Prato do Dia #7: A carga pesada do neoliberalismo e seu rastro de fome – Sobre a greve dos caminhoneiros e petroleiros

 

A carga pesada do neoliberalismo e seu rastro de fome:

Sobre a greve dos caminhoneiros e petroleiros

 

“Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça

Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça…”

Nação Zumbi, Da Lama ao Caos

 

Na manhã de hoje, 31.05, a greve dos caminhoneiros entra no seu 11º dia. Grande parte dos pontos de aglomerações foi desfeita, mas o dia começou ainda com resistência em lugares estratégicos, como, por exemplo, o Porto de Santos em São Paulo, ocupado por grevistas e por forças do Exército Brasileiro e da Polícia Militar estadual.

Segundo a grande mídia, a redução no preço do diesel foi uma das grandes reivindicações dos grevistas – e a sua redução, em 46 centavos por litro, uma das principais medidas adotadas pelo Governo. As medidas provisórias com estas disposições foram publicadas hoje e vão onerar em mais de 9 bilhões de reais o orçamento público, garantindo o lucro de investidores da Petrobrás, em um momento que o déficit fiscal é argumento para congelar, por 20 anos, os gastos socais no Brasil.

Já nos seus primeiros dias, a greve dos caminhoneiros gerou impactos na produção, comercialização e consumo de alimentos no Brasil. Foram recorrentes as imagens de desperdício de alimentos não escoados, de produtores/as chorando em razão do que não puderam vender e de prateleiras vazias nos supermercados. Também houve a escalada de preços de alimentos como batata e limão, entre outros.

Os impactos tiveram alcance internacional. Os exportadores reclamaram de prejuízos de centenas de milhões de reais, já que o país vende para o exterior carne bovina, suína e de frango, suco de laranja, café, soja e outros produtos. Navios, que deviam levar esses produtos ao mundo, retornaram vazios – ou nem atracaram em nossos portos.  Vale lembrar que, segundo o relatório da Chatham House, centro de estudos com base no Reino Unido, o Brasil tem 2 dos 14 gargalos do abastecimento global de alimentos: os portos do sul e sudeste e as estradas brasileiras.  A propósito, uma (necessária) reflexão sobre a distância entre quem produz e quem consome alimentos nos sistemas alimentares predominantes hoje e algumas medidas necessárias para fomentar circuitos curtos de produção e consumo de comida de verdade, consta no artigo da presidenta do Consea, Elisabetta Recine: “Por que uma crise de abastecimento em tão poucos dias?”.

A forma como se noticia a greve dos caminhoneiros na grande mídia quase sempre põe pouca tinta em questões estruturantes, que têm forte ligação com o modelo de Estado implementado pelo governo Temer. A partir de 2016 foram adotadas uma série de medidas que caracterizam um governo marcado por: excluir classes e grupos desfavorecidos de suas decisões, usar diferentes meios para suprimir direitos fundamentais, abrir frentes para uma ainda maior obtenção de lucro pelo capital nacional e internacional e intensificar o uso de violência e da criminalização para conter lutas sociais. A reforma trabalhista, o congelamento de gastos sociais, por meio da Emenda Constitucional (EC) 95, o aumento da criminalização e violência contra os movimentos sociais, assim como a política de preços adotada pela Petrobrás, são produtos indigestos da receita neoliberal instalada, ao arrepio da democracia, no Brasil.

Dentre os pontos de relação da política de preços de combustíveis com o processo alimentar, vale destacar o impacto sobre o acesso econômico aos alimentos. A recente escalada de preços dos combustíveis teve como consequência o aumento do número de famílias que passou a usar a lenha para cozinhar – segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), subiu de 16,1% para 17,6% a parcela de lares que passaram a utilizar carvão ou lenha em vez de gás, ou seja, mais de 1,2 milhão de brasileiros deixaram de utilizar o gás de cozinha apenas no ano passado. Isso porque as pessoas têm que escolher entre comprar gás ou comprar mais comida.

Sobre a política de preços da Petrobrás, vale ler a Nota Técnica nº 194 do DIEESE que explica como a empresa mudou a sua gestão passando a: i) praticar nas refinarias brasileiras os mesmos preços do mercado internacional, levando a escalada de preços, ii) a reduzir a produção nas suas refinarias e iii) a caminhar para um processo de privatização, com o anúncio da venda de quatro refinarias no Brasil. O DIEESE é enfático ao afirmar que a redução do preço do diesel, sem o enfrentamento das questões de fundo que afetam o setor, será mero paliativo.

