HEKS-EPER Brasil abre editais para preenchimento de vagas

A HEKS/EPER, Agência de Cooperação Internacional, com sede na cidade de Zurique, com escritório de representação no Brasil onde apoia projetos com ações e iniciativas que promovem o desenvolvimento de comunidades rurais e a transformação de conflitos com a promoção da cultura da paz, torna pública a realização de processo de seleção simplificado para contratação de Oficial de Projetos para o tema “Transformação de conflitos e direitos humanos” e de Secretária. As pessoas interessadas devem encaminhar currículo até o dia 28 de fevereiro.

Confira os editais:

Edital para contratação de Oficial de Projetos para o tema “Transformação de conflitos e direitos humanos”  AQUI.

Edital para contratação de Secretária AQUI.

Nota Pública do CNDH sobre o emprego das Forças Armadas no Sistema Prisional

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão de Estado criado pela Lei Nº 12.986/2014, vem a público manifestar sua discordância em relação ao emprego das Forças Armadas em unidades prisionais do País, conforme previsto no Decreto Presidencial Nº 17, de 17 de janeiro de 2017:

Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, nos termos deste Decreto.

Art. 2º As Forças Armadas executarão essa atividade nas dependências de todos os estabelecimentos prisionais brasileiros para a detecção de armas, aparelhos de telefonia móvel, drogas e outros materiais ilícitos ou proibidos.

§ 1º O emprego das Forças Armadas, nos termos do caput, observado o princípio federativo, dependerá de anuência do Governador do Estado ou do Distrito Federal e será realizado em articulação com as forças de segurança pública competentes e com o apoio de agentes penitenciários do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Cidadania. 

§ 2º O Ministro de Estado da Defesa editará normas complementares para dispor sobre o emprego das Forças Armadas a que se refere este Decreto.

Art. 3º A autorização a que se refere o caput do art. 2º fica concedida pelo prazo de doze meses. 

Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação 

Além de desvirtuamento da função constitucional das Forças Armadas, a medida não responderá aos enormes e complexos desafios do sistema prisional brasileiro – marcado pela superlotação carcerária e pelo descumprimento de patamares minimamente dignos para o cumprimento das penas, da segurança aos próprios presos, de seus visitantes e dos trabalhadores do sistema. A explosão de violência no sistema carcerário – expressada nos recentes episódios ocorridos em presídios do Amazonas, de Roraima e do Rio Grande do Norte, que resultaram em mais de 130 mortes – tem relação direta com o encarceramento em larga escala com a omissão do Estado brasileiro no desenvolvimento de uma política criminal em consonância com parâmetros nacionais e internacionais de proteção dos direitos humanos.

Trata-se, portanto, de fenômeno estrutural, e não episódico, donde não caber o chamamento das Forças Armadas para a defesa da lei e da ordem.

De resto, a atuação de membros das Forças Armadas em presídios é medida que poderá resultar em mais violações a direitos, considerando que essas tropas são treinadas para situações específicas, baseadas na lógica da guerra. Não por acaso, possuem legislação própria.

Espera-se do Estado brasileiro coragem e capacidade para verdadeiramente enfrentar os mecanismos que contribuem para a grave situação dos estabelecimentos penais no País.

Brasília-DF, 03 de fevereiro de 2017.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH

Fonte: SDH

Conselho Nacional dos Direitos Humanos elege novo presidente

Darci Frigo, representante da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil) é o novo presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Frigo é advogado e coordenador da organização de direitos humanos Terra de Direitos. Ele foi eleito na manhã desta quinta-feira (2) na 24ª reunião ordinária do Conselho, em Brasília.

“O Conselho vai se debruçar sobre graves questões que estão postas, que foram apresentadas no Congresso Nacional como reformas e que vão retirar direitos de trabalhadores, sejam trabalhistas ou previdenciários. Isso preocupa hoje o conjunto da população brasileira, vai ser motivo de grandes mobilizações sociais e o Conselho não pode se ausentar desse debate”, declara Frigo.

O novo presidente do CNDH enfatizou ainda que o Conselho atua, ou pelas demandas que recebe, ou pelas projeções que as comissões permanentes fazem sobre determinados temas. “As comissões, que já são de blocos temáticos, deverão se preocupar com temas transversais como temas de gênero, de raça, o tema de empresas e violações dos direitos humanos e outras questões que estão colocadas no âmbito da conjuntura, como a violência nos presídios, que é um sintoma da grave situação que o país vive hoje.”

No encontro, que contou com a presença da secretária Flávia Piovesan e de representantes da sociedade civil e do poder público que compõem o colegiado, também foi eleita a vice-presidente do CNDH, Fabiana Severo.

Fabiana Galera Severo é defensora pública federal do 3º Ofício de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União (DPU), em São Paulo. Atualmente exerce a função de Defensora Regional de Direitos Humanos de Direitos Humanos e representa a Defensoria Pública da União no Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Mestranda pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), com pesquisa sobre o trabalho escravo contemporâneo, representa ainda a DPU na Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo, de São Paulo.

A pauta da reunião contemplou também a aprovação do Relatório sobre o Sistema Sócio Educativo de Pernambuco, com o resultado da Missão Emergencial que aconteceu nos dias 24 e 25 de novembro de 2016, e do Relatório sobre a População atingida pela implementação da UHE Belo Monte e pelo projeto de instalação da mineradora Belo Sun, resultado da Missão que ocorreu entre os dias 9 e 12 de outubro de 2016 na região de Altamira, sudoeste do Pará.

Nova composição da Mesa Diretora para o mandato 2016-2018

Presidente: Darci Frigo – Plataforma Dhesca Brasil

Vice-presidente: Fabiana Severo – Defensoria Pública da União

Deborah Duprat – Ministério Público Federal

Flávia Piovesan – Secretaria Especial de Direitos Humanos

Leonardo Pinho – Unisol Brasil

Sandra Carvalho – Justiça Global

Fonte: Ascom CNDH

Terra tradicionalmente ocupada, Direito originário e a inconstitucionalidade do Marco Temporal

Adelar Cupsinski1
Alessandra Farias Pereira2
Rafael Modesto dos Santos3
Íris Pereira Guedes4
Roberto Antônio Liebgott5

Resumo: O presente artigo tem como objetivo abordar alguns dos aspectos acerca da demarcação de terras indígenas no Brasil, em especial, o entendimento e aplicação do denominado “marco temporal” pelos tribunais, como condicionante para determinar a tradicionalidade, ou não, destas terras. Da mesma forma, serão analisados os possíveis avanços dos direitos indigenistas após a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988. Este estudo se justifica na medida em que se percebe que mesmo diante da existência de um arcabouço jurídico de proteção e promoção dos direitos dos indígenas (no âmbito nacional e internacional) o Estado brasileiro não tem conseguido atuar de forma significativa para alterar a realidade de muitas destas comunidades. Ao contrário, notam-se processos sistemáticos que visam o retrocesso destes direitos, nas mais diversas esferas da sociedade. Portanto, este estudo pretende demonstrar que este tipo de fenômeno pode-se apresentar também através de novas interpretações e entendimentos na aplicação do direito, acarretando em decisões judiciárias sem respaldo constitucional e violadoras de direitos e garantias fundamentais e coletivos. O método de pesquisa utilizado foi o hipotético-dedutivo, com técnicas de pesquisa documental, bibliográfica, jurisprudencial e análise de sítios eletrônicos de forma qualitativa.

Caso prefira, clique aqui para acessar o artigo em pdf.

I – Introdução

Neste artigo propomos uma análise do que vem sendo denominado, no âmbito do Poder Judiciário, de “marco temporal”. Trata-se de uma interpretação que restringe o alcance do direito à demarcação das terras indígenas, já que vincula este direito à presença física das comunidades e povos indígenas na terra ao período de 05 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal do país.

Neste sentido, o estudo tem como objetivo apresentar uma reflexão crítica a esta orientação interpretativa dos direitos constitucionais dos povos indígenas que, na prática, trazem insegurança jurídica para estas populações no Brasil. Entende-se que o limite constitucional às demarcações, expresso no estabelecimento de um marco temporal, relaciona-se ao emprego do instituto civilista da posse em contraponto ao usufruto e posse imemorial indígena.

Especialistas do Direito e da Antropologia, assim como as próprias comunidades indígenas, alertam para o perigo de retrocesso dos direitos reconhecidos, já que o uso do marco temporal como condicionante na demarcação de terras, se aplicado pelos tribunais, afrontarão o disposto nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, assim como, Tratados e Convenções Internacionais a respeito.

