Usado em larga escala, agrotóxicos ameaçam povos indígenas e comunidades tradicionais do país

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Representantes de movimentos sociais e comunidades tradicionais alertam especialista da ONU sobre impactos de resíduos tóxicos

A pulverização aérea e terrestre de agrotóxicos é um dos graves problemas que assolam os povos indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Além da negligência do Estado sobre a demarcação de suas terras, os indígenas estão cercados por monoculturas de cana e grãos com uso intensivo de agrotóxicos, sofrem com contaminação da água, problemas relacionados à saúde e também com a pulverização intencional em áreas de retomada,  ou seja, agrotóxicos usados como arma química.

Essa e outras denúncias foram apresentadas ao relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos, Baskut Tuncak, que participou de uma audiência pública sobre Impacto dos resíduos tóxicos para os direitos humanos, na Câmara dos Deputados, no dia 3 de dezembro.

A denúncia dos povos Guarani e Kaiowá, apresentada durante a audiência pública por Jânio Avalo, liderança indígena na região, também faz parte do relatório “Promoção e uso intensivo de organismos geneticamente modificados e agrotóxicos, retrocesso das políticas de transição agroecológica e o seu impacto em comunidades acompanhadas pela Fian Brasil”, entregue pela organização ao relator Baskut Tuncak. (O relatório foi entregue em inglês e em breve estará disponível em português).

Jânio Guarani e Kaiowá

“Esse é um momento de clamor, no Mato Grosso do Sul a população indígena está sofrendo e quando se fala em violações de direitos humanos, os povos indígenas do Brasil são os mais afetados. Vivemos numa região de conflito, a maioria de nossas aldeias sofre com o derramamento de agrotóxicos, estamos sobrevivendo a chuvas de agrotóxicos e são muitos os impactos na saúde e na natureza. Nós queremos que o Estado brasileiro respeite a população indígena brasileira e que proíbam o uso de agrotóxicos em nossos territórios”, alertou Jânio.

Relatório

O relatório entregue pela Fian Brasil teve como objetivo subsidiar o Relator Especial sobre as implicações para os direitos humanos da gestão e eliminação ambientalmente saudável de substâncias e resíduos perigosos. Além do caso dos Guarani e Kaiowá, o documento também trata sobre os casos de violações de direitos humanos no território Geraizeiro de Vale das Cancelas, norte de Minas Gerais.

Vale das Cancelas

Atualmente, cerca de 17 grandes empresas atuam na região, dentre elas estão as de reflorestamento, que plantam pinus e eucalipto e mineradoras. As empresas de reflorestamento fazem uso extensivo de agrotóxicos que contaminam o solo, a água e os animais, comprometendo a saúde e a segurança alimentar do povo geraizeiro.

O relatório entregue pela Fian Brasil também aponta que outro tipo de empresa que tem afetado o território do povo geraizeiro de Vale das Cancelas são as mineradoras. A região possui uma jazida de minério de ferro estimada em mais de um bilhão de toneladas.

Para Adair Nenzão, representante do território geraizeiro de Vale das Cancelas, que também participou da audiência pública com o Relator Especial, é necessário que a ONU cobre do governo chinês sanções às empresas chinesas que tem expulsado comunidades tradicionais de seus territórios. “Não é justo que alguns percam a vida para encher os bolsos dos empresários com dinheiro”, destacou.

Adair Nenzão

Agrotóxicos

Representantes de comunidades tradicionais e movimentos sociais também participaram da audiência pública e relataram diversas situações em que os resíduos tóxicos ameaçam a população brasileira, principalmente com impactos sociais, ambientais e econômicos.

Antônia Silva, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), falou sobre os impactos dos agrotóxicos na vida de quem vive no campo e da necessidade de uma nova forma de produção de alimentos, como a agroecológica. “Casos de doenças provocadas pelo uso de agrotóxicos não são isolados, é uma realidade no país. O agrotóxico é o maior indutor de pessoas ao SUS, se o agrotóxico é o que causa mais prejuízo ao Estado, porque ele não é taxado? Em muitos casos a isenção de impostos sobre agrotóxicos é de 100%, outros casos são de 70, 60%, mas em todos os estados têm de certa forma isenção de agrotóxicos, se eu pago imposto pela comida, porque não cobrar quem tá intoxicando o povo?”

Antônia Silva/MST

A assessora de Direitos Humanos da FIAN Brasil, Nayara Côrtes, alertou que o sistema alimentar  atual é pautado pelo agronegócio e baseado em alimentos com agrotóxicos e transgênicos. “É possível produzir alimentos suficientes sem esses artifícios. Os agrotóxicos violam todas as dimensões do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas: a disponibilidade, acesso, adequação e sustentabilidade. Enquanto isso, subsidiam esses produtos em meio a vários cortes no orçamento público. Só em 2018 foram deixados de arrecadar 2 bilhões de reais em isenção de impostos sobre agrotóxicos”.

Saiba mais sobre isenção de agrotóxicos AQUI!

Cenário desolador

Para a procuradora dos Direitos dos Cidadãos do Ministério Público Federal, Deborah Duprat, numa sociedade, historicamente, tão desigual como é a sociedade brasileira, em que seis pessoas ganham o correspondente a mais da metade da sociedade, também os danos e o ônus ambientais se distribuem muito desigualmente. “Provavelmente, vamos ter os centros oligárquicos consumindo produtos orgânicos, livres de poluição, com seus aspectos paisagísticos muito preservados. No entanto, se formos para as periferias das grandes cidades vamos ver a absoluta ausência de equipamentos públicos, a poluição e principalmente, as periferias são os locais eleitos para o depósito de todo o lixo produzido por aquilo que se chama de desenvolvimento”.

Segundo Duprat, é preciso chamar atenção de fato para o que se passa no Brasil porque o cenário, em termos ambientais, é desolador. “Não adianta dizermos que os indígenas são protetores da floresta, os quilombolas, que os trabalhadores rurais sem terra, porque estão sufocados por uma sociedade que produz em larga escala, que consome e produz lixo em larga escala e que avança sobre esses povos em larga escala”, apontou.

Desregulação é um mito

Ao falar sobre a toxicidade da sociedade, incluindo o perigo dos agrotóxicos, o relator Baskut Tuncak destacou que as vantagens sobre a desregulação nos negócios é um mito. “Na minha visão a desregulação não é boa para os negócios, pois promove modelos insustentáveis com padrões de atividade econômica obsoletos que fazem as sociedades recuarem ao invés de avançarem com a tecnologia e progredir com métodos de produção mais avançados”.

Basku Tuncak – Crédito foto: Vinicius Loures/ Câmara dos Deputados

Tuncak está em visita ao Brasil no período de 02 a 13 de dezembro para avaliar a situação do país em relação a substâncias e resíduos perigosos. Além de Brasília, o relator também cumpriu agendas em Minas Gerais, Maranhão e Pernambuco, onde se encontrou com representantes do governo, sociedade civil e da comunidade empresarial.

No dia 13 de dezembro, Tuncak fará uma coletiva de imprensa em Brasília, com suas observações preliminares sobre a visita ao Brasil. O Relator Especial apresentará um relatório completo com sua análise e recomendações ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em setembro de 2020.

Confira o vídeo completo da audiência pública.

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