Com o forte posicionamento contra a política de preços da Petrobrás e visando à exoneração do atual presidente desta empresa, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) iniciou uma greve no dia 30.05, ainda durante a paralisação dos caminhoneiros. A Advocacia Geral da União e a Petrobrás, sob argumento de que a greve da FUP era ilegal, acionaram o Tribunal Superior do Trabalho (TST), pedindo a aplicação de multa diária de 10 milhões de reais, em caso de greve dos petroleiros. O TST acatou o pedido e impôs uma multa de 500 mil reais por dia de paralisação, ainda assim os trabalhadores/as continuaram sua resistência. Ante a resistência à ordem judicial, a Ministra Maria de Assis Calsing, do TST, aumentou o valor das multas para 2 milhões de reais, o que fez com que a FUP, sob forte pressão, recuasse em seu movimento, pedindo aos sindicatos a suspensão da greve.

Apesar das confusas declarações de Temer, no meio do caos em que se encontra o país, o governo deixou evidente que reduzirá o preço do diesel, mas não modificará a política de preços da Petrobrás.

O atual governo e suas medidas neoliberais, em uma doutrina de choque, vêm pondo abaixo conquistas sociais importantes, como a saída do Brasil do mapa da fome. O congelamento de gastos sociais, por meio da Emenda Constitucional (EC) 95, já é responsável por regredirmos em dois anos os avanços conquistados em mais de 10 anos nos indicadores de extrema pobreza. E estudos também mostram que, até 2030, cerca de 20 mil crianças podem morrer em razão do ajuste fiscal adotado pelo governo.

Por onde passou, o neoliberalismo deixou a carga pesada da desigualdade, da pobreza e da fome. Por isso, é cada vez mais relevante apoiar as ações que visam fortalecer a democracia e revogar as medidas que violam os direitos da população. Seria um bom (re)começo a revogação da EC 95 e da política de preços da Petrobrás, porque “paridade internacional”, sem igualdade material, é pura covardia.

Texto de Valéria Burity, Secretária Geral da FIAN Brasil

Por que uma crise de abastecimento em tão poucos dias?

Milhares de toneladas de alimentos perdidas, escassez de comida, disparada de preços. A paralisação dos caminhoneiros, iniciada na semana passada, e suas consequências, quase que imediatas, em termos de abastecimento é uma oportunidade para refletirmos sobre como organizamos os processos de produção e comercialização de alimentos no Brasil.

Na conta dos produtos perecíveis perdidos entram frutas, verduras, legumes, laticínios e carnes. Também estão sendo enfrentadas dificuldades para alimentar aves, suínos e bovinos, uma vez que o movimento dos caminhoneiros compromete o acesso a insumos. O clima de insegurança alimentar vivido nos últimos dias, entretanto, está longe de acabar. Após a normalização do transporte no País, a crise gerada pelo desabastecimento trará efeitos na inflação dos preços dos alimentos, decorrente da instabilidade provocada por um modelo de produção que privilegia a grande produção e as grandes redes varejistas. O sistema alimentar hegemônico se organiza a partir da lógica do circuito longo de produção e consumo. No circuito longo, a produção em grande escala está diretamente associada a um sistema complexo de logística que geralmente envolve percursos extensos e concentração do varejo em grandes unidades.

Sem consertar as causas, não há como tratar as consequências. A insegurança no abastecimento gerada pelo movimento dos caminhoneiros demonstrou a urgência da adoção de uma política de abastecimento alimentar capilarizada que fortaleça os circuitos curtos de produção e consumo. Os circuitos curtos estabelecem o contato, com poucas etapas, algumas vezes nenhuma entre  produtor e consumidor. A comercialização é feita em  feiras, lojas de associação de produtores, venda direta para grupos organizados, cestas entregues em domicílio, entre outras formas de comercialização. Permitem reforçar o aspecto público e a valorização de pequenos produtores, produtores agroecológicos e orgânicos e cooperativas.

Em um processo onde há dinamismo econômico local aliado a uma forma de produção sustentável, reduzindo ou eliminando por completo os agroquímicos da cadeia de produção, pratica-se uma agricultura menos intensiva, familiar e sustentável. A opção pelos circuitos curtos de produção reduz a “pegada ecológica” não só no modo de produção, mas também na cadeia de comercialização, diminuindo substancialmente a emissão de dióxido de carbono na atmosfera e a dependência dos transportes que se utilizam de combustíveis fósseis. A experiência dos circuitos alimentares de curta distância possibilita conectar e aproximar os locais de produção, armazenamento, distribuição e consumo de alimentos saudáveis e naturais. Em diferentes cidades, moradores se organizam para fazer compras coletivas de alimentos naturais e saudáveis diretamente  de produtores agrícolas locais ou de regiões próximas ao local de moradia.

