que se pode concluir quando se extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário, quando se suprime a agricultura familiar do próximo Censo Agropecuário e quando o Programa de Apoio à Agricultura familiar passa a ser chamado de “Agroamigo”.

IHU On-Line – Atualmente são feitas muitas críticas ao incentivo econômico dado pelo Estado ao setor do agronegócio. O que seria uma alternativa a esse modelo?

É cada vez mais crescente o número de pesquisas que nos mostram que a agroecologia é a alternativa mais viável, sustentável, saudável e, portanto, necessária para garantir o direito à alimentação em todo mundo

Valéria Burity – É cada vez mais crescente o número de pesquisas que nos mostram que a agroecologia é a alternativa mais viável, sustentável, saudável e, portanto, necessária para garantir o direito à alimentação em todo mundo. Essa, a propósito, foi a conclusão do ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, quando escreveu o informe que encerrou o seu mandato. No mesmo entendimento pode chegar quem observar, por exemplo, as colheitas recentes de arroz agroecológico produzido pelo Movimento dos Sem Terra – MST no Rio Grande do Sul, com números chegando a 400 mil sacas anuais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Valéria Burity – É importante destacar que no dia 16 de março um conjunto de organizações e movimentos sociais que integram a plataforma Chega de Agrotóxicos lançou uma petição on-line com o objetivo de mobilizar a sociedade para a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNaRA. Além de apoiar a aprovação da PNaRA, a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos também tem como meta barrar o Projeto de Lei – PL 6.299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e a petição é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos nas mesas das famílias brasileiras.

Para assinar, acesse aqui.

Fonte: IHU – Unisinos

Urbanização rápida do mundo ameaça avanço contra fome e desnutrição, alerta ONG

Até a década de 2030, haverá cerca de 2,5 bilhões a mais de pessoas que hoje vivendo em cidades. O aumento se dará especialmente entre populações que mais crescem no mundo, nos países em desenvolvimento. Quase 90% será concentrado na África e Ásia, onde apenas a China, a Índia e a Nigéria, sozinhas, deverão somar 900 milhões de moradores às cidades até 2050. Na África, o aumento será facilmente perceptível, já que a maior parte de sua crescente população estará vivendo em áreas urbanas.

Os dados são do Relatório Global sobre Política Alimentar (Global Food Policy Report 2017), divulgado em 31 de março de 2017, pelo Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar (IFPRI, na sigla em inglês), entidade de pesquisa do Grupo Consultivo de Pesquisa Internacional Agrícola (CGIAR), com sede em Washington (EUA). “Na medida em que a rápida urbanização avança em todo o mundo, pobreza, insegurança alimentar e desnutrição estão se tornando, cada vez mais, problemas urbanos”, ressalta o documento.

O crescimento das cidades estaria impactando principalmente a população pobre urbana, que enfrenta desafios de acesso a alimentos nutritivos, à proteção social e a serviços de água, saúde e saneamento. Dificuldades de acesso à renda, imprescindível à segurança alimentar em áreas urbanas, fragiliza ainda mais a população pobre, sobretudo as mulheres, que dependem muitas vezes de empregos informais e instáveis. Em países em desenvolvimento, famílias chegam a comprometer mais de 50% da renda com alimentação, lembra o IFPRI.

Mudança de perspectiva

Essas drásticas transformações nos cenários internacionais políticos, econômicos e demográficos ameaçam as perspectivas favoráveis, surgidas com a nova agenda de desenvolvimento sustentável. Nela, os compromissos assumidos pelos países com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e do Acordo de Paris, além da proclamação da Década de Ação em Nutrição das Nações Unidas 2016-2025, pareciam sinalizar uma continuidade dos progressos em segurança alimentar e nutricional.

Em 2016, por exemplo, pela primeira vez na história moderna, o número de pessoas vivendo na extrema pobreza caiu abaixo de 10% da população global, enquanto a expectativa para a taxa mundial de desnutrição era de queda a níveis abaixo de 11%.