Portanto o presente artigo será dividido em dois capítulos de desenvolvimento textual, sendo o primeiro destinado à análise do texto constitucional, buscando aclarar ao leitor os avanços das garantias e direitos fundamentais conquistados após 1988, para então, no segundo capítulo, abordar os entendimentos e possíveis retrocessos decorrentes da aplicação do marco temporal nas decisões sobre demarcação das terras indígenas pelos tribunais brasileiros.

O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo e o de revisão bibliográfica, portanto, parte-se da hipótese de que existem controvérsias acerca das novas interpretações e do uso do entendimento do marco temporal pelos tribunais brasileiros, para por fim, após a análise das bibliografias e material doutrinário, verificar a possibilidade de dedução de que tal entendimento não possuí base constitucional, afrontando diretamente o disposto nos artigos 231 e 232 e demais direitos e garantias fundamentais dispostos na Constituição Federal Brasileira de 1988. As técnicas de pesquisa foram a jurisprudencial, documental, bibliográfica e análise de sítios eletrônicos, com análise de dados de forma qualitativa.

II- Os Direitos Consagrados na Constituição Federal

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 (CF), rompe-se a perspectiva da política estatal da aculturação, que tinha como premissa a integração indígena à comunhão nacional. Com isto, passou-se a reconhecer o direito à diferença aos povos indígenas suas organizações sociais, seus usos, costumes, crenças, tradições, línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. O reconhecimento destes direitos no texto constitucional consolida garantias individuais e coletivas de todos os povos, base essencial de qualquer direito humano.

O Capítulo VIII da Constituição, intitulado “Dos Índios”, em seus artigos 231 e 232  explicitam o reconhecimento à identidade cultural própria e diferenciada dos povos indígenas, bem como, os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Nota-se que, em que pese tais direitos não estejam dispostos no rol dos direitos e garantias fundamentais, os mesmos são compreendidos como tais, portanto, de aplicação imediata.

De acordo com o Artigo 231:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar, e as necessárias à sua reprodução física cultural, segundo seus usos, costumes e tradições6.

O texto constitucional determina que o Estado brasileiro deve promover a demarcação das terras, reconhecendo os direitos originários e imprescritíveis dos índios à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e lagos das áreas caracterizadas como sendo de ocupação tradicional. Há, além disso, a obrigação da União em proteger, fiscalizar e fazer respeitar todos os bens, inclusive os imateriais, tais como as culturas, costumes, crenças e tradições de cada povo.

Para além das especificidades no que tange ao modo de ser de cada povo e de seus vínculos e concepções com a territorialidade, o artigo 232 consagra o entendimento de que os povos indígenas são donos de seu futuro,  assegurando-lhes a possibilidade de exercitarem a cidadania desvinculada da tutela estatal. Afirma-se que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público Federal em todos os atos do processo”.

Tal dispositivo configura-se em importante ferramenta de luta para os povos indígenas, uma vez que suas comunidades passam a ser consideradas entes com personalidade jurídica (não necessitando, para isso, obter registros e estatutos específicos), dispensando inclusive a intermediação (tutela) de órgãos indigenistas em ações ajuizadas de seu interesse ou da comunidade.

É necessário fazer referência também ao que determina o Artigo 20, XI, da Constituição. Nele fica estabelecido que as terras tradicionais indígenas são bens da União e, portanto, a propriedade não é indígena. Essa norma protege não somente a ocupação física da terra, mas também o direito à ocupação tradicional. Se extrai deste conteúdo, combinado com o artigo 231, que o uso da terra não se restringe aos aspectos econômicos e sociais, pois projetam uma expectativa futura, onde os povos tenham condições de se expressarem (social, política e economicamente) a partir das suas diferenças étnicas. E é obrigação do Estado assegurar-lhes proteção às áreas ambientais, os espaços sagrados e aqueles de caráter simbólico, tendo como referência o futuro do povo.

O direito à posse da terra é explicitado como direito originário, portanto não depende de titulação e precede os demais direitos (Art. 231, caput). Por isso que o parágrafo 6º deste artigo expressamente estabelece que os títulos que incidem sobre uma terra indígena são declarados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos.

São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé7.

De acordo com notícia veiculada pelo Superior Tribunal de Justiça em 19 de abril de 20168, estão catalogadas atualmente aproximadamente 115 decisões colegiadas sobre processos envolvendo as demarcações de terras indígenas no órgão. Em suma, foram analisadas diretamente as decisões concedidas nos Recurso Especial (REsp) 1133648, REsp 1551033, na Medida Cautelar (MC) 25148, Mandado de Segurança (MS) 21572, MS 14987 e MS 158229 que abrangem análises do parágrafo 6º do artigo 231. Nas decisões abordadas, o entendimento é o de garantir os direitos dos povos indígenas às demarcações de terras,  posse e ao seu usufruto exclusivo. O STJ dá essa garantia sem nenhum tipo de vínculo interpretativo que tenha por objetivo limitar seu alcance e abrangência. Reforça, além disso, o entendimento de que todo e qualquer título de propriedade que incida sobre as áreas indígenas são efetivamente nulos, mesmo aqueles considerados de boa-fé. Também reconhece que é dever da União, através de seu ente indigenista, proceder aos estudos administrativos de demarcação, através das regras estabelecidas pelo Decreto número 1775 de 1996.

O STJ segue, neste caminho de reconhecimento dos direitos indígenas, afirmando que as terras habitadas por estes são inalienáveis – o que significa dizer que o seu domínio não pode ser transferido a outro – bem como indisponíveis, portanto ninguém pode dispor desse direito independentemente das finalidades ou interesses.

Consolida-se assim o conceito fundamental de que os direitos dos Povos Indígenas sobre as terras são originários, anteriores inclusive as normas estabelecidas e que estes são imprescritíveis, ou seja, não prescrevem com o passar do tempo (Art. 231, § 4º). E, neste sentido, destaca-se o fato de que os povos indígenas não podem ser removidos de suas terras em função de interesses outros – incluem-se os econômicos, políticos, ambientais – que não sejam em casos de catástrofe, epidemia e ou de interesse da soberania do país, com o referendo do Congresso Nacional, garantindo, em qualquer dos casos supracitados, o retorno imediato da população indígena a sua terra, tão logo cesse o risco (Art. 231, § 5º).

A Corte reforça o entendimento, expresso no parágrafo 2º do artigo 231, de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam à sua posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas que não se encontram no subsolo. Vale ressaltar, no entanto, que a possibilidade de exploração dos recursos naturais só será permitida em caso de relevante interesse público da União, e esta depende de lei complementar (que ainda não foi aprovada). Em relação às ocupações de boa-fé, o mesmo artigo estabelece que a União deve indenizar as benfeitorias construídas pelos ocupantes – edificações, plantações perenes, por exemplo – mas não há previsão de indenização pela terra (pelas razões constitucionais expressas anteriormente).

No que tange a consolidação dos direitos à terra – sua posse e usufruto – as Disposições Constitucionais Transitórias (Artigo 67)10; determinam que o Estado brasileiro teria o prazo de 5 anos para a conclusão das demarcações das terras indígenas, tendo encerrado em 5 de outubro de 1993. Ainda hoje, no Brasil, existem, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário11, mais de 600 terras indígenas a serem demarcadas.

III – A Inconstitucionalidade do Marco Temporal

Como visto no capítulo anterior, o texto constitucional promove o caráter pluriétnico de sua população, dispondo sobre a proteção e manutenção das tradições culturais dos povos indígenas, a qual está intrinsecamente ligada à permanência em suas terras tradicionalmente ocupadas.

Segundo o acórdão do caso Raposa Serra do Sol (Petição n. 3.388)12, terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são aquelas:

[…] demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as “imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar” e ainda aquelas que se revelarem “necessárias à reprodução física e cultural” de cada qual das comunidades étnico-indígenas, “segundo seus usos, costumes e tradições” (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não-índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade.

Significa dizer que terra indígena e posse nativa são conceitos mais amplos que permanência física em certo espaço territorial. Na perspectiva de terra tradicionalmente ocupada por esse ou aquele povo indígena, vale dizer, prevalece toda a área necessária à reprodução física e cultural do povo.

