Votação da ADI quilombola prossegue com voto de constitucionalidade parcial de Toffoli

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomaram, na tarde desta quinta-feira (9/11), a ação que questiona o decreto presidencial sobre regulamentação fundiária das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 foi ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras de quilombolas.

Já haviam votado o relator, ministro Cezar Peluso (atualmente aposentado), que em 2012 julgou procedente a ação, e a ministra Rosa Weber, que votou pela improcedência da ADI. O ministro Dias Toffoli, que estava com o voto-vista, proferiu seu voto hoje, após ausência em duas votações anteriores – que as inviabilizaram.

Toffoli, em seu voto, rememorou o processo constitucional de construção do Decreto 4.887, apresentando divergências em relação aos questionamentos contidos na ADI – especialmente no que se refere à autonomia legislativa e autodeclaração. “A autodefinição é elemento importante para reconhecimento de grupo étnico”, afirmou.

Por fim, o ministro julgou pela constitucionalidade parcial do Decreto, por considerar que somente devem ser titularizadas áreas que estavam ocupadas por remanescentes de quilombos em outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) salvo no caso de esbulho ou ato ilícito que suspenda a posse. Na visão das entidades, a tese do Marco Temporal é uma ameaça às comunidades quilombolas.

“O efeito prático do voto do ministro Dias Toffoli é a inviabilização da titulação das terras quilombolas. Pelo entendimento do ministro, só seria passível de titular a terra efetivamente ocupada em 1988, situação que inviabiliza por completo a sobrevivência digna das comunidades quilombolas, por sua própria cultura. Apesar de refutar o conceito colonial de quilombo, o ministro limita o direito à terra dos quilombolas como sempre fizeram os escravocratas. Os negros e negras não teriam direito à liberdade que só o acesso à terra viabiliza. Continua a abolição formal e inconclusa da escravidão”, afirma Fernando Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos.

A sessão foi encerrada após o pedido de vistas do ministro Edson Fachin, que ressaltou a relevância do tema.

Fonte: Terra de Direitos

O direito dos povos quilombolas em cheque no STF: o julgamento que simboliza uma história de luta

Após dois adiamentos, o Supremo Tribunal Federal volta a julgar nesta quinta-feira (09/10), às 14 horas, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, movida pelo partido Democratas (DEM), que questiona a constitucionalidade do Decreto nº 4.887/2003.

O Decreto em julgamento regulamenta os procedimentos administrativos para titulação dos territórios quilombolas, dando cumprimento à determinação constitucional contida no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal/1988. No julgamento, o STF decidirá a constitucionalidade dessa política de titulação de terras.

“Os territórios pra gente são a nossa vida, sem eles a gente não sobrevive, o Decreto garante a nossa sobrevivência e por isso ele é muito importante. A inconstitucionalidade do Decreto vai prejudicar e muito a população quilombola porque a gente não vai ter mais este marco legal que garante a titulação de nossas terras, a não ser o art. 68 que vai precisar de um outro momento para que a gente possa discutir outras alternativas para que possamos ter os nossos territórios titulados”, destaca Célia Cristina da Silva Pinto, membro da Conaq – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Rurais Quilombolas.

Outra ameaça, caso o STF julgue a inconstitucionalidade do Decreto, pode ser ser o aumento dos conflitos agrários e a consequente violência no campo. Em 2017, 14 lideranças quilombolas foram assassinadas. Deste número pelo menos seis lideranças assassinadas estavam à frente da luta pela terra em suas regiões.

“Costumamos dizer que com o Decreto está ruim, mas sem ele será pior”, aponta Célia Cristina, destacando que ao queda do Decreto pode piorar a situação, “porque não vai ser só a disputa pela terra, entra também a questão dos grandes empreendimentos, do agronegócio, então toda essa situação virá pra cima da gente como um rolo compressor com a queda do decreto”, ressalta.

Julgamento de constitucionalidade do Decreto é uma das facetas do racismo brasileiro

 “Uma país que não respeita sua diversidade, não respeita sua propria história, é um país que nega sua origem e se esconde atrás de uma falacia que é a da democracia racial. O lema da nossa campanha é claro: o brasil é quilombola. E nós sempre lutamos para não ter nenhum quilombo a menos, nós queremos tudo e não queremos menos, queremos nossa terra, queremos estar na universidade, queremos um futuro digno para nossos filhos e por isso passa a constitucionalidade do decreto 4887”, destaca Denildo Rodrigues de Moraes (Biko), da coordenação nacional da Conaq.