Agora, no entanto, para avançar, “as políticas e investimentos para combater a fome e a desnutrição precisarão levar em conta as necessidades das populações urbanas pobres e a necessidade desenvolver laços fortes entre agroprodutores rurais e mercados urbanos, a fim de garantir o sustento tanto das populações rurais quanto urbanas”, enfatiza o diretor do IFPRI, Shenggen Fan.

Os investimentos deverão permitir a transformação dos ambientes alimentares, a fim de ampliar o acesso a dietas saudáveis e a preços compatíveis com a renda da maioria da população.

Bolsa Família e redes de proteção social

Apesar da gravidade dos alertas, o relatório do IFPRI destaca a importância das redes de proteção social (“safety nets”) que vêm sendo construídas em vários países e devem ser fortalecidas. E faz uma referência elogiosa ao Programa Bolsa Família. “O carro-chefe do Brasil [nesta área], o Bolsa Família, que focou na redução da pobreza e na segurança alimentar, usou a transferência de dinheiro para promover e melhorar a educação e os cuidados de saúde aos beneficiários do programa”.

Destaca ainda a qualidade da infraestrutura de pesquisa agrícola brasileira, iniciativas como os restaurantes populares saudáveis em várias cidades, como Belo Horizonte e Curitiba; além do acesso a alimentos saudáveis na cidade de São Paulo.

E acrescenta: “O Bolsa Família incorporou com sucesso componentes de educação e saúde, por meio da integração com outros programas e políticas sociais em prol da segurança alimentar e da nutrição”.  Ainda segundo a publicação, o programa contribuiu substantivamente para a redução da mortalidade infantil, sobretudo aquela relacionada à má nutrição.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a representação brasileira junto à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) e Programa Mundial de Alimentos (PMA), três organizações da ONU com sede em Roma, acompanharam a divulgação dos dados da pesquisa.

Veja aqui a íntegra do relatório.

Fonte: Ivana Diniz Machado/Consea

Disponível novo Portal de Indicadores da Segurança Alimentar

A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) disponibilizou nesta semana o novo Portal de Indicadores da Segurança Alimentar e Nutricional.

 Várias ferramentas importantes para o monitoramento da SAN foram incluídas no Portal. Uma das inovações do Portal é a seção “Estudos Técnicos”, da base de dados do Mapeamento da Insegurança Alimentar e Nutricional (Mapa Insan), que auxiliará a análise das informações geradas por meio do Cadastro Único e do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).

O Mapa Insan é um estudo desenvolvido pela Caisan com o objetivo de identificar as famílias e indivíduos que se encontram em insegurança alimentar e nutricional.

Clique aqui para acessar o Portal

Fonte: Ascom/Consea com dados do MDSA

CDHM realiza primeira audiência do colegiado de 2017 e organiza planejamento participativo com os movimentos sociais

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) realizou hoje sua primeira audiência pública sob a presidência do deputado Paulão (PT-AL). A pauta do encontro foi a construção do planejamento de atividades da CDHM ao longo de 2017, abrindo espaço para manifestações de movimentos sociais, organizações que atuam na temática de Direitos Humanos e parlamentares trazerem suas contribuições sobre as prioridades da Comissão.

Ao todo, foram mais de 40 inscritos que puderam levar seus pleitos e denúncias de violações de Direitos Humanos, desde representantes de entidades de caráter nacional, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), como também conselhos nacionais, estaduais e distritais.

A mesa do encontro, que atuou como facilitadora para abrir caminho aos movimentos sociais, contou com a vice-presidente da CDHM, deputada Erika Kokay (PT-DF); pelo secretário de Direitos Humanos, Participação e Cidadania do Estado de Minas Gerais e primeiro presidente da história da CDHM, Nilmário Miranda; a procuradora dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República, Deborah Duprat; o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo; o presidente da Associação dos Juízes Federais, Roberto Carvalho Veloso; e o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Everaldo Patriota.