Nesse ínterim, para melhor compreender a extensão do direito originário às terras reconhecidas como de ocupação tradicional, deve-se levar em consideração as especificidades de cada povo que habita um determinado território. Estas especificidades, demonstradas pelo trabalho especializado que constituem os laudos antropológicos, delimitam os lugares de caça e pesca, por exemplo, que podem ser elementos indispensáveis para sua reprodução cultural. Se o povo depende de uma paragem sagrada, um acidente geográfico venerado ou se o seu cemitério se encontra nos limites da área reivindicada, naturalmente aquela área pertence ao território indígena, independentemente da posse.

Neste sentido, não só devem ser consideradas como terras tradicionalmente ocupadas aquelas onde residem os indígenas, como também aquelas necessárias à sua reprodução física e cultural. José Afonso da Silva explica que da Constituição Federal se consegue concluir que sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, incidem os direitos de propriedade e os direitos originários13. O Jurista argumenta que esses direitos são “direitos fundamentais dos índios”, que podem ser classificados na categoria dos “direitos fundamentais de solidariedade”, tal como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado14.

A Constituição desfaz, portanto, o nexo entre o conceito civilista – posse e propriedade – da posse indígena, cujo reconhecimento passou a ser fixado como direito originário ou congênito (nato, natural). Há, portanto, o reconhecimento não apenas da ocupação física das terras habitadas pelos indígenas, mas também da ocupação de toda uma extensão de terras necessárias ao resguardo cultural e à manutenção de práticas econômicas e religiosas de cada povo.

Apesar das garantias, há a necessidade de se assegurar, de modo prático, a aplicação desse direito, tornando-se imprescindível formalizá-lo em procedimentos demarcatórios específicos capazes de determinar qual(is) povo(s) habita(m) determinada área, quais os limites geográficos, considerando aspectos ambientais, arqueológicos, dentre outros. Estes aspectos dizem respeito ao preceito da tradicionalidade que deve ir além de circunstâncias temporais:

A tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelo qual se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições15.

O jurista Dalmo de Abreu Dallari (1991, p. 320) vai mais além, e vincula o direito constitucional ao que estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pois para ele:

É possível sustentar que os objetivos inspiradores do art. 14 da Convenção nº 169 da OIT são coincidentes com os que deram origem ao art. 231 da Constituição. E os efeitos de ambos são praticamente os mesmos, pois se é verdade que pelo fato de não serem proprietários os índios brasileiros não poderão dispor das terras que tradicionalmente ocupam é igualmente certo que também a União, embora proprietária, não tem o poder de disposição16.

Analisando estes aspectos sobre a tradicionalidade, percebe-se equivocada e violadora dos preceitos constitucionais a imposição do marco temporal, apoiado na data de 05 de outubro de 1988, como data insubstituível e componente necessário para determinar ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.  Neste sentido, de acordo com o parecer de José Afonso da Silva não há previsão constitucional para tal orientação17:

Onde está isso na Constituição? Como pode ela ter trabalhado com essa data, se ela nada diz a esse respeito nem explícita nem implicitamente? Nenhuma cláusula, nenhuma palavra do art. 231 sobre os direitos dos índios autoriza essa conclusão. Ao contrário, se se ler com a devida atenção o caput do art. 231, ver-se-á que dele se extrai coisa muito diversa.

Na sequência, o Supremo Tribunal Federal – STF disse o seguinte, deslocando o marco temporal, incontinenti, do complexo conteúdo do acórdão18:

É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios.

Diante disso, não há que falar em aplicação do marco temporal por mais de um motivo: primeiro pela existência do esbulho e da titulação a particulares (nula e extinta, a partir da CF/88) e depois pela ininterrupta ocupação anímica, psíquica e de perdurabilidade para além do lugar de habitação, mas também aqueles necessários à preservação e física (caça, pesca, coleta) e os necessários à reprodução cultural (religião, cemitérios, perambulação, rituais). Significa dizer, sem risco de erros, que o marco temporal, constante em um curto parágrafo no acórdão da Petição 3388/RR, de forma isolada e desproporcional ao arcabouço constitucional do direito indígena, não se sustenta, seja pela incidência do §6º do art. 231 da CF/88, pela posse nativa e anímica, seja pelo esbulho praticado face os povos originários. Diante da afirmativa extraída do art. 231 da CF/88, resta evidente que se haviam títulos sobre terras indígenas, a posse da terra era, em 05 de outubro de 1988, dos não-índios, seja por força de esbulho ou existência de títulos, que passaram a ser nulos e extintos a partir de então.

Significa dizer, ainda, que diante da interpretação sistêmica do direito constitucional indígena, e não apenas de uma palavra que se isola no caput do art. 231 da CF/88 (ocupam), não há que falar em marco temporal, já que o fato de não estar na data da promulgação na posse da terra não significa perda de direito, ante a previsão do §6º do art. 231 e que, independentemente desse fator, o título é nulo e extinto e a posse é originária.

São, portanto, equivocadas as interpretações do Poder Judiciário no tocante ao marco temporal, pois a atual Constituição não limita os direitos ordinários dos povos indígenas às suas terras ao dia 05 de outubro de 198819:

O termo “marco” tem sentido preciso. Em sentido espacial, marca limite territorial. Em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo. O documento que marcou o início do reconhecimento jurídico-formal dos direitos dos índios foi a Carta Régia de 30 de junho de 1611, promulgada por Fellipe III, que firmou o princípio de que os índios são senhores de suas terras, “sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstias ou injustiça alguma.

Acerca do instituto do renitente esbulho, o jurista observa que não é correto interpretar, à luz da Constituição Federal, que os conflitos envolvendo terras indígenas tenham um caráter tipicamente possessório na forma caracterizada pelo direito civil. Para o jurista, a ocupação indígena de suas terras não é uma mera posse, pois eles as ocupam com fundamento no indigenato. Para ele, a ocupação é fundada em direitos originários “de sorte que quando o não-índio se apossa dessas terras, ele não retira apenas a posse dos índios sobre elas, mas um conjunto de direitos que integram o conceito de indigenato”20.

O jurista alerta de modo enfático que a interpretação restritiva de esbulho renitente como controvérsia possessória judicializada é absolutamente inaceitável porque21:

A controvérsia não é tipicamente possessória […], ou seja, não é uma disputa individual em que um possuidor retira a posse do outro, pois os direitos ordinários dos índios sobre a terra, como visto no correr deste parecer, não pertence a eles como indivíduos, mas às comunidades indígenas; ademais os índios e as comunidades indígenas antes da Constituição de 1988 não tinham legitimidade processual, pois estavam sujeitas ao regime tutelar.

Ademais, sobre o renitente esbulho, há que se ressaltar, como já observou o nobre jurista, que até 1988 os povos indígenas eram tutelados pelo Estado, portanto não poderiam pleitear seus direitos autonomamente (essa função era da União, através de seus órgãos de assistência). E há que se considerar as frequentes denúncias de que os próprios órgãos de assistência foram responsáveis pelo esbulho e exploração das terras, tendo alguns servidores públicos atuado para coibir e reprimir as comunidades e lideranças indígenas. No mesmo sentido, o Relatório Figueiredo22 traz com nitidez, atrocidades praticadas contra as comunidades indígenas nos anos de 1950 a 1970.

Em síntese, para o autor é na conjugação de conceitos que se subtraem direitos fundamentais e originários dos índios em favor de usurpadores de suas terras. Há, segundo, ele vários absurdos anti-índios nessa configuração do renitente esbulho23:

O primeiro, bastante sutil, é esse modo de exprimir os termos do conceito: renitente esbulho em vez de esbulho renitente, pondo o destaque na qualificadora, para irrogar os ônus sobre a renitência, com o que impõe aos índios esbulhados a obrigação de provar os fatos. O segundo, e grave, é a utilização do conceito de esbulho num contexto que não lhe cabe, como veremos, como se se tratasse de um conflito de posse do direito civil. O terceiro é essa ideia de que o conflito, mesmo iniciado no passado, tem que persistir até o marco temporal; quer dizer, forja-se um marco temporal deslocado para o último elo da cadeia jurídico-constitucional que reconheceu os direitos indígenas, deixando ao desamparo os direitos que as constituições anteriores reconheceram, e daí se exige que os índios sustentem um conflito ao longo do tempo, inclusive na via judicial, para que os seus direitos usurpados sejam restabelecidos. O quarto é essa exigência de que o conflito se materialize, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada, como se se tratasse de uma disputa dentre dois possuidores tutelados pelo direito civil, mas os indígenas não são possuidores nesse sentido. É uma torção semântica calamitosa essa de tratar o indigenato, ou seja, os direitos originários dos índios sobre as terras que ocupam, como se se tratasse de posse do direito civil.