Para a assessora de direitos humanos da FIAN Brasil, Luana Basílio, o Decreto garante com mais de um século de atraso o direito de propriedade para as comunidades quilombolas.  “A determinação constitucional de 1988 traz em seu bojo uma reparação histórica das violências contra a população negra, uma vez que a abolição da escravidão (em 1888) veio desacompanhada de políticas públicas para a inserção social das pessoas negras, até então coisificadas e escravizadas”.

Comunidades quilombolas

Estima-se que existam mais de cinco mil comunidades quilombolas em todo o país. Um levantamento da Fundação Cultural Palmares mapeou 3.524 comunidades.  Ainda segundo informações da Fundação Cultural Palmares são 2.962 comunidades certificadas como quilombolas no país. No entanto, apenas 168 territórios foram tituladas até o momento.

Ascom FIAN Brasil


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Prato do Dia #4: Programa “Alimento para todos” – uma ideologia farinácea

Quando vemos cenas de crianças subnutridas na África, apelando para que se faça alguma coisa para ajudá-las, a mensagem ideológica subjacente é algo como: “Não pense, não politize, esqueça as verdadeiras causas da pobreza, apenas aja, dê dinheiro, assim você não terá de pensar…” Slavoj Zizek, Vivendo no fim dos tempos

O prefeito de São Paulo, João Doria, lançou, no dia 8 de outubro, o programa “Alimento para Todos”. Segundo informações da Prefeitura, o programa foi criado para combater o desperdício de alimentos por meio do aproveitamento de produtos próximos à data de vencimento e que não seriam comercializados. Esses alimentos seriam processados por meio de um processo de liofilização, transformados em um “granulado” e  distribuídos para “a população carente da capital paulista”. A imprensa nacional também ressaltou que empresas envolvidas no programa Alimento para Todos terão acesso a diversos incentivos fiscais.

Percebe-se, portanto, que é com uma espécie de ração para as pessoas empobrecidas e com dinheiro para as empresas que a Prefeitura da cidade mais rica do Brasil quer “enfrentar a fome”. A proposta foi duramente criticada por pesquisadores/as, por organizações da sociedade civil que atuam nessa área, pelo Conselho Regional de Nutricionistas (3ª região) e pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Em nota, o Consea ressalta a importância dos princípios do direito humano à alimentação adequada já previstos em lei e reafirma que este direito é garantido com “comida de verdade”.

Doria respondeu às críticas e a emenda saiu pior que o soneto: “o Brasil tem de colocar ideologia e partidarismo nas coisas. Aquilo (a ração) foi desenvolvido por cientistas”, disse o prefeito. A resposta de Doria vai no sentido de afirmar que não há ideologia no programa “Alimento para todos”; que a ciência (supostamente neutra) lhe confere legitimidade. Contudo, trata-se exatamente do contrário: há uma forte ideologia neste programa da Prefeitura de São Paulo. E essa ideologia é a de que a fome se resolve com falsas soluções tal como a ração, que as verdadeiras causas da fome (pobreza e concentração de renda, por exemplo) não devem ser questionadas e que nutrição se promove com “nutricionismo” – isto é, apoiando ações empresariais lucrativas que visam a distribuição e o consumo de alimentos ultraprocessados, em vez de se garantir alimentos saudáveis e adequados, produzidos de maneira sustentável.

Todo o processo alimentar é permeado por decisões políticas: o que se come, como o alimento é produzido, por quem, como é distribuído dentre a sociedade, etc. Sendo assim, o caso do programa “Alimento para Todos” é emblemático no sentido da necessidade urgente de se politizar o debate público de temas como alimentação e nutrição.