O deputado Paulão saudou o resultado da audiência, que contou, além dos presentes de forma presencial no plenário 2 do Anexo II, com alcance de mais de 30 mil pessoas por meio da transmissão online pela página da CDHM no Facebook. “Essa audiência será o início de uma gestão participativa, que construirá pontes com a sociedade civil e demais instâncias institucionais para enfrentar com firmeza os retrocessos pautados a partir do processo de ruptura da democracia que o país vive”, ressaltou, garantindo a manutenção da CDHM como uma trincheira de luta.

Participaram da audiência os deputados Adelmo Carneiro Leão (PT-MG), Chico Alencar (PSOL-RJ), Creuza Pereira (PSB-PE), Jean Wyllys (PSOL-RJ), João Daniel (PT-SE), Luiz Couto (PT-PB), Marcon (PT-RS), Maria do Rosário (PT-RS), Nilto Tatto (PT-SP), Patrus Ananias (PT-MG), Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ).

 

Encaminhamentos

No total, foram 33 propostas de encaminhamentos para avaliação dos parlamentares e assessoria técnica da CDHM, que irão definir como será possível concatenar estas agendas, sem esquecer os novos temas que surgirão. A seguir, um breve resumo dos encaminhamentos, que serão transformados em um relatório e um planejamento da CDHM:

– Que a CDHM discuta o acesso ao direito ao indulto ou à comutação de pena para mulheres encarceradas, já que não está sendo cumprido o que está na decisão do Conselho Nacional de Política Penitenciária

– Que a CDHM discuta as prisões arbitrárias das lideranças de movimentos sociais.

– Que a CDHM discuta o desmonte da FUNAI e do INCRA

– Que a CDHM volte a realizar reuniões que tratem do direito à memória, verdade e justiça

– Que a CDHM proponha um encontro com secretarias de direitos humanos dos estados e municípios, com gestores, conselhos, entidades e sociedade civil para debater a construção de uma agenda com vistas a enfrentar os retrocessos

–  Que a CDHM seja um espaço de cobrança e defesa dos defensores de direitos humanos, de forma a funcionar como uma ouvidoria nacional

– Que a CDHM paute o extermínio da juventude negra e a evasão dos jovens negros do sistema educacional

– Que a CDHM acompanhe os desdobramentos relativos à punição dos responsáveis pela tragédia da Boate Kiss, à perseguição aos pais das vítimas e aos vetos da Lei Kiss

– Que a CDHM tome providências a respeito dos discursos de ódio e apologia ao fascismo proferidos por Deputado em evento no Rio de Janeiro

– Que a CDHM trate da Reforma da Previdência sob a perspectiva dos direitos humanos

– Que a CDHM paute o enfrentamento à violência letal contra adolescentes LGBTI

– Que a CDHM paute os impactos das grandes obras e empreendimentos sobre adolescentes em situação de rua e pertencentes a povos e comunidades tradicionais

– Que a CDHM contribua na luta para a manutenção do Benefício da Prestação Continuada

– Que a CDHM paute o enfrentamento ao trabalho infantil

– Que a CDHM paute a questão do cyberbullying contra crianças e adolescentes

– Que a CDHM acompanhe os casos de Belo Monte, Tucuruí e de Mariana, a respeito das violações de direitos humanos;

– Que a CDHM acompanhe o sistema carcerário do Amazonas, pois desde a última visita da CDHM nada foi alterado;

– Que a CDHM acompanhe todos os processos de criminalização de lideranças indígenas, a CPI FUNAI/INCRA, as propostas de lei que atentam contra os direitos indígenas, como a PEC 215. Atenção especial para o debate sobre o marco temporal, que está sendo discutido também no judiciário.