O Supremo Tribunal Federal deixa evidente que a existência do direito indígena originário de posse sobre uma determinada gleba de terra, não está vinculada à presença física da comunidade na área, nos casos em que os indígenas tenham sido expulsos das terras por força de renitente esbulho praticado por não-índios. As demais condicionantes oriundas do caso Raposa Serra do Sol, assim como o marco temporal, foram debatidas e julgadas como sendo decisão vinculada apenas àquela demarcação, portanto não se poderia vinculá-las a outros procedimentos para assim desqualificar o direito de outros povos. Se as condicionantes são generalizadoras, aniquila-se com o que é de mais precioso no direito, sua aplicabilidade.

IV – Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a aplicação do chamado marco temporal não recebe respaldo constitucional, ao contrário representa uma afronta em uma série de direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o disposto nos artigos 231 e 232 (CF/88). Ressaltando, que no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, houve entendimento de que as condicionantes que dele decorreram não seriam vinculantes, ou seja, não estenderiam seus efeitos em outros processos envolvendo demarcação de terra indígena.

Da mesma forma em que a figura do renitente esbulho, e a prova de sua existência, demonstram-se no mínimo contraditórios, o que gera insegurança jurídica no caso concreto. Não há consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca do seu conceito e requisitos. Esse argumento se fundamenta na concepção de que os conflitos não são tipicamente possessórios como prescreve o direito civil, haja vista que a ocupação das terras pelos povos indígenas não se restringe a posse conceituada no direito civil. Os povos as ocupam com base nos direitos originários, portanto, não se pode utilizar de uma interpretação restritiva acerca do renitente esbulho, como se a controvérsia judicializada fosse uma disputa possessória individual.

Ao exigir a sua comprovação, como prova da tentativa de regresso e interesse por parte da comunidade indígena em ocupar a terra tradicional, o judiciário brasileiro desqualifica e desconsidera uma série de fatos históricos importantes desde o processo de colonização. Desconsidera também, questões básicas que envolvem as diferenças culturais, como a língua, costumes e formas de organização daquelas comunidades. A própria tutela por parte de entes do poder estatal serviu como barreira para que os indígenas pudessem reivindicar seus direitos. Situação comprovadamente agravada no período ditatorial (1964-1985), pois conforme mencionado neste estudo pela menção ao Relatório Figueiredo, foram anos de terror, com políticas voltadas para o extermínio das comunidades indígenas, orquestradas inclusive pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Portanto, exigir que as comunidades comprovem o esbulho renitente, em situação de conflito pela terra e anterior ao ano de 1988, por meio de boletins de ocorrência ou processos judiciais instaurados, apresenta-se pelo menos como um entendimento esquizofrênico. Salientando que os indígenas estavam submetidos à tutela do Estado, ou seja, deles não se poderia exigir o ônus de fazerem a defesa das terras que ocupavam, uma vez que estas são de propriedades da União e cabia a ela esse dever.

Quanto ao marco temporal, assume-se a convicção do ilustre Jurista José Afonso da Silva que sustenta não ser correto interpretar a atual Constituição como se ela tivesse limitado os direitos ordinários dos povos indígenas as suas terras a ocupação em 5 de outubro de 1988. Isso, na prática, impede a demarcação das terras para aqueles povos e comunidades que só conseguiram retornar a elas depois dessa data. O Jurista afirma que o termo “marco” tem sentido preciso: em sentido espacial, marca limite territorial; em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo.

Por fim, além de se configurar como uma interpretação distanciada do contexto histórico e social, é visivelmente inconstitucional. A consequência disto será o desamparo e ceifamento de direitos dos povos indígenas. Assim como, viola os compromissos de proteção e promoção de direitos e garantias firmados com a comunidade internacional por meio de Tratados e Convenções ratificadas pelo Brasil. Verifica-se, que se tenta impor uma interpretação jurídica desvinculada dos sujeitos de direito de hoje – os povos indígenas –, como se não houvesse relação entre o passado, o presente e futuro das 305 etnias que vivem no território brasileiro atualmente.

Notas de rodapé

  1. Advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  2. Bacharel em Direito e assessora do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  3. Advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  4. Pesquisadora nas áreas de Direitos Humanos, Direito Internacional Público, Direitos Indigenistas, Estado, Democracia e Administração Pública e Social. Bolsista CAPES/CNPQ no Mestrado em Direito – UNIRITTER.
  5. Bacharel em Direito, formado no Curso de Filosofia e missionário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  6. BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 05 de outubro de 1988. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  7. BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 05 de outubro de 1988. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  8. STJ. “Demarcação de Terras Indígenas é Tema de 115 Decisões Colegiadas no STJ”. Disponível aqui. Acesso em 26 de setembro de 2016.
  9. Na análise do REsp 1133648, a Segunda Turma do STJ considerou que somente com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) surgiu o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a serem demarcadas pela União (Ministro Herman Benjamin). Para ele o artigo 231, parágrafo 6º, da CF/88 diz que a nulidade e a extinção de direitos relativos à ocupação, ao domínio e à posse privada sobre as terras indígenas não geram direito de indenização contra a União. No julgamento do REsp 1551033, a Segunda Turma do STJ consignou que a demarcação das terras indígenas é definida pelo Decreto 1.775/96, que regulamenta a Lei 6.001/73, sendo expressa em seu artigo 2º a necessidade de elaboração de estudo técnico-antropológico e de levantamento da área demarcada. Na análise do MS 14987, a Primeira Seção do STJ decidiu que a existência de propriedade, devidamente registrada, não impede que a Funai investigue e demarque terras indígenas, tradicionalmente ocupadas. A ocupação da terra pelos índios transcende ao que se entende pela mera posse da terra, no conceito do direito civil. Deve-se apurar se a área a ser demarcada guarda ligação anímica com a comunidade indígena”, lê-se no acórdão. No MS 15822 sobre a demarcação de terras da etnia Guarani Nhandéva, a Primeira Seção do STJ considerou que a demarcação processada e conduzida na instância administrativa, sem necessidade de apreciação judicial, é prática reiterada na administração pública federal, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988. Os atos administrativos são passíveis de revisão judicial segundo o princípio da inafastabilidade. Isso não implica, todavia, que o Poder Judiciário tenha que intervir, sempre e necessariamente, como condição de validade de todo e qualquer ato administrativo, referiu o acórdão. Na decisão, o relator do caso, ministro Castro Meira, salientou ainda que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se incluem no domínio constitucional da União. As áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. Mesmo que comprovada a titulação de determinada área, se essa for considerada como de ocupação indígena tradicional, os títulos existentes, mesmo que justos, são nulos, de acordo com o já citado Art. 231, § 6º, da CF/88”, disse Castro Meira. Fragmentos da notícia supracitada in STJ. “Demarcação de Terras Indígenas é Tema de 115 Decisões Colegiadas no STJ”. Disponível aqui. Acesso em 26 de setembro de 2016.
  10. SENADO FEDERAL. Art. 67 das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  11. Conselho Indigenista Missionário. Brasil – Quadro-Resumos das Terras Indígenas. Disponível aqui. Acesso em 30 de maio de 2016.
  12. BRASIL. Supremo Tribunal Federal: Plenário. Petição n. 3.388. Augusto Affonso Botelho Neto e União Federal. Relator: Min. Ayres Britto. DJE de 1º/07/2010.
  13. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  14. Sobre a categoria dos direitos humanos de solidariedade, cf. Antônio Augusto Cançado Trindade, “Derechos de Solidariedad”, em Asdrúbal Aguiar Aranguren e outros, Estudios Básicos de Derechos Humanos I, San José, CR, IIDH, 1994, pp. 63s. e José Afonso da Silva, Teoria do Conhecimento Constitucional, São Paulo, Malheiros, 2014, pp. 551s.
  15. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  16. DALLARI, Dalmo de Abreu. Reconhecimento e proteção dos direitos dos índios. Revista Informação Legislativa, Brasília, a. 28, n. 111, julho/setembro 1991.
  17. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  18. BRASIL. Supremo Tribunal Federal: Plenário. Petição n. 3.388. Augusto Affonso Botelho Neto e União Federal. Relator: Min. Ayres Britto. DJE de 1º/07/2010.
  19. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em 21 de abril de 2016.
  20. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em 21 de abril de 2016.
  21. Idem.
  22. MPF. Relatório Figueiredo. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  23. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em 21 de abril de 2016.

