Corte no Programa de Aquisição de Alimentos ameaça famílias do Semiárido

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma das principais políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar no Brasil, sofreu uma redução de 40% no orçamento. Os valores diminuíram de R$ 478 milhões para R$ 294 milhões. É mais um programa a sofrer cortes no governo de Michel Temer (PMDB). Consequência: de acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) o número de pessoas atendidas diminuiu de 91,7 mil para 41,3 mil, uma redução de 55% no número de famílias alcançadas.

A redução, segundo a organização, inviabiliza a venda de produtos de várias cooperativas no Semiárido e em todo o Brasil. É o caso da Cooperativa da Agricultura Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), no Sertão baiano, que fornecia produtos para o PAA desde 2004. O De Olho nos Ruralistas ouviu um dos membros da coordenação executiva da ASA, Naidison Baptista, representante da Bahia, que explica com didatismo os efeitos da política de cortes.

Ele explica que muitos produtores não terão para onde escoar os alimentos. E que um corte tão forte no orçamento afetará negativamente os beneficiários dessa política: os camponeses e as famílias em ameaça de insegurança alimentar. “Fecham-se mercados para a agricultura familiar, impedindo o escoamento de seus produtos de modo sistemático e a preço justo”, descreve. “Isso pode significar perda ou diminuição da produção e impacta no orçamento da família, consequentemente em sua alimentação”.

COMBATE À FOME AMEAÇADO

O PAA foi criado em 2003 e tem como objetivo criar uma rede de promoção à segurança alimentar. O programa adquire produtos de pequenos agricultores para oferecê-los às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Baptista explica que a redução do PAA e de outras políticas ameaça o combate à fome no país.

– Começam a aparecer os pedintes. Nas estradas começamos a ver pessoas que tapam os buracos na esperança de que os carros que por ali trafegam deixem cair alguns centavos; as sinaleiras das cidades cheias de pedintes ou de pessoas que vendem mercadorias insignificantes na expectativa de angariar alguns reais ao final do dia.

O Censo Agropecuário de 2006 constatou que cerca de 70% da alimentação que está na mesa dos brasileiros é oriunda da agricultura familiar – e não do agronegócio. Para o coordenador da ASA, uma rede que reúne mil organizações ligadas ao tema, a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário fortaleceu esse modelo. Mas a pasta foi extinta pelo governo Temer.

FACÃO AFIADO

Baptista enumera outros cortes que ameaçam a segurança alimentar e a produção camponesa no Brasil: redimensionamento e restrições ao Bolsa Família; desmonte da institucionalidade da agricultura familiar, com a substituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário por uma Secretaria Especial na Casa Civil. E mais: fragilização das leis trabalhistas e consequente diminuição de direitos; fragilização dos processos de acesso à terra, especialmente pelos povos tradicionais.

No caso do Semiárido, o representante da ASA cita outras políticas públicas que dão segurança às populações da região. Ele cita como exemplo o Programa Cisternas, financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social desde 2003. O programa garante acesso à água para o consumo humano e para a produção de alimentos por meio de tecnologias sociais simples e de baixo custo, como a captação de água da chuva.

“É uma ação que tende a espalhar-se para outras regiões”, afirma Baptista. Ele lembra que o programa idealizado pela ASA – e que se tornou uma política pública de segurança alimentar – capta água para escolas. “No início do ano esse programa sofreu um contingenciamento de cerca de 50%, até o momento não revertido para todas as suas linhas. E teve outro corte de cerca de 40% nesta semana”.

Por Izabela Sanchez

Fotos: Alceu Castilho
Do site De Olho nos Ruralistas

FIAN Brasil participa de reunião regional para discutir obrigações extraterritoriais de países da América Latina

A FIAN Brasil participou nos dias 16 e 17 de agosto, em Quito, no Equador, de uma reunião regional do Consórcio ETOs – de Obrigações Extraterritoriais em relação aos direitos humanos. A reunião teve como objetivo identificar estratégias, ferramentas, ações e metodologias para fortalecer os direitos humanos e as lutas das comunidades locais com as obrigações extraterritoriais.

No encontro, os participantes apresentaram casos que acompanham e que tem relação com as obrigações que cada Estado tem de garantir direitos não só nos seus territórios, mas sempre que um agente que é de origem deste Estado promover violação de direitos humanos em outro país.

