CIDH e ACNUDH expressam preocupação sobre denúncias de massacre contra indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na Amazônia brasileira

Washington D.C. / Santiago do Chile –A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) expressam sua preocupação com a informação recebida sobre um possível massacre de indígenas em isolamento voluntário conhecidos como “flecheiros”, perto do alto curso do rio Jandiatuba, no território indígena Vale do Javari, localizado no extremo oeste do estado do Amazonas. A informação amplamente difundida em meios de comunicação indicaria que cerca de 10 pessoas indígenas em isolamento, incluindo mulheres e crianças, foram assassinadas. O Ministério Público Federal (MPF) confirmou publicamente que está investigando denúncias sobre mortes de indígenas em isolamento no território indígena Vale do Javari.

A Comissão e o ACNUDH observam com preocupação que a região enfrenta atualmente uma situação caracterizada pelo aumento das incursões e de atos de violência contra as comunidades indígenas  em isolamento voluntário e contato inicial na região do Vale do Javari. Segundo a informação recebida pelas instituições, o suposto massacre seria uma das numerosas denúncias de parte das comunidades indígenas em relação a incursões e ataques contra povos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na área, perpetrados por garimpeiros, produtores e extrativistas de madeira ilegais. Ambas instituições receberam também informação sobre o possível massacre de integrantes da comunidade indígena em contato inicial Warikama Djapar. Ao mesmo tempo, a CIDH e o ACNUDH receberam informação indicando que a suspensão há alguns anos das atividades da “Base de Proteção Etnoambiental (BPE)” da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), localizada no rio Jandiatuba, a qual oferecia salvaguarda aos povos indígenas isolados na Amazônia, havia deixado as comunidades em isolamento voluntário e contato inicial em uma situação de desamparo frente a terceiros.

A Comissão e o ACNUDH recordam que os Estados têm uma obrigação especial de proteção e respeito com relação aos direitos das comunidades em isolamento voluntário e contato inicial por sua situação única de vulnerabilidade. Esta obrigação foi consagrada diretamente no artigo 26 da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indigenas, e também foi refletida na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, na Convenção 169 da OIT sobre povos indígenas e tribais em países independentes, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assim como nas Diretrizes de Proteção dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e em Contato Inicial da Região Amazônica, do Gran Chaco e da Região Oriental do Paraguai. Os Estados se comprometeram a garantir o direito dos povos indígenas isolados e em contato inicial a permanecer nesta condição e a viver livremente e de acordo com suas culturas. A Comissão e o ACNUDH também observam que a região do Vale do Javari conta com a maior presença de povos indígenas em isolamento no mundo, o qual exige esforços diligentes do Estado brasileiro para adotar políticas e medidas apropriadas para reconhecer, respeitar e proteger as terras, os territórios, o meio ambiente e as culturas destes povos, bem como sua vida e integridade individual e coletiva.

Neste sentido, a CIDH e o ACNUDH celebram a decisão do Ministério Público Federal (MPF) no Estado do Amazonas e da Polícia Federal (PF) de realizar uma investigação em conjunto com a Polícia Federal sobre as ações das quais teriam sido vitimas os “flecheiros”. O governo brasileiro informou que as investigações pelo MPF e PF estão ocorrendo a pedido da FUNAI, e que os garimpeiros que foram vistos falando do suposto ataque foram presos e conduzidos a prestar depoimento, cumprindo mandado de busca e apreensão. O governo também informou que realizou operação de combate ao garimpo ilegal na região. Nestes termos, a CIDH e o ACNUDH urgem o Estado brasileiro a apresentar os resultados de tais investigações sobre todas as ações de violência e alegadas incursões com a devida diligência, de uma maneira adequada e culturalmente apropriada, bem como julgar e sancionar os possíveis responsáveis de forma ágil e efetiva.

A Comissão e o ACNUDH reiteram que os Estados estão obrigados a adotar medidas céleres e integrais para respeitar e garantir os direitos das comunidades índigenas ao gozo e controle de seus territórios e a viver livres de todo tipo de violência e discriminação. Este dever de proteção é acentuado em terras indígenas demarcadas administrativamente para a proteção de comunidades indígenas em isolamente voluntário e contato inicial, como a Terra Indígena Vale do Javari. Ao mesmo tempo, a Comissão e o Escritório do ACNUDH recordam que os Estados devem adotar medidas imediatas de ação de maneira articulada, destinadas à prevenção das incursões aos territórios dos indígenas em isolamento voluntário e contato inicial na Terra Indígena do Vale do Javari. Os contatos não desejados e as incursões por parte de terceiros nos territórios dos povos em isolamento voluntário e contato inicial constituem um sério risco para sua sobrevivência física. Tais contatos resultam em agressões diretas, problemas sérios de saúde devido à falta de defesas imunológicas, e escassez de alimentos, entre outros riscos. Todos estes problemas têm um impacto irreversível na capacidade do povo afetado de sobreviver e podem resultar em seu desaparecimento.

A Comissão e o ACNUDH exortam o Estado a implementar políticas imediatas para efetuar, nos territórios indígenas, controle de entrada, vigilância permanente, e ações de localização e monitoramento dos movimentos territoriais dos povos em isolamento. Ademais, a Comissão e o ACNUDH instam o Estado brasileiro a adotar medidas para prevenir e responder ãs atividades ilegais de mineração, cultivo, caça, pesca e extrativismo ilegal de madeira nos territórios indígenas sob análise. A CIDH e o ACNUDH reconhecem a importância da recente ação tomada pelo Exército para combater a presença dos garimpeiros ilegais no rio Jandiatuba, e insta o Estado a seguir ampliando esforços nesta direção.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

O Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (ACNUDH) tem o mandato de promover e proteger o desfrute e a realização plena, para todas as pessoas, de todos os direitos contemplados na Carta das Nações Unidas, bem como nas leis e nos tratados internacionais de direitos humanos. O ACNUDH realiza o seu trabalho à luz do mandato que lhe foi conferido pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua resolução 48/141. Sua sede internacional se encontra em Genebra, na Suíça. Já o Escritório Regional do ACNUDH para América do Sul está localizado em Santiago, no Chile, e cobre os seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru, Uruguai e Venezuela.

Fonte: CIDH

#NenhumQuilomboAMenos: Participe da campanha O Brasil é Quilombola

Em agosto, o futuro de milhões de quilombolas será decidido no Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 2004, o Partido Democratas (DEM) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, questionando o decreto 4887/2003 que regulamenta a titulação das terras dos quilombos. O julgamento se estende desde 2012 e será retomado no dia 16 de agosto.

Todos os títulos de quilombos no país podem ser anulados. O futuro das comunidades está em perigo. Novas titulações não serão possíveis sem o decreto. Mais de 6 mil comunidades ainda aguardam o reconhecimento de seu direito. As comunidades quilombolas são parte da nossa história, do nosso presente e também do nosso futuro.

Assine a petição e diga ao STF que não aceite a ação do Partido Democratas! Junte-se à luta dos quilombolas pelo seu direito constitucional à terra.

O Brasil é quilombola! Nenhum quilombo a menos!

 

Fonte: Conaq

Entrevista Ana Segall – Quilombolas ainda enfrentam situação de insegurança alimentar grave

Acesso as políticas públicas de financiamento da agricultura familiar, acesso à água e à assistência técnica alcançam apenas 5% das famílias quilombolas. O número alarmante foi constatado em um estudo promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) em 2012 e analisado por vários pesquisadores entre eles a conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Ana Segall. A conselheira tem realizado pesquisas em métodos e indicadores de segurança alimentar, além de estudos sobre a garantia do direito humano à alimentação adequada dos povos e comunidades tradicionais. Neste último caso, a conselheira aponta a exclusão social histórica e o racismo institucional como fatores determinantes para a situação degradante a que a maioria dessas pessoas são submetidas.

Dados do inquérito realizado em 169 territórios quilombolas titulados mostraram que 47,8% de seus domicílios conviviam com insegurança alimentar grave, o que significa viver com a experiência da fome. “O percentual é ainda superior nos quilombos situados na região Norte (62%). A insegurança alimentar é também maior em domicílios onde residem crianças e adolescentes”, explica a pesquisadora.

Confira a entrevista completa.

No Brasil, grande parte dos quilombolas estão em situação de insegurança alimentar grave. Por que isso acontece com mais intensidade nessas comunidades?

Os altos índices de insegurança alimentar entre os quilombolas, que vivem em territórios já titulados, são explicados pela sua exclusão social histórica, pelo isolamento geográfico, aliados a baixos rendimentos, analfabetismo e baixo ou mesmo falta de acesso a políticas públicas estruturantes, como o financiamento da agricultura familiar, baixo acesso a programas de compras governamentais [Programa de Aquisição de Alimentos], ausência de assistência técnica e outros.

A maioria dos quilombos identificados ainda não tem seu território homologado e titulado, sendo as pressões e disputas por suas terras, fatores ligados às altas prevalências de insegurança alimentar e fome.

Quais as maiores dificuldades que essas comunidades enfrentam?

Insegurança territorial, falta de acesso ao crédito e assistência técnica, precário acesso à educação para os jovens e a outras políticas públicas emancipatórias. Estudos tem demostrado que os quilombolas, semelhantemente aos povos indígenas, ainda enfrentam o racismo, inclusive racismo institucional.

Em dados gerais no país, o sobrepeso e a obesidade aparecem como problema de saúde pública. Como isso se reflete entre os quilombolas?

Entre os quilombolas prevalecem os agravos relacionados à dupla carga nutricional, representados pela frequência mais alta de desnutrição infantil, comparativamente à população geral, e sobrepeso e obesidade entre mulheres adultas estas, em proporções semelhantes. Ambas as situações são reflexos, entre outros fatores, da alimentação quantitativa e qualitativamente inadequados. Em outras palavras, da negação do seu direito constitucional à alimentação de qualidade e garantidora de uma vida saudável e produtiva.

O que precisa ser feito para garantir o direito humano à alimentação adequada nas comunidades quilombolas?

O respeito à sua identidade e cultura, a garantia ao seu território e acesso a políticas públicas emancipatórias.

Foto: Arquivo FIAN Brasil

Fonte: Ascom/Consea

Programa 2: Como o Marco Temporal afetou os Guarani Kaiowá?

Ouça e compartilhe a segunda edição do programa “Seu Direito É Nossa Pauta”, um boletim de áudio da Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Fian Brasil.

Em cinco programas, vamos falar de uma ameaça que pode influenciar a vida de todos os povos indígenas no Brasil.

Neste programa, falamos como o povo Guarani Kaiowá, a segunda maior etnia do país, que foi afetada pela tese do Marco Temporal.

 

 

Saiba Mais:

 FIAN Brasil e APIB lançam campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”

Brasil é o país mais perigoso para lutar por direitos e pelo meio ambiente

A ONG Global Witness apurou que a indústria madeireira está vinculada a 16 assassinatos, enquanto proprietários de terras são suspeitos de perpetrarem vários assassinatos na Amazônia. “O governo diminuiu a legislação ambiental e debilitou instituições de direitos humanos”, afirmam.

O Brasil tem sido sistematicamente o país mais funesto para defensoras e defensores do meio ambiente e para os que lutam pela permanência na terra e em seus territórios, desde que a Global Witness começou a compilar dados mundiais. Em 2016, um espantoso número de 49 pessoas foram assassinadas por protegerem suas terras: 16 delas defendendo as ricas florestas brasileiras dos madeireiros ilegais e um número cada vez maior, lutando contra a expansão do agronegócio e o seu poderoso lobby dentro do governo.

Para a ONG, apesar do chocante e crescente número de assassinatos, o governo brasileiro tem, na verdade, diminuído a proteção a defensoras e defensores ambientais. Quase imediatamente após assumir o poder, em agosto do ano passado, a administração de Michel Temer desmantelou o Ministério dos Direitos Humanos. O Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos conta com poucos recursos e é ineficaz.

Os assassinatos são emblemáticos dos níveis extremos da violência rural no Brasil. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) atribui isso ao avanço agressivo, com respaldo estatal, de projetos empresariais – incluindo agronegócios, mineradoras e empresas de energia – sobre as terras de comunidades indígenas e tradicionais, assim como de pequenos agricultores, os quais têm organizado uma crescente resistência coletiva para enfrentar o problema. De acordo com a CPT, as raízes do conflito encontram-se na história do colonialismo e da escravidão no Brasil, e o fato de o governo nunca ter resolvido os problemas estruturais do setor agrário.

“É por isso que muitas organizações sugerem que o conflito só pode ser resolvido através da implementação da política de reforma agrária, estabelecida na Constituição Brasileira. No entanto, a forte influência da elite rural sobre a política nacional, a qual se aprofundou com a atual crise política, tem impedido que isso aconteça.

Enquanto isso, a violência aumenta”, destaca a Global Witness. A CPT documentou 61 assassinatos devido a conflitos no campo no Brasil em 2016*, maior número dos últimos 13 anos. Em 2017, a entidade já registrou, até o momento, 46 assassinatos em conflitos no campo.

Para a ONG estrangeira, “para deter o curso de assassinatos, o governo brasileiro deve fortalecer o seu apoio a defensoras e defensores do meio ambiente e da terra, especialmente nas áreas mais remotas do país”.

Acesse os materiais:

– Estudo de caso Brasil: https://www.globalwitness.org/documents/19127/BRASIL_-_Estudo_de_caso_-_Global_Witness.pdf

– https://www.globalwitness.org/en/press-releases/pior-ano-da-hist%C3%B3ria-para-ativistas-do-meio-ambiente-e-da-terra-pelo-menos-200-assassinados-em-2016-enquanto-crise-se-espalha-ao-redor-do-mundo/

Relatório completo:

Inglês: https://www.globalwitness.org/defenders2016

Espanhol: https://www.globalwitness.org/defensores2016

* Cumpre também dizer que a CPT não trabalha com a categoria de defensor/a de direitos humanos ou do meio ambiente e nem com a categoria ambientalista. Os casos incluídos nesse relatório, portanto, aqueles que se enquadram em violência contra defensoras e defensores de direitos humanos e ambientalistas, de acordo com o conceito da Global Witness.

 

Por Comissão Pastoral da Terra

Fonte: MST

VII Plenária do Comitê em Defesa dos Territórios frente à Mineração debate retrocessos

A VII Plenária do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, realizada entre os dias 28 e 29 de junho, teve como foco o debate do modelo mineral brasileiro. Na programação, as organizações, entre estas a FIAN Brasil, discutiram Análise de Conjuntura e os retrocessos na pauta mineral.

Na manhã do dia 28, a mesa sobre Análise de Conjuntura contou com a participação de Daniel Seidel, da CNBB; Iridiani Seibert, do MMC; Thiago Valentim da CPT e Paulino Montejo da APIB. No período da tarde, foi a vez de debater sobre o Retrocessos na pauta mineral com a participação de Maurício Guetta – Instituto Socioambiental (ISA), Tadzio Coelho (Grupo Poemas), Márcio Zonta – Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e Marta Freitas – Ação Sindical Mineral (ASM).

A trajetória do Comitê, que recentemente completou 4 anos, também foi tema da programação. Ainda no dia 28 os participantes foram divididos em grupos para debates: 1. Alternativas e minerodependência, questão fiscal e reparação; 2. Áreas livres de mineração, mineração em terras indígenas, quilombolas, povos tradicionais e cidades; 3. Saúde e segurança dos trabalhadores da mineração e 4. Luta institucional, código da mineração e legislação.

FIAN Brasil participa da 6ª reunião da Comissão Permanente para o Direito Humano à Alimentação Adequada do CDNH

Integrantes da Comissão Permanente para o Direito Humano à Alimentação Adequada do Conselho Nacional de Direitos Humanos se reuniram na quinta-feira, 28, em Brasília na 6ª Reunião da comissão. Além de discutir casos de violações do direito à alimentação adequada em comunidades indígenas e quilombolas e demais povos de comunidades tradicionais, a comissão está fazendo o monitoramento e a atualização dos casos por meio do resgate de relatórios e recomendações.

Um dos encaminhamentos da reunião é envolver outros grupos para o monitoramento da alimentação, como população em situação de rua, população carcerária, migrante e refugiada. Além da FIAN Brasil também participaram da atividade, representantes da FBSSAN, Consea, DPU – Defensoria Pública da União, MPF e FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento na Educação.

Nota Pública do CNDH em repúdio ao relatório da CPI da Funai e Incra

Nota Pública do CNDH em repúdio ao relatório da CPI da Funai e Incra

A CPI da FUNAI e INCRA aprovou seu relatório no dia 17/5/2017, texto-base de autoria do Deputado Federal Nilson Leitão, presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, mais conhecida como bancada ruralista.

As ações da citada CPI e sua forma de condução demonstraram nítido propósito de intimidação e criminalização de pessoas e entidades que atuam na defesa dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e da reforma agrária.

No relatório aprovado consta o indiciamento de indígenas, indigenistas, antropólogos/as, procuradores/as da república, funcionários/as da Funai e outros, além de pedidos de investigação de organizações indigenistas.

Constam, ainda, no relatório proposições que visam paralisar as demarcações de terras indígenas e territórios quilombolas, bem como rever e revogar aquelas já demarcadas, colocando na mira do agronegócio e do mercado de terras áreas indispensáveis à sobrevivência física e cultural dos povos indígenas e quilombolas.

Assiste-se, pois, à extrema violência da bancada ruralista contra aqueles que deveriam ser reconhecidos como os mais civilizados, os povos indígenas e quilombolas, que estão na busca dos seus direitos.

O CNDH reitera seu compromisso com a defesa e promoção dos direitos humanos, ao tempo em que denuncia os atentados aos direitos humanos e seus defensores e suas defensoras perpetrados pelo relatório da CPI da Funai e Incra. O CNDH reconhece, ainda, o trabalho de servidores/as públicos e militantes que atuam na defesa dos direitos dos povos indígenas e quilombolas.

Brasília-DF, 22 de junho de 2017.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH

“Não há nenhum fazendeiro indiciado na CPI. Somente pessoas que lutam pela vida dos povos indígenas”, afirma dom Leonardo Steiner, da CNBB

Em coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (22), a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou uma nota em defesa dos povos indígenas e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O texto denuncia a “evidente tentativa de intimidar” a instituição com mais de 45 anos de existência.

Leia a nota oficial da CNBB

Sobre o processo e os resultados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Funai e Incra, encerrada no mês de maio, Dom Leonardo Steiner afirmou que são processos unilaterais que visam “colocar na parede” organismos, indígenas, antropólogos e procuradores que defendem os direitos indígenas. “Não existe nenhum fazendeiro indiciado. Somente pessoas que lutam pela vida dos povos indígenas. Isso prova que são iniciativas imparciais”, ressaltou o secretário geral da CNBB. “O direito dos povos originários não é refletido. A CPI não criou possibilidade de diálogo para debater a questão das terras, das culturas indígenas. Tudo o que pretende é criminalizar os movimentos”.

Ao criticar o contexto em que a CPI se insere, numa conjuntura política que negocia reformas prol do mercado, o bispo franciscano acusou o atual congresso de privilegiar o capital, colocando em detrimento os avanços sociais e os direitos dos povos. “Sentimos que há uma pressão contra os povos originários e os mais pobres. A conjuntura política do país olha para o mercado e não para as pessoas. Como resultado temos um aumento da violência no campo, inclusive no período em que acontecia o processo da CPI”.

Para o cardeal dom Sérgio da Rocha, arcebispo de Brasília e presidente instituição, os responsáveis pelo relatório que indicia mais de cem pessoas, entre elas religiosos, padres e bispo, não se dispuseram o dialogar com a Conferência.  “A falta de diálogo com a CNBB mostra que são iniciativas sem legitimidade, além de ser antidemocrática”, apontou o religioso. A nota divulgada também embasa o caráter imparcial do processo. “A CPI desconsiderou dezenas de requerimentos de alguns de seus membros, não ouviu o CIMI e outras instituições citadas no relatório”.

“Não existe nenhum fazendeiro indiciado. Somente pessoas que lutam pela vida dos povos indígenas”, reforça dom Leonardo Steiner.

A nota apresentada pela presidência contou com a aprovação da maioria dos membros do Conselho Permanente reunido no período de 20 a 22 de junho, na sede nacional da Conferência, em Brasília (DF).

Por Guilherme Cavalli, da Assessoria de Comunicação do CIMI

Guarani-Kaiowá relata violações de direitos em MS

Um grupo de jovens indígenas Guarani-Kaiowá entregou, nesta quarta-feira (21), à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, documento em que pede apoio no combate às sistemáticas violações de direitos enfrentadas por esse povo em Mato Grosso do Sul.

A reunião com os parlamentares é resultado de um projeto realizado pela Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Imagem da Vida com mais de 300 jovens e lideranças indígenas da região. Pela voz de crianças e adolescentes, o grupo espera sensibilizar parlamentares e gestores públicos em Brasília para os problemas vividos cotidianamente por essas populações tradicionais.

“A esperança que a gente tem é que esses parlamentares, autoridades nos ajudem, façam nosso direito valer, porque, em Mato Grosso do Sul, nossos direitos estão sendo violados”, afirmou Jhonnar Gomes, de 16 anos.

Homicídios e suicídios
Os Guarani-Kaiowá são a segunda maior população indígena do País, com 45 mil indivíduos. Dirce Carrion, presidente da Imagem da Vida, disse que, entre os anos de 2003 e 2016, foram registrados 400 homicídios por questões de conflito de terra em Mato Grosso do Sul. No mesmo período, ocorreram 707 casos de suicídio, um dos índices mais elevados do mundo entre populações indígenas.

“Temos aqui crianças que viram seu avô, que era uma liderança, o Nizio Gomes, ser assassinado na sua frente. São crianças que estão acostumadas a viver na beira da estrada, sem alimentação, sem casa, sem nenhum tipo de direito. E como eles mesmos dizem, e dizem muito bem, eles são os legítimos donos desta terra e não têm direito a viver nela. A prioridade é para milhões de hectares para os bois, e eles estão na beira das estradas”, afirmou Carrion.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Paulão (PT-AL), destacou a importância de se dar visibilidade à luta dos povos indígenas e impedir propostas que prejudiquem o reconhecimento do direito à terra. “Não é tarefa fácil, porque a correlação de forças é desigual”, disse.

Paulão ressaltou que vários projetos em tramitação, originários do governo ou do Legislativo, prejudicam os povos indígenas. “Por exemplo, quando se diminui uma área de terras demarcadas, quando se eliminam futuras demarcações, ou se vendem terras a povos estrangeiros, ou ainda quando não há critério sobre agrotóxico ou não se estabelece um fortalecimento da Funai no Executivo”, enumerou.

Além da visita à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o grupo de jovens Guarani-Kaiowá também levou suas reivindicações à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a representantes de organismos internacionais.

Fonte: Agência Câmara Notícias

Fotos: Marcelo Camargo/EBC/FotosPublicas

Conselheiros definem composição das Comissões Plenárias e agenda temática para 2017

Os integrantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) aprovaram, em reunião plenária realizada nesta quarta-feira (21), em Brasília, a agenda temática prioritária para 2017 e a composição das Comissões Permanentes (CPs).

Dentro de cada comissão, poderão ser abordados temas transversais como gênero; geracional, com ênfase na infância e na juventude; étnico-racial; rural, urbano, regional e territorial; agenda internacional; inter-relação com o Sisan; abordagem de direitos humanos, entre outros.