Relatório Direitos Humanos no Brasil 2016

Nesta 17ª edição do livro Direitos Humanos no Brasil, além de relatar e analisar fatos em diversas áreas de atuação e pesquisa, os artigos buscam trazer sinais de esperança, em um momento crítico para a democracia. A esperança vem do exemplo daqueles que enfrentam dificuldades sem medo e nos animam com sua luta e resistência; de quem segue sem hesitar, mesmo consciente do recrudescimento da violência e da criminalização dos movimentos sociais. Como nos artigos sobre as mulheres que utilizam o futebol como ferramenta de emancipação feminina, sobre a constante denúncia do desastre ambiental em Mariana (MG), nas análises que mostram como o passado recente da ditadura no Brasil nos faz compreender melhor o momento presente, entre tantos outros exemplos apresentados no livro. Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Acesse aqui.

Com “probabilidade de mortes”, Justiça Federal suspende despejos contra comunidades Guarani Kaiowá

No contexto de violências contra os indígenas no Cone Sul sul-mato-grossense, um alento aos Guarani e Kaiowá da demarcação Dourados Amambai Peguá I – chamada pelo povo de Tekoha Guasu. A 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS) suspendeu o cumprimento de despejos envolvendo duas fazendas incidentes nos tekoha – lugar onde se é – Nãmoy Guavira’y e Jeroky Guasu. A decisão, todavia, é provisória e aguarda sentenças aos processos.

As reintegrações de posse foram determinadas no último mês de dezembro, com prazo inicial de despejo a ser cumprido pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Como o órgão indigenista tem funções constitucionais inversas, acabou para a Polícia Federal executar a reintegração – o que ocorreria à força. Na última semana, os prazos foram encerrados sem a retirada das comunidades das áreas.

Em ofício à Justiça Federal, o comando da PF argumentou sobre a “probabilidade concreta de mortes durante a execução do provimento jurisdicional”. Dando procedência ao ponderado pelos agentes federais, o juiz suspendeu as reintegrações alegando ainda “recentes decisões do STF no sentido de obstar o cumprimento de mandado de reintegração de posse quando houver risco de remoção de grandes contingentes de pessoas”.

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui jurisprudências contra reintegrações de posse envolvendo territórios indígenas. O que pode influenciar outras situações. São duas fazendas incidentes em cada um dos tekoha com pedidos de reintegração de posse deferidos. Com isso, outros dois pedidos de despejo ainda estão valendo. No entanto, para estes, a Justiça Federal solicitou mais informações aos fazendeiros com prazo estabelecido em dez dias.

Mais dados também foram solicitados pela Justiça federal aos ‘proprietários’ de duas áreas a serem reintegradas na Reserva de Dourados, que compõem o tekoha Yvu Vera. Casos de despejos também determinados em dezembro pela 2ª Vara num pacote de tensão lançado sobre as comunidades Guarani e Kaiowá na virada de ano. A decisão dos indígenas era e é a de não sair das retomadas e resistir.  

No interior da Dourados Amambai Peguá I, município de Caarapó, estão diversos tekoha retomados pelos Guarani e Kaiowá nas últimas décadas – Paí Tavy Terã, Ñandeva, Ñamoy Guavira’y, Jeroky Guasu, Tey’Jusu, Kunumi Vera, Guapo’y, Pindo Roky e Itagua. Sem a conclusão do procedimento demarcatório, os indígenas sofrem sucessivos ataques de pistoleiros e fazendeiros, além dos despejos judiciais.

Em dezembro ainda outro tekoha teve decisão de despejo concedida pela 2ª Vara: Kunumi Vera. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a retirada da comunidade. No local onde o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza, de 26 anos, acabou  assassinado a decisão foi a segunda tentativa de despejo dos indígenas nos últimos seis meses.

Yvu Vera

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), Yvu Vera é uma área de quase 20 hectares que integra a Reserva de Dourados e foi invadida por não-indígenas. Na terra tradicional não vivem apenas indígenas Guarani e Kaiowá, mas também Guarani Ñandeva e Terena. Para a reserva os indígenas foram expulsos de forma violenta de suas aldeias.

Os indígenas retomaram as “propriedades” incidentes em Yvu Vera em fevereiro do ano passado como forma de realocar famílias que saíram da Reserva por falta de espaço físico. Com quase 3.500 hectares, a área reservada ainda na época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século XX, é ocupada por 13.100 indígenas (Funai, 2015).

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi  

Em Nota Coletiva organizações repudiam portaria que altera demarcações de terras indígenas

Nota de Repúdio à Portaria MJ n.º 80/2017

As organizações abaixo-assinadas vêm manifestar seu repúdio à Portaria n.º 80/2017, expedida pelo ministro da Justiça, dado seu nítido caráter de fazer prevalecer decisões de natureza política sobre conclusões eminentemente técnicas que fundamentam o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de terras indígenas, elaborado no âmbito da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A medida segue na linha do enfraquecimento do órgão indigenista federal, atualmente com o pior orçamento de sua história, e consiste numa forte concessão do Governo Michel Temer a bancadas parlamentares anti-indígenas, em contraposição aos direitos ligados à vida dos povos indígenas do Brasil, notadamente o direito originário às suas terras tradicionais.

Repudiamos, ainda, a ausência de diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI (ligado ao próprio Ministério da Justiça), o descumprimento do direito à consulta livre, prévia e informada, bem como a orquestração de tentativas de impor graves retrocessos à legislação que rege o procedimento de demarcação de Terras Indígenas, mantida em vigor há mais de 20 anos, como a minuta de Decreto divulgada pela imprensa em dezembro de 2016 e a Portaria n.º 68/2017, recentemente revogada após manifestações contrárias do movimento indígena, de especialistas e do Ministério Público Federal.

Todas estas medidas têm o claro objetivo de retardar ou impedir a conclusão dos processos de demarcação, revelando o propósito do atual governo no sentido de enterrar políticas de demarcação de terras indígenas e outras pautas de regularização fundiária, o que só contribui para a ampliação e perpetuação dos conflitos existentes.

Diante desse cenário, as organizações signatárias exigem a imediata revogação da Portaria nº 80/2017, bem como pugnam pela atuação do Governo Federal no sentido de fortalecer a Funai para o cumprimento de sua missão institucional e pela retomada urgente dos processos de demarcação de terras indígenas.

Assinam conjuntamente:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Centro de Trabalho Indigenista – CTI

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Greenpeace Brasil

Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC

Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB

Instituto Socioambiental – ISA

Operação Amazônia Nativa – OPAN

Plataforma DHesca/Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas

Nota de Repúdio contra a Portaria nº 68 que muda os procedimentos de demarcação das terras indígenas

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) atendendo o clamor de suas bases manifesta publicamente a sua indignação e repúdio à decisão do governo de facto de Michel Temer de publicar por meio do seu Ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, a Portaria Nº 68, de 14 de janeiro de 2017, através da qual, pretende mudar os procedimentos de demarcação das terras indígenas estabelecidos pelo Decreto 1775 / 96.

O governo, com essa medida, rasga de cara o texto constitucional que reconhece os direitos indígenas, e o Decreto 1775 que embasa a demarcação das terras indígenas.

A Constituição afirma: “São reconhecidos aos índios, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos seus bens”. A carta magna não diz que os povos indígenas só tem direitos a partir da promulgação da mesma, em 1988. No entanto, os inimigos dos povos indígenas fazem de tudo para negar os direitos originários dos povos indígenas às terras que não só tradicionalmente mas milenarmente lhes pertence mesmo não sendo todas as que possuíam no momento da invasão colonial.

A publicação da Portaria Nº 68, – primeira norma explícita de mudanças nos procedimentos de demarcação das terras indígenas-, como foi no caso das indicações do Presidente e de diretores para a Funai, sob pressão do Partido Social Cristão (PSC) é só mais um indicativo de que o Governo Temer é mesmo subserviente do poder econômico vinculado ao agronegócio e de seus porta-vozes agrupados na bancada ruralista do Congresso Nacional. Nesse sentido, após ter negado a existência de um novo decreto que altera o procedimento de demarcação, publica uma portaria recheada de propostas contidas na minuta desse instrumento vazada pela imprensa a finais de 2016, todas absolutamente inconstitucionais e violadoras dos direitos originários dos povos indígenas.

