Temer antecipa ‘pacote do veneno’ e proíbe Anvisa de se manifestar sobre agrotóxicos

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), subordinada ao Ministério da Saúde, não presta mais informações a respeito de agrotóxicos, inclusive sobre aqueles registrados antes de 2016. A informação é da assessoria de imprensa da agência. Indagada na tarde da quarta-feira (1º) sobre as substâncias registradas ano passado – um recorde, segundo nota do Ministério da Agricultura (Mapa) –, limitou-se a informar que os questionamentos devem ser encaminhados diretamente à Agricultura.

No último dia 10, o Mapa divulgou que foram registrados 277 novos agroquímicos, um recorde histórico segundo o próprio ministério. Do total, 161 são produtos técnicos equivalentes (PTEs) – os chamados genéricos –, o que corresponde a alta de 374% em comparação a 2015, quando foram registrados 43 PTEs, além de 139 novos produtos. A média histórica anual é de 140 registros.

No anúncio do recorde, o coordenador geral de agroquímicos e afins do Mapa, Júlio Sergio de Britto, observou “grande evolução na qualidade e no número de produtos ofertados, graças ao esforço dos técnicos dos ministérios da Agricultura, da Saúde (Anvisa) e do Meio Ambiente (Ibama)”.

Anvisa recebe solicitações de informações sobre facilidades dada pelo governo Temer à indústria de agrotóxicos, ainda sem resposta

Até a conclusão desta reportagem, a assessoria de imprensa do ministério que abrange ainda a Pecuária e o Abastecimento, cujo titular é o ruralista Blairo Maggi, o “rei da soja”, não havia respondido à solicitação de informações.

Ação coordenada

Para especialistas da área, a mudança no controle das informações faz parte de uma ação coordenada por representantes do agronegócio que trabalham para acelerar a tramitação e aprovação de projetos de lei que compõem o chamado pacote do veneno. São projetos que, entre outras coisas, vão facilitar a aprovação, o registro, a comercialização, a utilização, o armazenamento e o transporte de agrotóxicos, aumentando a presença dessas substâncias nas lavouras brasileiras.

“O controle de informações no Mapa ocorre paralelamente a outras medidas em curso, sugerindo que o ‘pacote do veneno’ está sendo implementado mesmo antes de ter sido aprovado no Congresso e sancionado por Temer”, diz o coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida – Agrotóxico Mata, Alan Tygel.

O “pacote” inclui o Projeto de Lei (PL) 3.200/2015, do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS), que praticamente revoga a atual lei de agrotóxicos. Para ambientalistas, promotores federais, movimentos sociais e defesa do consumidor, a proposta é um retrocesso. Veta o termo “agrotóxico”, substituindo por “fitossanitário”, e cria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito) no âmbito do Mapa.

Estão entre as prerrogativas dessa nova comissão apresentar “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins”. O colegiado também indicará os 23 membros efetivos e suplentes, deixando de fora representantes dos consumidores, da Anvisa e do Ibama – um ataque aos princípios da precaução, conforme os críticos.

Também no “pacote” está o PL 6.299/2002, do então senador Blairo Maggi, que altera regras para a pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem,  transporte,  armazenamento, comercialização, propaganda, utilização, importação, exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e  fiscalização. Se for aprovado, a embalagem dos agroquímicos deixará de ter, por exemplo, a presença da caveira – símbolo de veneno conhecido universalmente, até mesmo por pessoas analfabetas e crianças.

“São alterações que vão afrouxar ainda mais as normas, como proibir apenas os venenos que causem intoxicação aguda, aquelas que ocorrem imediatamente à exposição ao produto. No entanto, estudos mostram que há intoxicações crônicas, que surgem tempo depois, pela exposição continuada a essas substâncias no ambiente de trabalho ou pelo acúmulo de substâncias nocivas no organismo depois de anos consumindo alimentos com agrotóxicos”.

Segundo Tygel, estudos recentes associam a exposição a agrotóxicos com o surgimento do Mal de Parkinson, doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva, que ocorre pela queda da produção de dopamina, neurotransmissor envolvido no fluxo de informação entre os neurônios. Já está estabelecido em estudos neurocientíficos que esta diminuição está associada a causas ambientais, e não apenas genéticas.

Omissão

A Campanha Permanente não estranha a submissão da Anvisa ao agronegócio e considera a agência omissa na defesa da saúde da população. Desde 2012 não divulga o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), e em 2016 nem sequer coletou amostras de alimentos. Além disso, não avalia a presença de venenos em alimentos como carne, leite, ovos, industrializados para alimentação infantil e de adulto e água mineral, suspendeu a fiscalização das indústrias de agrotóxicos, não consolida nem divulga dados sobre esse mercado.

Outros aspectos graves são a lentidão nas reavaliações iniciadas em 2008, com resultados questionáveis, a falta de previsão de novas reavaliações apesar de decisões internacionais importantes sobre seus efeitos à saúde, de participação da sociedade civil nos processos decisórios,

Os sistemas informatizados para permitir organização, divulgação e acesso a dados seguem sem conclusão, fazendo com que a Anvisa descumpra integralmente a Lei de Acesso à Informação.

Coquetel venenoso

Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e integrante da Associação  Brasileira de Agroecologia, o agrônomo Leonardo Melgarejo destaca a prevalência do viés comercial em detrimento da preocupação com a saúde nesse recorde de registros. “Não temos tamanha variedade de insetos e ervas daninhas que exijam tamanha diversidade de venenos”, diz.

E aponta falhas metodológicas. “No caso dos venenos genéricos, há uma confusão. Passam a ideia de que se trata de algo semelhante aos remédios, onde o princípio ativo é o que interessa. No caso dos agrotóxicos, devemos nos preocupar com os químicos utilizados no coquetel colocado à venda, junto com o princípio ativo”, afirma.