– Que a CDHM inclua na pauta os retrocessos na pauta ambiental, armas, sistema prisional e acompanhe os projetos que ferem a laicidade do Estado e defesa dos direitos sociais e reprodutivos;

– Que a CDHM acompanhe os casos de criminalização da luta no campo;

– Que a CDHM acompanhe a pauta dos refugiados e do CONARE;

– Que a CDHM construa um GT dentro da Comissão para pensar o combate à tortura;

– Que a CDHM intensifique o processo de fiscalização de hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e centros de reabilitação;

– Que a CDHM acompanhe os projetos de lei que violem o direito à comunicação;

– Que a CDHM interceda no caso de limitação do Conselho de Direitos Humanos do DF para entrada em unidades prisionais, imposta pela juíza da Vara de Execuções Penais do DF.

–  Que a CDHM paute os direitos da pessoa idosa

– Que a CDHM debata o Projeto de Lei que institui o dia nacional da pessoa em situação de rua no âmbito de uma audiência pública

– Que a CDHM continue pautando o desmonte dos tês programas de proteção aos defensores de direitos humanos

– Que a CDHM continue pautando o avanço do Estado de Exceção e as recentes estratégias de promover sua legitimação e ampliar o punitivismo

– Que a CDHM realize um ciclo de debates sobre a democratização do sistema de justiça

– Que a CDHM paute os direitos reprodutivos da mulher com vistas a avançar sobre a discussão da descriminalização do aborto e da violência obstétrica

– Que a CDHM paute a paridade de gênero nos espaços da Câmara e da sociedade

– Que a CDHM ajude a construir uma audiência pública da PFDC sobre a garantira da cota partidária para mulheres e sobre a participação das mulheres na política

 

Participaram da audiência representantes os seguintes movimentos e/ou organizações:

 

Aliança Nacional LGBT

Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais

Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria

Central Única dos Trabalhadores

Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Piauí

Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB

Comitê Nacional pela Diversidade Religiosa

Conectas

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Conselho de Direitos Humanos do Distrito Federal

Conselho Federal de Psicologia

Conselho Indigenista Missionário

Conselho Nacional de Saúde

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Defensoria Pública da União

Educação e Cidadania de Afrodescendentes

Faculdade Escola de Sociologia e Política

Fora do Eixo

Instituto Autonomia

Instituto Brasil Central

Intervozes

Jovens Unidos pelos Direitos Humanos

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

Mídia Ninja

Movimento dos Atingidos por Barragens

Movimento de Direitos Humanos – Coordenação dos Direitos da Pessoa Idosa

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Movimento Nacional de Direitos Humanos

Movimento Orgulho Autista Brasil

Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

União Nacional LGBT

Fonte: CDHM

Temer reduz em mais da metade verbas para políticas públicas às mulheres

O governo de Michel Temer reduziu em 61%, em relação ao ano passado, a verba para atendimento à mulher em situação de violência. Com o corte, o valor destinado à assistência passou de R$ 42,9 milhões para R$ 16,7 milhões.

Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, diretora da ONG Cépia, o momento político do Brasil tem prejudicado principalmente as mulheres. “É extremamente preocupante o que está acontecendo, porque é um desmonte. Houve uma construção eficiente de uma política de combate à violência contra a mulher, com a Lei Maria da Penha. Então, sem orçamento para implementar as políticas, nós estamos voltando a um capítulo de retórica. Cortar a verba constitui um ato de violência contra as mulheres”, critica a ativista em entrevista à repórter Laís Modelli, na Rádio Brasil Atual, reproduzida abaixo.

Também em março, mês internacional da mulher, o governo federal retirou verbas das políticas de incentivo de autonomia das mulheres com uma redução de 54% no orçamento. Apenas R$ 5,3 milhões estão disponíveis para o setor. Em 2016, R$ 11,5 milhões foram aplicados na política.

Segundo Jacqueline, as medidas políticas do governo Temer são um retrocesso nas conquistas obtidas pelas lutas dos movimentos feministas. “No Brasil, estamos encerrando um ciclo virtuoso de conquista de direitos da mulheres, que teve seu ápice na Constituição de 1988. Nos governos de Dilma e Lula, a Secretaria de Políticas para Mulheres construiu pactos de enfrentamento da violência de gênero, mas agora, com Temer, sofre um desmonte”, afirma.