Também testemunhamos o fortalecimento de organizações e grupos informais que promovem a agricultura urbana, estruturando hortas comunitárias em praças, parques, escolas e terrenos ociosos, criando alternativas de geração de renda, promovendo a ressignificação e a ocupação cidadã de espaços públicos, além do resultado direto de aumentar a disponibilidade de alimentos. Em sintonia com a busca por maior segurança alimentar e nutricional, o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, aprovado em 2014, redefiniu zonas rurais com o objetivo de ampliar a produção e consumo local de alimentos naturais e saudáveis, especialmente nas áreas de interesse ambiental e de proteção e recuperação de mananciais. A experiência demonstra a importância da atuação do poder público na construção de políticas de fomento à agricultura local, urbana profissional (comercialização) e de vizinhança (complementação alimentar).

Quando a comida vira objeto de especulação, fica difícil o seu acesso de maneira justa. Entre as recomendações da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, realizada em 2015, em Brasília, está a instituição de uma política soberana de abastecimento alimentar, cujos componentes essenciais são a reestruturação das centrais de abastecimento e o fortalecimento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Não se pode minimizar os riscos de crise de abastecimento perante situações de calamidade ou conflito que dificultem ou impeçam a circulação dos meios de transporte utilizados para ultrapassar a distância entre a produção e o consumo, nos modelos tradicionais. É necessário fortalecer uma política de estocagem de alimentos, com o estabelecimento de plano de contingência que permita garantir o abastecimento da população brasileira em períodos críticos, com estabilidade de preços.

Alimentar milhões de brasileiros passa por fortalecer a conexão entre a cidade e o campo. Pensar a segurança alimentar e nutricional é pensar no acesso, distribuição, disponibilidade, consumo e, portanto, formas de abastecimento. É estimular a diversificação de culturas. É buscar a readequação da legislação sanitária de alimentos de origem animal e bebidas à produção artesanal, tradicional e familiar. É fortalecer o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. É garantir do acesso à terra e ao território, requisito fundamental para a redução das desigualdades no campo brasileiro e para a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada.

No sábado (27), no auge da crise de abastecimento, fui ao Ceasa de Brasília temerosa do que (não) iria encontrar. Meu circuito é Mercado Orgânico e Mercado da Agricultura Familiar ― dois locais onde comprovo todas as semanas que, comprando do produtor, os preços de alimentos saudáveis sem veneno são justos e acessíveis. Ao me deparar com bancas repletas de alimentos e sem nenhum centavo de aumento no preço, perguntei a uma das produtoras como estava lidando com a “crise”. Ela me respondeu: “Nossa chácara é perto, tinha um pouco de gasolina na caminhonete, aí deu para vir com tranquilidade”. Simples assim.

* Elisabetta Recine é presidenta do Consea, professora da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora.

Disponível em: https://diplomatique.org.br/por-que-uma-crise-de-abastecimento-em-tao-poucos-dias/

 

FIAN Brasil participa de debate sobre agrotóxicos na TV Câmara

 

Fonte: TV Câmara

O assessor da FIAN Brasil, Lucas Prates, participou na última segunda-feira (21/05) de um debate na TV Câmara sobre o Projeto de Lei nº 6299/02, que pretende revogar a atual lei de agrotóxicos.

Representando o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Lucas falou sobre os perigos que esse projeto oferece para a alimentação adequada e saudável.

Assista a íntegra do debate no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=RtJOp3rcyMg

Política de austeridade elevará mortalidade infantil em 8,6% até 2030, diz estudo

Em artigo publicado na PLOS Medicine, cientistas apresentam simulações feitas com dados detalhados de todos os municípios brasileiros; sem o teto de gastos limitando programas sociais, 20 mil mortes de crianças poderiam ser evitadas nos próximos 12 anos

 

As políticas de austeridade fiscal levarão a um aumento de 8,6% da taxa de mortalidade infantil no Brasil até 2030, por conta de cortes nos programas de proteção social; sem a política de austeridade, nos próximos 12 anos serão evitadas 124 mil internações e 20 mil mortes de crianças até cinco anos de idade. Foto: PLOS Medicine

 

As políticas de austeridade adotadas no Brasil contra a crise econômica poderão levar a um aumento de 8,6% da taxa de mortalidade infantil no País até 2030, em comparação a um cenário no qual os programas de proteção social não tivessem sua cobertura reduzida. A conclusão é de um estudo realizado por um grupo internacional de cientistas e publicado nesta terça-feira, 22, na revista PLOS Medicine.