Além das comissões temáticas, o Consea conta com a participação da Comissão dos Presidentes de Conseas Estaduais (CPCE) para a realização de debates e elaboração de proposições a serem apreciadas pela reunião plenária.

Veja como ficou a nomenclatura das comissões:

CP1 Sisan e Macrodesafios nacionais e internacionais
CP2 Ambientes alimentares e nutrição
CP3 Produção, abastecimento e alimentação adequada e saudável
CP4 Direito Humano à Alimentação Adequada
CP5 Segurança Alimentar e Nutricional da População Negra e de Povos e Comunidades Tradicionais
CP6 Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Indígenas

Os conselheiros aprovaram os temas das três plenárias que serão realizadas este ano:

  • Quarta plenária – Agosto: Água
  • Quinta plenária – Setembro: Agricultura familiar e compras institucionais
  • Sexta plenária – Novembro:– Racismo institucional, terra e território

 Fonte: Ascom/Consea

Racismo é um dos fatores de insegurança alimentar da comunidade de Brejo dos Crioulos, aponta Diagnóstico

“A gente tem muita dificuldade na educação, os jovens terminam o Ensino Médio e depois não tem mais o que fazer, a gente queria estudar, fazer cursos, mas não tem condição. Tem jovens na comunidade que não conseguem ligar um computador e por que isso acontece? Porque eles não têm acesso e precisam conquistar isso também”.

O depoimento é da jovem Joana Dark Rodrigues, 20 anos, da comunidade de Brejo dos Crioulos, que falou sobre as dificuldades de acesso à saúde, educação dos jovens quilombolas durante o debate de lançamento da publicação Diagnóstico de violações de direitos e situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em Brejo dos Crioulos, realizada no dia 9 de junho, em Brasília.

Brejo dos Crioulos é um caso emblemático da luta das comunidades quilombolas no país. O Estado brasileiro reconheceu a comunidade como quilombola em 2003 e o Decreto de desapropriação das terras da comunidade foi emitido em 2011. A comunidade iniciou, por conta própria, o processo de retomada em meados de 2004. “Os fazendeiros se uniram, nós éramos minoria, mas também fomos engrossando com os companheiros. Nós conseguimos o território, mas queremos produzir a alimentação, não temos postos de saúde, não temos estrada boa, e aí como vamos fazer?”, questionou José Carlos de Oliveira, mais conhecido como Véio, 56 anos, da comunidade de Brejo dos Crioulos, onde vivem cerca de 400 famílias.

A elaboração do Diagnóstico iniciou em janeiro deste ano e é fruto de uma análise antropológica que baseia uma avaliação das principais violações de direitos humanos sofridas pela comunidade. Entre as principais observações da publicação para a situação de insegurança alimentar da comunidade destacam-se a seca, falta de empregos, não conclusão da desintrusão da terra, pouco ou nenhum impacto de políticas públicas para prover Direitos Humanos, cortes no Programa Bolsa Família, entre outros fatores.

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) da comunidade, foi observada a partir de três situações: segurança, insegurança leve e insegurança grave. “A segurança alimentar foi observada em uma minoria das famílias as quais têm algum tipo de renda vindo da aposentadoria, Programa Bolsa Família ou do trabalho remunerado. A insegurança alimentar leve e moderada referem-se àquelas famílias as quais têm a preocupação com a falta iminente de alimentos, situação da maioria das famílias da comunidade devido ao conjunto dos fatores apresentados pelo relatório – seca, falta de políticas públicas, entre outros. Por fim, a insegurança alimentar grave está relacionada com a falta de alimentos em quantidade e qualidade, o que atinge uma parcela considerável da comunidade”, apontou o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil, Lucas Prates.

Conquista da terra não garante acesso a políticas públicas

A conquista da terra não garante políticas públicas, essa é uma das principais conclusões do diagnóstico. “O diagnóstico geral da FIAN Brasil é o de que as famílias quilombolas de Brejo dos Crioulos são levadas a viver em preocupante situação de violações dos seus direitos humanos. Diante da omissão histórica do Estado brasileiro, ou de ações diretas que impactam o direito destes quilombolas, o desafio é fazer com que seus direitos sejam respeitados, protegidos, promovidos e providos”, ressaltou a assessora de direitos humanos da FIAN Brasil, Luana Natielle.

Joana Dark fala das dificuldades dos jovens quilombolas

Entre as violações sistêmicas de Direitos Humanos, que acabam violando o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas destacam-se o racismo institucional, a invisibilização do trabalho das mulheres e a falta de água, que é um dos fatores determinantes. “Estamos sem água há 5 meses, a água chega por caminhão pipa, no dia que o caminhão não vem, a gente fica sem água”, contou Joana Dark.

“Já ouvi muita gente dizendo que não precisa demarcar terra para quilombola porque quilombola não produz nada. Nossa comunidade não produz não por nossa culpa”, afirmou Véio.

A região do Norte de Minas Gerais é uma das mais violentas do estado, afirma Ana Paula Alencar Silva, membro da Comissão Pastoral da Terra de MG. “Estamos em uma região muito violenta, o Véio já sofreu tentativas de homicídios e o Estado obriga a comunidade a conviver com os criminosos porque não terminou a desintrusão do território. A região do Norte de minas é caracterizada por grandes projetos, como mineração, monocultura e o povo tradicional quilombola, geraizeiro, camponeses, em geral, são vistos como empecilho e como atraso para o desenvolvimento”.

Racismo

“A questão racial continua sendo determinante para a construção de políticas públicas. Existe uma sistemática discriminação racial contra os quilombolas, seja no processo de formulação das políticas, seja na execução destas A demarcação, incompleta, das terras, conjuntada com a ausência quase que total de políticas específicas para estas comunidades negras rurais, resulta em quadro alarmante de insegurança alimentar na comunidade.”, destacou Luana Natielle.

Para a pesquisadora Ana Maria Segall-Corrêa existe uma condição histórica que fará com que a situação da população negra seja sempre desfavorável. “O racismo na sociedade brasileira mantém essas condições desfavoráveis, mantém a vulnerabilidade, mesmo quando as pessoas negras atingem renda mais alta e a situação dos quilombos no Brasil retratam este cenário de exclusão e iniquidades história que impactam diretamente na questão da segurança alimentar e nutricional”.

Apresentação do Diagnóstico foi realizada no dia 9 de junho

Incidência

Uma agenda de incidência política foi realizada no dia 8 de junho junto aos órgãos federais para tratar sobre a situação da comunidade de Brejo dos Crioulos. Os representantes da comunidade Joana Dark e José Carlos participaram de reuniões com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (responsável por Povos e Comunidades Tradicionais) do MPF, com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – principal responsável pelo Programa Brasil Quilombola), com o INCRA, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR e com a Defensoria Pública da União . A agenda foi acompanhada pelos assessores da FIAN Brasil Luana Natielle e Lucas Prates, pelo presidente do CAA, Elizeu Oliveira e pela representante da CPT, Ana Paula Silva.

Parcerias

O diagnóstico de Brejo dos Crioulos é uma parceria entre o CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas e CPT – Comissão Pastoral da Terrra e apoio financeiro de Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.

FIAN Brasil

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). No país desde 2000, a FIAN Brasil realiza o acompanhamento e monitoramento de casos de violações de direitos humanos, bem como ações de incidência, advocacy e articulação na área de direitos humanos e direitos correlatos, com ênfase no DHANA.

Documento aponta avanços e retrocessos na garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas no Brasil

A FIAN Brasil lança, no dia 9 de junho, a publicação “Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição no Brasil”, que analisa a situação desse direito humano desde a Constituição de 1988 até o período atual, com foco nos retrocessos vividos após o golpe de estado de 2016. O lançamento acontece às 14 horas, no Instituto Bíblico de Brasília.

Organizada em quatro partes, a publicação aponta os avanços e analisa os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis, bem como o aumento da violência institucional e da criminalização das lutas sociais. “A proposta deste documento é registrar avanços e retrocessos deste direito no Brasil, denunciando graves violações que estão, em ritmo acelerado, relativizando direitos constitucionalmente garantidos. Seus impactos já são sentidos e poderão se agravar”, aponta a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

Entre os avanços apontados na publicação, estão as políticas de combate à fome e as quedas constantes no índice de insegurança alimentar, entre 2004 e 2013, quando atingiu o patamar histórico de 3,2%, dado que retirou o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas. Do ponto de vista institucional, a publicação destaca como avanços a reinstituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) em 2003, a aprovação da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional em 2006 (LOSAN – Lei 11.346/2006) com a consequente criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), e a aprovação da Emenda Constitucional nº 64, que inclui a alimentação no rol de direitos sociais da Constituição Federal do Brasil (CF/88).

Sobre a qualidade da alimentação e a sustentabilidade dos modelos de produção, o documento critica também a atuação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). “Se nas últimas décadas o Estado brasileiro avançou em sua capacidade de ampliar o acesso à alimentação e a proteção social às famílias mais vulneráveis à fome, por outro lado facilitou a estruturação de um modelo de produção e consumo de alimentos que gera graves violações ao DHANA”, aponta trecho do documento. Entre estas violações, destacam-se a ausência de reforma agrária; a falta de garantia à terra/território para populações negras, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais; maior apoio ao agronegócio em detrimento ao apoio à agricultura familiar; a liberação do cultivo de transgênicos; a falta de regulação efetiva em relação ao uso de agrotóxicos, entre outras.

“Este informe é uma leitura a partir da ótica do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, da Soberania e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Não temos a pretensão de apontar todos os iminentes retrocessos, mas sim, aqueles que nos pareciam, no momento de produção do documento, como mais graves e estruturais, considerando as obrigações que o Estado brasileiro assumiu quando adotou tratados internacionais de direitos humanos”, ressalta Valéria Burity.

 

Parcerias

O informe é uma iniciativa da FIAN Brasil, com apoio do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), e contou com apoio financeiro de Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.  Após o lançamento a publicação estará disponível para download.

FIAN Brasil

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). No país desde 2000, a FIAN Brasil realiza o acompanhamento e monitoramento de casos de violações de direitos humanos, bem como ações de incidência, advocacy e articulação na área de direitos humanos e direitos correlatos, com ênfase no DHANA.

 

Foto: Léo Lima

Diplomacia da estridência: Organizações repudiam ataque de governo brasileiro à ONU

Em nota publicada na tarde de hoje (31/5), 54 organizações de direitos humanos brasileiras qualificaram de “gravíssima” e “destemperada” a reação do Itamaraty ao comunicado divulgado pelo ACNUDH (Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos) em conjunto com a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA) no dia 26/5.

No documento, os órgãos expressam preocupação com a repressão policial ao protesto realizado em Brasília no dia 24. Também mencionam a violência no campo, destacando a chacina de dez trabalhadores rurais na cidade de Pau D’Arco, no Pará, e a operação realizada na região do centro de São Paulo conhecida como Cracolândia.

O Ministério das Relações Exteriores reagiu imediatamente às críticas através de uma nota à imprensa em que “repudia, nos mais fortes termos, o teor desinformado e tendencioso” do comunicado conjunto e qualifica a posição dos dois órgãos como “leviana” e “fantasiosa”, em tom pouco usual para diplomacia brasileira.

Na nota divulgada hoje, as entidades de direitos humanos defendem a CIDH e o Alto Comissariado. Para elas, “a linguagem desrespeitosa e agressiva adotada pelo Itamaraty se distancia demasiadamente da postura que se espera de um país que se diz comprometido com a proteção internacional dos direitos humanos”.

As organizações também afirmam que, com a reação, “o governo de Michel Temer demonstra preocupante desconsideração com dois dos principais organismos internacionais e regionais de direitos humanos”. “A Constituição Federal de 1988 vincula as relações internacionais do país à prevalência dos direitos humanos e clamamos para que o Itamaraty se retrate imediatamente”, completam.

Clique aqui para ler o comunicado conjunto publicado pela CIDH e o Alto Comissariado da ONU para os direitos humanos.
Clique aqui para ler a nota à imprensa divulgada pelo Itamaraty.
Clique aqui para ler a nota de repúdio das organizações de direitos humanos.

Fonte: Conectas

Crédito Foto: Sérgio Lima/Poder360

Novos conselheiros: entrevista da FIAN Brasil para o Consea

“A proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária”, afirma o conselheiro Marcelo Brito. Professor de filosofia da rede pública de educação do estado do Mato Grosso do Sul e graduando em geografia, Marcelo Brito é diretor-presidente da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e tomou posse na nova gestão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) na primeira plenária de 2017, realizada no último dia 18 de maio.

O conselheiro demonstra preocupação com discussões em andamento no Congresso Nacional que representam graves ameaças à segurança alimentar e nutricional como a Proposta de Emenda às Constituição n° 215/2000, que retira do Poder Executivo e transfere para o Legislativo a competência sobre a homologação de terras indígenas. Ele cita ainda a Medida Provisória n°759/2016, que trata da regularização fundiária rural e urbana, que põe em risco o direito à terra, primordial para a produção de alimentos.

Confira a entrevista.

Como a Fian avalia a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil?

Marcelo Brito: A ausência da plena realização do DHAA no Brasil criou, historicamente, diversas violações de direitos humanos, muitas extremamente graves, a exemplo da fome. A garantia do DHAA cresceu muito no Brasil pós-redemocratização, especialmente entre 2003 e 2016, com o reestabelecimento do Consea, a promulgação da Losan [Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional], a criação e efetivação de políticas públicas essenciais e muitas vezes inovadoras, a exemplo do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e do Bolsa Família, todas conquistas da sociedade civil brasileira em prol deste direito humano. Contudo, desde 2016, o que vemos é um grave retrocesso de direitos e políticas públicas que garantem esses direitos. A reforma da previdência, a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95 são exemplos disso. Nosso trabalho e o de parceiros já indicam que há premente risco de que a fome volte a impactar com força o país, especialmente no que tange a PCTs [povos e comunidades tradicionais] e as parcelas mais pobres da população.

Quais projetos em andamento no Congresso representam ameaças à segurança alimentar e nutricional?

Marcelo Brito: O cenário atual é tão intenso, complexo e conturbado que fica difícil indicar somente alguns projetos. Contudo, neste exato momento, algumas ameaças podem ser apresentadas como as de maior impacto. Neste sentido, como indicado acima, as grandes reformas propostas pelo Executivo Federal (Previdência e Trabalhista) impactarão diretamente na qualidade da alimentação da população brasileira. No que tange PCTs, a PEC 215 [Proposta de Emenda à Constituição n° 2015/2000] continua avançando, englobando em seu texto outras ameaças, como a teoria jurídica do marco temporal. No campo territorial e ambiental, a MP 759 [Medida Provisória n° 759/2016] e a nova lei do licenciamento ambiental são também ameaças gravíssimas que tornarão ainda mais injusta a distribuição e uso da terra no país. No que tange o tema dos agrotóxicos, o projeto de lei n° 6299/2002 tramita em regime de prioridade e contêm apensadas em si outras 16 propostas legislativas perversas à regulação destes venenos.

Em janeiro deste ano, a Fian divulgou informações sobre a situação dos quilombolas em Minas Gerais. Que políticas públicas precisam ser desenvolvidas nessas comunidades para garantir o direito humano à alimentação?

Marcelo Brito: A Fian Brasil lançará o relatório em junho, mas, de acordo com nosso acompanhamento do caso — que se dá desde 2007 — podemos indicar que o processo de luta por direitos de Brejo dos Crioulos avançou muito com a conquista do direito à terra, mas que neste momento as violações de direitos humanos que se colocam dizem respeito à finalização deste processo e à garantia de políticas públicas de produção, de acesso à água, sementes tradicionais, entre outras questões essenciais para a produção agrícola tradicional deste povo quilombola. Estas questões são tão importantes que percebemos, na pesquisa que resultou neste relatório, que muitas pessoas ainda passam fome em Brejo dos Crioulos e que o risco desta fome aumentar em breve é muito grande devido a cortes no Programa Bolsa Família, à falta de atenção do Estado para as políticas públicas acima indicadas, e à retirada de direitos que está em marcha no plano do governo federal.

Quais temas devem ser priorizados nos debates do Consea?

Marcelo Brito: Vivemos em um momento muito complexo, como disse acima, em que os retrocessos de direitos humanos e de construções democráticas estão ocorrendo em marcha acelerada. Neste sentido, pautas reativas e protetivas são as mais emergenciais, de modo a se garantir que as propostas legislativas, judiciais e do Poder Executivo não passem. Sendo assim, as pautas indicadas acima servem de base, assim como outras questões prementes, como a criminalização de movimentos sociais e defensores/as de direitos, a necessidade de se restabelecer plenamente a ordem democrática no país, e a questão do MATOPIBA, nova “fronteira agrícola” que está sendo dilacerada pelo agronegócio brasileiro e internacional. Além disso, pautas propositivas são sempre essenciais, principalmente quando já não se encontram inseridas nestas que citei acima. Neste sentido, a proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária.

Entrevista: Beatriz Evaristo

Fonte: Ascom/Consea

Nota de denúncia da “Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil”: o agravamento da repressão às lutas sociais e políticas no Brasil

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, rede composta por 41 organizações de defensores de direitos humanos, denuncia e repudia a intensificação da repressão do Estado brasileiro aos movimentos populares, com destaque para os ocorridos nesta quarta-feira (24/5).

A violência contra as lutas sociais pela terra e pela reforma agrária por parte do Estado brasileiro tomou proporções ainda maiores no dia 24 de maio. Foram assassinados/as ao menos 10 trabalhadores/as rurais em uma chacina promovida pelas polícias civil e militar da região de Pau d’Arco, no estado do Pará. Foi enviada missão ao Pará com a presença do presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo (representante da Plataforma Dhesca).

Horas depois, em Brasília, 49 manifestantes foram feridos/as e 8 detidos/as em uma brutal repressão das forças policiais ao protesto que pedia a saída do Presidente Michel Temer, a realização de novas eleições e o fim das Reformas Trabalhista e da Previdência. A repressão em Brasília incluiu o uso de armas letais, conforme comprovado por imagens de redes de TV e noticiários de grande circulação.

Denunciamos a aprovação relâmpago e em série no mesmo dia de diversas Medidas Provisórias (MP) que violam direitos fundamentais e agridem populações tradicionais: como a MP 756 que permite, entre outras coisas, a venda das terras na União em toda a região da Amazônia Legal, acirrando os conflitos de demarcação de terras de povos indígenas.

Por fim, o contexto de graves violações aos direitos humanos e à democracia atingiu seu ápice no final da tarde de ontem, dia 24 de maio, com a promulgação de Decreto Presidencial emitido pelo Sr. Michel Temer que autorizou o uso das Forças Armadas  para “a garantia da lei e da ordem” nas ruas do Distrito Federal até o dia 31 de maio — coincidentemente, a mesma data prevista para o fim da votação das reformas acima indicadas.

Apesar de o Decreto ter sido revogado na manhã desta quinta-feira (25/05), o uso dos militares para tais fins demonstra, como denunciado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), uma sinalização de que pode ser instalado Estado de Sítio no país. Ressalta-se, ainda, que a publicação de tal decreto configurou crime de responsabilidade por parte do Presidente da República, haja vista que descumpriu os requisitos legais impostos pela Lei Complementar nº 97, de 1999.

Assim, a Plataforma Dhesca e suas entidades pedem a devida investigação por parte dos órgãos públicos brasileiros responsáveis dos crimes e violações de direitos humanos citados e a atenção dos organismos internacionais para a grave situação enfrentada pelo povo brasileiro, que tem a cada dia usurpados e ameaçados seus Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.

Brasília, 25 de maio de 2017

Coordenação Colegiada

Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil

Foto: Mídia Ninja

Produção de comida saudável, direito à terra e à água como alimento: temas do novo Consea

A Produção agroalimentar, agricultura familiar e camponesa e suas repercussões ambientais, sociais, territoriais e no padrão alimentar foram temas escolhidos como prioridades centrais para os próximos dois anos para o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A orientação foi dada pelos novos conselheiros, que assumiram o cargo para o biênio 2017-2019 durante a primeira reunião plenária, realizada nesta quinta-feira (18). Os temas deverão ser confirmados e aprofundados na próxima reunião do grupo, prevista para daqui a um mês.

O direito à terra, ao território, direitos dos povos indígenas, da população negra e de povos e comunidades tradicionais também foi citada pela maior parte dos conselheiros, além da erradicação da fome, da pobreza e desigualdade social no Brasil. A escolha dos temas foi feita após a apresentação dos relatórios do cinco grupos de trabalho integrados pelos conselheiros, que se reuniram durante dois dias em Brasília.

Como estratégia para alcançar os objetivos traçados, os conselheiros afirmaram que é importante o Consea buscar se aproximar de outras iniciativas do Legislativo e do Judiciário, a promoção de reuniões com outros conselhos da sociedade civil e o apoio à participação social para elaboração dos planos de segurança alimentar e nutricional nos estados e municípios, por meio de seminários.

A água como alimento

Outro tema de grande destaque foi a água como alimento e recurso produtivo, além da abordagem dos fatores limitantes do acesso universal a esse bem. Os novos conselheiros destacaram ainda a atenção à saúde, à nutrição e ao consumo alimentar adequado e saudável.

Devido ao grande interesse na questão da água como alimento, a nova presidenta do Consea, Elisabetta Recine, solicitou que à Secretária-geral do órgão que avalie a possibilidade de levantar informações para que este seja o tema da próxima plenária. Lembrou que haverá, neste ano, o Encontro sobre Água e o Fórum Mundial da Água.
Elisabetta ponderou que seria interessante para o Consea realizar um evento sobre o tema da água como alimento durante o fórum. A sugestão deverá ser analisado em agosto, após a próxima plenária da água, quando serão consolidadas as propostas de organização interna do Consea.

O presidente do Consea da Paraíba, José de Arimatéia Rodrigues França, alertou que há atualmente um grave problema de água em vários estados. Informou que o Consea-PB está organizando uma atividade sobre o projeto de integração do Rio são Francisco e os impactos em matas ciliares, bem como sobre a redução das políticas de cisternas de placa. Por isso, reforçou a importância do tema.

Estratégias

Os novos conselheiros definiram também, nesta quinta-feira, quais devem ser as principais estratégias de trabalho do Consea no próximo biênio 2017-2019, a partir de três grandes temas: direito à agua, terra e território; relação e cooperação internacional; e a defesa e fortalecimento do caráter estatal e público.

Para viabilizar essa atuação, acrescentaram, é preciso considerar a diversidade da natureza dos temas, dos sujeitos (diferentes gerações, mulheres, população negra, povos e comunidades internacionais) e suas dimensões (rural e urbana), além de buscar formas de articulação entre eles. É importante garantir a criação de um espaço e uma estratégia que permita a discussão permanente das questões de gênero, de modo a permear a discussão em todas essas instâncias.

O Consea deve atuar na difusão do direito humano à alimentação adequada; na divulgação da missão da entidade (que é mais conhecida fora do Brasil do que internamente); ampliar sua relação com o Legislativo e Judiciário; promover a integração das comissões internas permanentes; identificar avanços, gargalos e ameaças à implantação das políticas de segurança alimentar e nutricional.