Hoje, dia 16 de outubro, é o Dia Mundial da Alimentação. Um rápido olhar na legislação internacional indica como o citado Programa viola o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a alimentação é considerada como parte de um padrão de vida adequado e, com o passar dos anos, foi cada vez mais reconhecida como direito humano, especialmente a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Nas últimas décadas muitos países, dentre eles o Brasil, afirmaram o direito à alimentação em suas constituições e leis. O Comitê da ONU para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais interpretou em seu Comentário Geral Nº 12 (CG Nº 12) os fundamentos do direito à alimentação. Em seu parágrafo 6º, o CG Nº 12 define o que é o direito à alimentação adequada, afirmando expressamente que “o direito à alimentação não deverá […] ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos”.

Também em seu último relatório, o ex-Relator da ONU para o direito alimentação, Olivier de Schutter, ressaltou que o combate à fome passa pela necessidade fundamental de se reconstruir os sistemas alimentares contemporâneos, fortalecendo a agricultura familiar e modos de produção, abastecimento e consumo tais como a agroecologia. Para o ex-relator, tal reconstrução é urgente, assim como a realização de reformas políticas nas áreas de agricultura, saúde, educação, proteção social, entre outras.

O dia de hoje é de grande relevância, pois afirmar a alimentação como direito humano tem a intenção política de afirmar como se deve interpretar e garantir esse direito. Implica também em reconhecer que alimento não é a mesma coisa que produto comestível – que não é ração e que não é mercadoria. O dia de hoje é para dizermos que sem soberania, sem igualdade social, ambiental, de gênero, de raça e de etnia, sem trabalho, sem democracia, não temos direitos. O que queremos no nosso prato é dignidade, comida de verdade e diversidade. Esse é o prato pelo qual se luta todo dia.

 

Valéria Burity, Secretária Geral da FIAN Brasil

Lucas Prates, Assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil

 

Nota do Consea sobre o projeto “Alimento para todos”

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão consultivo e de assessoramento da Presidência da República, tem recebido consultas nos últimos dias sobre o chamado Projeto “Alimento para Todos”, lançado em 8 de outubro do corrente ano pela Prefeitura de São Paulo e a Plataforma Sinergia, conforme notícias veiculadas nos meios de comunicação.

Pelas informações disponíveis, o Poder Público Municipal pretende distribuir a grupos sociais em situação de vulnerabilidade um produto alimentar processado a partir de alimentos em vias de perda de validade de consumo e/ou fora de padrões de comercialização, resultando em um granulado com composição ainda não divulgada.

A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006), regida pelo princípio do Direito Humano à Alimentação Adequada, explicita que todas e todos devem estar livres da fome por meio de uma alimentação adequada. A dignidade e respeito aos valores humanos e culturais são condições inegociáveis em qualquer ação desta natureza.

Somando-se a isto o Guia Alimentar, publicação oficial do Ministério da Saúde com as diretrizes sobre alimentação saudável, enfatiza que a dimensão cultural e social da alimentação é fundamental para o exercício e expressão da cidadania de todas e todos e recomenda que os alimentos in natura ou minimamente processados sejam a base da alimentação de brasileiros e brasileiras.

O Consea defende as linhas e diretrizes do Guia Alimentar, bem como o conceito de “comida de verdade”, construído com ampla participação social e consolidado na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, encontro que teve a participação de 2 mil pessoas em Brasília, em novembro de 2015.

Na 5ª Conferência, os delegados e as delegadas participantes aprovaram um “Manifesto à Sociedade Brasileira” sobre aquilo que avaliam como “Comida de Verdade”. Segundo o documento, “a comida de verdade é saudável, garante o direito à alimentação de qualidade, promove hábitos alimentares saudáveis e não está sujeita a interesses de mercado” (clique aqui para o Manifesto).

Assim sendo, considerando esses aspectos e tendo em vista a urgência que o assunto requer, o Consea solicitou à Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo  da Prefeitura de São Paulo, responsável pela Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, e ao Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional informações, documentos oficiais e técnicos sobre este Programa, de maneira a exercer sua função legítima e institucional de controle social e monitoramento das políticas públicas, e convoca a todas e todos a analisarem o atendimento aos princípios da dignidade humana e realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e da Segurança Alimentar e Nutricional nesta ação.

Brasília (DF), 13 de outubro de 2017

Cimi lança nesta quinta, 05, relatório ‘Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016’

As disputas políticas e o recrudescimento da ofensiva sobre os direitos indígenas em 2016 refletiram-se em graves ações de violência e violações em aldeias em todo o país. Esta é uma das constatações do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016, uma publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que será lançado nesta quinta-feira, 5 de outubro, às 14h30, na nova sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.