Na projeção dos pesquisadores, sem a política de austeridade econômica, nos próximos 12 anos serão evitadas 124 mil internações e 20 mil mortes de crianças até cinco anos de idade.

Para fazer a estimativa, os pesquisadores se basearam em simulações do Banco Mundial, do  Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e em dados do Ministério do Desenvolvimento Social e do Ministério da Saúde. A partir dessas informações, eles desenvolveram um modelo estatístico de simulação detalhada dos efeitos das mudanças nas taxas de pobreza e nos programas sociais, entre 2017 e 2030, em cada um dos 5.507 municípios brasileiros.

Participaram do estudo cientistas do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), do Imperial College London (Reino Unido), da Universidade Stanford (Estados Unidos), da Universidade Harvard (Estados Unidos), da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais (Fiocruz Minas), do Ipea e da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com o primeiro autor do estudo, Davide Rasella, pesquisador da UFBA e do Imperial College, os resultados mostraram  também que o impacto negativo das políticas de austeridade é maior nos municípios mais pobres e se deve especialmente ao iminente aumento da pobreza e à redução da cobertura dos programas sociais, em particular o Bolsa Família e o Saúde da Família.

“O nosso estudo sugere que uma redução da cobertura dos programas de redução da pobreza e de atenção básica à saúde podem resultar em um substancial número de mortes evitáveis de crianças no Brasil. Essas medidas de austeridade terão impacto desproporcional na mortalidade infantil nos municípios mais pobres, revertendo tendências anteriores de redução da desigualdade nos resultados relacionados à saúde infantil”, disse Rasella ao Estado.

As centenas de simulações feitas pelos pesquisadores consideraram variados cenários de duração da crise econômica e de magnitude dos cortes nos programas sociais. Em todos os cenários a mortalidade infantil foi afetada.

Segundo Rasella, um documento do Banco Mundial que estimava o aumento da pobreza em 2016 e 2017 em decorrência da crise econômica serviu de base para a elaboração do modelo matemático utilizado no estudo. Ele se baseia em micro-simulações para modelar  características individualizadas dos dados – neste caso, as informações específicas sobre todos os municípios – e associar a elas probabilidades de resultados em políticas públicas.

“Utilizamos a mesma matemática envolvida nesse estudo do Banco Mundial. A micro-simulação é cada vez mais utilizada em epidemiologia e é especialmente útil para avaliar ao mesmo tempo os impactos das políticas públicas em geral e em subgrupos pré-determinados. Nós utilizamos esse modelo para estudar as consequências da macroeconomia na saúde da população”, afirmou Rasella.

Assim, os pesquisadores partiram de dois conjuntos de dados. O primeiro consiste nas variáveis demográficas e socioeconômicas específicas de cada município, incluindo as tendências ao longo do tempo com o impacto dos programas sociais. O segundo é a magnitude do efeito de todas as variáveis independentes de mortalidade e hospitalização infantil.

“Graças à riqueza dos dados que temos nas mãos, pudemos simular não só o comportamento da população em geral, mas de cada município”, disse Rasella. “Os dados que utilizamos para nossas simulações não foram calculados pelo nosso grupo, mas pelos próprios Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Social. Produzimos essas simulações com algumas das técnicas mais sofisticadas que existem à disposição”, acrescentou.

Para as previsões de mudanças demográficas foram utilizados dados do IBGE. Para a previsão da redução da cobertura do Bolsa Família e do Saúde da Família foram empregados dados dos próprios ministérios responsáveis pelos programas, além de simulações dos efeitos da Emenda Constitucional 95 produzidas pelo Ipea.

Essas previsões foram simuladas de acordo com diferentes cenários em relação à situação econômica do País e em relação às políticas a serem adotadas – de austeridade ou de manutenção do programas sociais.

De acordo com outro dos autores do estudo, Romulo Paes-Sousa, pesquisador da Fiocruz Minas, o estudo mostra que os resultados das políticas de austeridade não se limitam à economia, mas acabam tendo efeitos sobre todas as políticas públicas e sobre o bem estar da população.