Os conselheiros consideram importante a promoção de reuniões entre conselhos da sociedade civil e o apoio à participação social para elaboração dos planos estaduais e municipais de segurança alimentar e nutricional, por meio de seminários.

Fonte: Ascom Consea

Carta do ATO DENÚNCIA Por Direitos e contra a Violência no Campo

Os casos de violência e barbárie no campo no mês de abril de 2017 chocaram a população brasileira e repercutiram mundo afora.

A Comissão Pastoral da Terra – CPT, que registra e analisa os conflitos no campo desde 1985, percebeu um aumento significativo no número de assassinatos no campo em 2015, quando sete camponeses foram assassinados num período de cinco meses, na Gleba Bacajá, Anapú, PA. Notou também que o número de assassinatos no campo aumentou sucessivamente, de 36 em 2014, para 50 em 2015 e 61 em 2016.

O ano de 2017 já apresenta um cenário desolador de violência que não se restringe apenas a algumas pessoas, mas adquiriu caráter de chacinas e massacres brutais. A CPT já confirmou 26 assassinatos no campo desde janeiro de 2017.

O Brasil todo viu o massacre de Colniza, MT, no dia 19 de abril de 2017, quando nove vidas foram ceifadas, e em Viana, MA, no dia 29 de abril de 2017, quando um ataque brutal deixou 22 feridos.

A região de Vilhena, RO, palco de conflitos violentos em 2015 e 2016, teve mais um caso em 2017: três pessoas foram encontradas carbonizadas, dentro de um veículo incendiado; o mesmo que se viu em Sta. Maria das Barreiras, PA, onde 4 pessoas foram encontradas carbonizadas dentro de um carro.

Esses casos assustam ainda mais pelo nível de crueldade e violência empregados.No ataque aos Gamela, um indígena teve as mãos decepadas e ferimentos graves à altura dos joelhos, e outro uma das mãos praticamente decepada. Em Colniza/MT, uma pessoa foi degolada e outras mortas depois de sofrerem tortura. O militante do MST, Etevaldo Soares Costa, assassinado no dia 5 de maio de 2017, na fazenda Serra Norte em Eldorado do Carajás, no Pará, teve os dedos cortados, as pernas cortadas em quatro partes, os olhos furados, e foi colocado num saco plástico e jogado fora da área da fazenda.

Vivemos uma situação de violência estrutural e recorrente. A impunidade das violações de direitos humanos ocorridas no campo garante a eficácia da repressão e aumenta a lista de pessoas e grupos ameaçados e assassinados. Para exemplificar este cenário, tendo como referência o período de 2007 a 2017, das 390 vítimas de assassinatos, 48 foram ameaçadas anteriormente. Neste mesmo período, tivemos 407 vítimas de tentativas de assassinato, destas, 55 foram ameaçadas anteriormente. De um total de 302 pessoas ameaçadas de morte, 254 foram ameaçadas mais de uma vez, 55 já sofreram tentativa de assassinato e 48 foram assassinadas.

A violência não se restringe às ameaças, tentativas e assassinatos, pois é igualmente preocupante a intensificação da criminalização de lideranças e movimentos do campo, com aumento de prisões preventivas e tentativas de aplicação de leis que tratam de organização criminosa como formas de coibir o protesto social.

As prisões de militantes do MST nos Estados de Goiás e do Paraná, com acusações de formação de organização criminosa, são graves e revelam a sanha punitivista de parte de nosso sistema de justiça.

O Estado não é apenas conivente e omisso, posição que perpetua a impunidade no campo pela ‘seletividade’, ‘morosidade’ e ‘inoperância’ do sistema de justiça que de um lado criminaliza os movimentos populares e de outro mantém impunes as ameaças, homicídios e violações de direitos humanos. O Estado é também agente ativo no fomento à violência, tanto pelas políticas e programas do Executivo que fomentam a acumulação de terras e de riquezas, como pelo Legislativo que, ao passo que destrói os direitos humanos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras, faz uso de mecanismos, como a CPI da Funai e Incra, para criminalizar as vítimas e defensores de direitos humanos.

Nos últimos tempos, especialmente após o golpe que retirou do poder uma presidenta eleita pelo voto popular, os ataques institucionais e físicos experimentaram crescimento acelerado. Entre as primeiras medidas, o governo usurpador extinguiu Ministérios e autarquias e seguiu o desmonte do Estado com diminuição de recursos e pessoal de órgãos responsáveis por garantir políticas sociais, como Funai e INCRA.

É longa, enfadonha e trágica a série de Medidas Provisórias, Projetos de Lei, Propostas de Emendas à Constituição e Decretos que afetam diretamente povos e comunidades do campo, entre as quais destacamos:

  • A PEC 215, que propõe transferir para o Congresso Nacional a prerrogativa de reconhecimento de terras indígenas, hoje competência do Executivo Federal;

  • Os 29 Projetos de Decreto Legislativo-PDCs, apresentados pelo deputado federal Jerônimo Goergen-PP-RS em junho de 2016, à Câmara Federal, para suspender decretos assinados pela presidenta afastada Dilma Rousseff, de desapropriação de imóveis rurais para a Reforma Agrária e regularização de territórios quilombolas e terras indígenas;

  • A MP 759/2016, que aniquila políticas de reforma agrária e do uso social da terra, municipaliza a prerrogativa de regularização fundiária urbana e rural e privatiza ainda mais as terras públicas.

O povo do campo clama por seus direitos e protesta:

  • Pelo cumprimento dos acordos internacionais assinados pelo Estado Brasileiro e respeito à Constituição Federal;

  • Pela autodeterminação dos povos originários e tradicionais;

  • Pela realização da Reforma Agraria com a ampliação das desapropriações de terras para assentar a todas as famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra e com pouca terra, atendendo emergencialmente aquelas que se encontram em áreas de conflito agrário, em ocupações e acampamentos;

  • Pela titulação dos territórios quilombolas;

  • Pela demarcação dos territórios indígenas;

  • Para que sejam assegurados recursos orçamentários e financeiros em quantidade suficiente para a execução das políticas de reforma agrária, titulação de territórios quilombolas, demarcação das terras indígenas, atendendo à demanda por ampliação dos recursos humanos, tecnológicos e operacionais de modo a permitir a realização das políticas públicas, programas e serviços destinados aos trabalhadores e trabalhadoras rurais;

  • Pela não aprovação da MP 759/2016 e dos demais instrumentos normativos que significam retrocessos nos direitos dos povos, comunidades tradicionais e trabalhadores rurais;

  • Pela atualização dos instrumentos normativos que possibilitem o fortalecimento do papel do Estado nos processos de fiscalização do latifúndio e das propriedades rurais que não cumpram a Função Social, especialmente quanto à Função Social da Propriedade, à Criminalização da Luta pela Terra, à atualização dos índices de Produtividade, e contra a estrangeirização das Terras;

  • Pelo pleno desenvolvimento econômico e social dos projetos de assentamento de reforma agrária, garantindo crédito, políticas públicas, infraestrutura e serviços de qualidade, em quantidade e com prazos adequados para que as famílias assentadas possam fortalecer seus processos organizativos e produtivos e viver com dignidade e segurança nas áreas reformadas;

  • Pela adoção emergencial de procedimentos e ações de combate à violência e impunidade no campo, em especial:

    a) Retomada da Ouvidoria Agrária Nacional com caráter independente do Incra, assegurando condições operacionais e financeiras para atendimento de toda a demanda;

    b) Fortalecimento da FUNAI como autarquia responsável pela política indigenista garantindo o orçamento e estrutura necessária para dar celeridade aos processos de demarcação e atendimento aos povos indígenas;

    c) Gestão junto aos órgãos do poder judiciário nos estados, junto aos tribunais regionais e aos ministros do STJ e STF, visando dar prioridade ao julgamento de ações pendentes e que tenham relação com os conflitos fundiários, uma vez que a demora no julgamento das mesmas faz acirrar os conflitos fundiários e geram imensos prejuízos financeiros ao Estado;

    d) Gestão junto aos tribunais estaduais e regionais cobrando julgamento prioritário dos processos criminais relativos à violência no campo e ao trabalho escravo;

    e) Reativação do Fórum de Assuntos Fundiários no âmbito do CNJ;

  • Pela urgente investigação e punição dos responsáveis pelos assassinatos, massacres e violências no campo!

Diante do exposto, nós participantes deste Ato Denúncia, nos comprometemos a:

  • Manter esta articulação com a sociedade para o desenvolvimento de ações urgentes;

  • Lutar pelo direito à terra e ao território dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais e camponeses;

  • Lutar pelo direito dos povos originários e tradicionais à autodeterminação;

  • Lutar contra a criminalização dos movimentos sociais e defensoras e defensores de direitos humanos;

  • Lutar por direitos e combater as violações de direitos humanos no campo!

Brasília/DF, 23 de maio de 2017

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – Contraf Brasil

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH

Defensoria Pública da União – DPU
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

Movimento Camponês Popular – MCP

Movimento Camponês Popular, Movimento de Mulheres Camponesas – MMC

Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA

Movimento dos Trabalhadores do Campo – MTC

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra – MST

Movimento Pela Soberania Popular na Mineração – MAM

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH

Unisol Brasil – Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – Ministério Público Federal

6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais – Ministério Público Federal

Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil

Terra de Direitos

Foto: Patrícia Costa

CPI da Funai e MP da reforma agrária incentivam violência no campo, dizem entidades

De janeiro a maio deste ano, foram registrados no país 25 assassinatos relacionados a conflitos agrários, segundo dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). No ano passado, foram 61 casos, o dobro da média dos últimos dez anos.

Para movimentos populares, o cenário atual anuncia um possível aumento da violência, por conta das iniciativas que vêm sendo tomadas pelo governo do presidente golpista, Michel Temer (PMDB), incluindo a Medida Provisória (MP) 759, que compromete a reforma agrária, e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O alerta foi feito nesta terça-feira (23) em carta-denúncia divulgada durante um ato realizado em Brasília por dezenas de entidades que pedem soluções imediatas para os conflitos no campo. Para os grupos que assinam o documento, tais medidas visam ao sufocamento da luta agrária e à criminalização dos movimentos do campo, impulsionando o motor da violência.

A situação dos povos indígenas, por exemplo, é considerada prioritária. Com as demarcações de terra paralisadas há cerca de um ano, as comunidades amargam o descaso do poder público e temem a criminalização crescente dos grupos que lutam por direitos, alvo constante do agronegócio. A situação chegou ao ápice nos últimos tempos, com o indiciamento de lideranças indígenas na CPI da Funai, na Câmara Federal. Para os críticos da medida, a CPI seria uma manobra da base governista para pôr em xeque territórios já reconhecidos em lei.

“Estão tentando acabar com a imagem das principais lideranças que brigam pela recuperação dos nossos territórios e que sempre estão prontas pro enfrentamento. Eles querem nos tirar de circulação pra facilitar a entrega das terras das nossas comunidades pro agronegócio, principal responsável pela violência no campo”, desabafa o indígena Nailton Pataxó, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), um dos citados no relatório da CPI.

A problemática dos conflitos de terra envolve ainda sem-terra e quilombolas, grupos que também estão na mira do agronegócio. “Nossa maior preocupação é com esse aumento da violência. É como se alguém tivesse licença pra nos caçar e nos matar. (…) Não podemos esquecer a omissão do Estado diante disso tudo, principalmente com a demarcação dos nossos territórios”, disse Fátima Barros, do quilombo Ilha de São Vicente, em Tocantins.

Reforma agrária

A declaração da quilombola reverbera também o pensamento da procuradora da República Deborah Duprat, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF). Para ela, o pano de fundo do problema é a falta de iniciativa do Estado brasileiro no sentido de promover a reforma agrária, democratizando o acesso à terra.

“A ONU já afirmou que isso é fundamental para implementação de outros direitos, porque todo mundo precisa de um espaço físico pra ter direito à intimidade, à constituição de uma família, etc. Ao paralisar a política nacional de reforma agrária e a demarcação de terras indígenas e quilombolas, cria-se uma situação de insegurança no campo e as velhas práticas de violência tendem a retornar”, analisa a procuradora.

 Sistema de Justiça

Para a jurista Beatriz Vargas, professora da Universidade de Brasília (UnB), o contexto de conflitos no campo levanta ainda uma reflexão sobre o papel de atores do sistema de Justiça no processo de criminalização de lideranças populares.

Ela menciona, de forma destacada, a tentativa de enquadramento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) como organização criminosa em alguns processos judiciais. “Isso é um absurdo e é preocupante. Precisamos ficar atentos pra evitar que esse precedente se alastre pelo sistema de Justiça afora”, assinala a jurista.

O agricultor Luís Batista, do MST de Goiás, conhece bem o gosto amargo da tentativa de criminalização. Depois de ter ficado preso por mais de um ano no estado, ele afirma ter sido vítima de uma ofensiva. “Fui preso sem que houvesse qualquer prova contra mim. Fui vítima de perseguição política. Nunca tinha visto trabalhador ser denunciado por lutar pela terra. As pessoas precisam entender a importância dessa luta. (…) Se o pequeno produtor parar de produzir, o Brasil passa fome”, desabafa, reafirmando a importância da reforma agrária.

Articulação

Para as entidades que lutam pela pacificação do campo, os últimos conflitos registrados no país, com chacinas no Mato Grosso, em Rondônia e no Pará, exigem uma aglutinação de forças por parte de diversos atores para tentar frear a violência.

“Esses episódios ainda podem se multiplicar, então, é preciso denunciar essa violência e organizar ações urgentes que envolvam lideranças populares, entidades da sociedade civil e instituições públicas, considerando o que ainda restou na República que possa ter algum compromisso com a garantia de direitos”, Darcy Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

Segundo ele, a carta-denúncia produzida pelas entidades nesta terça-feira será enviada para instituições dos Três Poderes e organismos internacionais, no intuito de solicitar providências.

 

Por Cristiane Sampaio/ Brasil de Fato

Foto: Leonardo Prado/MPF

ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo”

Diante da intensificação da violência no campo, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), em conjunto com organizações da sociedade civil e órgãos públicos de atuação em defesa dos direitos humanos, realiza no próximo dia 23 de maio (terça-feira), às 14h, no Memorial do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, o ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo”.

Por meio de dados que revelam o aumento da violência no último ano e de depoimentos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e defensores e defensoras de direitos humanos, vítimas ou ameaçadas, o ato vai denunciar a omissão do Estado diante do aumento da violência no campo, bem como sua contribuição para o aumento e manutenção deste quadro, por meio da criminalização dos movimentos sociais, da atuação desproporcional das polícias e da aprovação de medidas que agravam os processos de concentração, privatização e estrangeirização das terras brasileiras.

De acordo com levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o ano de 2016 teve registro recorde no número de conflitos no campo: foram 61 assassinatos de trabalhadores rurais (o dobro de casos de assassinato em relação à média dos últimos 10 anos) e 1.536 conflitos, envolvendo 909.843 famílias. O ano de 2017 já revela que os conflitos serão intensificados. Nos primeiros cinco meses deste ano foram registrados pela CPT 25 assassinatos em decorrência dos conflitos agrários no Brasil, o dobro dos assassinatos do ano passado para o mesmo período. Outros seis estão sob investigação e ainda não foram inseridos no banco de dados da Pastoral.

Além de um contexto de impunidade aos responsáveis pelos assassinatos, o aumento significativo de conflitos no campo possui relação direta com o desmonte do Estado brasileiro e da política agrária, como a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a desestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e a paralisação das ações de reforma agrária e da demarcação e reconhecimento das  terras indígenas e quilombolas.

O modelo de desenvolvimento vigente, que prioriza o agronegócio voltado à monocultura para exportação em detrimento da agricultura familiar e camponesa, real responsável pela alimentação da população brasileira, também contribui para o acirramento e manutenção dos conflitos no campo. Em vez de buscar progresso e bem estar social com inclusão, tal modelo reforça a lógica de concentração da terra, do trabalho escravo, da devastação das florestas e do ataque aos direitos de trabalhadores e trabalhadoras rurais e de comunidades tradicionais, sobretudo o direito à terra e aos territórios.

Além de manifestar solidariedade às vítimas e seus familiares, o ato buscará construir soluções e apontar compromissos que devem ser assumidos pelas organizações e reunir exigências que devem ser tomadas pelo Estado em caráter de urgência para conter o avanço do quadro. Parlamentares, demais autoridades e ativistas comprometidos com a luta por justiça e paz no campo são convidados e a se somarem ao evento, aberto à participação do público em geral.

Programação

14h: Mesa de abertura (Conselho Nacional dos Direitos Humanos e autoridades)

14h10: Direitos e violência no campo, com Beatriz Vargas

Professora adjunta da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Criminologia e Direito, com ênfase em Direito e Processo Penal. Membro da Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).

Pesquisa sobre os temas: Sociedade, Conflito e Movimentos Sociais; Sociedade, Controle Penal e Sistemas de Justiça; Criminologia; Direito Penal; Direitos Humanos e Processo Penal.

14h30: Testemunhos

– Pessoas em situação de ameaça, defensores/as de direitos humanos, vítimas da violência no campo e/ou familiares dos que foram assassinados nos conflitos.

  • Indígenas: Povo Tupinambá/Bahia e Povo Gamela/Maranhão
  • Quilombolas
  • Pescadores/as artesanais
  • Trabalhadores/as rurais: Luiz Batista (Goiás) e liderança de Castanhal/Pará

15h30: Leitura da carta de exigências ao poder público e compromissos da sociedade civil com a defesa dos direitos e contra a violência no campo

16h: Encerramento

ATO DENÚNCIA “Por direitos e contra a violência no campo”

Data: 23 de maio de 2017 (terça-feira)

Hora: 14h

Local: Memorial do MPF – Procuradoria Geral da República

Endereço: Setor de Administração Federal Sul, Quadra 4, Conjunto C, Brasília Mais informações: (61) 2027- 3907 |www.atodenuncia.wordpress.com

Consea: FIAN Brasil toma posse e membros elegem uma nova Presidenta para gestão 2017-2019

O presidente da FIAN Brasil Marcelo Brito tomou posse na manhã desta quinta-feira, 18 de maio, como membro titular do Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para o período 2017-2019. A programação de posse dos novos conselheiros, representantes da sociedade civil e do governo, iniciou na terça-feira, 16, em Brasília, durante a 1ª Reunião Plenária Ordinária do órgão.

“O Consea se constitui como um espaço de exigibilidade, de monitoramento e de garantia de direitos. Levando em consideração essa conjuntura de golpe e momento antidemocrático do Brasil, consideramos que ocupar este espaço é muito importante e estratégico para que esses retrocessos não avancem”, destacou Marcelo Brito.

A FIAN Brasil é uma das organizações da sociedade civil que integra o Conselho. “Na quarta (17/05) fizemos uma reunião entre as organizações da sociedade civil e mais uma vez foi reforçado nós que estamos neste espaço não compactuamos com o momento político do país e não reconhecemos esse governo”, ressalta Brito.

Segundo Marcelo Brito, na reunião foi apontado que o que se percebe é um crescimento da pobreza no Brasil e o decrescimento de programas de combate à pobreza. Entre as prioridades apontadas para a gestão, estão a questão da terra, agua, território, fortalecimento do SISAN, entre outros.

Presidenta
Depois da posse, os novos integrantes do Consea escolheram a nutricionista, professora e pesquisadora Elisabetta Recine para presidir o órgão no período 2017-2019. A indicação agora será submetida ao presidente Michel Temer, a quem compete a nomeação oficial. A presidência do Consea, de acordo com a Lei 11.346/06, deve ser exercida por representante da sociedade civil. Caso seja confirmada a escolha, Elisabetta será a segunda mulher a ocupar a presidência do Consea, sucedendo no cargo a antropóloga Maria Emília Pacheco. O Conselho foi criado em 1993, desativado em 1995 e recriado em 2003. Em ordem cronológica, os outros presidentes do Consea foram Dom Mauro Morelli, Luiz Marinho, Chico Menezes e Renato S. Maluf.

Consea
Nestes próximos dois anos, 24 novas organizações passam a fazer parte do Consea Nacional, outras 56 organizações que já participavam do conselho permanecem com suas vagas. O conselho será composto por um total de 60 representantes, sendo 40 representantes titulares da sociedade civil (2/3) e 20 representantes titulares do governo (1/3), além dos suplentes. O decreto de nomeação de representantes da sociedade civil foi publicado no Diário Oficial da União em 17 de abril.

Ascom Fian Brasil, com informações do Consea

Ameaça de desnacionalização

Planta-se aqui para se colher lá fora. A despeito do discurso nacionalista, é de conhecimento notório que o modelo de produção do agronegócio brasileiro é amplamente benéfico aos interesses econômicos de grandes corporações multinacionais. Essas empresas revertem anualmente bilhões de reais às suas matrizes na forma de lucros e dividendos colhidos de suas atividades no Brasil. Assim fazem a Monsanto, a Cargill e a John Deere para os EUA; a Syngenta para a Suíça; a Bunge para a Holanda; a New Holland para a Itália; a Bayer e a Basf para a Alemanha; a Louis Dreyfus Company (LDC) para a França, entre outras.

Não satisfeitos, representantes do agronegócio no Congresso Nacional, em conluio com o governo federal, agora se empenham para entregar o próprio território brasileiro aos estrangeiros. O principal instrumento legislativo dos ruralistas é o Projeto de Lei 4.059/12, que autoriza a “aquisição de áreas rurais e suas utilizações por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras”. Sabe-se, além disso, que germina no Executivo uma medida provisória ainda mais agressiva a ser enviada ao Congresso Nacional em breve.

Apesar da gravidade dessas iniciativas, não se trata de ações isoladas. A eficácia delas poderá ser fortificada com um conjunto de outras medidas defendidas pelo setor, como a implantação da Lei 13.178/15, que legaliza a titulação privada de terras públicas em regiões de fronteiras; e da MP 759/15, que prioriza a titulação privada de terras desapropriadas para fins de reforma agrária, o que permitirá a reconcentração destas terras, inclusive por estrangeiros. Já o Projeto de Lei (PL) 827/15, do ruralista Dilceu Sperafico (PP/PR), que “altera a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências”, desmonta o sistema de proteção às sementes. Sendo aprovado, reforçará ainda mais a homogeneização, a hegemonização e a dependência tecnológica externa — marcadamente dominada pelas transnacionais Monsanto/Bayer e Syngenta.

A inviabilização das demarcações de Terras Indígenas (TIs) também faz parte deste esforço de desnacionalizar o território brasileiro. Quando demarcadas, as TIs são registradas como Bens da União pela Secretaria de Patrimônio da União. A Constituição brasileira também veda a sua alienação. Isso, evidentemente, constitui-se num poderoso instrumento jurídico que estabelece limites aos interesses de apossamento e apropriação privada do território brasileiro pelo capital internacional.

A Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (que transfere do Executivo para o Legislativo o controle das demarcações), relatada na Comissão Especial da Câmara pelo então deputado federal e hoje ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB/PR), e a Portaria 80/17 (que prevê a revisão de processos de terras já demarcadas), nitidamente servem a este propósito.