A FIAN Brasil apresentou o caso de Vale das Cancelas, região localizada no norte de Minas Gerais e que está em conflito com a mineração, além deste caso também foi apresentada a situação de Matopiba. A secretária geral da FIAN Brasi, Valéria Burity destacou que “essa é uma área onde o capital estrangeiro se associa com o agronegócio para violar direitos”.

Ao final, foram discutidos encaminhamentos para serem realizados em cada país que participou da reunião, entre estas aprofundar os debates sobre as obrigações extraterritoriais nos casos acompanhados. Além da FIAN Brasil, também participaram da reunião o Movimento dos Atingidos por Barragens e as seções da FIAN Internacional no Paraguai, Colômbia, Equador, Honduras, Guatemala, México e Haiti.

ETOs

O Consórcio é uma rede de mais de 140 organizações da sociedade civil e acadêmica relacionados aos direitos humanos.

 

 

 

Acesso e distribuição da água são debatidos na plenária do Consea

As políticas públicas de acesso e distribuição de água foram debatidas na reunião plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), realizada entre os dias 16 e 17 de agosto, em Brasília.

Os representantes do governo e da sociedade civil no conselho discutiram temas relacionados a agroecologia, sistemas irrigados, contaminação dos rios por agrotóxicos, preservação e revitalização das bacias hidrográficas, modelo agrícola de desenvolvimento, legislação ambiental, desperdício de recursos hídricos, tecnologias sociais de captação e armazenamento de água e direitos das comunidades tradicionais a territórios, entre outros assuntos.

A mesa do debate foi composta por Elisabetta Recine, presidenta do Consea, Lilian Rahal, secretária-adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Luciana Khoury, procuradora de Justiça Regional Ambiental de Paulo Afonso (BA), e Anderson Bezerra, analista ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que representou o diretor do Departamento de Revitalização de Bacias Hidrográficas e Acesso à Água, Renato Saraiva.

Também compuseram a mesa Wilfrido Rocha, diretor de Gestão de Programas de Desenvolvimento Regional do Ministério da Integração, Vicente Guillo, diretor-presidente Agência Nacional de Águas (ANA), Gisela Forattini, diretora da Agência Nacional de Águas (ANA), Moacir dos Santos, presidente do Consea Bahia, Luciano Marçal, representante da Associação Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), e Francisco Mello, diretor de Fomento à Produção e à Estruturação Produtiva do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

A plenária do Consea teve a água como tema central das análises, discussões e deliberações e buscou reforçar o conceito de água como direito humano, e não mera mercadoria.

Fonte: Ascom/Consea

STF nega por unanimidade pedido de indenização do estado do Mato Grosso por demarcação da União de terras indígenas

Em sessão extraordinária, realizada na manhã desta quarta-feira, 16 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou duas ações relacionadas à demarcação de terras indígenas no Mato Grosso. Tanto na Ação Cível Originária (ACO) 362, quanto na ACO 366, o estado do Mato Grosso pedia indenização à União por desapropriação indireta de terras incluídas no Parque Nacional do Xingu e nas reservas indígenas Nambikwára e Parecis.

A discussão central das duas matérias era saber se as terras compreendidas no Parque Nacional do Xingu e das reservas indígenas Nambikwára e Parecis são tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Relator do processo, o ministro Marco Aurélio julgou improcedente os pedidos do Estado do Mato Grosso e o condenou a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 50 mil reais. “As terras são de tradicional ocupação indígena, assim como muitas outras áreas adjacentes na região”, argumentou o Ministro em seu parecer. Confira o voto do Ministro AQUI.

Os demais ministros do STF acompanharam o voto do relator e também julgaram improcedente as ações. A Procuradoria Geral da República também se manifestou pela improcedência das duas ações, reconhecendo o direito originários dos povos indígenas às terras em questão. Uma das grandes preocupações para o julgamento das ações seria o uso da tese do marco temporal, no entanto os ministros não a colocaram em questão. A tese do marco temporal, elaborada pela 2ª turma do STF, impõe a promulgação da Constituição Federal de 88 como um marco para o reconhecimento do direito ao território de povos indígenas do país.

Para o assessor jurídico da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Luiz Eloy Terena, o STF reafirmou mais uma vez o entendimento de que as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas são um direito originário. “Para os povos indígenas é um momento importante, é uma decisão importante. O ministro Barroso deixou claro que a tese do marco temporal (aplicada no julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol, em 2009) não é vinculante e não se aplica as terras indígenas do Brasil, o que para nós é um precedente importante e é uma forma do STF dar um recado ao Legislativo e Executivo de que os direitos dos povos indígenas são originários e não devem ser mitigados em nome de interesses políticos e econômicos”, destacou.