“Fizemos um grande número de simulações e nosso trabalho foi extremamente rigoroso. Algumas conclusões são previsíveis, mas é importante quantificar esses números. O alerta que queremos fazer é que as variáveis socioeconômicas precisam ser consideradas quando se toma uma decisão que tem impactos no orçamento público. O impacto no bem estar da população pode ser muito grande se não levarmos isso em conta”, afirmou Paes-Sousa.

Teto de gastos. De acordo com os pesquisadores, a medida de austeridade com maior impacto foi a Emenda Constitucional 95, aprovada em dezembro de 2016, que congela os gastos públicos por 20 anos. O estudo aponta que, com a emenda, não há possibilidade de um crescimento real dos investimentos em proteção social e em saúde. Com o crescimento e envelhecimento populacional previsto, o impacto negativo da emenda na saúde é inevitável.

Segundo Rasella, para evitar uma degradação das condições de saúde seria preciso manter os níveis de investimento compatíveis com o crescimento dos níveis de pobreza verificados após a crise econômica.

“Nossa modelagem mostra como deveria ser um sistema de proteção social satisfatório, seja do ponto de vista da assistência social ou da assistência à saúde. Nosso foco não é a crise econômica, mas as medidas de austeridade, que terão um impacto duradouro de 20 anos. Não podemos nos ater à simples variação do PIB, porque essa é uma medida muito geral da economia e não reflete a dinâmica da pobreza. No ano passado tivemos um pequeno crescimento do PIB, mas a pobreza aumentou.”

Recursos. Em nota, o Ministério da Saúde disse que a Emenda Constitucional 95/2016 não congelou os recursos para a saúde. “Estabeleceu que, para a União, as aplicações mínimas em ações e serviços públicos em saúde já a partir de 2017 seriam de 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) e, a partir de então, o piso seria corrigido pela inflação. A regra anterior previa o percentual de 15% da RCL a ser alcançado apenas em 2020. Com essa antecipação, a saúde ganhou R$ 10 bilhões a mais já no ano passado”, disse. A nova norma protegerá a saúde de ter seu piso de gastos reduzido em momentos de contração da economia e de queda de receita, acrescentou a pasta.

O Ministério disse ainda que destina recursos crescentes para a saúde pública. “Em 2017, foram executados R$ 126,9 bilhões, sendo R$ 115,3 bilhões especificamente as Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS). Para 2018, o orçamento aprovado pelo Congresso Nacional é de R$ 131,2 bilhões, sendo R$ 119,3 bilhões para ASPS.”

 

Fonte:

Fábio de Castro, O Estado de S.Paulo

22 Maio 2018 | 18h12
Atualizado 22 Maio 2018 | 22h43

https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,politica-de-austeridade-elevara-mortalidade-infantil-em-8-6-ate-2030-diz-estudo,70002319517

Prato do Dia #6: Mais direitos, menos veneno: pela rejeição do PL 6299/02

 

Prato do dia – 14/05/2018

Mais direitos, menos veneno: pela rejeição do PL 6299/02

Desde o final de abril a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa o Projeto de Lei nº 6299/02, conhecido como “Pacote do Veneno”, voltou a funcionar. Amanhã, 15 de maio, ela irá se reunir para decidir se este projeto segue para o plenário da casa, após a apresentação do substitutivo do Deputado Luis Nishimori, relator da matéria. Caso o PL seja aprovado, o Brasil deixará ainda mais débil sua capacidade de regular o uso e a comercialização de venenos que impactam as diferentes etapas do processo alimentar, escancarando as portas para novas violações de direitos humanos como alimentação, saúde e meio ambiente.

A desculpa utilizada historicamente para justificar o uso excessivo dos agrotóxicos nos sistemas agroalimentares de todo o mundo foi a suposta preocupação com a quantidade de alimentos produzidos frente ao aumento da população. Isto se deu sem a devida atenção aos riscos representados por esses produtos e, portanto, sem que houvesse a preocupação com a qualidade e a distribuição da alimentação no mundo, ou com outros fatores ambientais e de saúde pública. Exemplificando os males de longo prazo causados pelos agrotóxicos, o primeiro Levantamento nacional brasileiro de contaminantes emergentes na água potável, publicado em 2016, indicou que o herbicida atrazina estava presente em 75% das amostras de água coletadas em todo o país, sendo a segunda substância que mais apareceu na pesquisa – atrás somente da cafeína.