Conforme exemplifica, o herbicida 2,4-D contém entre as impurezas um grupo de substâncias, as dioxinas. Extremamente perigosas, estão entre os agentes cancerígenos. Além disso, há outros produtos associados igualmente tóxicos, que têm a função de desintegrar a gota de agrotóxico em contato com as folhas das plantas, facilitando sua absorção e a ação tóxica.

“Sem contar aqueles resultantes da transformação destes e de outros componentes, seja pela metabolização da planta, como o AMPA, a partir da aplicação do glifosato, pela ação do sol, de elementos químicos que compõem o solo”, destaca o agrônomo. “Estes subprodutos do princípio ativo e dos demais componentes geram novos riscos de combinações e sinergias perigosas. Portanto, liberar o uso de um agrotóxico sem estudos, apenas baseado na afirmação de que outros com o mesmo princípio ativo, com efeito similar, já foram aprovados, vale para o agronegócio mas não vale para a saúde e nem para o meio ambiente.”

Na avaliação de Melgarejo, a decisão da pasta conduzida por Blairo Maggi deveria ser repudiada pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério do Meio Ambiente. “Nós, ambientalistas, consideramos que esta decisão só poderia ser tomada em um governo que não tem compromissos com o futuro. Quanto mais barato for um agrotóxico genérico, maior será o risco de problemas associados aos demais componentes, mesmo que o princípio ativo corresponda ao que se verifica em todas as formulações. São os trabalhadores rurais, os agricultores e os consumidores que verificarão isso no futuro.”

Informações da Rede Brasil Atual

Fonte: Justificando

Os venenos genéricos do Ministério da Agricultura

Registros agrotóxicos genéricos aumentaram 374% em 2016 na comparação com o ano anterior / Antonio Cruz/ABr

No dia 10 de janeiro, o Ministério da Agricultura (Mapa) comemorou grande avanço nos registros de agrotóxicos no Brasil. A notícia menciona não apenas o registro de 277 novos venenos, como ainda destaca que, entre eles, se incluem 161 “genéricos”. Um recorde! Avanço de 374% em relação aos registros ocorridos em 2015, que foram largamente influenciados pela administração anterior, a qual aprovou – contra nossos interesses – 43 “equivalentes genéricos”. Os novos registros de 2017 foram publicados no Ato nº 3 do Diário Oficial da União de 9 de janeiro de 2017.

Tenta-se passar com isso uma ideia positiva de agregação de eficiência nos avanços regulatórios trabalhados pelo governo golpista. Mas, possivelmente, estamos agora diante de novas ameaças, talvez crimes, contra a sociedade e a natureza.

Vejamos:

1 – Como se “acelera” um processo de análise de riscos para a saúde e o meio ambiente?

Contratando servidores, qualificando laboratórios, sofisticando os processos analíticos e estendendo o escopo das avaliações. O governo fez isso? Infelizmente, não.

Evidentemente também se poderia economizar tempo fazendo vista grossa ou simplesmente deixando de lado a avaliação de alguns tipos de problemas, que poderiam decorrer de situações de baixa exposição aos venenos ou a alguns de seus componentes, em longo prazo. Ou, simplesmente, deixando de avaliar os possíveis impactos de alguns componentes químicos, ou das combinações de venenos, sobre o solo, a água, a microvida do solo, os trabalhadores, os consumidores em geral. Ou ainda, em especial, deixando de avaliar riscos afetos a indivíduos com quadro de deficiência renal, ou em fase de formação, gestação, senescência. Em outras palavras, deixando de lado públicos especiais, bebês e velhos, esquecendo de fazer algumas perguntas e atribuindo escassa relevância ao ciclo de vida completo dos indivíduos. O agronegócio não se preocupa com isso. Para nós é que é importante saber implicações dos venenos usados nas lavouras sobre a fertilidade sexual dos nossos netos. Mas porque isso preocuparia um criador de suínos alimentados com o mesmo milho que usamos na nossa polenta?

O governo adotou este mecanismo torpe para acelerar as análises? Não sabemos. Esperamos que não. Sabemos apenas que com o golpe de estado foram alterados os gestores públicos e que o governo golpista, com isso, entre tantas coisas que já fez, também acelerou a aprovação de venenos a serem usados em nossa agricultura.

2 – O que seriam estes produtos genéricos, aprovados “por semelhança”?

No caso dos remédios entendemos bem. Quando um princípio ativo combate a pressão alta e outro impede a multiplicação de determinadas bactérias, cada um deles se destina a controlar problemas específicos. E ambos podem ser vendidos em formatos diferentes, com nomes diferentes, em embalagens distintas. As “marcas” diferentes terão o mesmo “sentido médico” e poderão ser comercializadas a preços diferentes. Nestes “remédios” distintos não haverão “venenos” ocultos, escamoteados aos processos de análise de risco. Enfim, o conhecimento de um princípio ativo, sua utilidade e funcionamento, permite aprovação por analogia de vários remédios “similares”. Os “genéricos”, sem o peso das marcas, das propagandas, serão mais baratos e não causarão problemas porque ali não se escondem elementos perigosos. Coisa boa e barata.

Mas e nos agrotóxicos? Remédios “genéricos” seriam equivalentes aos venenos “genéricos”? O mesmo raciocínio utilizado para o controle da pressão alta se aplicaria a um herbicida ou a um inseticida?

Não. No caso dos agrotóxicos estamos sempre diante de um coquetel. Ali existe, além do princípio ativo, destinado a matar insetos ou plantas, outros produtos químicos não menos perigosos. São substancias úteis para eliminar a cerosidade das folhas ou da pele dos insetos, para facilitar a absorção dos venenos, para romper a tensão superficial das gotas e assim por diante. Existem as impurezas e os resíduos do processo de fabricação ou da transformação natural dos químicos, por ação do tempo, da presença do oxigênio, da ação metabólica realizada pelas próprias plantas e animais.