Embora a tese do marco temporal não tenha sido ventilada durante o julgamento no STF, em julho um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) foi chancelado pelo presidente Michel Teme. O parecer obriga que os órgãos do governo federal a adotarem genericamente, a tese do marco temporal para qualquer caso de demarcação no país. A medida pode paralisar mais 700 processos de demarcação em andamento.

Adiamentos
Na terça (15/08) a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang, movida pela Funai contra o estado do Rio Grande do Sul foi retirada de pauta.

Já o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, movida pelo partido Democratas (DEM), que questiona o Decreto nº 4.887/2003 – que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, também foi retirado de pauta em razão de licença médica do ministro Dias Toffoli, que no último julgamento pediu vistas do processo.

 

Ascom Fian Brasil/ Foto: Nelson Jr./SCO/STF 

FIAN’s da América Latina participam de Encontro no Equador

Entre os dias 13 a 15 de agosto foi realizado em Mindo, no Equador, o Encontro das Seções, Coordenações e Grupos Sementes da FIAN na América Latina, que reuniu as seções da FIAN Internacional no Brasil, Paraguai, Colômbia, Equador, Honduras, Guatemala, México e Haiti. O primeiro encontro das seções aconteceu em 2007 no Equador e o segundo na Colômbia, em 2016.

O Encontro teve como um dos objetivos discutir a construção de um informe sobre DHANA – Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas na América Latina. No primeiro dia do Encontro um dos temas debatidos foi a situação da conjuntura política na região e seus impactos no DHANA.

“Também iniciamos um debate sobre um protocolo para atuação conjunta desta articulação na região, a partir dos seguintes eixos: mudanças climáticas; impacto do capital global no direito humano à alimentação; exigibilidade do direito humano à alimentação e, alimentação e nutrição como direitos”, informou a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. O Encontro conta com o apoio da HEKS-EPER.

O Encontro antecedeu a reunião do Consórcio ETO, de Obrigações Extraterritoriais em relação aos direitos humanos, que acontece entre os dias 15 a 17 de agosto. O Consórcio ETO é uma rede de mais de 140 organizações da sociedade civil e acadêmica relacionados aos direitos humanos.

Prato do Dia #3: O julgamento da ADIn Quilombola e a perversidade do racismo brasileiro

O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade/ADIn n. 3239/07 no dia 16 de agosto pelo Supremo Tribunal Federal traz à tona uma das principais memórias escondidas acerca das raízes do Brasil: o racismo enquanto política de Estado. Antes de adentrar em análise mais aproximada da ADIn, importante registrar que com o fim da escravidão, em 1888, iniciou-se um processo de exclusão da população negra e responsabilização desta pelas violências que a acometiam.

Os quilombos, como expressão da resistência negra no Brasil, desempenharam uma importância histórica fundamental para a conquista da libertação das pessoas negras escravizadas. Da mesma maneira, um contexto econômico contrário à manutenção do regime escravagista e pressões externas também acabaram por obrigar o Estado brasileiro a pôr fim à escravidão, colocando o país na vergonhosa posição de último país da América a fazê-lo.

Com a abolição da escravidão assistiu-se a uma perversa prática estatal que visava excluir pessoas negras dos processos socioeconômicos e políticos do país. A criminalização das práticas negras (terreiros de religiões de matriz africana, por exemplo, precisavam fazer seus registros em delegacias de polícia, já que estas prática – segundo se justificava – poderiam causas prejuízos à saúde mental de seus praticantes) e as políticas de incentivo para a  imigração de europeus (para virem trabalhar substituindo a mão-de-obra das pessoas negras libertas) são alguns dos principais exemplos. Além da recusa para contratar pessoas negras, fazendeiros ainda iniciaram movimento para solicitar indenização pelos “prejuízos” causados pela abolição da escravidão. Os resultados dessa política de Estado estão presentes em todos os dados das desigualdades no Brasil da atualidade, que colocam a população negra nos piores índices de desenvolvimento humano.

