A Emenda Constitucional (EC) 95, mais conhecida como Emenda do Teto dos Gastos, que congela as despesas públicas por 20 anos, foi aprovada em 15 de dezembro de 2016; este é, portanto, o seu primeiro ano de aniversário. Paralelo à EC 95 o Brasil também assistiu em 2017 à aprovação da Reforma Trabalhista, àtentativa de votação da Reforma da Previdência, aos cortes no orçamento para 2018, já decorrentes da Emenda, além de outros recrudescimentos que decorrem de uma política econômica de austeridade.
O diretor da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), Pedro Rossi, rebate um dos argumentos utilizados para justificar o teto dos gastos: a metáfora de que o orçamento do governo funciona como o orçamento de uma casa e que, portanto, o Estado não pode gastar mais do que ganha. “Essa é uma argumentação equivocada economicamente. O Estado não é igual a uma casa. As famílias gastam o que ganham, mas o Estado opera diferente. As famílias não têm como definir o quanto ganham, o Estado define a sua arrecadação. A decisão do Estado em diminuir gastos afeta a renda de muita gente, quando decide cortar gastos menos gente recebe e menos gente gasta. Quando a economia começa a desacelerar não é hora do Estado parar de gastar – é momento de gastar mais e não menos. No momento de crise é que a sociedade mais precisa do Estado de bem estar social, de seguro desemprego, de políticas sociais”, aponta Rossi.
Para a economista do DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, Regina Camargos, desde que o Governo de Michel Temer assumiu temos visto uma tentativa de reorganizar a economia brasileira de modo que todas as esferas da produção e da arrecadação do Estado sejam controladas pelo grande Capital Financeiro. “Nessa reorganização, todos os recursos que o Estado arrecada da sociedade não são destinados para a sua função social, como saúde, educação, segurança alimentar, direitos humanos, mas são utilizados e direcionados para pagamentos de juros e amortização da dívida pública controlada por grandes empresários do setor financeiro. Nesta visão é preciso assegurar que esses grandes tenham retorno para o seu Capital nos patamares de rentabilidade que eles desejam”, destaca Camargos, que aponta ainda que as três grandes reformas “do governo golpista de Temer são baseadas neste pilar de acumulação capitalista”.
Retrocessos
Em junho deste ano a FIAN Brasil lançou uma publicação que analisa os avanços e os retrocessos na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas. No documento a organização avalia que a Emenda colocou o Brasil na contramão da garantia de direitos e representa uma “ruptura de processos de pactuação voltados para a ampliação da cobertura e a melhoria da qualidade não apenas da proteção social e Segurança Alimentar e Nutricional, mas também de saúde, educação, fortalecimento da agricultura familiar, cultura, entre outros”.
Para a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, a Emenda Constitucional 95, que surge de uma proposta que foi chamada de PEC da maldade, já mostrou os seus impactos na soberania e na segurança alimentar e nutricional do Brasil. “Não temos dúvidas de que o Brasil já retrocedeu muitíssimo na garantia do direito humano à alimentação adequada e estamos só no primeiro aniversário da EC. Violar direitos é uma opção deliberada deste governo, pois se de um lado se congela gastos com políticas sociais, de outro não se impõe limites para as desonerações fiscais”.
Estudo
Recentes pesquisas reforçam as críticas de que a EC viola direitos, e que, de outro lado, o governo adota medidas que abrem mão de receitas públicas. No dia 14 de dezembro, o Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos, em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), lançou o Estudo Direitos Humanos em Tempos de Austeridade que traz dados sobre os efeitos negativos do teto dos gastos para o país.
Entre os cortes orçamentários realizados pelo governo brasileiro estão os que afetam diretamente investimentos em direitos humanos, proteção social, mudança climática, jovens, igualdade racial e de gênero. A figura abaixo, apresentada no Estudo, demonstra que em paralelo a estes cortes os pagamentos a serviço da dívida externa aumentaram.
O Estudo mostra que a austeridade no Brasil é seletiva, desrespeita a Constituição e coloca em risco décadas de progresso socioeconômico. Também constam no documento propostas de alternativas ao novo regime fiscal. “Os objetivos declarados da EC 95 são reduzir o déficit e restaurar a confiança financeira. Porém, as projeções sugerem fortes evidências de que a emenda em pouco contribuirá para a redução do déficit e retardará o crescimento econômico. Os custos econômicos dessa austeridade agravam os custos sociais ilustrados neste informe”, destaca trecho do Estudo.
Perdão de dívidas
Paralelo às três reformas que aumentam os níveis de desigualdade no país, só neste ano, o Governo Federal, por meio do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), perdoou R$ 27 bilhões em dívidas de bancos privados. O valor se refere aos processos do Itaú Unibanco e do Santander, que ainda aguardam o perdão de outro R$ 1,138 bilhão. O Carf é o órgão da Receita Federal encarregado de combater e tomar providências contra a sonegação e a evasão fiscal.
Revogação
No dia 15 de dezembro, em razão do impacto negativo da EC 95 sobre direito humanos, a Plataforma Dhesca Brasil de Direitos Humanos, em parceria com outras organizações, iniciou uma campanha nas redes sociais pela revogação da Emenda Constitucional 95.