Como exemplo, considere as dioxinas presentes em algumas formulações de herbicidas a base de 2,4 D. Ou o AMPA, resultante da metabolização do glifosato, pelas plantas. Nestes dois casos estamos diante de venenos mais perigosos do que no caso do princípio ativo original.

Portanto, no caso dos agrotóxicos, analisamos o princípio ativo, um veneno, e deixamos de lado todo um vasto leque de outros venenos. Que segurança a análise do princípio ativo oferece para decisão de segurança de outros agrotóxicos, que utilizam o mesmo princípio ativo, se deixamos de considerar os demais venenos?

Não parece óbvio que um veneno genérico, com mais impurezas, tenderá a ser mais barato, mas também mais perigoso?

Cabe aqui um comentário final: as análises de risco para a saúde e o ambiente que aprovam os agrotóxicos para uso na agricultura não levam em conta todos os componentes dos produtos comerciais. Também não levam em conta a mistura desses componentes. E estudos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já mostraram alimentos contendo resíduos de até 11 produtos distintos.

Portanto, mesmo no caso dos agrotóxicos estudados e aprovados com base em análise caso a caso, os riscos são grandes. O que podemos esperar no caso dos genéricos? Aqui, a morte não é o pior cenário.

Enfim, recomendamos a todos: desconfiem das comemorações do governo golpista, fujam dos venenos, comprem apenas produtos orgânicos, estimulem a agroecologia e ajudem a desconstruir as campanhas de marketing criadas em favor de negócios que comprometem a vida.

 

Por Leonardo Melgarejo da Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Com “probabilidade de mortes”, Justiça Federal suspende despejos contra comunidades Guarani Kaiowá

No contexto de violências contra os indígenas no Cone Sul sul-mato-grossense, um alento aos Guarani e Kaiowá da demarcação Dourados Amambai Peguá I – chamada pelo povo de Tekoha Guasu. A 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS) suspendeu o cumprimento de despejos envolvendo duas fazendas incidentes nos tekoha – lugar onde se é – Nãmoy Guavira’y e Jeroky Guasu. A decisão, todavia, é provisória e aguarda sentenças aos processos.

As reintegrações de posse foram determinadas no último mês de dezembro, com prazo inicial de despejo a ser cumprido pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Como o órgão indigenista tem funções constitucionais inversas, acabou para a Polícia Federal executar a reintegração – o que ocorreria à força. Na última semana, os prazos foram encerrados sem a retirada das comunidades das áreas.

Em ofício à Justiça Federal, o comando da PF argumentou sobre a “probabilidade concreta de mortes durante a execução do provimento jurisdicional”. Dando procedência ao ponderado pelos agentes federais, o juiz suspendeu as reintegrações alegando ainda “recentes decisões do STF no sentido de obstar o cumprimento de mandado de reintegração de posse quando houver risco de remoção de grandes contingentes de pessoas”.

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui jurisprudências contra reintegrações de posse envolvendo territórios indígenas. O que pode influenciar outras situações. São duas fazendas incidentes em cada um dos tekoha com pedidos de reintegração de posse deferidos. Com isso, outros dois pedidos de despejo ainda estão valendo. No entanto, para estes, a Justiça Federal solicitou mais informações aos fazendeiros com prazo estabelecido em dez dias.

Mais dados também foram solicitados pela Justiça federal aos ‘proprietários’ de duas áreas a serem reintegradas na Reserva de Dourados, que compõem o tekoha Yvu Vera. Casos de despejos também determinados em dezembro pela 2ª Vara num pacote de tensão lançado sobre as comunidades Guarani e Kaiowá na virada de ano. A decisão dos indígenas era e é a de não sair das retomadas e resistir.  

No interior da Dourados Amambai Peguá I, município de Caarapó, estão diversos tekoha retomados pelos Guarani e Kaiowá nas últimas décadas – Paí Tavy Terã, Ñandeva, Ñamoy Guavira’y, Jeroky Guasu, Tey’Jusu, Kunumi Vera, Guapo’y, Pindo Roky e Itagua. Sem a conclusão do procedimento demarcatório, os indígenas sofrem sucessivos ataques de pistoleiros e fazendeiros, além dos despejos judiciais.

Em dezembro ainda outro tekoha teve decisão de despejo concedida pela 2ª Vara: Kunumi Vera. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a retirada da comunidade. No local onde o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza, de 26 anos, acabou  assassinado a decisão foi a segunda tentativa de despejo dos indígenas nos últimos seis meses.

Yvu Vera

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), Yvu Vera é uma área de quase 20 hectares que integra a Reserva de Dourados e foi invadida por não-indígenas. Na terra tradicional não vivem apenas indígenas Guarani e Kaiowá, mas também Guarani Ñandeva e Terena. Para a reserva os indígenas foram expulsos de forma violenta de suas aldeias.

Os indígenas retomaram as “propriedades” incidentes em Yvu Vera em fevereiro do ano passado como forma de realocar famílias que saíram da Reserva por falta de espaço físico. Com quase 3.500 hectares, a área reservada ainda na época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século XX, é ocupada por 13.100 indígenas (Funai, 2015).

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi  

Guaraní, el pueblo que muere sin sus tierras

Los indígenas guaraníes llevan años encarando el desplazamiento forzado, la marginación y los ataques de terratenientes

Ocurrió una noche de Navidad cuando un líder del pueblo guaraní-kaiowá quiso regresar a las tierras de las que habían sido expulsados hacía unos días. Quería recoger algo de su huerto para dar de comer a su familia y así se lo explicó al pistolero que custodiaba la entrada de la hacienda y que no dudó en matarlo a tiros en el momento que atravesó la linde. Al líder indígena lo acompañaba su hijo, que no pudo volver a dormir aterrorizado por el recuerdo. Aguantó 15 días antes de colgarse de un árbol. Solo tenía 12 años.

La historia la cuenta el portavoz guaraní Tonico Benítez después de visitar el último campamento indígena improvisado en los márgenes de la carretera que va de Dourados a Campo Grande, en el Estado brasileño de Mato Grosso do Sul. En cuatro barracas construidas con plásticos negros se han instalado los miembros de una familia que fue expulsada de sus tierras, ubicadas justo enfrente, hace unos meses. Su cacique, Damiana Cavanha, recibe al que llega cantando y danzando su ritual de bienvenida ignorando el ensordecedor ruido del tráfico. La miseria del asentamiento evoca sin duda los suicidios de todo su pueblo.

La organización defensora de los derechos indígenas Survival Internationalresume así este sufrimiento en el libro Somos Uno: “De los guaraníes brasileños que se han suicidado, el más joven tenía solo nueve años. Durante los últimos cien años, su pueblo, uno de los primeros en entrar en contacto con los europeos, ha perdido prácticamente la totalidad de su tierra. En la actualidad, viven hacinados en territorios diminutos rodeados de enormes plantaciones de caña de azúcar, mientras que otros acampan bajo lonas junto a polvorientas cunetas”.

El despojo de sus tierras es lo que ha hundido en la desesperación al pueblo indígena más numeroso de Brasil, con alrededor de 50.000 guaraníes, cargando además con el triste récord de ser uno de los grupos con la tasa más alta de suicidios. Los datos extraoficiales —los que han ido recogiendo los afectados— aseguran que han sido más de 1.000 los guaraníes hombres, mujeres y niños que se quitaron la vida en los últimos 20 años, casi siempre de la misma forma: ahorcados en la rama de un árbol. Podrían ser más, porque los registros oficiales más recientes de la Fundación Nacional de la Salud —que datan del 2000 al 2008—, hablan de 410 suicidios solo durante esos ocho años, siendo muchos de los fallecidos adolescentes.

En el asentamiento de Damiana, una gallina medio desplumada —la única que pudieron cargar cuando la policía los desalojó de sus terrenos—  va de un lado para otro entre el poco espacio que queda entre chabola y chabola. Mientras, los niños intentan divertirse, subidos a un columpio amarrado a un árbol, y sofocados por esa amargura que lo impregna todo. “Nuestros cultivos, nuestras casas, nuestros animales están allí”, asegura la cacique señalando con el dedo el otro lado de la carretera. “Y sobre todo, nuestro cementerio. No podemos abandonar a nuestros muertos”, lamenta llorando mientras sujeta su escuálido tocado sin plumas. Ya no quedan bosques, tampoco los pájaros que habitaban en ellos y que abastecían con sus colores la artesanía indígena. Ahora, apenas sirven las plumas que se les caen a sus gallinas o un poco de lana descolorida.

De los guaraníes brasileños que se han suicidado, el más joven tenía solo nueve años, según Survival International

Los guaraníes no suelen irse muy lejos cuando son expulsados de sus tierras: se instalan en los bordes de la carretera más cercana, como es el caso de comunidad Apika’i de Damiana. Según Tonico Benítez, hay familias que llevan más de 30 años viviendo en las orillas de las calzadas. “Esperaremos aquí hasta que nos dejen regresar a nuestras tierras, nosotros no queremos vivir de las ayudas de la Funai (Fundação Nacional do Indio)”, afirma Damiana con rabia pero casi resignada ante una situación que su pueblo ya ha vivido demasiadas veces. La tarde va cayendo en la comunidad y Damiana y su hijo mayor muestran cada vez más signos de embriaguez pese a que no se ve ninguna botella de alcohol fuera de las barracas. El alcoholismo que sufren muchos guaraníes se trata de ocultar en vano como se intenta, también en vano, esconder la desesperación y la tristeza que acarrean los desalojos, la marginación de su pueblo o los ataques y los asesinatos que sufren sus líderes.

Survival International lleva años denunciando la situación de los guaraníes ante la ONU. “La mayoría de las veces, la separación de sus tierras ancestrales resulta catastrófica. Cuando se pierde el control sobre la tierra, o cuando se impide que la utilicen de acuerdo con sus tradiciones, a largo plazo la salud física y mental sufre mucho”, ha recordado en varias ocasiones la ONG.

Una historia marcada por la resistencia

Pese a su situación actual, la historia de los guaraníes es una historia marcada hasta el día de hoy por la resistencia. Habitan desde hace más de 2.000 años en la zona fronteriza de Brasil, Paraguay y Argentina. Los guaraníes brasileños se dividen en tres grupos: los kaiowá, los ñandeva y los m’bya. Y ha sido en el estado de Mato Grosso do Sul donde se han concentrado los problemas, porque allí llegaron a vivir en “una extensión de 350.000 kilómetros cuadrados de bosques y llanuras”, según explica Survival.

“Después de la guerra con Paraguay en 1890, el Gobierno brasileño ignoró la presencia indígena en la zona y comenzó a vender la tierra como si allí no viviera nadie”, asegura el portavoz Tonico Benítez. Desde entonces, los guaraníes han sido reducidos a la mitad.

Casi un siglo después de esa guerra, entre 1960 y 1990, fue cuanto la selva del sur del estado brasileño fue destruida para crear extensos cultivos de soja y caña de azúcar o haciendas de ganado. Los indígenas fueron desalojados rápidamente, muchas veces con violencia, de sus poblados. Fueron obligados a vivir en reservas, también conocidas como campos de desplazados y a las que, hasta el día de hoy, los guaraníes siguen llamando “chiqueros, pocilgas”.

El informe Guaraní Retã, que estudia a esta etnia, explica que para ellos “esto significó́ la destrucción de su mundo. Ellos eran habitantes de la selva, vivían en la selva y de la selva. Todos sus conocimientos, desde niveles muy prácticos sobre plantas y animales hasta su cosmovisión y espiritualidad, estaban vinculados al bosque”.

Estos cambios causaron entre los guaraníes, según la misma investigación, “desequilibrio y desesperación que se ha manifestado a través del alcoholismo, un aumento de la violencia interna en las reservas y el aumento de los suicidios, especialmente a partir de los años noventa”.

Las familias se instalan indefinidamente en los márgenes de las carreteras cuando son expulsados de sus tierras

Los guaraníes se han resistido desde el principio a vivir hacinados en reservas y pese a esta oposición, un 65% de la población indígena en Mato Grosso do Sul vive confinado. Para Benítez, que nació en una de ellas, el problema de mantenerlos en estas pequeñas áreas es que los líderes “pierden el liderazgo, quedan reducidos a nada, y con ellos sus rituales. Entonces surgen enfrentamientos entre las familias precisamente por esta falta de papeles de mando”.

Por esta razón, regresan una y otra vez a sus campos. El mayor obstáculo sigue siendo la demarcación de las tierras ancestrales que continúa generando conflicto entre el Gobierno, los terratenientes y las comunidades indígenas. Una vez demarcada la tierra, los moradores actuales —si no son indígenas— deben salir de las tierras previo pago de una indemnización estatal. Sin embargo, el conflicto ha llevado esa demarcación hasta el Supremo, que debería decidir, pero mientras se retrasa la decisión judicial los indígenas son expulsados de sus tierras una y otra vez, condenados a vivir en las carreteras.

Hay familias que ocupan y resisten todo lo que pueden en los territorios demarcados y considerados guaraníes, pero siempre bajo la amenaza de los propietarios de los monocultivos o el ganado que los rodea más allá de ese pequeño espacio del que hacen uso. La comunidad Tey Kuê, localizada en el municipio de Caarapó, fue atacada este verano después de que los indígenas ocuparan una hacienda ubicada en sus tierras ancestrales. Según el Ministerio Público Federal de Mato Grosso do Sul, unas doscientas personas en 40 camionetas y coches cercaron la comunidad guaraní y comenzaron a dispararcontra un grupo de 40 a 50 indígenas. La escaramuza dejó un muerto y varios heridos, entre ellos un niño de 12 años. Un mes después se produjo un nuevo ataque que costó otros tres heridos.

A la entrada de la hacienda donde resiste este grupo de indígenas, la tumba del joven asesinado recibe a los visitantes marcada con una bandera de Brasil manchada con su sangre y que ondea dada la vuelta en lo alto del mástil. Antes de contar su tragedia, los guaraníes —sin rendirse al sol inclemente— cumplen primero con sus rituales de bienvenida cantando y danzando a los que se une Tonico Benítez entrando en el círculo que forman agarrados de la mano. “La noche del ataque recibí más de 500 llamadas de los guaraníes que viven en estas aldeas y que constituyen un grupo de casi 7.000 personas”, explica el portavoz indígena, que en los últimos años ha potenciado el uso de móviles como herramienta para las denuncias.

Benítez rememora el dolor de aquella noche sentado bajo la sombra de un árbol después de compartir el almuerzo con esa comunidad que confía en él para liderar su lucha. “Cuando los guaraníes entendieron que estaban siendo atacados, dejaron todo lo que estaban haciendo y se dirigieron con los arcos tensados y la flecha lista hacia la zona del ataque. La policía estaba allí y no hacía nada por ayudarlos, entonces los indígenas quemaron uno de sus coches y ataron a dos agentes; después, cercaron todas las tierras para impedir la entrada de más pistoleros”, recuerda. Nada se pudo hacer esa noche, pero la investigación ha continuado desde entonces, según el Ministerio Publico Federal del Estado. Una gran esperanza para el pueblo guaraní que lleva muchos años sufriendo con la impunidad con la que actúan sus agresores.

El pueblo guaraní habita desde hace más de 2.000 años en la frontera de Brasil, Paraguay y Argentina

Este y otros ataques contras ellos también han sido condenados por la relatora especial sobre los derechos de los pueblos indígenas de la ONU, Victoria Tauli-Corpuz, que visitó Brasil en marzo de 2016 para evaluar la situación de los indígenas brasileños. Pese a su informe con denuncias y recomendaciones posteriores, pocos pasos se han dado desde el Gobierno central.

Si las tierras siempre son valiosas, en Mato Grosso do Sul, uno de los Estados más productivos de Brasil, ese valor se multiplica. Precisamente por esos intereses económicos los guaraníes se enfrentan a un fuerte rechazo social y son tachados de violentos, salvajes, invasores, ladrones o animales, entre otras muchas descalificaciones. Tonico Benítez asegura que aún hoy tiene que explicarle a mucha gente que ellos son seres humanos. “Ustedes necesitan comer, necesitan dormir, ir al baño… Nosotros también”, le dijo una vez a un juez, que a su vez le preguntó por las diferencias y él respondió: “Ustedes tienen los recursos y nosotros no tenemos nada. Ustedes están financiados por el Gobierno, pese a que nosotros ya estábamos aquí cuando llegaron y nos lo robaron todo”. Le gusta, pese a todo, dejar bien claro que quizás son diferentes en algunas cosas, pero con los mismos vicios y virtudes que el resto de los seres humanos. Ni más ni menos.

En las aldeas, con el paso de los días se observa algo muy distinto: su visión espiritual del mundo y de su entorno; y algo particularmente igual: el sufrimiento, el resentimiento y la desesperación para enfrentarse al despojo. Su forma de interpretar el mundo se puede resumir en esta declaración que hizo una joven guaraní a Survival: “Nosotros, los indígenas, somos como las plantas. ¿Cómo vamos a vivir sin nuestro suelo, sin nuestra tierra?” Su dolor está en la respuesta, que para Tonico Benítez siempre ha sido la misma: vivir y luchar, aunque sea a la desesperada.

 

Por Yasmina Gimenez

Publicado em El País

Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos

O programa Revista Brasil, desta quarta-feira (25), entrevista a pesquisadora e professora de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi, sobre sua pesquisa recente, cujo tema é o alto índice de agrotóxicos que consumimos no Brasil e os reflexos que representam para a saúde.

O estudo, em fase de finalização, reúne dados sobre os venenos agrícolas, em uma sequência cartográfica, que dá dimensão complexa a um problema pouco debatido no país. O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos, posto, até a década passada, ocupado pelos Estados Unidos (EUA).

A pesquisadora esclarece que o agrotóxico mais vendido no Brasil é o Glifosato. É um herbicida, quer dizer um veneno que mata ervas. “Se a gente pensar na quantidade de toneladas de glifosato que é vendido no Brasil, é grave. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o glicosato pode vir a causar câncer. A gravidade da nossa permissividade é essa, é um atentado à saúde da população como um todo” afirmou.

Ouça a entrevista no link.

Fonte: EBC

Revisão Periódica Universal Brasil

A Revisão Periódica Universal (RPU) é uma avaliação entre Estados (governos), que se avaliam mutuamente quanto à situação de direitos humanos, gerando um conjunto de recomendações. É um processo único que compreende a avaliação periódica da situação de direitos humanos de todos os 193 Estados-membros das Nações Unidas. Neste documento, você pode tirar todas as dúvidas sobre o tema.

No segundo trimestre de 2017, o Brasil passará pela terceira vez pelo Mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

O Projeto RPU Brasil visa oferecer acesso fácil e organizado às informações e documentos relacionados à revisão do Brasil, incluindo materiais relacionados às suas duas passagens anteriores, em 2008 e 2012.

Aqui você encontrará as recomendações feitas ao Brasil por seus pares e os compromissos voluntários assumidos pelo país em relação aos direitos humanos. Poderá também acessar os relatórios preparados pelo Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) para cada sessão, além dos relatórios-sombra elaborados pelas organizações da sociedade civil.

Para saber mais sobre a RPU, clique AQUI.

Em Nota Coletiva organizações repudiam portaria que altera demarcações de terras indígenas

Nota de Repúdio à Portaria MJ n.º 80/2017

As organizações abaixo-assinadas vêm manifestar seu repúdio à Portaria n.º 80/2017, expedida pelo ministro da Justiça, dado seu nítido caráter de fazer prevalecer decisões de natureza política sobre conclusões eminentemente técnicas que fundamentam o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de terras indígenas, elaborado no âmbito da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A medida segue na linha do enfraquecimento do órgão indigenista federal, atualmente com o pior orçamento de sua história, e consiste numa forte concessão do Governo Michel Temer a bancadas parlamentares anti-indígenas, em contraposição aos direitos ligados à vida dos povos indígenas do Brasil, notadamente o direito originário às suas terras tradicionais.

Repudiamos, ainda, a ausência de diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI (ligado ao próprio Ministério da Justiça), o descumprimento do direito à consulta livre, prévia e informada, bem como a orquestração de tentativas de impor graves retrocessos à legislação que rege o procedimento de demarcação de Terras Indígenas, mantida em vigor há mais de 20 anos, como a minuta de Decreto divulgada pela imprensa em dezembro de 2016 e a Portaria n.º 68/2017, recentemente revogada após manifestações contrárias do movimento indígena, de especialistas e do Ministério Público Federal.

Todas estas medidas têm o claro objetivo de retardar ou impedir a conclusão dos processos de demarcação, revelando o propósito do atual governo no sentido de enterrar políticas de demarcação de terras indígenas e outras pautas de regularização fundiária, o que só contribui para a ampliação e perpetuação dos conflitos existentes.

Diante desse cenário, as organizações signatárias exigem a imediata revogação da Portaria nº 80/2017, bem como pugnam pela atuação do Governo Federal no sentido de fortalecer a Funai para o cumprimento de sua missão institucional e pela retomada urgente dos processos de demarcação de terras indígenas.

Assinam conjuntamente:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Centro de Trabalho Indigenista – CTI

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Greenpeace Brasil

Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC

Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB

Instituto Socioambiental – ISA

Operação Amazônia Nativa – OPAN

Plataforma DHesca/Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas

Portaria paralisará demarcações de terras indígenas em fase avançada

À Funai resta apenas o recrudescimento de sua remilitarização, agora com elementos religiosos presentes na equação.


No último dia 18 de janeiro de 2017, o atual titular da pasta do Ministério da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, baixou a portaria nº 68, alterando o processo demarcatório das terras indígenas brasileiras. Ao final de um já longo e demorado processo institucional regulado pelo decreto 1775 de 1996, a referida portaria acrescenta a formação de um “Grupo Técnico Especializado” para “subsidiar” o ministro nas decisões a serem tomadas relativas às demarcações.

Este GTE, afirma o texto, será formado por representantes da FUNAI, da Consultoria Jurídica, da Secretaria Especial de Direitos Humanos e da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e terá como prerrogativa a realização de “diligências” acerca de processos demarcatórios em fase avançada. Na prática, porém, o estabelecimento de mais esta instância no processo demarcatório funcionará em moldes semelhantes ao do chamado “grupão”, um grupo de trabalho interministerial que funcionou durante quase toda década de 1980 e que teve como efeito concreto, conforme muitos estudiosos do tema indicam, o virtual congelamento dos processos de reconhecimento territorial indígena no período.