Com mais de um século de atraso, a Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 68, dos Atos e Disposições Transitórias, o direito à terra para as pessoas remanescentes de quilombos. Como norma fundamental, essa disposição constitucional tem eficácia plena e aplicabilidade imediata, sendo inconstitucional a tentativa de mitigar ou reduzir sua eficácia.

É somente em 1995 que o primeiro território quilombola é titulado no Brasil (Comunidade Quilombola Boa Vista/Pará). De lá para cá, apenas 165 comunidades quilombolas – das quase 6.000, no total – tiveram o direito constitucional garantido. A maioria das titulações foram resultado de processos realizados pelos governos estaduais, posto que o governo federal titulou apenas 37 comunidades.

O Decreto 4887/2003, objeto questionado pela ADIn 3239/07, é resultado de um processo tardio que regulamenta a atuação da administração pública no que tange ao exercício de direito constitucional. Como instrumento legal (e histórico), o Decreto garante máxima eficácia para o direito à terra das comunidades quilombolas.. Em uma nítida tentativa de conciliação da luta de classes, o Decreto chega a garantir direito de indenização  para os possuidores das terras originariamente pertencentes às comunidades quilombolas.

Ao se observar o julgamento da ADIn Quilombola, parece haver uma perversidade histórica na construção da história do Brasil. No início do século XX, lá pelos anos de 1930, quando Sergio Buarque de Holanda escreveu em seu livro “Raízes do Brasil” sobre o “homem cordial”, a imagem construída sobre o povo brasileiro – a partir de um olhar branco e burguês – parecia ignorar a crueldade do processo histórico vivenciado pela população negra, ainda recém saída do regime escravagista. Em sentido semelhante, é emblemática a histórica ação de outro homem branco, o jurista Ruy Barbosa. No final do século XIX, Barbosa ordenou, como Ministro da Fazenda, a queima dos documentos relativos à escravidão no Brasil, sob o argumento de evitar uma chuva de pedidos de indenizações a serem promovidas pelos fazendeiros, até então escravocratas.

Em um nítido processo de epistemicídio – assassinato/morte do conhecimento, saberes e tradições não reconhecidas pelo pensamento colonialista –  da história da população negra, o Estado brasileiro e as disputas jurídicas dentro dele têm funcionado como o local de expressão do racismo fortemente arraigada na cultura nacional. Exemplo disso é que os argumentos utilizados pela ADIn 3239/2007 poderiam perfeitamente ser utilizados pelos fazendeiros de 1888, quando estes “perderam” sua mão-de-obra. A diferença principal é que mais de um século se passou, sem que sequer este mesmo grupo político se sentisse, minimamente, constrangido em solicitar a retirada de direitos de povos historicamente violentados, pelo Estado e pela sociedade.  Eis o Brasil do século XXI.

Por Luana Natielle, assessora de direitos humanos da FIAN Brasil

Programa 5: Conheça as organizações que também lutam contra a tese do marco temporal

Ouça e compartilhe a quinta e última edição do “Seu Direito É Nossa Pauta“, um boletim de áudio da Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Fian Brasil. Em cinco programas falamos sobre o marco temporal: uma tese jurídica que viola os direitos e a vida de todos os povos indígenas no Brasil. Hoje, vamos conhecer quem está do nosso lado para enfrentar esta ameaça.

Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre a aplicação desta tese, a FIAN Brasil e APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil lançam a campanha “Seu Direito É Nossa Pauta” direcionada, principalmente, aos povos indígenas.

Nos programas, indígenas e organizações parceiras comentam as ameaças do Marco Temporal às garantias constitucionais dos povos indígenas. Todos os programas serão disponibilizados na internet.

 

Saiba mais:

FIAN Brasil e APIB lançam campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”

“A mesma mão que gestiona o Estado brasileiro é a que tem o interesse na não demarcação dos territórios indígenas”

Programa 1: Você sabe o que é a tese do Marco Temporal?

Programa 2: Como o Marco Temporal afetou os Guarani Kaiowá?

Programa 3: O marco temporal e a história de luta e resistência do povo Terena

Programa 4: Tese do Marco Temporal é inconstitucional

 

*As fotografias que ilustram as artes da campanha são do fotográfo Lunaé Parracho

Frente a novas violações de direitos indígenas, entidades da sociedade civil brasileira acionam ONU

Em resistência aos ataques, representantes indígenas de todas as regiões do país se preparam para uma série de atividades ao logo do mês

A semana de celebração do Dia Internacional dos Povos Indígenas, a Plataforma Dhesca, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Abip), a Rede de Cooperação Amazônica (RCA) e a FIAN Brasil, ao lado de outras entidades da sociedade civil brasileira, enviaram novo informe à relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas, à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e ao Alto Comissariado das Nações Unidas para reportar os últimos atos do governo Temer em relação à violação dos direitos dos povos indígenas do Brasil.

A ideia é fornecer às instâncias internacionais elementos para que estas cobrem do governo brasileiro o devido cumprimento de seus compromissos, considerando especialmente que, neste ano, o Brasil passou a compor o Conselho de Direitos Humanos na ONU. Em setembro, o país deve se manifestar no organismo internacional sobre as mais de 240 recomendações feitas pelos demais países no âmbito da Revisão Periódica Universal (RPU) acerca da situação dos direitos humanos no Brasil, inclusive sobre a situação dos direitos indígenas.

“Após mais de um ano da visita da relatora especial da ONU para direitos dos povos indígenas ao Brasil, não houve nenhum progresso por parte do governo. Ataques violentos contra comunidades indígenas continuam a acontecer”, afirmam as entidades no comunicado. Elas apontam, ainda, que os poucos compromissos assumidos pelo atual governo frente à ONU, como o fortalecimento da Funai, foram ignorados e abandonados, e denunciam o impacto das recentes medidas provisórias sobre as terras indígenas e seus recursos naturais.

Essas medidas são vistas como moeda de troca para a permanência de Temer na Presidência da República e reduziram programas de Reforma Agrária, diminuíram unidades de conservação, abriram caminho para a grilagem de terras e alteraram regras de mineração, além de um sistema agroalimentar ainda mais focado no modelo do agronegócio. “O agronegócio não se sacia e avança sobre as terras indígenas, de quilombolas, das demais comunidades tradicionais e dos camponeses em geral. O resultado disso é o flagrante e quotidiano desrespeito à legislação brasileira e aos tratados internacionais de direitos humanos no Brasil”, reforça Cléber Buzato, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

Paralisações à vista

As organizações também denunciam o parecer da Advocacia Geral da União (AGU) chancelado pelo presidente Michel Temer no último dia 19 de julho que tenta, sem legitimidade nem lastro jurídico, acabar com a demarcação de terras indígenas no país e com o direito de consulta livre, prévia e informada. A medida obriga os órgãos do governo federal a adotarem genericamente, a partir de agora, 19 condicionantes estabelecidas pelo STF no caso da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para quaisquer casos no país. De acordo com a AGU, a decisão poderá paralisar mais de 700 processos que estão em andamento.

Na leitura das entidades, o parecer viola vários direitos protegidos pela Constituição Federal e pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. “Esse parecer tenta legitimar violações com relação ao direito à terra, porque impede a realização de demarcações; viola o direito de consulta, porque ele estabelece restrições que não estão previstas em nenhuma legislação internacional ao direito de consulta e consentimento dos povos com relação a medidas que afetem suas vidas. Também infringe o direito à organização social, direitos culturais e até mesmo direito à identidade, porque tenta tratar os povos indígenas como se vivessem uma única realidade que pudesse ser normatizada a partir de um caso concreto, que é o caso Raposa, negando-lhes o acesso à Justiça. Trata-se de um ato discriminatório que consolida uma posição de negação do acesso a medidas reparatórias para os povos indígenas”, afirma Erika Yamada, relatora de direitos humanos dos povos indígenas da Plataforma Dhesca. “O Brasil está indo na contramão da orientação geral e do compromisso assumido frente a outros países em relação à reparação e ao reconhecimento a violações cometidas contra os povos indígenas”, finaliza.

Segundo Luiz Henrique Eloy, advogado indígena da Apib, o parecer incorre flagrantemente na hipótese de desvio de finalidade, porque foi assinado e publicado pelo presidente Michel Temer em 20 de julho de 201, no contexto da votação de crime de responsabilidade em razão de denúncia criminal pela Procuradoria Geral da República. “Nesta esteira, objetivando manter e ampliar sua base de apoio entre os partidos, o presidente Michel Temer, segundo notícias amplamente divulgadas na mídia nacional e internacional, teria se reunido com deputados e até mesmo liberou verbas parlamentares, as quais estão na esfera de articulação”, denuncia.