Ela afirma na entrevista que o desmonte é motivado pela forte presença de setores conservadores no governo. “Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e a posição dela na sociedade são os principais alvos dos ataques desses setores”, diz.

Na reportagem, a advogada Leila Linhares, representante do Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Mesec), explica que todos os países membros do órgão avançaram nesse tipo de política pública, inclusive o Brasil. “Nos últimos dez anos, houve avanços na legislação e o Brasil cumpriu em larga medida, do ponto de vista legislativo, todas as recomendações. A gente observa que esses avanços estão retrocedendo.”

Segundo Leila, verbas destinadas às políticas públicas para a população feminina foram responsáveis por abrir delegacias das mulheres, centros de apoio e diversas estruturas que ajudaram brasileiras em situação de violência. “Esses recursos possibilitaram um avanço, mas a gente vê que a cada dia esses órgãos perdem força e os serviços estão sendo desativados.”

Fonte: Rede Brasil Atual

Governo brasileiro não vê suicídios dos Guarani-Kaiowá como crise, diz jornal canadense

O jornal canadense The Globe and Mail divulgou a versão em português de reportagem sobre os suicídios entre os Guarani Kaiowá, 22 vezes maiores que no conjunto da população brasileira: “Os esquecidos: por dentro da crise de suicídios indígenas no Brasil“. A reportagem de Stephanie Nolen, publicada em inglês no dia 17, constatou que o governo brasileiro não vê nisso uma crise – como ocorre no caso canadense.

Apesar da epidemia, dos enforcamentos seguidos, “os policiais nunca atendem a um chamado da aldeia rapidamente”, diz a reportagem. Com isso as crianças acabam vendo os corpos dos parentes pendurados. A maior parte dos casos ocorre entre adolescentes.

Segundo a publicação, a situação no Brasil tem muitos paralelos com o fenômeno no Canadá. Mas lá os suicídios indígenas são definidos como “crise”. “O primeiro-ministro, Justin Trudeau, afirmou que adotará medidas urgentes contra o suicídio indígena”, escreve a repórter.  “Seus ministros prometeram uma intervenção em âmbito federal”.

No Brasil, silêncio. A reportagem informa que, em 2015, o governo federal prometeu reduzir em 10% a taxa de suicídio na região, e anunciou um plano de prevenção para as aldeias mais afetadas. Mas sem informar o orçamento ou mesmo os locais específicos da ação. “A resposta tardia e imprecisa reflete, em parte, o fato de que o país, já atolado em uma turbulência econômica e política, tem cortado recursos e desviado o foco da maioria dos problemas sociais”, diz o The Globe and Mail.

Segundo a reportagem, menos que uma dúzia de pesquisadores no Brasil estudam as taxas “astronômicas” de suicídio indígenas. Apenas 13 psicólogos atendem os 70 mil indígenas do Mato Grosso do Sul. E o país nem sabe quando o problema começou, porque o governo só coleta dados desde os anos 90. Pior: os números podem ser maiores, pois as mortes de indígenas “quase nunca são submetidas à análise de um legista, ou muitas vezes, simplesmente, não são registradas”.

“Mais terra para as vacas”

Este trecho da reportagem descreve a visão que a repórter canadense teve do agronegócio, em contraste com o confinamento dos povos indígenas:

– No lado brasileiro da fronteira, os Guarani-Kaiowa contam com nove aldeias no sul do Mato Grosso do Sul, estado no coração do lucrativo agronegócio brasileiro. O território, cuja principal vocação é a produção de grãos, é um vasto mar de campos verdes de soja, cana de açúcar e milho que pertencem a algumas poucas empresas gigantes, muitas delas multinacionais. Enquanto o resto do Brasil cambaleia sob o peso de uma economia estagnada, ainda se faz muito dinheiro aqui: a fome do mercado asiático pela soja brasileira e pela carne bovina alimentada com soja não diminuiu. (…) Você pode dirigir durante 15, 20 minutos em linha reta e passar apenas por pastagens de gado Bhraman. Depois de um tempo, você percebe que muito mais terra aqui foi dada às vacas do que aos humanos indígenas.