Chama atenção novamente neste Relatório a quantidade de casos de suicídio, assassinato, mortalidade na infância e de invasões e exploração ilegal de bens comuns, principalmente madeira. O desrespeito do Estado ao direito dos indígenas de viverem nas suas terras ancestrais é um dos focos centrais da publicação, que traz um resumo da situação geral das terras indígenas no Brasil, atualizado no dia 25 de setembro de 2017. Uma extensa tabela que apresenta os 836 territórios não demarcados, divididos por estado, e a situação de cada um deles no procedimento demarcatório é um dos destaques desta publicação.

Os dados do Relatório abrangem diferentes tipos de violência e violações, como conflitos relativos a direitos territoriais, ameaça de morte e desassistência nas áreas de saúde e educação, dentre outros. As informações sobre assassinatos também poderão ser visualizadas no mapa digital da plataforma Caci – Cartografia de Ataques Contra Indígenas, mapeadas de acordo com o município e a terra indígena em que ocorreram.

Estarão presentes no evento cerca de quarenta indígenas dos estados do Maranhão, dos povos Apanikrã Kanela, Krepun, Memortumré Kanela, Krenyê e Gavião, e de Roraima, Macuxi e Wapichana. Dom Roque Palosci, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, e Roberto Liebgotti, coordenador do Cimi Regional Sul e um dos responsáveis pela elaboração do relatório, irão compor a mesa de debates no evento.

Cabe ressaltar que, oportunamente, o lançamento será realizado no aniversário de 29 anos da promulgação da Constituição Federal. Desse modo pretende-se explicitar, além do desrespeito aos direitos originários dos indígenas estabelecidos pela Carta Magna, a inconstitucionalidade do “marco temporal”. Esta tese político-jurídica restringe o alcance do direito à demarcação das terras indígenas, já que vincula este direito à presença física, e não tradicional, das comunidades nos seus territórios ao dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

 

Serviço

 

O quê: Lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016

Quando: 5 de outubro (quinta-feira), às 14h30

Onde: Sede nova da CNBB – SGAN 905, Bloco C (em frente ao autódromo)

 

Assessoria de Comunicação CIMI

Uma crise alimentar mundial que nunca desapareceu

A crise de 2007 e 2008, que aumentou o número de pessoas afetadas pela fome para um bilhão e comprometeu ainda mais os direitos humanos, nunca desapareceu. Esta é a mensagem do Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição 2017.

 

Lançado esta semana na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (UN FAO), o Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição celebra sua décima edição e analisa que durante a última década de crise alimentar mundial, o número de pessoas famintas atingiu seu auge. Hoje, apesar de algum progresso, muitos dos problemas que levaram a esta crise persistem e continuam a afetar milhões.

Isto se confirma pelo relatório anual ‘O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional’ (SOFI) que anunciou, depois de ter diminuído em mais de uma década, que a fome global aumentou novamente afetando 815 milhões de pessoas em 2016 – 11% da população global. Apesar destes números não representarem o quadro completo da insegurança alimentar, ajudam a perceber o caminho que o mundo está a seguir. A proliferação de conflitos violentos, como no Iémen, e choques relacionados com o clima, exemplificados com as catástrofes do Caribe e Américas, estão em parte por detrás destas tendências. E tudo isto é acentuado pelo sistema econômico dominante.

Intitulado “Vencer a crise alimentar mundial”, este número do Observatório mostra, com dez artigos e imagens-chave, a contínua crise múltipla em que o mundo está preso. Das mudanças climáticas às injustas regras do comércio global através das grandes fusões de empresas do agronegócio, até o papel das mulheres na transformação dos sistemas alimentares e do direito à alimentação em situações de emergência, o Observatório realça a complexidade por trás desta crise.