O mercado mundial de agrotóxicos é extremamente concentrado e o Brasil é um dos principais clientes. Cerca de 80% desse mercado, que movimenta ao redor de USD 48 bilhões por ano, está nas mãos de poucas grandes transnacionais: Syngenta, Bayer – que comprou a Monsanto, DowDuPont Inc. e BASF. Em 2008, o Brasil, deixando para trás os Estados Unidos, passou a ser o maior mercado mundial de agrotóxicos, troféu que representa riscos e violações a direitos de toda a população brasileira.

Segundo a pesquisadora Larissa Bombardi (USP), autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, considerando a subnotificação dos casos de contaminação por agrotóxicos, podemos chegar a cerca de 1,25 milhão de casos de contaminação no Brasil no período dos últimos 7 anos. E quem nos contamina? Os mapas da pesquisadora também mostram que a concentração dos casos de intoxicação se sobrepõe às regiões onde se dão as monoculturas do agronegócio no Brasil – como, por exemplo, a soja, o milho e a cana de açúcar no Centro-Oeste, Sul e Sudeste.

Riscos à saúde e ao meio ambiente, gerados pelos agrotóxicos, são fartamente documentados. A ABRASCO, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, lançou em 2015 o Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. O documento sistematiza muita informação a respeito do assunto e denuncia que os agrotóxicos provocam desde sintomas agudos como cólicas e enjoos, até doenças mais graves como câncer, más-formações congênitas, distúbios mentais e mortes.

Apesar disso tudo, as autoridades brasileiras, em vez de regular de maneira efetiva o uso de agrotóxicos, têm aberto cada vez mais a porteira para seu uso e comercialização. Um exemplo disso é o Decreto nº 7.660/11, que concede isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) aos agrotóxicos, bem como o Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que permite a redução da base de cálculo do ICMS incidente sobre os agrotóxicos em até 60% nas operações interestaduais. Mesmo em época de austeridade fiscal, que implicou congelamento de gastos sociais por 20 anos, não houve movimentação do Executivo ou do Congresso Nacional para acabar com as isenções que deixam de gerar receita para o Brasil e ainda incentivam o uso e a comercialização de um produto que afeta o meio ambiente e a saúde da população. Vale registrar que a indústria dos agrotóxicos no nosso país, só em 2014, faturou R$ 12 bilhões. A pergunta que fica é: e o Brasil, desde que vem concedendo essas isenções, quanto deixou de faturar?

A mais recente investida a favor dos agrotóxicos é a votação do PL nº 6299/02 nos próximos dias. No Brasil existe um vasto quadro legal que dispõe sobre a experimentação, a pesquisa, a embalagem, a comercialização, a propaganda, o registro, o controle e a fiscalização, entre outros, dos agrotóxicos. Esse quadro legal tem sofrido inúmeros ataques com o propósito de flexibilizar a regulamentação dos agrotóxicos. É nesse contexto que se apresenta o PL 6299/02 e seus apensos.

E quais são as ameaças apresentadas pelo PL 6299/02? A Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida denuncia que caso este pacote letal de PLs seja aprovado, os “agrotóxicos” passarão a se chamar “defensivos fitossanitários”; a avaliação de novos agrotóxicos deixará de considerar os impactos à saúde e ao meio ambiente, ficando sujeita apenas ao Ministério da Agricultura e aos interesses econômicos do agronegócio; será admitida a possibilidade de registro de substâncias comprovadamente cancerígenas, sendo estabelecidos níveis aceitáveis para isto; a regulação específica sobre propaganda de agrotóxicos irá acabar; será permitida a venda de alguns agrotóxicos sem receituário agronômico e de forma preventiva, favorecendo ainda mais o uso indiscriminado de tais substâncias; e ainda, estados e municípios ficarão impedidos de terem regulações mais restritivas, embora estas esferas tenham o dever constitucional de proteger seu patrimônio natural.

Por essas e outras razões a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida tem mobilizado a sociedade para estancar essas propostas que violam direitos, assim como para impulsionar agendas positivas, como a Agroecologia. Ainda, vale destacar que vários/as pesquisadores/as e organismos da ONU têm se posicionado contra os agrotóxicos e a favor da agroecologia como um modelo de produção de alimentos sustentável – capaz, portanto, de alimentar o planeta sem destruí-lo.

Agrotóxicos são tóxicos, por isso se chamam assim. O que intoxica, não alimenta. Nesse momento em que o Brasil engata a marcha à ré em relação ao direito à alimentação e outros direitos, o que precisamos nos nossos pratos são mais direitos e menos veneno. Para saber como se somar a essa luta, acesse http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/ .

Valéria Burity, Secretária Geral da FIAN Brasil

Lucas Prates, Assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil

Carla Bueno, da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida