Organizações, movimentos sociais e coletivos que integram a Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional entregaram no Supremo Tribunal Federal (STF) a sentença proferida pelo Tribunal Popular da Fome que culpabiliza o governo brasileiro quanto ao aumento da fome no país e determina que indenize coletivamente o povo pelo dano moral produzido.
Foram protocoladas petições para a ministra Rosa Weber e o ministro Dias Toffoli para que a sentença seja anexada aos processos das arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) 831 e 885, que exigem medidas de enfrentamento do quadro com urgência. A entrega ocorreu em ato na sexta-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos.
“Essa incidência é uma oportunidade de contribuir para um julgamento pelo STF dessas ações de forma efetiva e, com isso, conter os retrocessos que foram identificados nas apelações ao júri do Tribunal Popular da Fome”, comenta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.
Leia mais sobre o ato no STF, com participação da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Redessan), entre outras organizações.
Violações por ação e omissão
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) mostrou que 19 milhões de brasileiras e brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar nos últimos meses de 2020.
Para o júri do Tribunal Popular da Fome, o governo federal violou, por ação e omissão, o direito humano à alimentação e a nutrição adequadas e o direito emergencial a estar livre da fome, assentados no ordenamento jurídico nacional e internacional.
Depois de escutar acusação, defesa e testemunhas, analisar as provas e debater muito (assista), juradas e jurados consideraram comprovado que o corpo de autoridades governamentais não respeitou, não protegeu, não promoveu e não garantiu esses direitos, causando sofrimento físico e psíquico ao povo.
O Tribunal da Fome foi organizado pela Conferência Popular de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Saiba como foi o julgamento e
conheça a sentença de condenação
e as reparações determinadas:
https://bit.ly/3lC3biu
Descumprimento de princípios
constitucionais
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um tipo de ação que visa evitar ou reparar lesão a um preceito fundamental causada por um ato ou uma omissão do poder público. Esses preceitos são os direitos e garantias que representam a base da Constituição Federal, bem como os fundamentos e principais objetivos da República. Ambas as ADPFs em análise no Supremo incluem pedido de liminar (decisão em caráter de urgência, para garantir ou antecipar um direito que tem perigo de ser perdido, antes da sentença de mérito).
A ADPF 831 busca o afastamento do limite de 20 anos imposto ao Orçamento pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016, conhecida como Teto dos Gastos. A ação, que tem como relatora a ministra Rosa Weber – responsável por outros casos envolvendo o tema –, também pede um programa emergencial de atendimento à população vulnerável, com a inclusão automática de pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza no Bolsa Família e aumento do valor do benefício.
Outro pedido é que as esferas federal, estadual e municipal de governo garantam um kit alimentação aos e às estudantes sem aulas presenciais em decorrência da pandemia. Apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a manifestação questiona, ainda, a redução do auxílio emergencial por meio da EC 109/2021.
Acompanhe aqui o andamento do processo, que recebeu informações prévias da Presidência da República, do Senado, da Câmara dos Deputados e dos ministérios da Cidadania, da Economia e da Educação.
Desmonte e falta de
transparência
Protocolada no dia do Tribunal da Fome, a ADPF 885 destaca que o enfraquecimento dos mecanismos de monitoramento da fome no país se soma ao desmonte da política de segurança alimentar.
O documento, produzido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a partir de provocação da Ação da Cidadania, sublinha o agravamento das condições econômicas, sociais e sanitárias enfrentadas ao menos desde 2014, pontuando que a explosão do número de casos e mortes pela Covid-19 chegou a colocar o país no epicentro da pandemia mundial. Ao examinar as estatísticas, constata a cor e o rosto da fome no Brasil, com os índices mais agudos nos domicílios chefiados por mulheres pretas ou pardas e de baixa escolaridade, bem como a concentração no Norte e no Nordeste.
Como contribuições da atual gestão federal para o cenário de miséria, a OAB destaca a má condução do Programa Bolsa Família e o corte severo em programas como o de cisternas para convivência com a seca.
Entre outras medidas, a OAB pede que o STF determine a retomada e a ampliação do auxílio emergencial no valor de R$ 600; o retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea); destinação de R$ 1 bilhão para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); e recomposição dos estoques públicos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com ações de controle de preços para evitar a inflação descompensada.
Siga o andamento da ação, relatada pelo ministro Dias Toffoli.
Amigos da
corte
Várias das entidades e movimentos envolvidos no Tribunal da Fome pediram ao STF o reconhecimento como amicus curiae (“amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, em latim) nas ações em torno do tema. A expressão designa uma instituição ou pessoa que, por seus conhecimentos num assunto específico, é ouvida no intuito de embasar decisões justas em casos judiciais complexos e de repercussão social da controvérsia, ou seja, que tendem a extrapolar o processo e formar precedente para outros julgamentos.
Foto: Contag