Estas ações desnudam o caráter antinacional do “agro” e de seus defensores. O medo de serem desmascarados perante a sociedade brasileira faz com que os ruralistas queiram construir uma nuvem de fumaça que encubra suas verdadeiras intenções. Acreditam que formarão esta nuvem indiciando, sem fundamento, cientistas sociais, procuradores da República, lideranças indígenas e dirigentes de organizações da sociedade civil que apoiam os direitos dos povos originários (entre os quais, o Conselho Indigenista Missionário) na CPI da Funai/Incra. Mas assim como não conseguiu esconder a crueldade do ataque aos gamela, no Maranhão, que tiveram suas mãos decepadas, essa nuvem também não encobre o fato de que o agronegócio quer decepar o Brasil.

Por Cleber César Buzatto, Secretário Executivo do Cimi, publicado no O Globo

Entidades denunciam riscos de criminalização de defensores a representantes da ONU

CPI que investigará FUNAI e INCRA poderá atingir atores importantes para o desenvolvimento de políticas indigenistas e fundiárias, alerta rede

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil e suas cerca de 40 afiliadas, além da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), da Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e do Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena, assinaram nesta semana um documento enviado conjuntamente para diversos atores-chave das Nações Unidas.

A carta chama atenção para os potenciais efeitos negativos sobre as populações indígenas e sobre grupos de defensores de direitos humanos a partir da votação da CPI da Fundação FUNAI-INCRA, que terá seu relatório votado nesta quarta-feira (10).

A carta foi encaminhada para o relator especial da ONU para a proteção de Defensores de Direitos Humanos, Sr. Michel Forst; para o Representante Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Sr. Amerigo Incalcaterra; e, para o Coordenador Residente das Nações Unidas no Brasil e representante residente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Sr. Niky Fabiancic.

Além disso, convoca os parceiros com incidência internacional a se manifestarem publicamente sobre o ataque à direitos promovidos no Congresso Nacional e no Brasil.

Confira o documento abaixo e a versão em PDF aqui > EMERGENCY CONTACT _Assault to Indigenous Human Rights in Brazil_Human Rights Platform Dhesca Brazil

 

Fonte: Plataforma Dhesca

Brasil é cobrado na ONU por retrocesso nos direitos indígenas

O Brasil foi cobrado na sexta-feira 5 pela falta de demarcação de terras indígenas em sabatina de direitos humanos na Organização das Nações Unidas (ONU). Recebeu também recomendações para fortalecer a Funai, manter políticas específicas de saúde e educação indígena, e fazer valer o direito de consulta livre, prévia e informada.

Mais de 30 países mencionaram a questão indígena em seus discursos ao país e vários relacionaram o racismo e a discriminação com a violência e a impunidade praticadas contra lideranças e povos indígenas.

A manifestação internacional se alinha com os encaminhamentos definidos pelos mais de 3600 indígenas que participaram do Acampamento Terra Livre e resultam também de um trabalho de sensibilização feito por organizações indígenas, indigenistas e de direitos humanos no processo de Revisão Periódica Universal durante 2016 e 2017.

Especial preocupação dos países na ONU foi direcionada à inoperância do programa de proteção de defensores de direitos humanos, cujos inscritos são majoritariamente indígenas, ambientalistas e campesinos que enfrentam tentativas de criminalização enquanto defensores de direitos.

O relatório da CPI da Funai e Incra – que promete ser votado esta semana – é um exemplo concreto dessa situação. Seis dos 31 indígenas indiciados junto com servidores do MPF, da Funai e do Incra, por essa CPI – que desde sua criação foi colocada à serviço de interesses anti-indígenas-, estão inscritos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos.

Sem conhecimento básico sobre o sistema internacional de direitos humanos, o relatório da CPI também ataca o Itamaraty e a própria ONU a partir de uma retórica alarmista que pelo medo tenta justificar a injustificável negação de direitos fundamentais aos povos e pessoas indígenas.

O que os povos indígenas do Brasil e do mundo querem, e é aceito pela Declaração dos Povos Indígenas da ONU (2007), é continuar a existir de acordo com seus modos de vida e visões de mundo, dentro dos Estados Nacionais e com o devido respeito às suas terras, línguas e culturas. O Brasil e outros 147 países são apoiadores dessa declaração da ONU, que em setembro comemorará dez anos.

Para manter o alerta sobre o possível retorno de práticas de extinção de povos e culturas pela mão do próprio Estado, organizações indígenas vem informando o alto comissariado da ONU sobre a situação. Alertaram recentemente sobre o fato de que, mesmo depois de receber recomendações da Relatora Especial  da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2016, o país não está garantindo os direitos humanos dos povos indígenas.

Pelo contrário, em poucos meses, o atual governo consolidou sua estratégia para a extinção da Funai visando cristalizar o quadro de não-demarcação de terras – mesmo sem a aprovação da PEC215 – e incita, a partir de falas de autoridades públicas, o ódio, o racismo e situações de maior conflito, violência e intolerância contra os povos indígenas.

Sem as informações trazidas pelas próprias organizações e lideranças indígenas à ONU, os países teriam apenas as informações parciais trazidas pelo governo e que não refletem a realidade. Por isso mesmo, a posição do Brasil na ONU foi considerada “dissimulada” pela representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.

“Parece que não estamos falando do mesmo país. As questões que são apresentadas como avanço aqui, lá no Brasil, estão sendo desconstruídas, como a demarcação das terras indígenas; a redução de orçamento da Funai e o loteamento de cargos para partidos políticos; o corte de servidores especialmente nas áreas que chegam na ponta (CTLs) e na coordenação de licenciamento ambiental. Tudo isso enfraquece ainda mais a execução da política indigenista e não garante a ocupação e gestão plena das terras como anuncia o governo.”

De fato, a contradição da posição do Brasil na ONU evidenciou-se ainda mais com a ausência de um representante do Ministério da Justiça durante a sabatina que deu ênfase a pelo menos três temas de competência do Ministério, o tema indígena, o tema da segurança pública e violência policial e o tema do sistema prisional.

Além disso, no mesmo dia em que, em Genebra, a Ministra de Direitos Humanos Luislinda Valois afirmava o compromisso do país com a demarcação das terras indígenas, em Brasília a Funai ficava sem presidente.

Dentre outros motivos, o Ministério da Justiça insinuou entraves na Funai para seguir com projetos em terras indígenas sem qualquer processo de consulta (como o da implantação da linha de Transmissão Manaus-Boa Vista na TI Waimiri Atroari).

Segundo o próprio (agora) ex-presidente da Funai Antonio Costa, o Ministro ruralista da (in)Justiça Osmar Serrraglio coloca a Funai sob risco e forte ingerência política. Um dia antes, o Ministro da Justiça anunciava um “mutirão” para demarcar terras indígenas.

Sem uma Funai operando, com um Ministro da Justiça defensor da retirada de direitos constitucionais indígenas, e sem boa-fé do governo para efetivamente fazer respeitar os direitos territoriais e sobre os recursos naturais dos povos indígenas tal como escritos na Constituição Federal, os trabalhos técnicos de demarcação de terras indígenas não podem ser transformado em mutirões ruralistas sem antes violar vários direitos.

 

*Erika Yamada é Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca e perita no Mecanismo de Direitos dos Povos Indígenas da ONU. 

Fonte: Carta Capital

CNDH cobrará medidas contra o aumento da violência no campo

Conselheiros debateram recentes casos em três estados brasileiros

Os recentes episódios de violência contra trabalhadores rurais nos estados de Mato Grosso, Rondônia e Minas Gerais nas últimas semanas foram foco de debates e deliberações do plenário da 26ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), finalizada em Brasília na última quinta-feira (27).

Em Colniza (MT), a escalada de violência no campo se refletiu, no último dia 19 de abril, no massacre de nove lideranças. Nesse contexto, a Comissão Permanente de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos e Enfrentamento da Criminalização dos Movimentos Sociais do Conselho produzirá uma manifestação pública sobre criminalização dos movimentos sociais e o crescimento da violência no campo, além de cobrar as autoridades federais providências sobre o caso.

Outra deliberação da Comissão acolhida pelo pleno do CNDH foi a sistematização e estudo de ofícios recebidos em resposta às recomendações enviadas pelo Conselho a instâncias públicas sobre o alto índice de conflitos agrários em Rondônia, incluindo o assassinato da militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) Nilce de Souza Magalhães. Nicinha, como era conhecida, desapareceu no dia 7 de janeiro de 2016, em Porto Velho (RO), e seu corpo foi encontrado cinco meses depois no lago da hidrelétrica de Jirau. Além disso, será solicitada a realização de uma audiência pública no estado, com a presença de conselheiros do CNDH.

Segundo o Relatório de Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançado no último dia 17 de abril, Rondônia foi o estado com mais casos de mortes provocadas por conflitos no campo em 2016, totalizando 21 assassinatos.

MP 759

Na avaliação do pleno do Conselho, a ampliação da violência está diretamente ligada ao gradual desmonte do Estado brasileiro, levado a cabo pelo Executivo federal e pelo poder Legislativo. Um dos principais catalisadores desse processo, segundo os (as) conselheiros (as), é a Medida Provisória 759/16 – que estabelece novas regras para a regularização fundiária urbana, rural e da Amazônia Legal.

“Há várias leituras sobre a Medida Provisória abrir possibilidade de grilagem e certa autorização geral, já que o Ministro da Justiça tem afinidade com o campo do agronegócio. Além disso, há um quadro geral de impunidade”, afirmou o presidente do CNDH e integrante da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, Darci Frigo.

Neste contexto, o Conselho aprovou recomendação, direcionada ao Presidente da República, para que retire a MP 759, abrindo um processo de discussão com as instituições e entidades da sociedade civil ligadas à temática. Direciona-se também ao Presidente do Congresso Nacional, para que suspenda, imediatamente, a tramitação do projeto de lei, e ao Ministério Público Federal (MPF), para que fiscalize a legalidade da atuação do Executivo em casos concretos de transferência de domínio de imóveis públicos a terceiros e de regularização fundiária que tenham ocorrido desde a edição da MP 759.

De acordo com a recomendação expedida pelo CNDH, a MP 759 “padece de vícios de inconstitucionalidade formal e material que repercutem diretamente no exercício de direitos essenciais à dignidade humana, o que desafia a atuação deste CNDH na promoção e a defesa dos direitos humanos”.

Violência cresce, proteção diminui

Segundo levantamento do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensoras de Direitos Humanos, que está finalizando a sistematização dos casos em 2016 e 2017, em 2016 houve 70 assassinatos de defensores no país. Para os (as) conselheiros (as) da instância, é preciso combater a retração das políticas de proteção a defensores, como o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) da Secretaria Especial de Direitos Humanos. O programa foi criado em 2004 e tem como objetivo a adoção e articulação de medidas que possibilitem garantir a segurança de pessoas que estejam em situação de risco ou ameaça em decorrência de sua atuação na promoção ou defesa dos direitos humanos.

“A Comissão vai reiterar o compromisso da Secretaria de Direitos Humanos para a realização de uma reunião com a antiga composição do PPDDH. É preciso garantir a presença da sociedade civil nos debates para aperfeiçoamento dos programas de proteção, além do amadurecimento maior sobre os processos de inclusão e exclusão de nomes. Temos tomado ciência do desligamento de vários defensores sem compreender os critérios de exclusão”, afirmou a coordenadora da Comissão e representante da Justiça Global, Sandra Carvalho.

Fonte: Plataforma Dhesca

CIDH expressa preocupação com o incremento da violência no campo no Brasil

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressa sua preocupação pelos 9 camponeses assassinados no contexto de conflitos pela terra no município rural de Colniza na região de Taquaruçu do Norte (Mato Grosso), Brasil, no dia 19 de abril de 2017.

Relatos indicam que as 9 vítimas, que foram assassinadas por pessoas encapuzadas, eram homens adultos cujos corpos apresentavam marcas de violência, sinais de tortura. Alguns deles foram amarrados e decapitados. De acordo com informações de conhecimento público, as autoridades brasileiras transladaram-se ao local dos acontecimentos, que se encontra em uma zona de difícil acesso, e realizam as investigações correspondentes.

Segundo o registro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), seriam 19 as pessoas assassinadas desde o início de 2017 em cinco estados do país devido aos conflitos no campo. Esta cifra se soma aos 61 assassinatos em consequência dos conflitos por terras registrados em 2016. O número de pessoas que recebem ameaças de morte neste contexto de conflito também aumentou em 39%, de 144 em 2015 para 200 em 2016. Além disso, registrou-se um aumento no número de pessoas vítimas de violência física, que passou de 187 em 2015 para 571 em 2016, o que reflete um aumento de 205%. Esta violencia se concentra nos estados das regiões norte e nordeste.

A Comissão observa com preocupação que esses atos formam parte de um contexto caracterizado pelo conflito territorial que envolve o movimento dos trabalhadores rurais sem terra e camponeses despejados. A CIDH chama as autoridades a continuar com a investigação desses fatos e de outros atos de violência contra trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra ou assentados com devida diligência, a fim de identificar e sancionar as pessoas responsáveis e assim combater a impunidade e evitar a repetição de atos similares. Além disso, a CIDH urge ao Estado brasileiro a atender as causas estruturais relacionadas à luta por reforma agraria.

A CIDH também expressa sua profunda preocupação pelo grave problema que enfrentam dezenas de milhares de famílias do campo que ano a ano são deslocadas por ordem judicial das terras que habitam ou coupam. De acordo com a CPT, registrou-se um aumento no número de famílias expulsas dos territórios aonde habitam, passando de 795 em 2015 a 2,639 em 2016, o que representa um crescimento de 232%. Adicionalmente, o relatório da CPT indica que no ano de 2016 12,829 famílias foram despejadas por ordem judicial, e identifica que outras 31,278 famílias correm o risco de enfrentar a mesma situação.

A CIDH insta o Estado brasileiro a formular e implementar medidas imediatas e sustentáveis para solucionar este grave problema, aplicando os standards internacionais sobre deslocamento interno. Nesse sentido, a CIDH urge o Brasil a adotar um marco normativo baseado nos Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos. A CIDH ressalta também que ante situações deste tipo o Estado brasileiro tem a obrigação de adotar medidas para prevenir o deslocamento, proteger e fornecer assistência aos expulsos e despejados durante o seu deslocamento, prestar e facilitar a assistência humanitária e facilitar soluções duradouras.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

Fonte: CIDH

A jovem resistência indígena vai enterrar os velhos ruralistas

Acampamento Terra Livre, em Brasília, liderado por uma nova geração, foi uma das maiores mobilizações indígenas da história

As bombas jogadas pela polícia contra a marcha pacífica dos indígenas, em 25 de abril, não foram suficientes para abafar os gritos de guerra. As fumaças do gás lacrimogênio não tiravam o fôlego de quem corria pelos gramados da Esplanada, transformados num campo de batalha.

E não escrevo de forma retórica: observei os guerreiros com flechas correndo contra a nuvem tóxica, em direção ao Congresso Nacional. Corriam com flechas apontadas contra revólveres e espingardas. Nesse cenário, vi xavante com o olho ardendo, tossindo, mas gritando de forma contínua e intercalada; um guarani chutando as bombas; um jovem pataxó pegando uma bomba com a mão e lançando contra os novos bugreiros uniformizados; um grupo pankararu cantando e dançando o toré com tanta força espiritual que o lacrimogênio virou gelo seco em frente ao Ministério da (in)Justiça.

A força da mobilização vinha de quem sabe suspender o céu. Do carro de som ecoavam cantos xamânicos, cantos de força espiritual e de proteção, cantos para pacificar os inimigos. Eram velhos xamãs marchando ao lado de jovens guerreiras e guerreiros; avôs e avós de braços dados com seus netos e netas.

Essa foi a mais linda, a mais inspiradora e a mais estimulante de todas as 14 mobilizações do Acampamento Terra Livre (ATL), organizado pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), em Brasília, no Abril Indígena. Este ATL 2017 não foi apenas uma das maiores mobilizações políticas dos povos indígenas, com mais de quatro mil lideranças do País todo, mas a mais jovem e inovadora, liderado por uma terceira geração do movimento.

Na segunda marcha, na quinta-feira 27, todos e todas viram quando um pajé lançou um feitiço que desequilibrou o policial montado num cavalo. A juventude riu do policial, e prestou reverência ao velho pajé. Me parece esse um maravilhoso símbolo dessa construção coletiva do movimento indígena, no qual a nova geração assume o protagonismo com um respeito que é raro de ser observado em outros movimentos sociais.

Com bombas, bala e cassetetes, as agressões físicas do governo Temer não intimidaram quem pertence a essa terra. Apenas serviu para mobilizar e engajar ainda mais a jovem resistência reunida em Brasília. “A bala de borracha e o spray de pimenta que são lançados contra nós, ainda está muito longe de ser, de representar, a violência que a gente vive nas terras indígenas. Todos os dias os ataques, todos os dias os assassinatos”, disse Sonia Guajajara, secretaria-executiva da Apib, em entrevista a Daiara Tukano, da Rádio Yandé, num vídeo que bombou de visualizações nas redes sociais. “A luta é nossa e não vamos recuar”, completou, na entrevista disponível na página da Yandé no Facebook.

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Bombas contra os indígenas. Só mais um episódio de violência. Fotos: Felipe Milanez

A Rádio Yandé, aliás, bombou e fez bombar muitas mensagens insurgentes: por Whatsapp desde o campo de batalha, as informações de Daiara, Idjahuri Kadiweu, Anapuaka Tupinamba e Naine Terena eram postadas à distância por Renata Tupinambá, e rapidamente atingiam milhares de visualizações. Que lindo ver indígenas em resistência numa batalha campal, junto de indígenas numa batalha midiática e das narrativas.

Como os velhos ruralistas sentados no poder usurpado irão calá-la se os indígenas que a fazem não dependem de um centavo de anúncio do governo? A lógica da comunicação da Yandé é diferente da lógica da imprensa que divide em anúncios inescrupulosos o bolo do golpe, que se presta a propagandear contra direitos da classe trabalhadora, a favor da reforma trabalhista e do fim da Previdência: a Yandé é o novo jornalismo, descolonial, situado, comprometido. Informa o Brasil desde o ponto de vista do indígena – e não desde o ponto de vista da Casa Grande, do Capital, da linha de cima do racismo, da bolha do confinamento racial do jornalismo brasileiro.

Esse estúpido cenário de guerra produzido pelo autoritarismo do atual governo ao menos serviu para ilustrar, em imagens que giraram o mundo, que vivemos em um Estado de Exceção. Tal como explica Sonia, os povos indígenas vieram a Brasília “dizer o que é uma democracia”. E foram recebidos com covarde truculência.

As bombas que ecoaram na Esplanada assustaram muitos jovens e representaram um rito de iniciação. Foi a primeira vez que Piray, jovem Awa Guajá classificado de “recente contato” pela Funai, saiu do Maranhão. Ele veio para mostrar que aqueles “isolados” ou de pouco contato, também devem ser ouvidos e respeitados.

Geraldino Patté, do povo Laklãnõ/Xokleng, também saiu pela primeira vez do sul do Brasil. Ele sabe muito bem de toda a história da violência dos bugreiros contra seu povo, dos contos de atrocidade do Martinho Bugreiro. E agora, com sua irmã que cursa mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, investigam e denunciam a tentativa de construção de usinas hidrelétricas no seu território. Ele postou uma linda foto sua no Facebook, segurando uma lança: “A batalha é grande, mas eu não desistirei dessa luta. Orgulho de ser indígena. Orgulho de ser Laklãnõ/Xokleng”.

De repente, nesse encontro, eu estava numa roda de conversa entre Geraldino e Auricélia Arapium, que é uma intelectual orgânica do movimento Em Defesa da Vida e da Cultura do Rio Arapiuns, liderança indígena, estudante de direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém. De norte a sul, era uma luta por direitos, para denunciar o racismo institucional, o apagamento da história. São indígenas que estão conseguindo furar o confinamento racial das universidades brasileiras, e repensando a nossa história para projetar um novo futuro.

Nessa nova geração, emerge ainda um movimento feminista que deve chacoalhar o pensamento no Brasil: são as xinguanas organizadas no movimento Yamarikumã, as mulheres de Roraima, os movimentos com apoio da ONU Mulheres, rodas de debate e plenárias das mulheres. Telma Taurepang, uma das mulheres que lideram essa onda feminista indígena, anunciou a convocação da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que vai acontecer em 8 de março do ano que vem. Anotem na agenda.

Políticos indígenas como o vereador xinguano Mutuá Mehinaku, do povo Kuikuro, de Gaúcha do Norte, que é mestre em linguística pelo Museu Nacional da UFRJ, estão assumindo o poder institucional com o intuito de transformar a representação e radicalizar a democracia: “Temos que ocupar esse espaço da política. Chega de falarem por nós, nunca nos representaram. Somos nós que temos que estar no parlamento nos representando a nós mesmos”, me disse Mutuá.

Quem sabe um dia, em vez de grileiros e ruralistas, os eleitores e as eleitoras do estado do Mato Grosso contribuam para o Brasil elegendo como deputados brilhantes intelectuais indígenas, como Mutuá, para ajudar a construir um país mais igualitário, justo e democrático.

O encontro teve luta em múltiplos sentidos: a luta na Esplanada, a luta intelectual na organização de comissões, de debates, a luta política com deputados, senadores, e a recusa em receber ministros ruralistas do governo Temer. Encontros que cruzavam realidades de Norte a Sul, povos geograficamente distantes mas politicamente muito próximos, epistemologicamente vizinhos, lado a lado a enfrentar o genocídio. Do Xokleng no sul do Brasil, aos povos que vivem no Tapajós e na bacia do Juruena, todos e todas trocavam informações, ideias e estratégias para enfrentar o barramento e morte de seus rios de vida.

Várias lideranças que encontrei e conversei cursam mestrado, falam a língua, aprendem na universidade e valorizam cada vez mais o conhecimento da aldeia. Sabem também que a luta ensina, aprendem com o movimento indígena e com as vozes mais antigas das aldeias. Esse encontro talvez tenha marcado a emergência de uma terceira geração do movimento indígena.

E o que é muito interessante, comentou comigo Ailton Krenak, grande liderança do primeiro movimento nos anos 1980, e que não esteve dessa vez em Brasília, é que todas essas gerações se reconhecem, com empatia, que não é comum, como ocorre muitas vezes que uma nova vem desqualificar os velhos. “Há alguma herança no sentido cultural, que distingue esse movimento indígena de outros movimentos. E essas vozes não vão ser caladas. Não vamos nos calar, nem imobilizar nossa capacidade de luta ante a força bruta dos aparatos de proteção do Estado dominado pelo Capital sem fronteiras”.

Por Felipe Milanez/ Fonte: Carta Capital

Missão da Câmara vai à ONU apresentar relatório crítico à versão oficial do governo brasileiro sobre violações de Direitos Humanos

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), representada por seu presidente, deputado Paulão (PT-AL), embarca hoje de Brasília com destino a Genebra, na Suíça, para participar da Revisão Periódica Universal do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

A RPU, como é conhecida essa revisão, é um mecanismo da ONU que monitora a cada quatro anos e meio a situação dos Direitos Humanos nos países membros. A elaboração do relatório brasileiro é responsabilidade do Governo Federal, por meio do Ministério dos Direitos Humanos, e será debatido em sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU na próxima sexta-feira (05.05).

Em janeiro de 2017, a CDHM solicitou à então secretária especial dos Direitos Humanos, Flávia Piovesan, à época autoridade máxima do Executivo na temática, a inclusão no relatório oficial do governo de um documento produzido pela assessoria técnica da Comissão que listava 40 proposições em tramitação no Congresso Nacional que ameaçam a garantia dos Direitos Humanos de parcela significativa da população brasileira.

A CDHM tem contribuído ao processo de Revisão Periódica Universal (RPU), seja produzindo sugestões de conteúdo, seja realizando audiências públicas para debater a versão prévia do relatório do Executivo com participação de representantes do Itamaraty, Ministério de Direitos Humanos, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e de organizações da sociedade civil credenciados junto à ONU.

Em Genebra, o presidente da CDHM pretende contribuir para conscientizar a comunidade internacional sobre o cenário grave de violações de Direitos Humanos recorrentes no território brasileiro, listando temas importantes como o aumento no número de mortes em conflitos agrários, a vulnerabilidade dos povos indígenas, chacinas em presídios e a escalada de violência institucional praticada por agentes do Estado contra manifestantes, bem como a criminalização articulada entre setores estatais de lideranças de movimentos sociais.

O deputado Paulão deverá participar na tarde da sexta-feira de uma sessão paralela à oficial, promovida por organizações da sociedade civil que monitoram os Direitos Humanos no mundo e no Brasil. O parlamentar deverá apresentar sua avaliação divergente da versão do governo Temer, por meio de relatos demonstrando agravamento de conflitos sociais, violações e arbitrariedades praticadas contra a população, em especial as minorias. Com isso, pretende enriquecer a discussão que se dará no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU acerca da situação real de ataques aos direitos fundamentais previstos na Constituição do Brasil, tanto os relacionados ao indivíduo como aos que defendem a coletividade.

O retorno da missão está previsto para a noite do sábado, com chegada ao Brasil no domingo (07.05)

Fonte: Ascom CDHM

Nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB Sobre o massacre do Povo Gamela – Maranhão

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem a público repudiar os ataques perpetrados contra o povo Gamela, ocorrido no Povoado de Bahias, município de Viana (MA) no dia 30 de abril de 2017, e mais uma vez denunciar o genocídio que está em trâmite no Estado brasileiro contra os povos indígenas.

As lideranças do Povo Gamela já vinham denunciando os planos de fazendeiros para matar lideranças de seu povo. No entanto, mais uma vez as autoridades competentes se omitiram diante das graves violações praticadas contra os povos indígenas seja por agentes estatais, seja por entes privados com o aval do Estado.

Não admitimos mais a morte de nosso povo e iremos até as instâncias internacionais cobrar a responsabilização daqueles que de forma descarada violam e incitam violências contra nossas comunidades confiando na impunidade de seus atos.

O direito ao território é um direito sagrado e não recuaremos um palmo de terra retomada. O massacre contra o povo Gamela envolvendo inclusive a amputação de membros do corpo de dois indígenas com mãos decepadas, cinco baleados e 13 lideranças feridos a golpes de facão e pauladas, que só não resultou em morte pela proteção de nossos encantados, pois o comando era para matar.

Somos povos originários desta Terra e exigimos respeito! Com tantas omissões e violações sistemáticas o Estado brasileiro declara guerra aos povos originários que lutam por justiça e o direito de viver dignamente como seres humanos.

Conclamamos todos e todas defensores e defensoras dos direitos humanos a cobrar do Estado brasileiro providências, pois basta de genocídio de nosso povo!

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil,
Parem o genocídio dos Povos Indígenas!
Por nenhum direito a menos!

Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprova recomendação contra Reforma Trabalhista

Para o colegiado, a medida fere os direitos humanos dos trabalhadores brasileiros, pois retira e enfraquece direitos fundamentais previstos na Constituição e em tratados internacionais ratificados pelo Brasil

O Plenário do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou, na manhã desta quarta-feira (26/04), por unanimidade, a Recomendação n° 4, de 26 de abril de 2017, sobre o Projeto de Lei (PL) n° 6787/2026 (Reforma Trabalhista), que promove mais de 100 alterações na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A discussão se deu na 26ª Reunião Ordinária do colegiado, que acontece hoje e amanhã (26 e 27) em Brasília.

No documento, o CNDH recomenda aoPresidente da República a retirada do PL 6787/2016, e aos Presidentes da Câmara, do Senado, da Comissão Especial da Reforma Trabalhista e ao Relator do PL, que o projeto tramite em rito ordinário, passando pelas diversas comissões relacionadas à temática, garantindo o debate público diante das alterações propostas no âmbito da CLT.

O colegiado também recomenda ao Ministro do Trabalho que sejam apresentados estudos técnicos que “avaliem e dimensionem os impactos e prejuízos aos direitos dos trabalhadores em caso de aprovação da Reforma Trabalhista,  bem como demonstrem a efetiva e real possibilidade de aumento do número de empregos, inclusive fazendo cotejo com a experiência de outros países, de modo a não se realizar mera substituição de trabalhos protegidos e de qualidade, por relações de trabalho determinadas, precárias e sem proteção”.

Para o CNDH, o substitutivo recém-apresentado ao PL 6.787/2016 (reforma trabalhista), bem como o PLS 432/2013 (restrição conceitual do trabalho análogo à escravidão), o PLC 30/2015 (terceirização da atividade fim), o PLS 218/2016 (jornada intermitente) e o PL 1.572/2011 (anteprojeto de lei do Código Comercial) “constituem um conjunto de medidas que consubstanciam atroz retrocesso social, pois ferem os direitos humanos dos trabalhadores brasileiros, retirando e/ou enfraquecendo inúmeros direitos fundamentais trabalhistas previstos em nossa Carta Magna e em diversos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário”.

O documento também traz recomendação às Centrais Sindicais, indicando que levem as propostas aos Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, para análise mais crítica e aprofundada frente as destacadas violações às normas e convenções internacionais, em especial a ativação do sistema de proteção de direitos humanos da Organização Internacional do Trabalho.

Leia a Recomendação completa AQUI

Fonte: Ascom CNDH

“Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”

Tese que visa a restringir o direito dos indígenas à demarcação de suas terras foi um dos focos do seminário do MPF

 A oficina “Diálogos entre o Direito Constitucional, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Antropologia” aconteceu, ontem (24/4), no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Com a participação do Ministério Público Federal (MPF), lideranças indígenas, pesquisadores e entidades da sociedade civil, a atividade integra o seminário “Povos indígenas e os direitos originários”, proposta pelo MPF com apoio dada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto Socioambiental (ISA) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

“Nós estamos defendendo direitos que foram consagrados com o custo de vidas”, afirma Joênia Wapichana, advogada indígena que integrou uma das mesas do seminário. “Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”, alertou.Uma das pautas em discussão foi o “marco temporal”, uma das principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Bandeira de grupos anti-indígenas, como a bancada ruralista, o marco temporal vem sendo utilizado como instrumento para anular a demarcação de Terras Indígenas no Poder Judiciário, especialmente a partir de decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Diversos juristas e o próprio MPF vêm se manifestando seguidamente pela inconstitucionalidade do marco temporal.

A tese do “marco temporal” foi utilizada no processo que decidiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2009. Depois disso, foi utilizada pela Segunda Turma do STF para anular a demarcação das Terras Indígenas (Tis) Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul.

“Em nenhum desses processos houve a presença das comunidades indígenas. Claramente se diz que eles não têm possibilidade de agir por si sós, estão representados pela Funai, o que mostra o quanto há de desconhecimento ou de intencionalidade da recusa dos direitos que vêm com a Constituição de 1988”, criticou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat.

O “marco temporal” também foi incorporado ao relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovado na Comissão Especial da Câmara, outra das principais ameaças aos direitos indígenas no Poder Legislativo. O relator da proposta foi o então deputado e agora ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR).

Um dos principais problemas da tese é que ela desconsidera todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes e durante a Ditadura Militar e ignora o fato de que, até então, os indígenas não tinham sequer sua autonomia reconhecida pelo Estado brasileiro. O marco temporal considera que poderiam ser demarcadas terras que não estivessem sob posse dos indígenas em outubro de 1988, mas que estivessem sob disputa – física ou judicial – naquela data. A tese desconsidera que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram “tutelados”, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante à Justiça.

O risco representado pelo marco temporal é agravado pelo fato de que, até a década de 1980, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado brasileiro, de modo que não haveria como comprovar sua posse nas áreas em questão.

“O direito dos indígenas às suas terras não pode se perder se o Estado não teve aptidão ou não soube defender esse direito indígena por todos os seus meios e modos”, criticou Deborah Duprat. “O marco de 1988 é algo que não existe no texto constitucional e não se pode inferir do texto sequer por interpretação, porque nós estamos diante de uma constituição que amplia direitos e não podemos retroceder”, concluiu.

“Precisamos dizer que é absolutamente incoerente, absolutamente incompatível com a ideia de reconhecer como originários os direitos dizer que eles desapareceram em 5 de outubro de 1988 se não estivessem os índios ali”, afirmou o subprocurador-geral da República e coordenador da Sexta Câmara do MPF, Luciano Maia.

Fonte: Mobilização Nacional Indígena

Acampamento Terra Livre 2017 é a maior mobilização indígena da história

Mobilização com mais de três mil indígenas acontece em meio à maior ofensiva contra os direitos dos povos originários nos últimos 30 anos  

O Acampamento Terra Livre (ATL) vai reunir mais de três mil indígenas de todo o país em Brasília, nesta semana, entre 24 a 28 de abril. A estimativa inicial previa a presença de entre 1,5 mil e 2 mil pessoas, mas a organização refez a contagem. Com a nova estimativa, o ATL será a maior mobilização indígena já realizada na capital federal. Estão previstos protestos, marchas, atos públicos, audiências com autoridades, debates e atividades culturais (saiba mais ao final do documento).

Estão na pauta da mobilização, entre outros temas, a paralisação das demarcações indígenas; o enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; as proposições legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso; a tese do “Marco Temporal”, pela qual só devem ser consideradas Terras Indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data de promulgação da Constituição (5/10/1988).

A programação oficial do acampamento começa nesta segunda à noite, a partir das 19h, com a recepção das delegações, uma plenária de abertura e, na sequência, uma “palhinha” do cantor Chico César.

Grande ação para esta terça, dia 25/04

Os indígenas vão realizar uma histórica marcha na Esplanada dos Ministérios nesta terça, à tarde, para protestar em frente ao Congresso contra os retrocessos em seus direitos previstos em vários projetos em tramitação. Uma grande ação lembrará os políticos a respeito das centenas de indígenas que são assassinados no Brasil. A manifestação gerará belas imagens. Convidamos os jornalistas a acompanharem. O ponto de encontro será na tenda da Assessoria de Imprensa do ATL, no gramado do Teatro Nacional, às 14 horas.

Astros da música se unem a favor da demarcação das terras indígenas no país

Será lançada nesta segunda-feira, (24/4), a partir das 14h, nas redes sociais da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Mobilização Nacional Indígena a música “Demarcação Já!”, interpretada por uma seleção de artistas que inclui nomes como Gilberto Gil, Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Arnaldo Antunes, Elza Soares, Criolo, Lenine, Zélia Duncan, Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro e Nando Reis. No dia 26/04, quarta-feira à noite, será realizado um pocket show com alguns dos artistas.

A letra é de Carlos Rennó com o cantor e compositor Chico César. Resultado de uma parceria das organizações Greenpeace, Instituto Socioambiental e Bem-Te-Vi Diversidade com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e as produtoras Cinedelia e O2 Filmes, a canção ganhou vida graças ao trabalho de mais de 25 artistas que doaram seu talento para apoiar os direitos indígenas, em especial a garantia do território, que é vital para a sobrevivência física e cultural desses povos.

O que é a APIB?

O ATL 2017 é promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) com apoio de organizações indígenas, indigenistas, da sociedade civil e movimentos sociais parceiros. A convocatória do ATL 2017 está disponível no link.

Fazem parte da APIB as seguintes organizações indígenas regionais: Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), Conselho Terena, Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), Grande Assembléia do povo Guarani (ATY GUASU), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Comissão  Guarani Yvyrupa.

Acampamento Terra Livre 2017
Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena.
Pela garantia dos direitos originários de nossos povos.

Quando: 24 a 28 de abril de 2017
Onde: Teatro Nacional Cláudio Santoro
Endereço: Setor Cultural Teatral Norte – Asa Norte, Brasília – DF, 70040-010

Fonte: APIB

CPT lança o relatório Conflitos no Campo Brasil 2016

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, no dia 17 de abril, a sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF), sua publicação anual: Conflitos no Campo Brasil 2016. É a 32ª edição do relatório que reúne dados sobre os conflitos e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras do campo brasileiro, neles inclusos indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais.

Participaram do lançamento, o presidente da CPT, Dom Enemésio Lazzaris, membros da coordenação executiva nacional da CPT, representantes da CNBB, o professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Marco Mitidiero, a filha da Nicinha, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), assassinada em Rondônia, Divanilce Andrade, entre outros convidados, como a FIAN Brasil, representada pela secretária geral Valéria Burity e pelo assessor de direitos humanos, Lucas Prates.

O relatório de 2016 destaca o maior número de assassinatos em conflitos no campo dos últimos 13 anos, 61 assassinatos – 11 a mais que no ano anterior, quando foram registrados 50 assassinatos. 48 destes assassinatos ocorreram na Amazônia Legal. Além do aumento no número de assassinatos, houve aumento em outras violências. Ameaças de morte subiram 86% e tentativas de assassinato 68%.

Os dados mostram 2016 como um dos anos mais violentos do período em que a CPT faz o registro desde 1985.

Assassinatos e julgamentos: os números da impunidade

Segundo os dados do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino da CPT, entre 1985 e 2016 foram 1.387 casos com 1.834 pessoas assassinadas em conflitos no campo. Deste total, apenas 112 casos foram julgados, e houve a condenação de apenas 31 mandantes destes assassinatos.

Com informações da CPT Nacional

 

Publicado o decreto de nomeação dos novos conselheiros do Consea

O decreto de nomeação de representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), para o período 2017/2019, foi publicado nesta segunda-feira (17/04) no Diário Oficial da União, conforme recomendado pela Comissão de Transição.

A comissão de transição, definida pela legislação e deliberações da 5ª Conferência de Segurança Alimentar e Nutricional, observou critérios e requisitos previamente definidos, como a atuação no campo da soberania e segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada e saudável; a representação regional e territorial nos vários setores sociais; o equilíbrio entre regiões e gênero; e o respeito às formas específicas de representação dos povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais, população negra, mulheres e pessoas com deficiência e necessidades alimentares.

As indicações dos representantes foram feitas diretamente pelas próprias entidades ou organizações sociais, sem interferência do poder público, tendo em conta atributos como a atuação, o domínio do assunto, o comprometimento e a disponibilidade para participar das atividades do conselho.

A comissão de transição, de acordo com a legislação, foi composta por representantes da sociedade civil (2/3) e do governo federal (1/3). Representaram a sociedade civil Maria Emília Pacheco, Carlos Eduardo de Souza Leite, Edgard Moura, Gil Marcos Carvalho, Mariza Rios e Renato S. Maluf. Representaram o governo Michele Lessa (Ministério da Saúde), Patrícia Gentil (MDSA) e Rogério Neuwald (Presidência da República).

Clique aqui para conhecer os nomes dos conselheiros titulares e suplentes.

Fonte: Ascom/Consea

Oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários” está com inscrições abertas

Estão abertas, até 20 de abril, as inscrições da oficina “Os Povos Indígenas e os Direitos Originários”. O evento é uma das realizações do Ministério Público Federal para o #ABRILindígena. A oficina acontece no dia 25 de abril, das 9h às 13h, no Auditório JK, na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Para garantir sua participação, envie e-mail para o endereço [email protected]. As inscrições são gratuitas.

A primeira mesa da programação terá como tema as Terras Indígenas nas constituições brasileiras. O debate será presidido pelo subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR/MPF), realizadora do evento. A procuradora federal dos Direitos do Cidadão do MPF, Deborah Duprat, e o constitucionalista Daniel Sarmento debaterão a temática.

Etnografia nas terras indígenas será o assunto da segunda mesa, que contará com a mediação de Luiz Eloy, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), e participação dos antropólogos João Pacheco e Fabio Mura como debatedores. A cientista política e ativista indigenista Dalee Dorough (University of Alaska) participa da terceira mesa, cujo tema é Terras indígenas na Jurisprudência do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Indígenas.

A oficina é uma iniciativa da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (Isa), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Plataforma Dhesca.

Confira programação completa.

Fonte: MPF

Sistema agroalimentar remove o sentido original da agricultura. Entrevista especial com Valéria Burity

As irregularidades do setor alimentício de carnes, apresentadas recentemente pela Operação Carne Fraca, demonstram um “processo” de “violações de direitos”, que “engloba um ciclo que vai da produção ao aproveitamento do alimento por quem o consome”, e a “imposição” de um “modelo neoliberal e de um sistema agroalimentar corporativo que lhe é funcional”, diz Valéria Burity à IHU On-Line.

Segundo ela, situações como essas ocorrem “porque existe uma opção política em apoiar o agronegócio e isso se dá porque a lógica das normas e das leis ainda favorece grandes empresários, em detrimento de agricultores familiares”. E assevera: “A causa de tudo isso é que o agronegócio tem influência sobre os poderes públicos, e um grande exemplo disso é a Bancada Ruralista do Congresso”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Valéria Burity defende a elaboração de políticas públicas que incentivem a agricultura familiar e medidas regulatórias mais rígidas para o agronegócio e para as transnacionais. “Um Estado efetivamente comprometido com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas promoveria ações regulatórias sobre a ação das transnacionais e das grandes empresas, sobre a liberação de transgênicos e o uso de agrotóxicos”, pontua.

Valéria Burity é advogada e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é secretária geral da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais violações cometidas por empresas do ramo alimentício no processo alimentar?

Valéria Burity – O processo alimentar, no conceito usado pela Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil, engloba um ciclo que vai da produção ao aproveitamento do alimento por quem o consome, e envolve outros elementos, como a possibilidade de exigir direitos. Nesse processo existem grandes violações de direitos. Só para citar algumas, destaco a concentração/grilagem e estrangeirização de terras; a persistência de relações trabalhistas que vulnerabilizam os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais; o uso excessivo de agrotóxicos; a produção de transgênicos sem respeito ao princípio da precaução; a destruição da economia familiar campesina a favor do monocultivo ou de megaprojetos que afetam o campo e as florestas, atingindo, principalmente, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais e ainda a imposição de um modo agroindustrial baseado na produção de alimentos altamente processados que respondem a necessidades alimentares criadas por outras culturas e interesses.

IHU On-Line – Em artigo recente, ao comentar a Operação Carne Fraca, você mencionou “a pequena capacidade do Estado em fazer frente de maneira efetiva a todas as irregularidades” do setor alimentício. A que atribui essa ineficiência?

Valéria Burity – São as mesmas razões que impedem a superação de violações de direitos humanos no Brasil, como essas que citei antes. Todos esses problemas, com evidentes raízes estruturais, se somam, em décadas recentes, às imposições do modelo neoliberal e de um sistema agroalimentar corporativo que lhe é funcional. Ou seja, um modelo onde os interesses das corporações transnacionais configuram as decisões políticas sobre o setor rural, concentram e verticalizam os recursos e a produção, removem o sentido original da agricultura para o agronegócio ou para a lógica de megaprojetos e depreda tanto o ser humano quanto os bens naturais. Nesse sentido, os fatores estruturais se agudizam ou se readaptam aos interesses desse modo e sistema de produção e consumo. O Estado brasileiro deve fortalecer seu papel regulador em relação à produção, ao abastecimento, à distribuição, à comercialização e ao consumo de alimentos. Um estado efetivamente comprometido com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, promoveria ações regulatórias sobre a ação das transnacionais e das grandes empresas, sobre a liberação de transgênicos e o uso de agrotóxicos, sobre a publicidade de alimentos, só para citar alguns exemplos.

IHU On-Line – Neste mesmo artigo, você aponta que atualmente no Brasil ocorrem dois fenômenos em relação à comercialização de alimentos: de um lado, a liberalização das regras para o agronegócio e, de outro, a imposição de exigências de produção e comercialização para a agricultura familiar. Pode nos dar exemplos de como esses dois fenômenos ocorrem hoje? Por que essas diferenças ocorrem?

Sempre existiu um apoio maior ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar

Valéria Burity – Antes de responder, é importante falar sobre agricultura familiar no Brasil. Sempre existiu um apoio maior ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar. É verdade que houve um apoio maior à agricultura familiar a partir de 2003, mas sempre houve mais apoio ao agronegócio. Ainda em 2009, quando o ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier Dschutter, fez uma missão no Brasil, ele destacou que a agricultura familiar produzia 750 reais/hectare/ano, contra 358 reais/hectare/ano nas plantações de grande escala, e que os grandes proprietários de terra que representavam apenas 1% dos estabelecimentos rurais, captavam mais de 43% de todo o crédito agrícola, enquanto fazendeiros com menos de 100 ha, 88% do total de estabelecimentos, captavam apenas 30%. Porém o último censo agrícola, realizado em 2006, deixou claro que quem alimenta a população brasileira é a agricultura familiar e camponesa. Por essa razão os movimentos que lutam por soberania e segurança alimentar e nutricional no Brasil defendem a aproximação entre quem produz alimento de verdade, a agricultura familiar, e quem consome o alimento.

Só que existe muita dificuldade, por exemplo, na regularização para a comercialização de alimentos tradicionais, artesanais e de base familiar. A legislação sanitária é um dos grandes entraves, pois as normas da legislação são elaboradas tendo como referência a produção agroindustrial de larga escala, e acabam promovendo a concentração de todo processo alimentar, reforçando uma lógica excludente e concentradora da produção, do processamento e da distribuição. O padrão de fiscalização que temos hoje tende a criminalizar alimentos artesanais e tradicionais e dificulta o acesso aos mercados institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – Pnae.

Um exemplo desta criminalização à agricultura familiar foi a Operação Agro-Fantasma, desencadeada pela Polícia FederalPF, em setembro de 2013, que culminou em vários processos judiciais que foram julgados pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba/PR. Diversos agricultores foram presos e, junto a esses, muitos outros de diversas regiões do Paraná foram indiciados pelos crimes de falsificação de documento público, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. Funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab também foram indiciados por peculato e prevaricação. As acusações diziam respeito, basicamente, a supostos desvios de recursos públicos por parte das associações e cooperativas de agricultores familiares. Segundo a PF e o Ministério Público FederalMPF, isso estaria ocorrendo no momento da entrega dos alimentos às entidades conveniadas (escolas, hospitais, equipamentos públicos da assistência social, entre outros). Segundo as normativas de operação do PAA, toda associação ou cooperativa de agricultores que almejasse entrar no programa para venda de seus produtos alimentares, deveria elaborar um plano no qual estariam discriminadas de forma detalhada as entidades que receberiam os alimentos, bem como os tipos de alimentos e as respectivas quantidades a serem entregues pelos agricultores.

Dessa maneira, no decorrer das investigações da PF, foram apontadas inconsistências nas entregas realizadas pelos/as agricultores/as, com quantidades e tipos de produtos muitas vezes diferentes daqueles indicados meses antes nos planos de entrega originais. Contudo, em análise mais apurada, percebe-se que a inconsistência na entrega dos produtos se deu em razão de questões ligadas à safra, mudanças climáticas e/ou baseadas em outros imprevistos inerentes à vida no campo — motivos esses explicitados, em muitos casos, pelos próprios agricultores no verso das notas fiscais. Passados mais de três anos desde a deflagração da Operação Agro-Fantasma, a maioria das pessoas acusadas foi absolvida devido a pedidos posteriores do próprio Ministério Público Federal. Por outro lado, volumosos exemplos podem ser citados no que se refere à liberalização das regras para o agronegócio.

Segundo relatório recente da Oxfam, existiam no Brasil em 2015 mais de 4 mil pessoas físicas e jurídicas detentoras de terra, as quais possuíam, cada uma, dívidas de ao menos 50 milhões de reais — totalizando quase 1 trilhão de reais. Ao mesmo tempo em que tal dívida existe, o governo Temer editou a Medida Provisória nº 733/2017 (posteriormente convertida na Lei nº 13.340/2016), a qual permite o abatimento de dívidas do agronegócio em porcentagens que variam de 35 a 95% a depender das especificidades da dívida. Outro caso notável é a chamada Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/2016), a qual isenta de ICMS produtos primários e secundários destinados à exportação. O mesmo relatório da Oxfam estima em 22 bilhões de reais por ano o prejuízo dos estados com tal lei. Estes são somente dois exemplos, dentre vários, que indicam a dimensão de impactos negativos causados pelo agronegócio — nestes casos, impostos devidos — à sociedade.

Essas diferenças ocorrem porque existe uma opção política em apoiar o Agronegócio e isso se dá porque a lógica das normas e das leis ainda favorece grandes empresários, em detrimento de agricultores e agricultoras familiares. A causa de tudo isso é que o agronegócio tem influência sobre os poderes públicos, e um grande exemplo disso é a Bancada Ruralista do Congresso. E agora tudo caminha para invisibilizar a agricultura familiar e tratar tudo como agronegócio. É isso que se pode concluir quando se extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário, quando se suprime a agricultura familiar do próximo Censo Agropecuário e quando o Programa de Apoio à Agricultura familiar passa a ser chamado de “Agroamigo”.

IHU On-Line – Atualmente são feitas muitas críticas ao incentivo econômico dado pelo Estado ao setor do agronegócio. O que seria uma alternativa a esse modelo?

É cada vez mais crescente o número de pesquisas que nos mostram que a agroecologia é a alternativa mais viável, sustentável, saudável e, portanto, necessária para garantir o direito à alimentação em todo mundo

Valéria Burity – É cada vez mais crescente o número de pesquisas que nos mostram que a agroecologia é a alternativa mais viável, sustentável, saudável e, portanto, necessária para garantir o direito à alimentação em todo mundo. Essa, a propósito, foi a conclusão do ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, quando escreveu o informe que encerrou o seu mandato. No mesmo entendimento pode chegar quem observar, por exemplo, as colheitas recentes de arroz agroecológico produzido pelo Movimento dos Sem Terra – MST no Rio Grande do Sul, com números chegando a 400 mil sacas anuais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Valéria Burity – É importante destacar que no dia 16 de março um conjunto de organizações e movimentos sociais que integram a plataforma Chega de Agrotóxicos lançou uma petição on-line com o objetivo de mobilizar a sociedade para a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNaRA. Além de apoiar a aprovação da PNaRA, a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos também tem como meta barrar o Projeto de Lei – PL 6.299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e a petição é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos nas mesas das famílias brasileiras.

Para assinar, acesse aqui.

Fonte: IHU – Unisinos

CDHM realiza primeira audiência do colegiado de 2017 e organiza planejamento participativo com os movimentos sociais

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) realizou hoje sua primeira audiência pública sob a presidência do deputado Paulão (PT-AL). A pauta do encontro foi a construção do planejamento de atividades da CDHM ao longo de 2017, abrindo espaço para manifestações de movimentos sociais, organizações que atuam na temática de Direitos Humanos e parlamentares trazerem suas contribuições sobre as prioridades da Comissão.

Ao todo, foram mais de 40 inscritos que puderam levar seus pleitos e denúncias de violações de Direitos Humanos, desde representantes de entidades de caráter nacional, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), como também conselhos nacionais, estaduais e distritais.

A mesa do encontro, que atuou como facilitadora para abrir caminho aos movimentos sociais, contou com a vice-presidente da CDHM, deputada Erika Kokay (PT-DF); pelo secretário de Direitos Humanos, Participação e Cidadania do Estado de Minas Gerais e primeiro presidente da história da CDHM, Nilmário Miranda; a procuradora dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República, Deborah Duprat; o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo; o presidente da Associação dos Juízes Federais, Roberto Carvalho Veloso; e o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Everaldo Patriota.

O deputado Paulão saudou o resultado da audiência, que contou, além dos presentes de forma presencial no plenário 2 do Anexo II, com alcance de mais de 30 mil pessoas por meio da transmissão online pela página da CDHM no Facebook. “Essa audiência será o início de uma gestão participativa, que construirá pontes com a sociedade civil e demais instâncias institucionais para enfrentar com firmeza os retrocessos pautados a partir do processo de ruptura da democracia que o país vive”, ressaltou, garantindo a manutenção da CDHM como uma trincheira de luta.

Participaram da audiência os deputados Adelmo Carneiro Leão (PT-MG), Chico Alencar (PSOL-RJ), Creuza Pereira (PSB-PE), Jean Wyllys (PSOL-RJ), João Daniel (PT-SE), Luiz Couto (PT-PB), Marcon (PT-RS), Maria do Rosário (PT-RS), Nilto Tatto (PT-SP), Patrus Ananias (PT-MG), Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ).

 

Encaminhamentos

No total, foram 33 propostas de encaminhamentos para avaliação dos parlamentares e assessoria técnica da CDHM, que irão definir como será possível concatenar estas agendas, sem esquecer os novos temas que surgirão. A seguir, um breve resumo dos encaminhamentos, que serão transformados em um relatório e um planejamento da CDHM:

– Que a CDHM discuta o acesso ao direito ao indulto ou à comutação de pena para mulheres encarceradas, já que não está sendo cumprido o que está na decisão do Conselho Nacional de Política Penitenciária

– Que a CDHM discuta as prisões arbitrárias das lideranças de movimentos sociais.

– Que a CDHM discuta o desmonte da FUNAI e do INCRA

– Que a CDHM volte a realizar reuniões que tratem do direito à memória, verdade e justiça

– Que a CDHM proponha um encontro com secretarias de direitos humanos dos estados e municípios, com gestores, conselhos, entidades e sociedade civil para debater a construção de uma agenda com vistas a enfrentar os retrocessos

–  Que a CDHM seja um espaço de cobrança e defesa dos defensores de direitos humanos, de forma a funcionar como uma ouvidoria nacional

– Que a CDHM paute o extermínio da juventude negra e a evasão dos jovens negros do sistema educacional

– Que a CDHM acompanhe os desdobramentos relativos à punição dos responsáveis pela tragédia da Boate Kiss, à perseguição aos pais das vítimas e aos vetos da Lei Kiss

– Que a CDHM tome providências a respeito dos discursos de ódio e apologia ao fascismo proferidos por Deputado em evento no Rio de Janeiro

– Que a CDHM trate da Reforma da Previdência sob a perspectiva dos direitos humanos

– Que a CDHM paute o enfrentamento à violência letal contra adolescentes LGBTI

– Que a CDHM paute os impactos das grandes obras e empreendimentos sobre adolescentes em situação de rua e pertencentes a povos e comunidades tradicionais

– Que a CDHM contribua na luta para a manutenção do Benefício da Prestação Continuada

– Que a CDHM paute o enfrentamento ao trabalho infantil

– Que a CDHM paute a questão do cyberbullying contra crianças e adolescentes

– Que a CDHM acompanhe os casos de Belo Monte, Tucuruí e de Mariana, a respeito das violações de direitos humanos;

– Que a CDHM acompanhe o sistema carcerário do Amazonas, pois desde a última visita da CDHM nada foi alterado;

– Que a CDHM acompanhe todos os processos de criminalização de lideranças indígenas, a CPI FUNAI/INCRA, as propostas de lei que atentam contra os direitos indígenas, como a PEC 215. Atenção especial para o debate sobre o marco temporal, que está sendo discutido também no judiciário.

– Que a CDHM inclua na pauta os retrocessos na pauta ambiental, armas, sistema prisional e acompanhe os projetos que ferem a laicidade do Estado e defesa dos direitos sociais e reprodutivos;

– Que a CDHM acompanhe os casos de criminalização da luta no campo;

– Que a CDHM acompanhe a pauta dos refugiados e do CONARE;

– Que a CDHM construa um GT dentro da Comissão para pensar o combate à tortura;

– Que a CDHM intensifique o processo de fiscalização de hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e centros de reabilitação;

– Que a CDHM acompanhe os projetos de lei que violem o direito à comunicação;

– Que a CDHM interceda no caso de limitação do Conselho de Direitos Humanos do DF para entrada em unidades prisionais, imposta pela juíza da Vara de Execuções Penais do DF.

–  Que a CDHM paute os direitos da pessoa idosa

– Que a CDHM debata o Projeto de Lei que institui o dia nacional da pessoa em situação de rua no âmbito de uma audiência pública

– Que a CDHM continue pautando o desmonte dos tês programas de proteção aos defensores de direitos humanos

– Que a CDHM continue pautando o avanço do Estado de Exceção e as recentes estratégias de promover sua legitimação e ampliar o punitivismo

– Que a CDHM realize um ciclo de debates sobre a democratização do sistema de justiça

– Que a CDHM paute os direitos reprodutivos da mulher com vistas a avançar sobre a discussão da descriminalização do aborto e da violência obstétrica

– Que a CDHM paute a paridade de gênero nos espaços da Câmara e da sociedade

– Que a CDHM ajude a construir uma audiência pública da PFDC sobre a garantira da cota partidária para mulheres e sobre a participação das mulheres na política

 

Participaram da audiência representantes os seguintes movimentos e/ou organizações:

 

Aliança Nacional LGBT

Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados

Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais

Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria

Central Única dos Trabalhadores

Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Piauí

Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB

Comitê Nacional pela Diversidade Religiosa

Conectas

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Conselho de Direitos Humanos do Distrito Federal

Conselho Federal de Psicologia

Conselho Indigenista Missionário

Conselho Nacional de Saúde

Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

Defensoria Pública da União

Educação e Cidadania de Afrodescendentes

Faculdade Escola de Sociologia e Política

Fora do Eixo

Instituto Autonomia

Instituto Brasil Central

Intervozes

Jovens Unidos pelos Direitos Humanos

Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

Mídia Ninja

Movimento dos Atingidos por Barragens

Movimento de Direitos Humanos – Coordenação dos Direitos da Pessoa Idosa

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Movimento Nacional de Direitos Humanos

Movimento Orgulho Autista Brasil

Secretaria Nacional de Cidadania do Ministério dos Direitos Humanos

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

União Nacional LGBT

Fonte: CDHM

Temer reduz em mais da metade verbas para políticas públicas às mulheres

O governo de Michel Temer reduziu em 61%, em relação ao ano passado, a verba para atendimento à mulher em situação de violência. Com o corte, o valor destinado à assistência passou de R$ 42,9 milhões para R$ 16,7 milhões.

Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, diretora da ONG Cépia, o momento político do Brasil tem prejudicado principalmente as mulheres. “É extremamente preocupante o que está acontecendo, porque é um desmonte. Houve uma construção eficiente de uma política de combate à violência contra a mulher, com a Lei Maria da Penha. Então, sem orçamento para implementar as políticas, nós estamos voltando a um capítulo de retórica. Cortar a verba constitui um ato de violência contra as mulheres”, critica a ativista em entrevista à repórter Laís Modelli, na Rádio Brasil Atual, reproduzida abaixo.

Também em março, mês internacional da mulher, o governo federal retirou verbas das políticas de incentivo de autonomia das mulheres com uma redução de 54% no orçamento. Apenas R$ 5,3 milhões estão disponíveis para o setor. Em 2016, R$ 11,5 milhões foram aplicados na política.

Segundo Jacqueline, as medidas políticas do governo Temer são um retrocesso nas conquistas obtidas pelas lutas dos movimentos feministas. “No Brasil, estamos encerrando um ciclo virtuoso de conquista de direitos da mulheres, que teve seu ápice na Constituição de 1988. Nos governos de Dilma e Lula, a Secretaria de Políticas para Mulheres construiu pactos de enfrentamento da violência de gênero, mas agora, com Temer, sofre um desmonte”, afirma.

Ela afirma na entrevista que o desmonte é motivado pela forte presença de setores conservadores no governo. “Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e a posição dela na sociedade são os principais alvos dos ataques desses setores”, diz.

Na reportagem, a advogada Leila Linhares, representante do Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Mesec), explica que todos os países membros do órgão avançaram nesse tipo de política pública, inclusive o Brasil. “Nos últimos dez anos, houve avanços na legislação e o Brasil cumpriu em larga medida, do ponto de vista legislativo, todas as recomendações. A gente observa que esses avanços estão retrocedendo.”

Segundo Leila, verbas destinadas às políticas públicas para a população feminina foram responsáveis por abrir delegacias das mulheres, centros de apoio e diversas estruturas que ajudaram brasileiras em situação de violência. “Esses recursos possibilitaram um avanço, mas a gente vê que a cada dia esses órgãos perdem força e os serviços estão sendo desativados.”

Fonte: Rede Brasil Atual

Secretária-geral da Fian fala sobre situação dos Guarani e Kaiowá

“O desafio para garantir alimentação e nutrição dos Guarani e Kaiwoá é respeitar o modo de ser desses povos e o seu território”. A afirmação é de Valéria Burtiy, secretária-geral da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e ex-secretária executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Na entrevista abaixo, Valéria, mestre em Direito Humano à Alimentação Adequada, Direitos Humanos e Direito Constitucional, faz um alerta sobre o contexto social vivido pelos povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e destaca. “O que levou fome ao Povo Guarani Kaiowá foi a exploração econômica no Mato Grosso do Sul, a expulsão de suas terras e a discriminação e violência a que foram submetidos”.

O documento “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do Povo Guarani e Kaiowá”, lançado em 2016 pela Fian Brasil, relata o índice de insegurança alimentar grave entres os povos Guarani e Kaiwoá. Qual o motivo dessa situação e como contorná-la?

Valéria Burity: Falta espaço aos Guarani e Kaiowá. No Mato Grosso do Sul são muitos os conflitos entre não indígenas e indígenas. No campo dos direitos territoriais, atualmente é acirrada a disputa entre o modo de produção que se expressa através dos latifúndios e monoculturas e o uso do território de acordo com a cultura indígena. O uso da área indígena pelos nativos não obedece aos parâmetros de produção de “riqueza” ou acumulação de bens, aos quais estão submetidas as propriedades e os latifúndios do estado, atualmente destinados, em sua maioria, à produção de soja e de gado de corte. Então falta terra e falta respeito à identidade cultural daquele povo.

Qual a relação entre a ausência da demarcação de territórios com a segurança alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiwoá?

Valéria Burity: A situação dos Guarani e Kaiowá, em relação a direitos como saúde, alimentação e nutrição, acesso à água, educação, segurança, igualdade, seguridade social, entre outros, é gravíssima e está associada à não garantia de seus direitos territoriais. A violência e discriminação que esses povos sofrem e a ineficácia dos órgãos que deveriam proteger seus direitos quando lesados ou ameaçados também prejudicam a segurança alimentar nesse sentido. A violação à identidade cultural e ao uso do território de acordo com essa característica gera uma série de outras violações. Eles não podem cultivar plantas, animais e alimentos para autoconsumo, para produção de seus remédios naturais, tampouco podem ter mobilidade em sua área tradicional. Os povos Guarani e Kaiwoá vivem em um ambiente hostil de discriminação, violência e preconceito, cercados por monoculturas que demandam uso intensivo de agrotóxicos e maquinário, o que empobrece o seu solo tradicional, afeta sua saúde física e mental e, consequentemente, afeta todos os seus direitos e suas vidas.

Como é o seu trabalho com os Guarani e Kaiowá? Quais os principais desafios que você identifica na segurança alimentar desses povos?

Valéria Burity: Nosso trabalho é, em articulação com movimentos sociais, documentar as violações e dar visibilidade a estas transgressões, exigindo sua reparação dentro e fora do Brasil. O principal desafio é garantir o território e o respeito à identidade cultural dos povos indígenas. O que levou fome ao Povo Guarani Kaiowá foi a exploração econômica no Mato Grosso do Sul, a expulsão de suas terras e a discriminação e violência a que foram submetidos. O desafio para garantir alimentação e nutrição é respeitar o modo de ser desse povo (teko) e respeitar o seu território (ha). É a garantia dos tekohas o primeiro passo para firmar a dignidade destes povos.

Fonte: Consea

Insurgência Kaiowá e Guarani: dez anos de omissão e genocídio

Um início de semana em que Dourados, de cara lavada por intensas chuvas, poderia conspirar como apenas mais uma semana. Porém quando o presidente da Funai, Antonio Costa, desembarcou em Dourados, mais uma batalha de insurgência foi deflagrada. Os Kaiowá Guarani, em numero de mais de 200 indígenas, cobraram com vigor guerreiro o descumprimento da Constituição que ocasionou o assassinato de dezenas de indígenas nas últimas décadas no sul do cone sul do Mato Grosso do Sul.

TAC Demarcação já

A batalha travada nesta última semana se deu quando já se vão quase dez anos da assinatura de um Termo de Ajustamento de conduta (TAC) para que todas as terras e territórios indígenas fossem regularizadas. Estabeleceram-se prazos para que isso fosse realizado. Até 2009 as terras deveriam estar todas identificadas. Porém, isso não se concretizou. Prevaleceram mais uma vez os inimigos dos índios. O Estado brasileiro não apenas se omitiu e curvou ante essas forças, como as transformou em práticas de governo.

Quando o procurador federal em Dourados, Charles Estevan Pessoa, estava participando de uma Grande Assembleia Aty Guasu na Terra Indígena Yvy Katu, em 2007, estupefato se referiu  à gravíssima situação das terras e direitos Kaiowá e Guarani. “Se o governo, através da Funai, assumiu os direitos do vosso povo como prioridade há cinco anos e neste período não regularizou nenhum palmo de terra ao vosso povo, então vamos pensar juntos o que podemos fazer para cobrar essa prioridade”.

No debate que se seguiu com as lideranças indígenas foi definido o caminho da cobrança judicial, através de um Termo de Ajustamento de Conduta, que seria assinado Pelo Ministério Público Federal (MPF), Funai e lideranças Indígenas. Foi então escolhido uma delegação de 20 lideranças. No dia 7 de novembro o TAC foi assinado, na sede da Funai, em Brasília. Marcio Meira era o presidente do órgão indigenista.

As lideranças indígenas, na época, não tinham a ilusão de que seria fácil fazer o que estavam no papel se transformar em realidade – no caso, o reconhecimento dos direitos às terras tradicionais e originárias. E junto com o MPF passaram a cobrar do governo a execução das demarcações dentro do prazo estabelecido.

A violência contra o TAC

Porém, não previam que as reações fossem tão virulentas, violentas e genocidas. Os governantes e poder econômico do Mato Grosso do Sul se alvoroçaram em campanhas mentirosas e reações judiciais. Afirmaram que mais de 20 municípios seriam extintos, pois se transformariam em territórios indígenas. Afirmaram que mais de 30% dos 36 milhões de hectares do estado do MS seriam destinados aos Kaiowa Guarani. Foram deflagrados muitos absurdos do gênero.

Passaram então a paralisar as demarcações e trabalhos de identificação, judicialmente, pela violência e ameaças.
Nesta semana tivemos portanto mais um lance dessa dramática e criminosa política.  O presidente da Funai, Ministério Público Federal e lideranças indígenas debateram e definiram a execução do TAC.  Frente aos indígenas, o novo presidente mais uma vez reafirmou o compromisso da Funai com o cumprimento dos termos do TAC. Elizeu Kaiowá sintetizou a angustia e a determinação dos Kaiowá e Guarani nas seguintes palavras:

“Mais uma vez a Aty Guasu veio receber o presidente da Funai e esperamos que ele não esteja mentindo desta vez, já foram tantos que passaram por aqui. Se não estivessem mentindo já teriam feito o que está no TAC. Desta vez, na presença do presidente da Funai nós, todas lideranças, jovens, rezadores, exigimos que a Funai demarque nossos territórios. Eles não nos enganam mais. Não queremos continuar vendo nossas lideranças serem assassinadas. Enquanto não demarcarem vamos continuar nossas retomadas”.

A Funai, pelo descumprimento dos prazos, já deve às comunidades afetadas mais de dois milhões de reais. Porém não existem recursos que tragam de volta as vidas sacrificadas nesses dez anos. Os Kaiowá Guarani querem a imediata retomada das demarcações de seus territórios e que os responsáveis por essa omissão sejam punidos.

Por Egon Heck e Cimi – Regional MS

Fonte: CIMI

Campanha denuncia crescente criminalização da luta popular e pede a libertação dos presos e presas políticas do MST

A crescente criminalização dos movimentos sociais no Brasil, intensificada depois do golpe de estado em 2016, acendeu o alerta dos defensores e defensoras dos direitos humanos.

Exemplo das ilegalidades cometidas pela força pública nesse último período, foi a prisão arbitrária de quatro militantes do MST no Paraná, acusados de organização criminosa. Claudelei, Claudir, Antônio e Fabiana se encontram privados de liberdade desde o mês de novembro de 2016, quando foi deflagrada a Operação Castra, a mesma que resultou na invasão ilegal, sem mandato judicial, da Escola Nacional Florestan Fernandes, na cidade de Guararema, interior de São Paulo.

Preocupado com a situação, o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos, com apoio de diversas outras organizações nacionais e internacionais, lançou a campanha “Meu crime é lutar”. A iniciativa busca denunciar a crescente violação dos direitos individuais e o processo de criminalização da luta e da organização popular.

Há várias formas de colaborar com a campanha. No site, é possível assinar o manifesto pela libertação dos presos e presas políticas. O portal traz ainda informações sobre cada um deles, e mostra diversas outras formas de contribuir com essa campanha em defesa da liberdade e da democracia no Brasil.
#MeuCrimeÉLutar

#LutarNãoÉCrime

Fonte: MST

Nota Técnica Dieese – As mulheres na mira da reforma da Previdência

A proposta de reforma da Previdência e da Assistência enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional, na forma da PEC 287 (Proposta de Emenda Constitucional nº 287), tem entre os propósitos a correção de “distorções e inconsistências do atual modelo”, criando regras únicas de acesso à aposentadoria para todos os trabalhadores. Em outras palavras, a proposta pretende acabar com o princípio da solidariedade social, que está presente na concepção de Previdência desde a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 e que busca dar tratamento diferenciado a segmentos populacionais com condições desiguais de inserção no mercado de trabalho.

Confira a Nota Técnica do Dieese AQUI

Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF manifesta preocupação com reestruturação da Funai

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) divulgou nota pública em que alerta para o risco de fragilização da política indigenista nacional a partir da modificação da estrutura da Funai, com “cortes radicais de cargos e funções”, prevista no Decreto Presidencial 9010, publicado na última sexta-feira, 24 de março.