Quando o desastre aparece sem avisar 

O Observatório afirma que a crise, a qual era bastante multifacetada e multidimensional, “teve profundos efeitos na subsistência e vida das pessoas, em suas relações com a alimentação, e também com a saúde pública e bases sociais das comunidades – efeitos que ainda hoje são sentidos”. A crise foi, sem dúvida, o resultado da convergência complexa de fatores de longo e curto prazo, como as autoras e autores exploram nesta edição. Mas para muitas, principalmente no movimento de soberania alimentar, não foi sem avisar que esta crise apareceu, mas foi sim o resultado inevitável dos sistemas econômicos e políticos dominantes que colocaram em primeiro lugar os lucros em vez da manutenção do ambiente e dos direitos humanos.

O Observatório destaca a existência de um sistema alimentar global homogêneo, que é impulsionado por concentração de poder de corporações transnacionais que reduzem alimentos a mercadorias comercializáveis. O espaço rural é a área principal onde estes conflitos se realizam, geralmente de forma violenta, enquanto que em contextos urbanos é alarmante a existência e prevalência de doenças não transmissíveis relacionadas com dietas, que continuam a aumentar em todo o mundo. “Esta insustentabilidade tem sido evidente na exploração sistemática do trabalho agrícola, na persistente poluição dos recursos naturais, na concentração de poder econômico e riqueza, que deixaram os produtores e produtoras de alimentos cronicamente endividados, e no aumento dos níveis de desigualdade no acesso a recursos alimentares e de produção”, indica o Observatório.

Para uma saída, é necessário mover o sistema

Nas recomendações para ultrapassar a crise, a publicação assinala a necessidade de transformações sistemáticas e de se passar a um modelo de produção, distribuição e consumo sustentáveis baseados na justiça social, ambiental e de gênero e na garantia de todos os direitos humanos. Para concluir, “para ter os meios para alimentar a humanidade no futuro, precisamos, urgentemente, de criar sistemas alimentares locais e regionais que lutem contra a concentração de poder dos mercados nacionais e internacionais”.

Em comentário à publicação, Soledad García Muñoz, a primeira Relatora Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), afirma: “Para compreender a crise, é necessário ter uma análise honesta e introspectiva do sistema alimentar dominante, bem como do aparato sociopolítico que o sustenta. Para superar esta crise, é preciso alcançar uma melhor distribuição da riqueza e do poder e acreditar que uma mudança é possível. Isto precisa de ser acompanhado pelo reforço dos direitos humanos e de todos os mecanismos que os promovem de boa fé. Afinal, como o Observatório foca, este é o resultado de nossas lutas por justiça social e será o alicerce para as gerações futuras”.

Acesse o Observatório aqui.

Tekohá É Vida

Num mundo profundamente desligado da natureza, Tekohá é Vida realçará as lutas dos povos indígenas Guarani e Kaiowá e tem como objetivo aumentar a compreensão das abordagens não-dominantes e mais sustentáveis da mãe natureza.

Numa época de crescente comercialização de bens comuns, como terra e outros recursos naturais, o acesso e o controle de territórios ancestrais pelos povos indígenas está cada vez mais em risco. Apesar de serem reconhecidos pela legislação internacional e apresentados em várias leis nacionais, os direitos das comunidades indígenas estão a ser pisoteados por atividades comerciais, com a cumplicidade e fracasso dos governos. E, para além de tudo isto, as abordagens à terra dadas pelos indígenas, que possuem uma ligação genuína com a natureza, e a manutenção sustentável num mundo de destruição ambiental, parecem ser desconsideradas.

Os povos indígenas Guarani e Kaiowá, que representam cerca de 60 mil pessoas no Brasil (cerca de 45 mil apenas no sul do estado Mato Grosso do Sul), sofrem cada vez mais os atos de violência e expulsão das suas terras tradicionais. Desde 1920, têm sido constantemente expulsos dos seus territórios ancestrais, os quais são essenciais à sua identidade, autodeterminação e dignidade humana.

Em Guarani, sua língua indígena, Tekohá é o termo utilizado para se referir a seus territórios. Tekohá significa muito mais do que simplesmente terra. O prefixo teko – representa as normas e costumes da comunidade, enquanto que o sufixo – ha tem a conotação de lugar. Tekohá é o lugar físico – incluindo terra, floresta, campos, cursos de água, plantas e remédios – onde o modo de vida dos povos indígenas Guarani e Kaiowá se desenvolve. A terra é uma extensão dos povos indígenas e da sua fonte de vida. Citando as suas palavras: a terra são eles e elas, e eles e elas são a terra.