O comunicado também apresenta sugestões de medidas a serem tomadas pelo governo brasileiro, como o fortalecimento de programas de defensores de direitos humanos, o restabelecimento de canais democráticos de diálogo entre governo e povos indígenas no lugar de ações militares, a revogação de atos administrativos que violam os direitos dos indígenas e a garantia do acesso à justiça para esses povos.

Agosto de resistência

Em 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país.

Em resistência a todos esses ataques, além do envio do informe à ONU, representantes indígenas de todas as regiões do país se preparam para uma série de atividades ao logo do mês, que poderão ser acompanhadas nos sites e redes sociais das entidades.

Confira os informes enviados para a ONU e OEA sobre os ataques aos direitos dos povos indígenas

(+) Informe para a ONU e CIDH sobre a situação indígena no Brasil (português)
(+) APIB Report Indigenous situation Brazil (english)
(+) Annex Report ONU CIDH FINAL 2017

 

Fonte: APIB

Programa 4: Tese do Marco Temporal é inconstitucional

Ouça e compartilhe a quarta edição do “Seu Direito É Nossa Pauta”, um boletim de áudio da Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Fian Brasil.

Em cinco programas vamos falar sobre uma ameaça que viola os direitos de todos os povos indígenas no Brasil. Neste programa a advogada Joênia Wapichana deixa um recado de luta contra o marco temporal.

 

Com o objetivo de contribuir no entendimento sobre a aplicação desta tese, a FIAN Brasil e APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil lançam a campanha “Seu Direito É Nossa Pauta” direcionada, principalmente, aos povos indígenas.

Nos programas, indígenas e organizações parceiras comentam as ameaças do Marco Temporal às garantias constitucionais dos povos indígenas. Todos os programas serão disponibilizados na internet.

 

Saiba mais:

FIAN Brasil e APIB lançam campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”

“A mesma mão que gestiona o Estado brasileiro é a que tem o interesse na não demarcação dos territórios indígenas”

Programa 1: Você sabe o que é a tese do Marco Temporal?

Programa 2: Como o Marco Temporal afetou os Guarani Kaiowá?

Programa 3: O marco temporal e a história de luta e resistência do povo Terena

 

*As fotografias que ilustram as artes da campanha são do fotográfo Lunaé Parracho

Nossa história não começa em 1988! Marco Temporal não!

O STF não pode legitimar o genocídio e as violações cometidas contra os povos indígenas no último século. Participe desta luta e diga você também: #MarcoTemporalNão. A história dos povos indígenas não começou em 1988 e não pode ser interrompida!

 

No dia 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país. Por isso, os indígenas reforçam, a partir de hoje, uma série de mobilizações por seus direitos.

Uma das principais bandeiras dos grupos interessados em limitar os direitos territoriais indígenas, com forte representação no Congresso Nacional e no governo federal, tem sido o chamado “marco temporal” – uma tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988. Os ruralistas querem que o ‘marco temporal’ seja utilizado como critério para todos os processos envolvendo TIs, o que inviabilizaria a demarcação de terras que ainda não tiveram seus processos finalizados.

Em meio às negociações de Temer para evitar seu afastamento da presidência, os ruralistas do Congresso conseguiram emplacar sua pauta no governo federal. Temer assinou, em julho, um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas – inclusive visando influenciar o STF.

Na prática, o marco temporal legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões. Aprovar o “marco temporal” significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro. A aprovação do marco temporal alimentará as invasões às terras indígenas já demarcadas e fomentará ainda mais os conflitos no campo e a violência, já gritante, contra os povos indígenas.

Afirmar que a história dos povos indígenas não começa em 1988 não significa, como afirmam desonestamente os ruralistas, que eles querem demarcar o Brasil inteiro. Os povos indígenas querem apenas que suas terras tradicionais sejam demarcadas seguindo os critérios de tradicionalidade garantidos na Constituição – que não incluem qualquer tipo de “marco temporal”!

Por isso o movimento indígena e as organizações de apoio aos povos na sociedade civil pedem a revogação imediata do Parecer 001/2017 da AGU e diz: Marco Temporal Não!

Entenda as ações no STF
A Ação Civil Originária (ACO) 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo Estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O Estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do Estado de MT.

Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo Estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que, de acordo como o Estado de MT, não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do Estado de MT.

A última que será julgada no dia 16, é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul sobre essa terra. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Desde então, a Terra Indígena Ventarra está homologada administrativamente e na posse integral dos Kaingang. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Cármen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

Fonte: APIB