Não se pode dizer que fomos pegos, exatamente, de surpresa. É preciso considerar, primeiramente, que o Congresso Nacional é, há anos, dominado por uma crescente bancada identificada com interesses agropecuários e ligados à indústria da mineração. Ademais, há uma forte bancada evangélica, que também luta por seus interesses e busca ocupar espaços de poder. Nada mais compreensível, portanto, que esses atores encampem uma atroz luta nos bastidores para construir legislações que os favoreçam e que, ainda, sejam os indicados para os postos de comando de instituições relacionadas à agricultura, reforma agrária e energia, por exemplo. A recente nomeação do pastor evangélico Antônio Fernandes Toninho da Costa e do General Franklimberg Rodrigues de Freitas para a presidência e uma diretoria importante da FUNAI são atestados claros dos jogos de poder hoje em curso em Brasília.

Há muitos pontos interessantes no texto da portaria, cuja sutileza é eloquente dos princípios que esposa. Destacarei brevemente apenas dois deles: o primeiro está na exposição de motivos da mesma, que afirma que as demarcações têm efeito “desconstitutivo do domínio privado eventualmente incidente sobre a dita terra”. Nas entrelinhas pode-se ler, de forma velada, que a preocupação maior é que a propriedade privada seja resguardada em qualquer hipótese, mesmo quando incidente de forma legal ou ilegal sobre territórios indígenas.

A Constituição já é clara sobre o que fazer nestes casos: em caso de benfeitorias feitas de boa-fé em território indígena, o proprietário receberá uma indenização compatível com seu investimento; do contrário, não tem direito algum. Por que, então, estipular ainda mais uma revisão dos processos demarcatórios que já foram contestados durante todo o seu decorrer? Mais uma vez, o resultado desse “excesso de zelo” para com o domínio privado “eventualmente incidente sobre a dita terra” será a adição de mais tempo para a conclusão das demarcações.

O segundo ponto se encontra em seu artigo 3º, que estabelece a possibilidade de realização de audiências públicas ou, ainda, a possibilidade de participação das “partes interessadas” quando da apreciação de demarcações no GTE. Ora, o que parece um saudável direcionamento participativo poderá redundar numa armadilha para os povos indígenas. Quem são essas “partes interessadas”? Todos nós já sabemos quem são, não é mesmo? Elas já não puderam contestar o processo demarcatório em outras fases? Por que, após tantas idas e vindas, eles poderão ainda se manifestar e contestar os relatórios antropológicos? Este recurso servirá, ao fim e ao cabo, como mais uma tentativa das tais “partes interessadas” de “ganhar no tapetão” e não como um instrumento de pluralismo democrático.

A portaria 68, portanto, é apenas mais uma das armas de grupos políticos brasileiros em sua longa luta contra os povos indígenas. Os direitos a eles garantidos na Constituição de 1988 estão sob ataque contínuo nas últimas duas décadas, com um recrudescimento visível nos últimos cinco anos.

Em meu ponto de vista, os grupos indígenas só ainda não sofreram perdas ainda maiores devido ao seu crescente poder de mobilização política, realizando ações na maioria dos estados brasileiros e, mais fortemente, no Distrito Federal, conforme demonstramos em nossas pesquisas. A verdade crua é que os aliados dos povos indígenas no Senado e na Câmara Federal não dispõem de força política para barrarem projetos danosos a eles que estão em tramitação. Apenas a demonstração impressionante de organização coletiva dos próprios povos indígenas é que tem adiado a aprovação da famigerada Proposta de Emenda Constitucional 215, para ficarmos em apenas um exemplo.

Desta forma, o que se espera da FUNAI, nos próximos anos, é o recrudescimento de sua remilitarização, agora com elementos religiosos presentes na equação, reeditando a parceira colonial entre missionários religiosos e militares na tutela dos povos indígenas brasileiros. O novo “grupão” terá como efeito a virtual paralização das demarcações em fase avançada, o que não difere muito do padrão dos últimos anos, diga-se de passagem. Em resumo, parece que não sobrará muita alternativa ao que Viveiros de Castro respondeu, numa entrevista concedida à Revista Cult em 2015, quando perguntado sobre o que reserva o futuro para os povos indígenas: “a revolta.”

*Leonardo Barros Soares é mestre e doutorando em ciência política na UFMG, realizando pesquisa comparativa sobre a política indigenista do Brasil e Canadá. Membro do Projeto Democracia Participativa ( Prodep) da UFMG.

Fonte: Brasil de Fato

Apenas 36% dos empregados do agronegócio têm carteira assinada

Pesquisa da Esalq-USP mostra que segmento primário tem 9 milhões dos 19 milhões de trabalhadores; renda mensal na agricultura é de R$ 891

O agro é informal. Uma pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), mostra que, considerando todos os segmentos do agronegócio, apenas 36% dos empregados têm carteira assinada. Um terço do total (33%) “atua por conta própria”. Outros 15% trabalham sem carteira assinada. Somente 4% são empregadores.

A pesquisa relativa ao ano de 2015 foi divulgada nesta quarta-feira (18/01). Nã0 inclui aqueles que produzem para o consumo, os camponeses. O resumo pode ser lido aqui: “Agronegócio emprega 19 milhões de pessoas no Brasil“.

Entre os 19 milhões de trabalhadores do setor, 9 milhões trabalham no segmento primário. Eles possuem uma renda mensal média de R$ 891, no caso da agricultura, e R$ 998, no caso da pecuária.

A pecuária reúne 3,16 milhões desses 9 milhões de trabalhadores. Outros setores de destaque são os grãos (16% ) e o café (12%).

O segmento de serviços emprega 5,67 milhões de trabalhadores agrícolas, segundo o site Universo Agro, em notícia reproduzida no site do Cepea. Outros 4,1 milhões de trabalhadores estão na agroindústria.