Tekohá é vida é lançado como uma iniciativa para realçar as lutas dos povos indígenas Guarani e Kaiowá na recuperação do acesso e controle das suas terras ancestrais. Num mundo cada vez mais alienado e desligado da natureza é importante aumentar a compreensão das abordagens não-dominantes e mais sustentáveis da mãe natureza.

Diversas iniciativas de defesa de seus direitos e sensibilização serão realizadas na esperança demonstrar às pessoas a realidade em que os Guarani e Kaiowá vivem.

Da FIAN Internacional

Poder dos Alimentos é tema de Simpósio no Rio de Janeiro

Nos dias 29 e 30 de setembro, foi realizado no Rio de Janeiro, o Simpósio “O Poder dos Alimentos: um diálogo entre saberes e fronteiras”. Organizado pelo IESP – Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, o Simpósio teve como objetivo discutir as lutas políticas, a produção, distribuição e consumo de alimentos.

O evento foi dividido em temas, almejando em cada deles uma representação de olhares distintos, entre disciplinas acadêmicas e da prática política e cotidiana. Um primeiro eixo temático trata da alimentação como direito humano e discute os conceitos de segurança alimentar e soberania alimentar, bem como as lutas pelo reconhecimento dos direitos dos camponeses.

O segundo eixo discute as implicações desta concepção de alimentação como direito humano para se repensar as esferas da produção, distribuição e consumo, tendo em vista o predomínio de uma visão mercantilizada sobre o alimento.

O terceiro eixo temático, por sua vez, se refere às relações entre alimentação, meio ambiente e saúde, considerando-se a qualidade dos alimentos, a saúde do trabalhador e do consumidor, a preservação da agrobiodiversidade, bem como a produção de alimentos para além da agricultura. Já o quarto eixo traz para o centro do debate as desigualdades e injustiças em torno da alimentação, entre elas gênero, etnia, raça e espaços geográficos. Por fim, o quinto eixo temático discute a politicização da alimentação, em suas variadas facetas, as antigas e novas alianças em torno do tema, incluindo a solidariedade transnacional e os desafios, sobretudo em relação às conjunturas políticas nacional e internacional.

A secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, participa da mesa “Alimentação como direito: segurança alimentar e soberania alimentar em contexto de crise”, que acontece na manhã do dia 29.

Confira a programação completa AQUI.

FIAN Brasil participa da 4ª Plenária do Consea

A 4ª Reunião Plenária Ordinária do Consea realizada no dia 27 de setembro discutiu sobre a Agricultura Familiar e Compras Públicas, com foco principal no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que teve cortes no orçamento do Governo Federal acima de 2 bilhões de reais. O corte no PAA representa, para especialistas, um desmonte da agricultura familiar no país.

Durante a Plenária foram ouvidos representantes da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

No dia 26 de setembro, a FIAN Brasil participou da reunião da Comissão Permanente 4 – Direito Humano à Alimentação Adequada do Consea, que além da pauta da Plenária debateu sobre o conceito de DHAA para DHANA e contou com uma apresentação do Comentário Geral no 12 – O direito humano à alimentação (art.11) (Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos/ONU – 1999).

Mais informações sobre a 4ª Plenária do Consea, acesse aqui.

Nota da sociedade civil sobre a Revisão Periódica Universal do Brasil na ONU

As organizações da sociedade civil brasileira presentes no processo de Revisão Periódica Universal do Brasil nas Nações Unidas (ONU) manifestam sua posição sobre o processo e sobre os resultados. Esta é terceira avaliação da situação dos direitos humanos no Brasil. No dia 21 de setembro, durante a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o Estado brasileiro aceitou 242 e tomou nota de quatro, das 246 recomendações feitas por 103 países.

As organizações entendem que a aceitação das recomendações é uma demonstração da necessidade de avançar na realização dos direitos humanos no Brasil. Contudo, questionam sobre o real compromisso do governo brasileiro perante a ONU e à sociedade nacional com relação à implementação. Recomendações adotadas nos dois ciclos avaliativos anteriores ainda não foram efetivadas, dentre elas por exemplo as demarcações de terras indígenas Guarani e Kaiowá. Frente à crise política, o rompimento democrático e as graves medidas de austeridade econômica que atingem a toda a população e, particularmente, os mais pobres e vulneráveis torna-se inviável transformar os compromissos anunciados em ação.

As organizações manifestam profundo desacordo com a intervenção do Estado brasileiro na sessão do Conselho por não corresponder à realidade. O governo se recusa a reconhecer o cenário de graves violações de direitos humanos no Brasil e os inúmeros desafios para o futuro. Para a missão brasileira na ONU todos os retrocessos em direitos trabalhistas, as reduções nos gastos sociais e o ajuste fiscal não comprometem as políticas para a realização dos direitos humanos no Brasil. Para as organizações, tais reformas e cortes orçamentários aprofundarão as desigualdades e as violações.

O futuro anunciado pelo governo é de que 2018 será de retomada de um “ciclo virtuoso de crescimento”, porém é muito difícil de acreditar que as recomendações feitas no RPU tenham condições de efetivação se forem mantidas medidas como a Emenda Constitucional nº 95/2016, a realização da Reforma da Previdência e a proposta de orçamento público federal para 2018 que diminui drasticamente os recursos públicos para áreas fundamentais. O orçamento 2018 proposto pelo governo corta em áreas como o direito à cidade (moradia, saneamento, mobilidade), que terá 86% menos recursos que em 2017; a assistência social, que terá 98% a menos; a ciência e tecnologia, que terá 27% a menos; o meio ambiente, que terá 18% a menos; a promoção da igualdade racial, que terá 74% a menos e a garantia dos direitos das mulheres, que terá 34% a menos. E mais, mesmo com a possibilidade do Brasil voltar ao Mapa da Fome, há redução prevista para o Bolsa Família em 11%, e de 85% para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e para a implantação do Programa de cisternas no semiárido, projeto recém premiado na ONU. Aprofundando o quadro de violações dos direitos dos povos indígenas, em 2018 a Funai sofrerá um corte de mais de 90%, comparado a 2013.

Durante o período de consideração das recomendações pelo Estado brasileiro, entre maio e agosto, houve uma consulta pública online e foi realizada uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados com a presença do Ministério dos Direitos Humanos e do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, é incerto o quanto o governo brasileiro levou em consideração esses processos durante a tomada de decisão em relação às recomendações recebidas no âmbito da RPU e, apesar do compromisso feito pelo MDH, até o momento não foi divulgado o resultado da consulta pública. Infelizmente, o governo brasileiro também não divulgou publicamente a resposta enviada às Nações Unidas no dia do seu envio, cabendo somente à ONU a publicação em seu site, em inglês, da resposta enviada pelo Brasil, o que acabou por restringir o amplo acesso dessa resposta pela sociedade brasileira. Por isso, a sociedade civil considera insatisfatório o processo de informação, consulta e participação social. O diálogo propagado pelo governo foi limitado e, ademais, conselhos de participação e controle social existentes não foram envolvidos no processo. Em Genebra, a missão diplomática apenas cumpriu formalidades.

Por tudo isso, a sociedade civil brasileira que acompanhou o processo do RPU sai deste momento com uma certeza: somente fazendo respeitar os mecanismos democráticos é que o governo poderá engajar-se efetivamente na agenda de promoção e proteção dos direitos humanos. Até lá o Brasil segue sendo um país extremamente desigual, violento e que discrimina e marginaliza amplos segmentos que conformam a sociedade.

Não aceitamos que os mais pobres paguem as contas dos custos do ajuste estrutural. Não aceitamos retrocessos em direitos humanos. Nenhum direito a menos. Todos os direitos para todas as pessoas. Demarcações já. Mais direitos, mais democracia.

Genebra, 22 de setembro de 2017.

 

Assinam a nota:

Anistia Internacional Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Conectas Direitos Humanos

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Grande Assembleia dos Guarani-Kaiowa (Aty Guasu)

Instituto Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH)

Justiça Global

Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

Observatório Nacional das Políticas de Aids (ABIA)

Plataforma de Direitos Humanos (DhESCA Brasil)

Rede de Cooperação Amazônica (RCA)

Rede Internacional pelo Direito Humano à Alimentação (FIAN Brasil e FIAN Internacional)

Rede Internacional de Direitos Humanos (RIDH)