Confira a íntegra:

“Pelo fortalecimento e não precarização da Funai

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR) do Ministério Público Federal manifesta profunda preocupação com o conteúdo do Decreto 9.010, publicado no Diário Oficial da União desta sexta-feira, dia 24 de março, pelo qual realiza modificação na estrutura da Fundação Nacional do Índio – Funai, com cortes radicais de cargos e funções.

A decisão do Presidente da República e do Ministro da Justiça, tomada sem qualquer consulta prévia aos povos indígenas, fragiliza ainda mais a política indigenista no Brasil, com encolhimento da instituição responsável pela proteção e pela promoção dos direitos dos índios. O governo federal é diretamente responsável pela precarização do licenciamento ambiental e da demarcação de terras indígenas, questões estratégicas para sobrevivência dos povos indígenas.

O Ministério da Justiça, bem assim outras relevantes esferas do governo federal, tem conhecimento pessoal e direto das recomendações contidas na comunicação da Relatora Especial para os Povos Indígenas, da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, que constatou que a situação dos povos indígenas no Brasil é a mais grave desde 1988, recomendando ao final, o fortalecimento da FUNAI e a efetiva demarcação e proteção das terras indígenas.

Impõe-se a imediata revogação do decreto de reestruturação como forma de evitar o retrocesso social. A permanência do ato sujeita a União a ações judiciais, e o Brasil a sério risco de responsabilização internacional por violações a direitos humanos.

Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF”

Fonte: Secretaria de Comunicação Social/ Procuradoria-Geral da República

Convocatória Acampamento Terra Livre 2017

ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2017
Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena

Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos

Contexto

Os povos e organizações indígenas do Brasil, após árduas jornadas de luta que envolveram históricos processos de formação, articulação, mobilização e incansável atuação junto a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, com o apoio de parlamentares, personalidades e instituições da sociedade civil, conseguiram que a Carta Magna proclamada em 5 de outubro daquele ano reconhecesse em seus artigos 231 e 232 o direito deles à identidade cultural própria e diferenciada, bem como os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

Ao longo dos anos a efetivação, isto é, a materialização e o respeito a esses direitos, tornou-se cada vez mais distante. As forças políticas e econômicas que dominam o Estado progressivamente se articularam para reverter as conquistas asseguradas pela Constituição Federal; quadro que nos últimos 05 anos tem se agravado, e com maior preocupação na atual gestão do governo de fato, ilegítimo e anti-indígena de Michel Temer.

O direitos indígenas sofrem sistemáticos ataques nos distintos âmbitos do Estado: no Poder Executivo, por meio de inúmeras medidas administrativas, jurídicas e políticas que fragilizam e visam desmontar as instituições como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e as políticas públicas voltadas aos povos indígenas, implicando na paralização da demarcação das terras indígenas, a precarização senão o caos no atendimento básico à saúde indígena, o engessamento da educação escolar indígena, a inviabilização da gestão, proteção e sustentabilidade dos territórios indígenas, entre outros retrocessos.

No poder legislativo, centenas de iniciativas legislativas – projetos de lei, emendas constitucionais, decretos legislativos –, como a PEC 215/00, buscam regredir ou suprimir os direitos fundamentais, originários e permanentes dos povos indígenas assegurados pela Constituição Federal de 1988 e respaldados pela legislação internacional assinada pelo Brasil.

No sistema judiciário, reforçasse a morosidade nos julgamentos em prejuízo dos povos, as reintegrações de posse são rápidas em favor dos invasores de terras indígenas, a criminalização de comunidades e lideranças tem aumentado e há a tendência de reinterpretar o texto constitucional por meio da chamada tese do marco temporal, ou seja, o entendimento de que só é terra tradicional aquela que estava ocupada pelos povos há época da promulgação da Constituição Federal, desconsiderando as remoções forçadas, o esbulho e expulsões sofridas pelos povos indígenas.

Soma-se a essas ameaças a volta da visão tutelar do Estado, a negação do direito de acesso à justiça, práticas de violência e racismo institucional.

Convocatória

Face a esse cenário assustador que na verdade ameaça a existência e continuidade dos povos indígenas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) convoca aos povos e organizações indígenas de todas as regiões do país para a maior mobilização nacional indígena do ano – o Acampamento Terra Livre (ATL) que será realizado em Brasília – DF, no período de 24 a 28 de abril de 2017.

O objetivo do Acampamento é: “Reunir em grande assembleia lideranças dos povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil para discutir e se posicionar sobre a violação dos direitos constitucionais e originários dos povos indígenas e das políticas anti-indigenas do Estado brasileiro”.

Durante a mobilização, que prevê reunir cerca de 1.500 lideranças indígenas, estarão em discussão a desconstrução das instituições e políticas públicas voltadas aos povos indígenas; as iniciativas legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso Nacional; a tese do Marco Temporal, a negação do direito de acesso à justiça e a criminalização de lideranças. O acampamento deverá se posicionar sobre a paralização das demarcações e a falta de proteção das terras indígenas; os empreendimentos que impactam os territórios indígenas; as ações do poder judiciário, a situação da educação e saúde indígena; a legislação indigenista; os temas da mulher e juventude indígena, bem como outros assuntos de interesses do movimento indígena tais como a articulação de parlamentares, advogados e comunicadores indígenas.

Os participantes do Acampamento deverão ainda se mobilizar e manifestar junto aos órgãos e instancias do poder público envolvidos com a proteção e promoção dos direitos dos povos indígenas e a implementação das políticas públicas que lhes diz respeito.

A APIB disponibilizará as condições de logística, infraestrutura e alimentação para acolher as delegações, cabendo portanto às associações, comunidades e organizações indígenas procurarem junto a sua rede de apoiadores e parceiros meios de transporte para se deslocarem até Brasília. Os participantes não podem esquecer de trazer os seus materiais de uso pessoal (creme dental, sabonete, escova de dentes, talheres, colchonete e agasalhos) e, quem puder, materiais de alojamento (barracas, lonas, cobertores, saco de dormir, redes, mosqueteiros etc).

As delegações serão recepcionadas a partir da janta na segunda-feira, 24 de abril, no local do Acampamento a ser informado em outro momento. As atividades da mobilização acontecerão 03 dias intensos, encerrando no dia 27 à noite. Por fim, as delegações retornam a suas áreas de origem no final do encerramento ou no dia seguinte, isto, é no dia 28 de abril.

Para outras informações, favor contatar a representação da Apib em Brasília, pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (61) 30345548.

Baixe aqui a Convocatória da APIB/ATL 2017

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Mobilização Nacional Indígena

Fonte: APIB

Nota de Apoio ao Acampamento Zilda Xavier – MTD/MOTU

A FIAN Brasil assina nota nosso apoio e solidariedade às famílias do Acampamento Zilda Xavier, organizado pelo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) / Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU). Confira abaixo:

NOTA DE APOIO AO ACAMPAMENTO ZILDA XAVIER – MTD/MOTU

PARA: Governo do Distrito Federal; Secretaria de Gestão do Território e Habitação; Secretaria da Casa Civil, Relações Institucionais e Sociais; Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF); Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios; Câmara Legislativa do Distrito Federal; e Secretária de Patrimônio da União – BR.

Nós, organizações abaixo assinadas, manifestamos nosso apoio e solidariedade às famílias do Acampamento Zilda Xavier, organizado pelo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) / Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos (MOTU), que reúne cerca de 400 (quatrocentas) famílias de trabalhadores/as sem teto e está sob ameaça de despejo.

A ocupação foi iniciada no dia 7 outubro de 2016, tendo como principal reivindicação que a área denominada de “Nova Petropólis”, localizada entre Sobradinho e Planaltina, seja destinada para a construção de habitações de interesse social, conforme já definido no Plano Distrital de Habitação de Interesse Social – PLANDHIS, em 2012.

Para as pessoas que sofrem com a constante elevação do preço dos aluguéis e dos imóveis, desemprego e a quase paralisação do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, lutar por moradia não é uma opção, é uma necessidade. Todos estes fatores tem impedido o acesso à moradia digna por parte da população do Distrito Federal e Entorno, notadamente os mais pobres. No Distrito Federal estima-se um déficit habitacional para mais de 160 mil pessoas.

Enquanto as famílias do Acampamento Zilda Xavier lutam pela regularização e destinação adequada da área, “Nova Petrópolis” é alvo constante de irregularidades. Grande parte da área já foi desmatada, loteada e vendida, à margem da lei e da política habitacional do Distrito Federal. Ao contrário do que foi veiculado em alguns meios de comunicação, a grilagem da área é realizada a bastante tempo, sendo que um dos principais objetivos do Acampamento Zilda Xavier é justamente denunciar essas irregularidades e exigir a destinação da área para a construção de habitações de interesse social. A área em questão já foi repassada da Secretária de Patrimônio da União (SPU) para a Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (CODHAB/DF), com o intuito de cumprir as diretrizes do PLANDHIS.

Apesar das explícitas irregularidades e do impasse sobre a propriedade do terreno, houve uma decisão recente do Poder Judiciário do Distrito Federal e Territórios que determina a reintegração de posse da área. A decisão atende somente aos interesses da “suposta” proprietária, ignorando as tentativas de negociação em órgãos públicos, a busca de uma solução efetiva para a área e até o próprio PLANDHIS, que destina o “Nova Petrópolis” para habitações de interesse social.

Repudiamos a forma como o judiciário vem tratando a ação judicial de reintegração de posse da área. Mesmo com todos os documentos anexados provando que a terra pertence ao Governo do Distrito Federal, o judiciário ignora e concede reintegração de posse a um particular que vem cometendo irregularidades. É um total descaso com a sociedade, tendo em vista que a área está destinada a implementação de políticas públicas habitacionais que beneficiarão mais de 2 mil famílias de baixa renda.

Nós alertamos que o despejo forçado das famílias pode causar graves violações de direitos. Apelamos para que todas as vias institucionais de negociação sejam realizadas, inclusive Audiências Públicas, já que a área é de interesse da coletividade, é pública e simboliza uma luta de muitos anos dos movimentos de moradia. Não é justo que centenas de famílias moradoras do Acampamento Zilda Xavier sejam despejadas sem qualquer solução habitacional para a área e sem considerar o que determina o PLANDHIS. Esperamos que reine o bom senso e que não vejamos um conflito violento e o massacre de trabalhadores/as.

Solicitamos que os governos federal e distrital se sensibilizem com a reivindicação do movimento e garantam que as negociações aconteçam sem nenhum tipo de violência.

Paz, justiça e moradia digna para o Acampamento Zilda Xavier!

Brasília, 17 de março de 2017

ASSINAM ESTA NOTA:
Aldeia Mundo
Cáritas Brasileira
Central dos Movimentos Populares – CMP
Central Única dos Trabalhadores – CUT
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES/DF
Centro de Estudos e Pesquisa Ruy Mauro Marini
Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Distrito Federal
Conselho Indiginista Missionário – CIMI
Consulta Popular
Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Distrito Federal e Entorno e Nordeste Goiano e Noroeste de Minas – FETADFE
Fian Brasil
Frente Brasil Popular – FBP
Instituto Autonomia
Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial das Mulheres – MMM
Movimento Camponês Popular – MCP
Movimento de Mulheres Camponesas – MMC
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap/DF
Rede Nacional e Médicos e Médicas Populares – DF
Sindicato dos Professores no Distrito Federal – Sinpro/DF
Sindicato dos Servidores Públicos Federais no Distrito Federal – Sindsep/DF
Sindicato dos Urbanitários no DF – Stiu/DF
Terra de Direitos
Via Campesina

 

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A história de um povo de quatro países: os Guarani e Kaiowá

Há 147 anos, em março de 1870, um sucesso musical retumbante estreava na Europa, no teatro Scala de Milão, na Itália. Era a ópera O Guarani, do brasileiro Carlos Gomes, ainda hoje tema de abertura do programa de rádio A Voz do Brasil. A obra se baseava no romance homônimo de José de Alencar, publicado em forma de folhetins em 1857, no jornal Diário do Rio de Janeiro. Estamos em pleno romantismo. O nacionalismo e o amor à natureza são as ferramentas que vão esculpir um herói brasileiro idealizado, o indígena Peri, mistura de cavaleiro medieval e dono do conhecimento da terra selvagem.

Mas quem era esse guarani? No romance, Peri abandona tribo, língua e religião em nome da amada Ceci. Assim, a imposição da cultura branca e do cristianismo se dá por amor, supostamente sem violência, com o casal sumindo no horizonte como símbolos fundadores da nação. Nas praias do Brasil, na região do Chaco no Paraguai, no noroeste da Argentina e leste da Bolívia, no entanto, os guaranis viviam nessa época – e ainda vivem – realidades bem diversa das salas de teatro e romances do indianismo literário.

Na verdade, desde os idos de 1500, no século XVI, sofriam perseguições e massacres por parte dos colonizadores espanhóis e portugueses. Nas regiões litorâneas do Sul e Sudeste do Brasil, bem como nas bacias dos rios Paraná e Prata, eram os Tupis-Guaranis os primeiros a entrarem em contato com os europeus. Na medida em que avançavam continente adentro, as expedições avistavam diferentes povos guaranis e lhes davam nomes de acordo com o que ouviam das pessoas encontradas: Karió, Tobatin, Guarambaré, Itatin, Mbaracayú, gente do Guairá, do Paraná, do Uruguai, os Tape e muitos outros.

Pelas matas, os “brancos” seguiam levando doenças que dizimavam aldeias inteiras; sua ambição de conquista e riqueza, que acelerava a assimilação cultural forçada dos indígenas; a escravização dos ameríndios e seu uso indiscriminado como mão de obra para os mais diversos fins. As diferentes trajetórias vividas pelos grupos guaranis na fuga a esse processo levaram a novas distinções culturais entre eles.

Os povos guaranis que se refugiaram em florestas, montes e pântanos, escapando do alcance dos bandeirantes, dos encomenderos espanhóis ou às missões jesuíticas, teriam sido chamados genericamente de kainguákaaiguá, cainguá ou ka’ayguá – termos derivados da palavra guarani ka’aguyguá, “habitantes das matas”. Para muitos estudiosos, esta seria a origem do nome de um dos atuais subgrupos guaranis, os Kaiowás.

O preço do contato com os conquistadores foi alto para os guaranis. Calcula-se que somavam até cerca de 1 milhão e 500 mil indivíduos quando da chegada dos europeus. Em 2008, estimava-se que haviam apenas 51.000 deles, entre os Kaiowá (31.000), Ñandeva (13.000) e Mbya (7.000).

Fronteiras antropológicas

Os guaranis, embora espalhados por quatro países, são considerados até hoje um mesmo conjunto de povos, que falam línguas muito semelhantes, têm costumes e hábitos parecidos, afinidade de interesses, além de traços históricos e tradições comuns. São pessoas que têm uma origem étnica comum, mas que foram se diferenciando entre si no decorrer da história. Por isso, para eles, as fronteiras políticas entre Brasil, Paraguai, Argentina e Colômbia não têm muita importância, o que costuma provocar conflitos com as autoridades locais.

Mesmo perseguidos e acuados, eles guardam com zelo costumes e lembranças de antes da chegada do conquistador, quando praticavam uma agricultura produtiva e abundante, que gerava amplos excedentes, servidos em grandes festas. Os produtos eram distribuídos entre todos os povos guaranis, termo que significa “guerreiro”. Ao chegarem ao local onde hoje se ergue a cidade de Assunção, no Paraguai, os europeus ficaram maravilhados com a “divina abundância” que encontraram entre os indígenas. Hoje a realidade destes povos é a fome e a pobreza.

Espoliação da terra e insegurança alimentar

Uma das principais “famílias” dos Guaranis são os Kaiowás, explica o líder Sílvio Ortiz, integrante do Conselho Indígena da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), área do Ministério da Saúde que coordena a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). De acordo com Sílvio, os Kaiowás são hoje a maioria no estado do Mato Grosso do Sul.

No Brasil, especificamente, a situação dos Guarani e Kaiowá no interior do país sofreu profundas alterações após a Guerra do Paraguai (1864-1870). Em 1880, se iniciou a ocupação sistemática do território ao sul do então estado de Mato Grosso, marcada a princípio pela exploração econômica da erva-mate em grandes propriedades. Em 1943, o então presidente da República, Getúlio Vargas, criou em pleno território indígena a Colônia Agrícola Nacional de Dourados (Cand), para dar acesso à terra a milhares de famílias de colonos, migrantes de outras regiões do país.

A criação dessa e de outras colônias agrícolas nacionais situou-se dentro da política da “Marcha para o Oeste”, buscando incorporar novas fronteiras e aumentar a produção de alimentos e produtos primários necessários à industrialização a preços baixos. A partir da década de 1950 acentua-se a instalação de empreendimentos agropecuários nos demais espaços ocupados pelos Kaiowá e Guarani, ampliando o processo de desmatamento desse território.

Um número significativo de comunidades indígenas foi obrigado a abandonar suas aldeias e deslocar-se para dentro de oito reservas de terra demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que deu origem à Funai. Assim, acentuou-se o confinamento das aldeias. A instalação de poderosos grupos de fazendeiros na região gerou um processos de ocupação pela força e com uso de violência.

Conta-se que em 1960, por exemplo, um único fazendeiro mandou expulsar de forma violenta centenas Guarani e Kaiowá (crianças, mulheres, idosos) de seus territórios tradicionais. Em seguida, se apropriaria de amplas terras indígenas, formando uma propriedade de 30 mil hectares. Para o grupo de 170 indígenas Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay sobraria apenas um hectare de terra.

A divisão do Mato Grosso, com a criação do Mato Grosso do Sul, não alterou substancialmente esse quadro, em que fazendeiros buscam se apossar da terra indígena.Desta forma, os antigos guerreiros, que formavam uma das populações indígenas de maior presença territorial no continente sul-americano, encontram-se agora encurralados à beira de estradas ou em acampamentos precários, onde padecem de problemas graves de saúde e, principalmente, sofrem as consequências da insegurança alimentar.

A terra, para os indígenas, é a fonte de alimentos, água, remédios, matéria-prima para suas casas e espaço físico para manifestações culturais e espirituais. Para eles, um dos piores males é a invasão e destruição da terra, as ameaças contra seu modo de viver, a expulsão e a discriminação que passam a sofrer com a chegada de colonos e fazendeiros.

Essa é a situação dos Kaiowá no sul do Mato Grosso do Sul, para onde, a pedido do Ministério Público Federal, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) enviou vários representantes em uma missão que constatou as severas ameaças a que estão submetidas as comunidades indígenas locais (veja o relatório da missão aqui).

Fonte: Consea

FIAN Brasil: trabalho de incidência é fundamental para exigir realização dos direitos humanos

Incidência. Este é um termo muito comum na atuação e universo das organizações não-governamentais que atuam, principalmente, pela defesa dos direitos humanos. No caso da FIAN Brasil, a incidência, junto com articulação, formação e produção de conhecimento, é um dos seus eixos de atuação. Mas afinal, o que é essa tal de incidência?

Incidência é o ato de criar pressão frente aos poderes públicos nacionais e internacionais, a partir de demandas das organizações da sociedade civil organizada, com o propósito de garantir o acesso e qualificação das políticas públicas.

Com 16 anos de atuação no Brasil, a FIAN tem desenvolvido ações para exigir a realização dos direitos humanos, em especial do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), direito que engloba diversos elementos como: Segurança Alimentar e Nutricional, Adequabilidade, Soberania Alimentar, Gênero e Nutrição. Neste sentido, diversos temas relacionados ao DHANA e aos direitos humanos, bem como segmentos em situação de vulnerabilidade, em geral, são priorizados na atuação da organização, a exemplo de: terra e território, combate aos agrotóxicos, impactos de mega projetos sobre direitos humanos, consumo de alimentos, publicidade infantil e povos e comunidades tradicionais e direitos das mulheres.

“Tendo como base o trabalho de acompanhamento de casos concretos de violações de direitos a FIAN Brasil busca, a partir de sua experiência específica, incidir de maneira geral sobre políticas públicas, leis e jurisprudência (decisões judiciais reiteradas sobre um tema) ou decisões judiciais, buscando atuar em favor não apenas dos sujeitos de direitos dos casos concretos acompanhados, mas de outros indivíduos e grupos que são afetados e impactados pelas mesmas ações”, informa a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

O trabalho no âmbito da incidência realizado pela FIAN Brasil tem como base a experiência desenvolvida em conjunto com o Secretariado Internacional da FIAN e contribuições de outras seções, coordenações e membros da FIAN Internacional. “O trabalho da FIAN tem como objetivo apoiar a luta da sociedade civil em seus esforços para tornar efetivas as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover o DHANA, como instrumento contra a fome, a má nutrição e a alimentação inadequada, no contexto da promoção da equidade e da dignidade humana”, destaca Valéria Burity.

Atualmente, a FIAN Brasil realiza dois acompanhamentos de casos: povo indígena Guarani Kaiowá (MS) e território quilombola de Brejo dos Crioulos (MG). O acompanhamento de casos, é uma das principais ações da FIAN Brasil, a partir deste acompanhamento é possível tornar visíveis as violações do DHANA e demais direitos nestas comunidades e apoiar a lutas dos grupos afetados com as violações e violências.

Caso Guarani e Kaiowá

Um dos casos mais emblemáticos de violações de direitos no Brasil, é o dos povos indígenas Guarani e Kaiowá que, desde 2005, são acompanhados pela FIAN Brasil. “A FIAN não é uma organização indigenista, no entanto atuamos, fortemente, por meio de incidência juntos aos órgãos nacionais e internacionais visando fortalecer a luta dos grupos que têm seus direitos violados”, aponta Valéria Burity.

Os Guarani e Kaiowá são o segundo maior povo indígena do Brasil atualmente, com cerca de 50 mil habitantes que se concentram principalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Expulsos de suas terras pelo avanço da colonização promovida pelo Estado Brasileiro principalmente após a Guerra do Paraguai, os Guarani e Kaiowá vivem, em sua maioria, em reservas criadas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) no início do século XX.

Além dos que estão em centros urbanos, a maioria dos indígenas vive em três situações: minoria em terra demarcada; grande maioria nas reservas, onde estão os piores indicadores de violência, desnutrição e suicídio; e outra parcela está em acampamentos de beira de estrada ou em áreas de retomadas, isto é, ocupando partes de fazendas que se sobrepõem aos seus territórios tradicionais, em situação de conflito. Geralmente, os Guarani e Kaiowá encontram-se cercados por monoculturas de cana e grãos que demandam uso intensivo de agrotóxicos. Há muitas denúncias sobre contaminação de água. Também há denúncias de que as comunidades são, intencionalmente, alvos de pulverização de agrotóxicos.

Os conflitos entre os representantes dos setores do agronegócio e as comunidades indígenas são graves, persistindo os despejos e o assassinato de lideranças como reação à luta pelo Tekohá (lugar onde se é). Desde o assassinato de Marçal de Souza, em 1983, foram mortos dezenas de líderes, sendo que alguns nunca tiveram seus corpos encontrados, como é o caso de Nísio Gomes, do Tekohá Guaiviry. Além do assassinato de lideranças, centenas de mortes decorrem dos conflitos pela terra. Em 2014, o Mato Grosso do Sul concentrava 54,8 % dos assassinatos contra povos indígenas no país. Apesar da abertura, em alguns casos, de processos judiciais, não há ninguém preso em razão das mortes das lideranças indígenas no Mato Grosso do Sul.