A portaria manifesta de início preocupação pela desconstituição do “domínio privado” em decorrência das demarcações; deturpa o texto constitucional na tentativa deslegitimar as demandas territoriais dos povos indígenas; manipula o teor do decreto 1775 e da Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, redunda em procedimentos, como o princípio do contraditório já assegurado desde os inícios do processo de demarcação, e institui um Grupo de Trabalho que terá o propósito de “avaliar” os processos de demarcação das terras indígenas, possibilitando que decisão de natureza política prevaleça sobre as conclusões de estudos técnicos e multidisciplinares da Funai; abre as possibilidade da realização de diligências, audiências públicas e meios de participação das “partes interessadas”; e propõe a observância de uma “jurisprudência do STF sobre a demarcação de Terras Indígenas” que não existe.

Contrariamente ao propósito de “conciliar celeridade e segurança jurídica”, o governo Temer cria mais entraves à conclusão dos procedimentos de demarcação, ou seja, quer inviabilizar a demarcação das terras indígenas, o que faz mediante a criação de uma instância política no âmbito do Ministério da Justiça para subsidiar a tomada de decisão sobre os processos de demarcação, enfraquecendo, assim, a já fragilizada Funai e seus análises de mérito sobre o direito territorial dos povos indígenas. Em suma, o governo baixa uma portaria para emperrar ou inviabilizar a demarcação das terras indígenas em favor dos invasores desses territórios.

Mais uma vez esse governo desrespeita a legislação que garante a participação dos povos indígenas na tomada de decisões que os afeta e avança nos seus propósitos de desconstruir os direitos indígenas assegurados pela Constituição e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 de Organização Internacional do Trabalho.

Se quiser mesmo dar celeridade às demarcações das terras indígenas e seguridade jurídica aos povos indígenas, o governo Temer, por meio de seu ministro da justiça, deve revogar imediatamente a Portaria 68, a qual constitui notoriamente mais um ataque frontal, flagrante violação aos direitos humanos fundamentais dos povos indígenas que vem sendo denunciada reiteradamente por esses povos e seus aliados, inclusive em foros internacionais.

A APIB e suas organizações não se calarão diante de tamanhas atrocidades, repudiam integralmente o conteúdo da Portaria 68, que constitui mais uma afronta aos povos indígenas, exigem a sua revogação imediata e convocam as suas bases para a primeira mobilização nacional contra essas ameaças. Que a partir da primeira semana de fevereiro estejamos todos juntos e firmes mobilizados na luta nas distintas regiões e na capital federal. Pela garantia dos direitos dos nossos povos.

Brasília – DF, 19 de janeiro de 2017.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

40 ameaças legislativas aos direitos humanos

O Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Padre João (PT-MG), apresenta uma lista de 40 ameaças aos direitos humanos que partem do legislativo. Parte das iniciativas já foi aprovada em 2016, parte ainda tramita. O levantamento foi elaborado em parceria com o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e com apoio de pesquisas realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, da Conectas Direitos Humanos e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. O documento integrará adendo do Presidente da CDHM e da Presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, Erika Kokay (PT-DF), ao Relatório Periódico Universal do Brasil à ONU.
Fim dos direitos trabalhistas, restrição da fiscalização contra o trabalho escravo, retrocessos na reforma agrária e na função social da propriedade, venda de terras para estrangeiros, monopólio das sementes, liberação ainda maior dos agrotóxicos, fim do licenciamento ambiental, fim das demarcações indígenas, proibição do casamento homoafetivo, restrição ao atendimento de vítimas de estupro, restrição à laicidade do Estado, restrição da liberdade de ensino, redução da maioridade penal, aumento da internação para adolescentes no sistema socioeducativo, exposição de criança e adolescente em conflito com a lei, redução da idade de trabalho, revogação do estatuto do desarmamento, desmonte do Estado e das políticas que garantem direitos sociais, reforma da previdência, privatizações, entrega do Pré-sal, fim da autonomia da EBC e legalização de procedimentos penais de exceção são temas da pauta. Abaixo explicamos tudo.

DIREITO AO TRABALHO

1. REFORMA TRABALHISTA. O Projeto de Lei de autoria do Presidente Michel Temer, apresentado em regime de urgência, deve ser aprovado no primeiro semestre de 2017, segundo o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A finalidade deste PL é retirar direitos dos trabalhadores para baratear o custo da força de trabalho. Além disso, as negociações que se sobrepõem a direitos garantidos por lei não precisarão ser feitas pelos sindicatos: podem ser feitas por representantes do conjunto de trabalhadores da empresa, o que torna ainda mais aguda a desigualdade da relação e solapa a lógica da representação sindical. (PL 6787/16)

2. TERCEIRIZAÇÃO. O projeto que permite a terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente ocorre, foi aprovado pela Câmara e está na ordem do dia do Senado. Essa proposta e o PL 6787 são as maiores investidas da história contra o legado varguista, que instituiu um sistema de proteção aos trabalhadores no Brasil. (PL 4302/1998)

3. TRABALHO ESCRAVO. Em 2014 foi aprovada a emenda constitucional de n° 81, que determina expropriação de áreas nas quais for utilizado trabalho escravo. A emenda precisa ser regulamentada por lei para ser efetiva. Entretanto, a nova regulamentação proposta é um retrocesso, pois inviabiliza a atuação exercida atualmente pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate a essa prática. (PLS 432/2013).

DIREITOS AO MEIO AMBIENTE, AO ACESSO À TERRA E À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA

4. DESREFORMA AGRÁRIA. O governo apresentou medida provisória que significa retrocesso em relação às parcas conquistas da reforma agrária. São duas linhas mestras. A primeira tem por finalidade liberar terras para o mercado. A proposta prevê o pagamento em dinheiro de terras adquiridas para a reforma agrária. Ela pretende ainda dar título de propriedade aos assentados, o que é uma janela para a reconcentração fundiária. Hoje, os títulos concedidos aos beneficiários são inegociáveis. A segunda linha é a de fragilizar a organização social no campo. A proposta desconsidera a existência de acampados organizados em movimentos sociais, e prevê abertura de editais amplos para candidatos a beneficiários. (MPV 759/2016)

5. ROTULAGEM DE TRANSGÊNICOS. A Câmara aprovou o fim da exigência do símbolo “T” nos produtos que contêm até 1% de componentes transgênicos. O projeto fere o direito à informação e à escolha a uma alimentação saudável. A proposta está pendente de apreciação pelo Senado. (PLC 34/2015).

6. (DES)FUNÇÃO SOCIAL. Um PL que está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça restringe ainda mais os requisitos da função social da propriedade. Pela proposta, além de a propriedade não precisar cumprir os critérios ambiental e trabalhista, passa a não ser mais necessário o cumprimento simultâneo dos requisitos de “utilização da terra” e de “eficiência na exploração” para comprovação da produtividade da propriedade rural. (PL 5288/2009).

7. VENDA DE TERRAS PARA ESTRANGEIROS. Desde 2015 a proposta que permite a venda de terras para estrangeiros está com urgência aprovada, para que possa ser apreciada pelo Plenário da Câmara. Defendido pela bancada ruralista, o PL viola a soberania nacional. Alexandre Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, sintetiza: “Numa ponta, nós lutamos pela distribuição de terras para produzir alimento; na outra, eles querem justamente entregar essas terras e jogar as comunidades para as periferias das grandes cidades”, agravando a exclusão social. (PL 4059/2012)

8. MONOPÓLIO DAS SEMENTES. Está prestes a ser votado, em comissão especial, a proposta de proteção de cultivares. O PL restringe a possibilidade de multiplicação de sementes protegidas e exige autorização do detentor da patente para que o agricultor comercialize o produto da colheita. Trata-se de projeto que favorece multinacionais do agronegócio, que concentrarão mais poder sobre a reprodução de sementes. (PL 827/2015).

9. AGROTÓXICOS. Comissão especial da Câmara se debruça sobre proposta de fragilização do processo de controle dos agrotóxicos no Brasil, que já ocupa, mesmo sem essa inovação legislativa, a primeira posição no consumo mundial de veneno na comida. A proposta altera o nome de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, restringe a ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e aumenta o peso dos interesses econômicos contra os direitos à saúde, à alimentação adequada e ao meio ambiente. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar se posicionou oficialmente contra a proposta. (PL 6299/2002 e PL  3200/2015)

10. MINERAÇÃO. O projeto de Código da Mineração vai no sentido contrário ao das necessidades indicadas pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, provocado pela mineração empresarial: a tragédia de Mariana. O código mais incentiva que regula a mineração. Os substitutivos apresentados – um dos quais escrito no computador de uma mineradora – fragilizam o controle estatal e a capacidade de o Poder Público atuar no planejamento desse setor estratégico. (PL 37/2011).