Fonte: De Olho nos Ruralistas

Gigantes do agronegócio: o risco das fusões para a agroecologia

Por Alan Tygel*

Desde o ano passado, o já concentradíssimo mundo das multinacionais dos insumos para o agronegócio parece caminhar rumo a uma concentração ainda maior. As chamadas “6 grandes” do ramo – Syngenta, Bayer, Monsanto, Dow, Basf e Dupont – anunciaram fusões que podem levar a termos em breve apenas “3 gigantes”.

A primeira fusão foi anunciada ainda em dezembro de 2015 entre Dow e Dupont, duas empresas estadunidenses. Juntas possuem um valor de mercado de US$ 129 bilhões, e a fusão torna a nova empresa, DowDuPont, a maior do mundo na indústria química.

Em seguida, no início de 2016, veio a notícia da compra da suíça Syngenta pela ChemChina, estatal chinesa. O valor desta operação é estimado em US$ 43 bilhões. A Syngenta é a maior vendedora de agrotóxicos no Brasil.

Com maior alarde por conta da imagem mais forte das empresas, veio no segundo semestre de 2016 o anúncio da compra da estadunidense Monsanto pela alemã Bayer, no valor de US$ 57 bilhões. Veio à tona obscena imagem da empresa que vende o veneno e depois vende o remédio (que há tempos já era o caso da Bayer, mas agora fica mais explícito).

Neste cenário, os movimentos camponeses poderiam perguntar: qual é a diferença para nós? A concentração hoje já é enorme, e já há diversos acordos de compartilhamento de patentes entre estas empresas. Além disso, movimentos camponeses não querem as sementes nem os agrotóxicos, pois defendem a soberania alimentar e a produção agroecológica com as próprias sementes.

Este raciocínio, no entanto, deixa de fora uma questão central: o poder político que estas empresas representam, e sua capacidade de alterar normas fitossanitárias e de vigilância sanitária, leis de patentes, gastos com infraestrutura, lei trabalhistas, de uso do solo, e assim por diante.

Mais concentração, sob esse ponto de vista, significa mais poder do agronegócio para dificultar a vida da agricultura camponesa e da agroecologia. Exemplos atuais disso são o PL do Veneno e as mudanças na Lei de Cultivares, que tramitam hoje no legislativo, ou a própria destruição do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo governo golpista.

Assim, é fundamental compreender o perigo que representam estas fusões, e o que os movimentos populares podem fazer a esse respeito.

Apesar de anunciadas e acordadas entre os acionistas destas empresas, as fusões ainda precisam percorrer um longo processo regulatório até que sejam efetivadas. Cada país onde as empresas atuam deve aprovar as fusões em seus órgãos de defesa da concorrência (antitruste). No Brasil, este órgão é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

O Brasil é um país chave para todas estas empresas. Aqui se consome cerca de 20% de todo agrotóxico pulverizado no mundo, e ao contrário dos mercados europeu e estadunidense, a perspectiva é ainda de expansão.

Resistências

A fusão entre Dow e DuPont tem enfrentado sérias resistências na Europa e nos EUA. Mesmo representantes do agronegócio não veem as operações com bons olhos, já que a tendência é sempre de aumento dos preços e redução das opções. No caso dos agrotóxicos, os preços no Brasil aumentaram cerca de 30% desde 2011, com especial alta no último ano, influenciada pelo aumento do dólar.

Em relação à Bayer-Monsanto, o presidente eleito dos EUA Donald Trump deu mais um motivo de revolta aos movimentos populares: reuniu-se na semana passada a portas fechadas com representantes das duas empresas, e mostrou claramente que para ele não haverá limite algum entre o público e o privado em seu governo (se é que havia antes). Na mesma semana, Trump se reuniu com representantes da AT&T, gigante das telecomunicações que está buscando a fusão com a Time Warner.

Olhando para trás, vemos que dos anos 1970 até recentemente a tendência foi a aquisição de empresas de sementes pelas empresas de agrotóxicos. O resultado hoje todos conhecemos: erosão genética (perda de variedades) e sementes projetadas para funcionar apenas com determinados agrotóxicos, das mesmas empresas.

A perspectiva do aumento da concentração nos leva a crer que, em pouco tempo, será a vez das empresas de fertilizantes e máquinas serem fagocitadas. E as consequências, podemos imaginar: cada vez se concentra mais o pacote tecnológico nas mãos de menos empresas, deixando o próprio agronegócio ainda mais dependente destas empresas – todas estrangeiras, diga-se de passagem. E aquele famoso PIB do agronegócio, que “sustenta a economia brasileira”, flui diretamente para o bolso delas.

Pior mesmo fica a situação da parcela da agricultura familiar que ainda depende dos agrotóxicos e sementes compradas para sobreviver. Literalmente a ponta mais fraca, tende a se endividar cada vez mais, e ver mais longe sua chance de transição para o modelo agroecológico.

Neste sentido, a concentração das empresas de agrotóxicos e sementes representa um grande risco ao desenvolvimento da agroecologia, não só enquanto técnica de produção de alimentos sem insumos sintéticos, mas enquanto modelo de desenvolvimento.

Por isso, ainda que saibamos da imensa promiscuidade entre grandes empresas e o governo, é nosso dever pressionar e dificultar a realização destas fusões. Se houvesse ao menos uma burguesia com o mínimo interesse nacional, as fusões seriam barradas pois iriam acabar de vez com qualquer chance de empresas brasileiras. Mas não parece ser o caso por aqui.

Barrar fusões está longe de ser nosso objetivo principal enquanto organizações que lutam contra o agronegócio. Mas a concretização delas certamente deixa nossa luta pela agroecologia e soberania alimentar mais difícil.

* Alan Tygel é da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Fonte: Brasil de Fato