Fonte: CIMI

Secretária-geral da Fian fala sobre situação dos Guarani e Kaiowá

“O desafio para garantir alimentação e nutrição dos Guarani e Kaiwoá é respeitar o modo de ser desses povos e o seu território”. A afirmação é de Valéria Burtiy, secretária-geral da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e ex-secretária executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Na entrevista abaixo, Valéria, mestre em Direito Humano à Alimentação Adequada, Direitos Humanos e Direito Constitucional, faz um alerta sobre o contexto social vivido pelos povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e destaca. “O que levou fome ao Povo Guarani Kaiowá foi a exploração econômica no Mato Grosso do Sul, a expulsão de suas terras e a discriminação e violência a que foram submetidos”.

O documento “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do Povo Guarani e Kaiowá”, lançado em 2016 pela Fian Brasil, relata o índice de insegurança alimentar grave entres os povos Guarani e Kaiwoá. Qual o motivo dessa situação e como contorná-la?

Valéria Burity: Falta espaço aos Guarani e Kaiowá. No Mato Grosso do Sul são muitos os conflitos entre não indígenas e indígenas. No campo dos direitos territoriais, atualmente é acirrada a disputa entre o modo de produção que se expressa através dos latifúndios e monoculturas e o uso do território de acordo com a cultura indígena. O uso da área indígena pelos nativos não obedece aos parâmetros de produção de “riqueza” ou acumulação de bens, aos quais estão submetidas as propriedades e os latifúndios do estado, atualmente destinados, em sua maioria, à produção de soja e de gado de corte. Então falta terra e falta respeito à identidade cultural daquele povo.

Qual a relação entre a ausência da demarcação de territórios com a segurança alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiwoá?

Valéria Burity: A situação dos Guarani e Kaiowá, em relação a direitos como saúde, alimentação e nutrição, acesso à água, educação, segurança, igualdade, seguridade social, entre outros, é gravíssima e está associada à não garantia de seus direitos territoriais. A violência e discriminação que esses povos sofrem e a ineficácia dos órgãos que deveriam proteger seus direitos quando lesados ou ameaçados também prejudicam a segurança alimentar nesse sentido. A violação à identidade cultural e ao uso do território de acordo com essa característica gera uma série de outras violações. Eles não podem cultivar plantas, animais e alimentos para autoconsumo, para produção de seus remédios naturais, tampouco podem ter mobilidade em sua área tradicional. Os povos Guarani e Kaiwoá vivem em um ambiente hostil de discriminação, violência e preconceito, cercados por monoculturas que demandam uso intensivo de agrotóxicos e maquinário, o que empobrece o seu solo tradicional, afeta sua saúde física e mental e, consequentemente, afeta todos os seus direitos e suas vidas.

Como é o seu trabalho com os Guarani e Kaiowá? Quais os principais desafios que você identifica na segurança alimentar desses povos?

Valéria Burity: Nosso trabalho é, em articulação com movimentos sociais, documentar as violações e dar visibilidade a estas transgressões, exigindo sua reparação dentro e fora do Brasil. O principal desafio é garantir o território e o respeito à identidade cultural dos povos indígenas. O que levou fome ao Povo Guarani Kaiowá foi a exploração econômica no Mato Grosso do Sul, a expulsão de suas terras e a discriminação e violência a que foram submetidos. O desafio para garantir alimentação e nutrição é respeitar o modo de ser desse povo (teko) e respeitar o seu território (ha). É a garantia dos tekohas o primeiro passo para firmar a dignidade destes povos.

Fonte: Consea