“O contexto de violações de direitos do povo Guarani e Kaiowá está associado à ausência de demarcação de seus territórios tradicionais, mas também à omissão do Estado em relação à segurança pública, saúde, alimentação, educação, questões ambientais, justiça e promoção de outras políticas públicas que permitam tal povo viver de acordo com sua identidade cultural”, pondera Burity.

A FIAN Brasil em parceria com o CIMI – Conselho Indigenista Missionário lançou, em agosto de 2016, a pesquisa “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”, que apresenta um diagnóstico sobre as mais diversas violações de direitos humanos relacionadas à atual situação dos Guarani e Kaiowá. A pesquisa comprovou que, nas comunidades pesquisadas, o índice de insegurança alimentar e nutricional deste povo indígena era de 100%.

Incidência Internacional

 

Delegação brasileira em agenda de incidência internacional, na imagem representantes da FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI, APIB e Aty Guassu.

No acompanhamento do caso dos Guarani e Kaiowá, a incidência política tem sido um dos principais eixos para denunciar as graves violações de direitos humanos cometidas contra estes povos.

A exemplo da importância do papel da incidência internacional, a FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI e liderança Aty Guassu Guarani e Kaiowá participaram, em setembro de 2016, de uma Gira pela Europa com o objetivo de denunciar o Estado brasileiro sobre as violações de direitos humanos contra os Guarani e Kaiowá.

Na rota das organizações estiveram países como Alemanha, Bélgica, Suíça, Suécia, Inglaterra. Na agenda, foram apresentadas as principais denúncias de violações contra os povos indígenas brasileiros, como o diagnóstico realizado pela FIAN Brasil que aponta a grave situação nutricional dos Guarani e Kaiowá.

Além de reuniões com parlamentares alemães e do Europarlamento e organizações internacionais, também foram realizados debates com a sociedade sobre a situação dos povos indígenas brasileiros. Ainda na visita, a delegação participou, no dia 20 de setembro, da 33ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) em Genebra, onde a Relatora Especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou o relatório da missão ao Brasil com conclusões e recomendações visando à superação do quadro de violações dos direitos humanos dos povos indígenas. No dia seguinte à apresentação do relatório, organizações e representantes indígenas do Brasil se reuniram em Genebra para analisar a apresentação do documento, que contou também com a participação da Relatora Especial da ONU.

Alguns meses depois desta ação de incidência internacional, já apareceram os primeiros resultados do trabalho

– Resolução do Parlamento Europeu

Em 24 de novembro de 2016, o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena” e “deplora” a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas. A resolução norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.

– Visita do Parlamento Europeu no Brasil

Após a visibilidade internacional da situação dos Guarani e Kaiowá, em dezembro de 2016, uma missão do Parlamento Europeu esteve no Brasil para uma diligência ao Mato Grosso do Sul, com o objetivo de verificar denúncias de mortes, ameaças e ataques contra as comunidades indígenas.

– Revisão Periódica Universal (RPU)

Audiência Pública sobre a RPU na Câmara dos Deputados.

Um outro tema abordado na incidência internacional, durante a Gira pela Europa, está relacionado com a RPU. Em maio de 2017, o Brasil será submetido pela terceira vez à Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Este é um mecanismo pelo qual os Estados-membros da ONU são avaliados por seus pares quanto à situação de proteção aos direitos humanos no país.

– Petição internacional

A Assembleia Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá protocolou online, no dia 6 de dezembro, uma petição à CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). A denúncia contra o Estado brasileiro protocolada na CIDH é apresentada pelo Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Fian Internacional, Fian Brasil e Justiça Global, em representação das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá de Apyka’i, Guaiviry, Ypo’i, Ñhanderu Marangatu e Kurusu Ambá, por violações aos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Protocolo de San Salvador e na Convenção de Belém do Pará. “Além das mortes, denunciamos a falta completa de demarcação das nossas terras tradicionais. Isso motiva toda uma série de graves violações que geram o genocídio do nosso povo”, explicou Eliseu Guarani e Kaiowá, à época.

“Esta petição é fruto de um longo e profundo processo conjunto de análises de violações de direitos humanos, e demanda do Estado Brasileiro, em síntese, a efetivação dos direitos humanos dos Guarani e Kaiowá”, destaca Valéria Burity.

Embora o Brasil esteja vivendo cenários de retrocessos, a expectativa é que as denúncias e a pressão de organismos internacionais reforcem a luta dos Guarani e Kaiowá e pressionem o Governo Brasileiro a adotar medidas efetivas que garantam os direitos humanos não só dos Guarani e Kaiowá, mas de todos os povos indígenas.

“A ação de incidência e os resultados que já vemos, como uma manifestação do Parlamento Europeu, por exemplo, são importantes, mas sem dúvida, é a luta direta do Povo Guarani e Kaiowá que tem barrado maiores violações de direitos, temos compreensão, portanto, que é fundamental incidir contra a criminalização dessa luta”, informa Valéria Burity.

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.

Por Flávia Quirino/Ascom Fian Brasil

Foto Capa: Lunaé Parracho

Demarcar terra é imprescindível para resolver problemas indígenas

“A demarcação das terras indígenas é condição primária para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada dos povos indígenas Guarani e Kaiowá e para o acesso a todas as políticas públicas previstas no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan)”. O diagnóstico consta do relatório de visita, realizada entre os dias 28 de agosto e 2 de setembro de 2016, às comunidades indígenas (acampamentos e reservas) das etnias Guarani e Kaiowá do Cone Sul do estado de Mato Grosso do Sul.

Os Guarani e Kaiowá lutam há décadas pela regularização fundiária de seus territórios de ocupação tradicional. A comitiva que visitou a região, liderada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), abordou o acesso dos Guarani e Kaiowá aos alimentos, os impactos de programas sociais, qualidade, quantidade e regularidade das cestas básicas, o acesso à água, documentação e questões relacionadas à demarcação das terras.

A situação de insegurança alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiowá, diz o relatório, tem relação direta com o descumprimento dos direitos territoriais garantidos às comunidades indígenas pela Constituição Federal do Brasil. “Foi possível constatar em todas as comunidades visitadas a ocorrência de fome e desnutrição, a precariedade do acesso à saúde, à água e à educação e a ausência de documentação civil”.

A comitiva verificou um quadro de violência com mortes por assassinato, manifestações de preconceitos e violação de direitos humanos. “A realidade vivida pelos povos Guarani e Kaiowá pode ser denominada como uma tragédia humanitária e denota explicitamente a negação sistemática de direitos humanos em função da omissão do Poder Público”, destaca o documento.

O relatório evidencia a necessidade da adoção de ações estruturantes para as comunidades, tanto em reservas indígenas como em áreas de retomada, que garantam a produção de alimentos para o autoconsumo e a comercialização do excedente, respeitando suas tradições agrícolas e sua cultura alimentar.

O Consea tem discutido e se manifestado sobre a situação de insegurança alimentar e nutricional e das recorrentes violações de direitos dos povos indígenas no Brasil. O Conselho encaminhou várias Exposições de Motivos e Recomendações aos órgãos do Poder Público sobre demandas indígenas, em especial os direitos dos povos Guarani e Kaiowá.

Clique aqui para acessar o relatório

Fonte: Consea

Parecer Jurídico: Cimi analisa impactos da Reforma da Previdência nos direitos dos povos indígenas

Neste 15 de março o Brasil irá parar contra a Reforma da Previdência proposta pelo governo Temer. Os povos indígenas também têm a perder com a reforma. Isto porque os indígenas e as indígenas fazem parte da aposentadoria rural. Esta seguridade especial está programada para acabar com a reforma.

Um indígena, hoje, pode se aposentar ao completar 60 anos se homem e 55 anos se mulher, no valor de um salário mínimo. Além da aposentadoria por idade, os indígenas dispõem do direito ao salário maternidade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, pensão por morte – entre outros benefícios sociais.

Existe no país a determinação judicial para regular e resguardar a especificidade das questões envolvendo o direito previdenciário indígena. A certidão fornecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) é a comprovação para o indígena da qualidade de segurado especial – a aposentadoria rural; o que deverá acabar.

“A proposta é igualar a idade mínima dos trabalhadores urbanos e rurais, bem como instituir uma cobrança individual mínima e periódica para o segurado especial, substituindo o modelo de recolhimento previdenciário sobre o resultado da comercialização da produção”, diz trecho de parecer do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Leia na íntegra o parecer elaborado pela Assessoria Jurídica do Cimi:

PARECER: OS DIREITOS INDÍGENAS E A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 287/2016 QUE TRATA DA SEGURIDADE SOCIAL

INTRODUÇÃO >> OS DIREITOS SOCIAIS E PREVIDENCIÁRIOS DOS INDÍGENAS

Na condição de cidadãos plenos, os indígenas dispõem do direito aos benefícios sociais e previdenciários do Estado Brasileiro e são considerados Segurados Especiais, pois também exercem atividades rural ou extrativista. Para comprovar a qualidade de segurado especial, os indígenas precisam apresentar uma certidão fornecida pela Fundação Nacional do Índio. Evidentemente que as atividades indígenas são mais amplas e de grande relevância para o país e a sociedade brasileira. Mesmo assim, a síntese acolhida pelo direito até o momento tem sua importância.

Embora não haja regulação específica, o direito à aposentadoria dos indígenas é igual ao dos trabalhadores rurais. Contudo, já existe determinação judicial para regular e resguardar a especificidade das questões atinentes ao direito previdenciário indígena.

No ano de 2008, o Ministério Público Federal – MPF, ingressou com a Ação Civil Pública (2008.71.00.024546-2 – RS) em face do INSS e da FUNAI para que fosse assegurado o benefício previdenciário também aos indígenas não aldeados e residentes na zona urbana. Deste modo, o Poder Judiciário determinou, em âmbito nacional, que à FUNAI passe a emitir para os indígenas, inclusive os não aldeados e residentes na zona urbana, certidão dando conta das atividades desempenhadas quanto ao artesanato proveniente de extrativismo vegetal, bem como sobre como se dá essa extração (se em regime familiar e se o indígena depende disso para sua subsistência).

Atualmente, nos termos da Lei 8.213/91, tem direito à aposentadoria rural por idade o trabalhador rural que completar 60 anos se homem e 55 anos se mulher, no valor de um salário mínimo, estando incluídos aí, portanto, os indígenas. Além da aposentadoria por idade, os indígenas dispõem do direito ao salário maternidade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, pensão por morte entre outros benefícios sociais.

AS MUDANÇAS PROPOSTAS PELA PEC 287/2016 QUANTO AOS SEGURADOS ESPECIAIS

Dentre as mudanças que devem afetar o trabalhador rural ou segurado especial rural, são: 1 – elevação da idade mínima de 60 (homens) e de 55 (mulheres) para 65 anos, sem distinção; e, 2 – contribuição não mais presumida sobre a comercialização, mas sim sobre uma alíquota mensal de 5% sobre o salário mínimo, através de recolhimento individual.

A PEC também apresenta uma modificação com relação às pensões por morte, que pretende, segundo a proposta do governo federal, abolir sua cumulação com a aposentadoria por idade.

Veja-se parte da fundamentação da proposta que visa a reforma previdenciária:

Das regras previdenciárias do trabalhador rural.

43. No que concerne à aposentadoria rural, cumpre mencionar que a regra atual prevê as idades mínimas de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, uma redução de 5 anos de idade em relação à aposentadoria do trabalhador urbano. Tal discriminação se justificava, à época, pelas adversas condições de vida e trabalho desse grupo, que exerce atividade tipicamente braçal, exposto às intempéries e, no passado, com grande dificuldade de acesso a serviços públicos básicos.

(…) A solução encontrada foi a criação, para os trabalhadores rurais que exercem sua atividade em regime de economia familiar, de um sistema contributivo diferenciado para possibilitar o acesso à rede de proteção social, definido na própria Constituição Federal.

(…)

47. Outrossim, pelas regras atuais, o segurado especial não precisa comprovar recolhimentos previdenciários caso não comercialize sua produção: basta provar que trabalhou 15 anos em atividade rural, por meio de início de prova material (notas de produtor rural, declaração de sindicato, documentos pessoais dos quais conste a ocupação rurícola, dentre outros), corroborada por prova testemunhal.

(…)

50. Portanto, a melhoria das condições de vida e trabalho nas áreas rurais, o aumento da expectativa de vida de homens e mulheres, e o desequilíbrio entre arrecadação e despesas com benefícios rurais, justificam a alteração das regras para esses trabalhadores, especialmente o aumento da idade mínima e a forma de contribuição, com a substituição da contribuição atual sobre a comercialização.

51. A proposta é igualar a idade mínima dos trabalhadores urbanos e rurais, bem como instituir uma cobrança individual mínima e periódica para o segurado especial, substituindo o modelo de recolhimento previdenciário sobre o resultado da comercialização da produção. Propõe-se a adoção de uma alíquota favorecida sobre o salário mínimo, adequada à realidade econômica e social do trabalhador rural.

53. Importante destacar que essa alteração de sistemática de contribuição do segurado especial se dará gradualmente, por meio de uma transição do modelo contributivo, sem afetar o reconhecimento do período de atividade rural anterior à data de promulgação da Emenda, com base na legislação então vigente (g.n.).

Diante da justificativa da medida proposta pelo governo federal, duas regras afetam diretamente e de forma negativa os segurados especiais rurais. A primeira determina que a idade mínima passa de 60 (homens) e 55 (mulheres) para 65 anos ambos, sem distinção. A segunda obriga o contribuinte a, mensalmente, recolher uma alíquota à previdência, o que revoga a forma atual de contribuição presumida através da comercialização da produção rural.

As duas medidas mais impactantes sobre os segurados especiais rurais tendem a impor uma idade mínima de 65 anos para homens e mulheres, mais a comprovação do recolhimento mensal à previdência, o que afeta diretamente a economia da agricultura familiar e tende a afetar também e diretamente os povos originários.

Por fim, o governo gostaria, ainda, de acabar com a vinculação de todos os benefícios da Previdência do reajuste do salário mínimo, mas não encontra respaldo na legislação. Nos casos da pensão e da Loas, o entendimento é que não há insegurança jurídica e, por isso, a proposta de Emenda já regula essa mudança. Quanto aos demais benefícios, mesmo sem previsão na Emenda, o governo pretende, logo que aprove a reforma, suprimir o reajuste do salário mínimo e aplicar apenas a correção da inflação.

A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 287/2016 E OS POVOS INDÍGENAS

Quanto aos povos indígenas, o impacto será ainda maior, caso seja aprovada a medida como se encontra proposta. Cabe ressaltar que em nenhum momento, seja no texto legal, seja na justificativa, as palavras “índios” ou “povos indígenas” são mencionadas.

Veja-se que muitas comunidades indígenas vivem da pesca, coleta, pequenas roças de subsistência comunitária, de seus tratos culturais produtivos específicos e das diversas formas tradicionais que produzem sua economia, nos termos do art. 231 da CF/88. Sem renda mensal em espécie, como contribuiriam os indígenas diante dessa nova regra previdenciária?

A resposta a esse questionamento seria apenas um: diante dessa nova proposta de Emenda Constitucional os indígenas não conseguiriam se aposentar. Sem contribuição mensal recolhida à previdência, sem direito à aposentadoria, portanto.

Ademais, diante da elevação da idade mínima para acessar o benefício, aliado ao recolhimento mensal à previdência, os indígenas entrariam numa condição ainda pior da que vivem hoje. Alijados da terra, em boa parte das regiões brasileiras, com condições precárias de vida e sem uma produção “não-índia” que sustente uma contribuição individual mensal, estariam à margem do direito previdenciário proposto pelo governo federal.

Ainda, as condições em que vivem os indígenas atualmente, é pior do que aquela em que viviam os trabalhadores rurais no contexto em que originou a legislação previdenciária vigente, à qual elegeu os camponeses como necessitados de política menos gravosa, como consta da justificativa da proposta de Emenda. Senão vejamos o que justificou a legislação em vigor e veja-se a condição indígena de hoje sem acesso à terra e desalojados cultural e juridicamente, em função da falta de efetividade na política indígena, diante do que prevê o art. 231 da CF/88:

No que concerne à aposentadoria rural, cumpre mencionar que a regra atual prevê as idades mínimas de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres, uma redução de 5 anos de idade em relação à aposentadoria do trabalhador urbano. Tal discriminação se justificava, à época, pelas adversas condições de vida e trabalho desse grupo, que exerce atividade tipicamente braçal, exposto às intempéries e, no passado, com grande dificuldade de acesso a serviços públicos básicos. (g.n.)

A realidade indígena de hoje, repita-se, pode ser considerada pior do que aquela que justificou a legislação em vigor. Ainda, aumentar a idade mínima dos indígenas para acessar o benefício previdenciário é condenar os indígenas em idade de aposentadoria, que têm uma vida dura nos roçados, pescas, caças, coletas, e outros meios de renda de subsistência, nos acampamentos à margem de sua terra (terras em processo de demarcação ou reivindicada como tradicional) ou na vida urbana a uma velhice desumanizada e cruenta.

Ademais, a legislação indigenista, além das sistemáticas decisões judiciais, determina que índio permanece índio, independentemente da sua situação econômica ou da sua economia, de onde e como vivem, etc., para fins de proteção constitucional (Pet. 3388/RR – Rel. Min. Ayres Britto). Ainda, de acordo com a decisão na Ação Civil Pública nº 2008.71.00.024546-2 – RS, os indígenas em situação urbana que vivem de artesanato, oriundo de extrativismo vegetal têm o mesmo direito ao benefício especial rural, assim como os demais indígenas em quaisquer das situações que se encontrem.

A conclusão que se pode chegar é que em face da omissão da situação indígena, submeter os povos tradicionais à mesma condição não-indígena para o acesso do benefício seria um retrocesso sem precedentes, já que inúmeras as especificidades a serem consideradas, sob pena de grave erro e insegurança jurídica.

Por fim, cabe ressaltar que a medida (PEC 287/16), ao ser extensivamente direcionada aos indígenas, torna-se manifestamente inconstitucional. O motivo da inconstitucionalidade, doravante, é a previsão do art. 231 da Carta Política, como já mencionado:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

A CF/88 reconheceu aos índios, além do direito à terra, seus usos, costumes e tradições, línguas e sua organização social diferenciada, de acordo, ainda, com cada povo e suas especificidades.

O direito previdenciário hodierno que se estende então aos povos indígenas é aquele mesmo do trabalhador rural em regime de economia familiar, ou seja, o benefício especial rural – mesmo que em nenhuma passagem da Lei ou da proposta de Emenda conste a palavra “índios” ou “povos indígenas”, dependendo, apenas, para requerer o benefício, de uma certidão emitida pela FUNAI. Acaso seja aprovada a PEC da reforma previdenciária, continuaria sendo aplicado extensivamente, como é hoje, vale dizer, aos povos tradicionais, esse mesmo regime especial, agora com as mudanças que inconstitucionais e mais gravosas, o que seria erro de inquestionável leitura.

CONCLUSÃO

Por fim, forçoso concluir que a coerção da contribuição mensal à previdência, para aquisição de direito previdenciário pelos índios, encontra óbice no art. 231 da CF/88: os povos indígenas têm direito constitucional de viver de acordo com seus usos, costumes e tradições, podendo não comercializar, se for próprio da sua organização social. Mesmo sem comercializar sua produção ou artesanatos, os índios têm direito ao benefício em comento. Do contrário, estariam guerreando um direito constitucional indígena.

Primeiro, é inconstitucional a PEC 287/16, já que o art. 231 da CF/88 impede o recolhimento mensal de 5% sobre o salário mínimo pelos povos tradicionais à previdência para evidenciar direito de aposentadoria, considerando o regime constitucional multicultural e pluriétnico dos povos tradicionais; e, depois, inconsistente aumentar em cinco anos (para homens) e dez anos (para mulheres) o período de contribuição, o que não encontra respaldo na legislação indigenista e nem na atual condição objetiva (aldeados, acampados ou em condição urbana) dos povos indígenas.

Ainda, nos tempos atuais torna-se imperativo reconhecer de forma mais eficaz a grande contribuição dos povos indígenas para com a sociedade brasileira e o país que se traduz na preservação das florestas e das águas, nos diferentes modos de produção, na riqueza e diversidade cultural e no conhecimento ancestral, condição nova reconhecida pelo direito, mas ainda sem efetividade.

Brasília-DF, 16 de janeiro de 2016.

Adelar Cupsinski e Rafael Modesto dos Santos

Por Adelar Cupsinski e Rafael Modesto dos Santos, da Assessoria Jurídica – Cimi 

CNDH aprova recomendações contra Reforma da Previdência e pela publicação imediata da Lista Suja do Trabalho Escravo

Os documentos, protocolados no dia 15 de março, foram aprovados pelo Plenário do Conselho Nacional dos Direitos Humanos

A 25ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), realizada nos últimos dias 9 e 10 de março, em Brasília, aprovou recomendação direcionada ao Presidente da República Michel Temer, para que retire a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 – que trata da Reforma da Previdência – e ao Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, para que suspenda a tramitação da proposta no Congresso Nacional até que haja uma escuta ampla e democrática da sociedade.

Também foi aprovada recomendação ao Ministério do Trabalho solicitando imediata atualização e publicação do cadastro de empregadores autuados por utilização de mão de obra escrava – a Lista Suja do trabalho escravo. Os documentos foram protocolados nesta quarta-feira (15).

Para o CNDH, a PEC 287 dificulta o acesso e até mesmo impede o pleno exercício da seguridade social, direito humano previsto na Constituição Federal e em diversos Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário.

O presidente do CNDH, Darci Frigo, destaca que a PEC 287/2016 apresenta “retrocessos inaceitáveis” no campo dos direitos trabalhistas e sociais, como a redução do valor geral das aposentadorias; a exigência de 49 anos de tempo de contribuição para ter acesso à aposentadoria integral e a precarização da aposentadoria de trabalhadores e trabalhadoras rurais.

A exigência de idade mínima de 65 para homens e mulheres também é mencionada pela vice-presidenta do CNDH, Fabiana Galera Severo, como grave retrocesso, que contribui para reforçar a desigualdade entre homens e mulheres.

“Como alertaram as mulheres em manifestações no último dia 8 de março, essa medida desconsidera as jornadas extras de trabalho acumuladas pelas mulheres e as dificuldades que elas têm de garantir a permanência da contribuição previdenciária, já que são preteridas no mercado de trabalho e ocupam parcela significativa de empregos sem garantias trabalhistas”, declara Fabiana.

Lista Suja do Trabalho Escravo

O CNDH também aprovou, em sua última reunião, documento que recomenda ao Ministério do Trabalho imediata atualização e publicação da Lista Suja do trabalho escravo. Para o colegiado, “não há, atualmente, qualquer restrição legal, embaraço jurídico ou impedimento técnico que justifique a não publicação da lista suja do trabalho escravo, sendo, ao contrário, do interesse público a sua divulgação”.

A recomendação também solicita ao Ministério do Trabalho que qualquer debate envolvendo trabalho escravo seja promovido no âmbito da Comissão Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), espaço de discussão que envolve a participação de representantes do poder público, do setor privado, de organismos internacionais e da sociedade civil que acumulam experiência na luta pelo enfrentamento ao trabalho escravo no Brasil.

Fonte: Plataforma Dhesca