11. FIM DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou que acordou com o Governo Federal a aprovação do “auto-licenciamento” ambiental – que permite às empresas obter o licenciamento com o simples preenchimento de um formulário, retirando do Estado o poder de controlar os empreendimentos em prol do meio ambiente. Segundo a mesma fonte, este acordo permitirá, ainda, a dispensa do licenciamento. Outro projeto, apelidado de “fast track” ambiental, simplifica o licenciamento.  Além disso, três projetos legislativos apresentados pela bancada ruralista visam a autorizar a construção de hidrovias sem necessidade de licenciamento ambiental, nos rios Tapajós, Tocantins e Araguaia, e Paraguai. A informação é do site Intercept. (PL 3729/2004, PLS 654/2015, PDCs 118, 119 e 120/2015).

DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

12. FIM DAS DEMARCAÇÕES INDÍGENAS. A Proposta de Emenda à Constituição, que já foi aprovada em Comissão Especial e está pronta para o Plenário da Câmara, prevê a competência do legislativo para demarcar terras – o que impossibilitará, na prática, futuras demarcações. Além disso, transforma as terras tradicionais em equivalentes da propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida do agronegócio e das mineradoras sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de tradicionalidade. A PEC estende o “marco temporal” (necessidade de estar sobre a terra tradicional na data de promulgação da Constituição de 1988) também às comunidades quilombolas. Ou seja, é danosa também para essas comunidades tradicionais. Algumas demandas de ruralistas expressas na PEC 215 foram regulamentadas por Portaria do Ministro da Justiça.  A norma, de hierarquia inferior à lei, relativiza o parecer técnico da FUNAI. Agora, o Ministério da Justiça pode rever o procedimento. A Portaria abre espaço para pressão dos ruralistas e para adoção imediata do “marco temporal”. A norma, além de inconstitucional, fere a Convenção 169 da OIT, que determina que os povos indígenas devem ser consultados previamente sobre medidas que os afetem. (PEC 215/2000, Portaria n° 68, de 14 de janeiro de 2017)

13. CPI DO INCRA E DA FUNAI. Tramita, desde novembro de 2015, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para investigar as atividades da Fundação Nacional do Índio e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária na demarcação de terras indígenas e quilombolas. A CPI está em sua segunda versão, pois foi extinta e recriada na sequência durante esse período. Seu maior objetivo é paralisar o processo de reforma agrária e a demarcação de terras tradicionais. O colegiado, comandado por ruralistas, tem se dedicado a investir contra minorias e trabalhadores do campo, perseguindo, com fundamentos políticos e não técnicos, gestores, lideranças e pesquisadores que atuam em causas relacionadas à questão agrária. Seus trabalhos, conduzidos de forma parcial, arbitrária e atabalhoada, padecem de vícios profundos. As arbitrariedades da CPI podem ser sintetizadas em quatro aspectos: a) falta de fato determinado para a investigação, que é uma exigência constitucional; b) prorrogação do seu funcionamento sem acordo e fora dos requisitos regimentais — em menos de duas semanas a CPI, extinta por ter extrapolado em muito o prazo regimental, foi recriada; c) diligências em terras indígenas sem autorização dos indígenas e com a presença de policiais armados na tomada dos depoimentos;  d) quebra do procedimento — em uma CPI, o correto é se aprovar os pedidos de indiciamento após a conclusão dos trabalhos. Nesta, entretanto, aprovou-se solicitação de abertura de inquéritos disciplinares e policiais contra Procuradores Federais, antropólogos, professores e lideranças indígenas, antes do relatório final. Além disso, ocorreu quebra de sigilo de diversas organizações da sociedade civil, inclusive científicas e religiosas, antes do relatório final. Dentre elas, do Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica, a mais importante organização não-indígena de apoio à causa indígena no Brasil. Foi aprovada também a quebra de sigilo da Associação Brasileia de Antropologia (ABA) – os cientistas têm sido um dos principais alvos da ofensiva ruralista.

DIREITOS DAS MULHERES E DAS PESSOAS LGBT

14. ESTATUTO DA FAMÍLIA. Foi aprovada por Comissão Especial a proposta que retira os casais homoafetivos do conceito de família. Casais formados por pessoas do mesmo gênero, pela proposta, não podem se casar ou estabelecer união estável, tampouco podem adotar. O Brasil já permite o casamento e a adoção por casais homossexuais, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal. É um retrocesso. O Estatuto aguarda apreciação pelo Plenário da Câmara. (PL 6583/2013).

15. RESTRIÇÃO AO ATENDIMENTO DE VÍTIMAS DE ESTUPRO. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou o projeto que criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez. No caso de estupro o aborto só será permitido com exame de corpo delito. O projeto ainda prevê que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. Ou seja, o profissional de saúde não é obrigado a dar as devidas orientações para uma vítima caso este profissional considere que pílula do dia seguinte é abortiva ou que aborto em caso de estupro não é adequado. A proposta está pronta para apreciação pelo Plenário da Câmara. (PL 5069/2013).

16. ABORTO COMO CRIME HEDIONDO. Quatro PLs em tramitação pretendem tornar o aborto um crime hediondo – tão grave quanto homicídio praticado por grupo de extermínio e estupro de criança, por exemplo. Os crimes hediondos não são suscetíveis a graça ou indulto. (PL 4703/1998, PL 4917/2001, PL 7443/2006 e PL 3207/2008).

17. NASCITURO. Há diversos projetos que dispõem sobre os direitos do nascituro, que tramitam em conjunto, sob o nome de Estatuto do Nascituro. A proposta já foi aprovada em duas comissões – Finanças e Tributação e Seguridade Social e Família. A proposta dá uma pensão à mãe de filho gerado a partir de um estupro, além de prever direitos de paternidade ao agressor. (PL 478/2007).

18. CONTRA O RECONHECIMENTO DE PESSOAS LGBT. Além do Estatuto da Família, tramitam projetos que propõem a vedação de adoção por casal homoafetivo; a criminalização da “heterofobia”; a criação do “Dia do Orgulho Heterossexual”; a criação de nova causa de anulação do casamento — “a ignorância, anterior ao casamento, da condição de transgenitalização, que por sua natureza, torne insuportável a vida do cônjuge enganado com a impossibilidade fisiológica de constituição de prole”; o cancelamento do decreto sobre o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, entre outros. (PL 4508/2008, PL 620/2015, PL 7382/2010, PL 1672/2011, PL 3875/2012, PDC 395/2016).

19. (NÃO) DIVERSIDADE NAS ESCOLAS. Um projeto pretende vetar o debate sobre a igualdade de gênero – ou a promoção da ideologia de gênero — por qualquer meio ou forma do sistema de educação. Outro criminaliza a veiculação “em atos normativos oficiais, em diretrizes, planos e programas governamentais, de termos e expressões como ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘discriminação de gênero’, ‘questões de gênero’ e assemelhados, bem como autorizar a publicação dessas expressões em documentos e materiais didático-pedagógicos, com o intuito de disseminar, fomentar, induzir ou incutir a ideologia de gênero”. (PL 2731/2015, PL 3236/2015, PL 3235/2015)

DIREITO À LAICIDADE DO ESTADO

20. EDUCAÇÃO. Tramitam na Câmara algumas propostas dispondo da obrigatoriedade do ensino religioso, da Bíblia ou do criacionismo nas escolas. Hoje a Lei de Diretrizes e Bases estabelece que o ensino religioso é facultativo, devendo ser respeitada a diversidade, sendo vedado o proselitismo. (PL 309/2011, PL 943/2015, PL 8099/2014,).

21. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ENTIDADES RELIGIOSAS. Foi aprovada por comissão especial a proposta que diz que as Associações Religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade no STF. No Brasil um rol de entidades bastante restrito pode ingressar com ação desse tipo. Ao permitir entidades religiosas sem permitir outras de cunho social, a laicidade do Estado é profundamente ferida. A matéria está pronta para apreciação do Plenário. (PEC 99/2011)

DIREITO À EDUCAÇÃO

22. REFORMA EDUCACIONAL. A maior reforma educacional em décadas foi apresentada por meio de Medida Provisória. Quanto ao método, a proposta foi desenhada sem discussão com a sociedade civil organizada, que inclui professores, estudantes, pesquisadores e gestores. Quanto ao rito, uma MP tem trâmite célere, já que seu requisito constitucional é a urgência. Contudo, mudança de tamanha dimensão deveria ser discutida com cuidado, nos detalhes, para que erros sejam evitados e o governo não tenha que voltar atrás no futuro. Quanto ao conteúdo, apesar do recuo anunciado pelo Ministério da Educação, a MP de fato retirou a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia e filosofia. Apenas matemática e português continuaram como matérias obrigatórias nos três anos do ensino médio.  O objetivo central da proposta é privilegiar a formação técnica, na qual o estudante opta por uma ênfase curricular, em vez de uma formação mais abrangente. Assim, o ensino médio será dividido em dois blocos. O primeiro, chamado “Base Nacional Comum Curricular”, terá no máximo 1.200 horas da carga total, ou seja, pode ocupar no máximo 50% da carga horária atual do ensino médio, ou no máximo 28,5% da carga horária almejada para o ensino médio. O segundo é chamado “Itinerários formativos específicos”, será organizado conforme as seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:  linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; e formação técnica e profissional. São admitidos profissionais com “notório saber” para ministrar as disciplinas, o que “institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade do ensino”, conforme pontua o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. A proposta, conforme o MNPS, sonega o “direito ao conhecimento e compromete uma formação que deveria ser integral – científica, ética e estética”. A MP está em sintonia com o movimento “Escola sem Partido”, que visa a proibir a veiculação de conteúdos críticos no ensino. Além disso, favorece as corporações do ensino, já que encarece os custos da educação. Ao mesmo tempo em que o governo impõe por media provisória uma reforma educacional caríssima, o executivo patrocinou a PEC do teto de gastos, que prevê a redução sistemática do investimento público em programas sociais. Provavelmente a solução para o paradoxo será transferir a responsabilidade sobre o ensino médio à esfera privada. A Câmara alterou o texto original, que precisa ainda ser apreciado pelo Senado. (MP 746/2016).

23. ESCOLA SEM PARTIDO. O projeto de “Programa Escola sem Partido” inclui, como diretriz da educação nacional, o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”. A proposta viola, por isso, a Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância. Foi criada uma comissão especial para analisar o projeto. (PL 867/2015, PL 7180/2014)

DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

24. REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. Foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Agora a PEC está no Senado. A idade penal de 18 anos é um direito humano previsto na Constituição e por isso é cláusula pétrea. A Convenção sobre Direitos da Criança da ONU de 1989 também afirma que 18 anos é o marco da idade penal. A Constituição estabelece o direito à proteção especial da criança e do adolescente, que inclui “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”. (PEC 115/2015).

25. AUMENTO DA INTERNAÇÃO PARA ADOLESCENTES NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO. O Senado aprovou e a Câmara agora aprecia, em comissão especial, proposta de aumento do tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei. “O texto do Senado eleva o tempo máximo de internação de adolescentes de três para dez anos em casos de homicídio doloso (com a intenção de matar) e de atos descritos na lei de crimes hediondos, sempre que cometidos com violência ou grave ameaça (como estupro e latrocínio). A partir dos 18 anos, o adolescente nessa situação deverá ser transferido para uma unidade ou ala separada dos demais”. Para a CONECTAS, é falsa a ideia de que o aumento da sanção pode reduzir a criminalidade – é o caso da ampliação dos crimes hediondos, sem impacto estatístico nos crimes — ou de que os problemas sociais serão solucionados pelo direito penal (PL 7197/2002 e apensos).

26. EXPOSIÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI. A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou o PL que permite a divulgação de imagem de criança ou adolescente a quem se atribui ato infracional. O Coletivo Intervozes manifestou-se contra a proposta, que foi aprovada sem sequer uma audiência pública para debatê-la. Agora o PL será apreciado pela Comissão de Segurança Pública.  (PL 7553/14)

27. REDUÇÃO DA IDADE DE TRABALHO. Está pendente de deliberação a apreciação a PEC que pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). A proposta fere a Constituição e tratados internacionais sobre proteção à adolescência.  (PEC 18/2011).

DIREITO À VIDA

28. ARMAMENTO. Comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. Há facilitação para o porte rural de arma de fogo, o que deve contribuir para intensificar a violência no campo, particularmente os ataques de milícias rurais a trabalhadores sem-terra e membros de comunidades tradicionais. O projeto está pronto para apreciação pelo Plenário da Câmara. Por outro lado, está parada a ratificação pelo Brasil do Tratado de Comércio de Armas (que regula o comércio internacional de armas para evitar que elas sejam extraviadas e utilizadas para cometer genocídio, crimes contra a humanidade, etc). (PL 3722/2012, PDC 298/2015).

DIREITOS SOCIAIS E BEM-ESTAR

29. DESMONTE DO ESTADO. Foi promulgada, em dezembro, a Emenda Constitucional proposta pelo Presidente Michel Temer, que institui um novo regime fiscal que congela os gastos públicos por 20 anos. Trata-se da medida legislativa com mais impacto social e econômico da história. O estudo “Austeridade e Retrocesso – Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil”, elaborado pelo Fórum 21, pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), pelo  GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP); e Plataforma Política Social, aponta que a emenda comprometerá atividades estatais básicas e as políticas públicas de educação, saúde, assistência social, infraestrutura, transporte, energia, ciência, fomento à agricultura e à indústria, etc. Os impactos devem ser severos para os setores médios e baixos da população, que se utilizam diretamente dos serviços públicos. Por outro lado, a PEC favorece os rentistas, pois juros e amortização da dívida pública não entram no teto. A emenda veda, ainda, políticas anticíclicas, que poderiam ser acionadas em momentos de crise, além de ser indutora de recessão econômica, já que provoca o ciclo vicioso da austeridade. A proposta implica também em redução do valor real do salário mínimo. A PEC tende a fazer terra arrasada de todo o aparato de desenvolvimento e proteção social construído desde a década de 1930. Como aponta o economista Marcelo Zero, o mecanismo previsto “não existe em nenhum lugar do mundo e impõe uma absurda austeridade permanente, que independe do ciclo econômico e do controle democrático”. Pelos cálculos do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a mudança deve reduzir em 50% os recursos – já insuficientes – aplicados na área. (EC 95 de 2016)

30. REFORMA DA PREVIDÊNCIA. O governo apresentou proposta de reforma da previdência na qual o trabalhador precisará contribuir por 49 anos para assegurar o recebimento do teto do regime geral da previdência. A proposta estabelece paridade entre homens e mulheres e entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. A PEC restringe o BPC (Benefício de Prestação Continuada). A aposentadoria sem contribuição para o trabalhador rural é extinta, assim como a aposentadoria especial de professores. A agenda divulgada do secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda mostra que ele se reuniu dezenas de vezes com empresas de previdência privada, mas com sindicatos representantes dos trabalhadores, apenas no dia em que a proposta foi entregue ao Congresso. Os militares são os únicos poupados pela reforma. Eles, entretanto, são responsáveis por 48% do déficit da previdência, segundo estudo do consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados. A proposta já foi admitida pela Comissão de Constituição e Justiça (PEC 278/2016)

31. ORÇAMENTO. Segundo análise feita pelo site Gestão Pública da proposta orçamentária para este ano, a PEC implicou “em reduções significativas, em comparação ao orçamento do ano passado, em áreas centrais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e que devem certamente comprometer a implementação de políticas públicas em todas as esferas da federação, sobretudo, em Estados e  municípios: desenvolvimento regional – redução de 81, 2%; moradia digna – redução de 56,7%; reforma agrária– redução de 52,6%; igualdade racial  – redução de 42,2%; mulheres e igualdade de gênero– redução de 40%; principais programas sociais – redução de 14%; educação) – redução de 10%; inclusão social e bolsa família – 7,4%; fortalecimento do SUS – redução de 5,6%”. “Por outro lado, a PEC não parece impactar as áreas como investimento militar e o agronegócio, que terão aumento significativo em seu orçamento”.  O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Governo para o ano de 2017 tem a redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos e as comunidades tradicionais (estudo da Liderança do PT). A proposta estabelece um teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias da Funai. Trata-se do menor valor orçado para a Fundação nos últimos 10 anos (de acordo com A Pública).

32. PROGRAMA DE PARCERIAS DE INVESTIMENTO (PPI). Foi aprovada a medida provisória de Michel Temer que instituiu o programa de privatizações de seu governo. A proposta, segundo o Deputado Nilto Tatto (PT/SP), é orientada “à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e às privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas”. A MP traz um apêndice que fragiliza o licenciamento ambiental – que é o principal instrumento de análise dos impactos ambientais de qualquer tipo de empreendimento. (Lei Ordinária 13334/2016)

33. ENTREGA DO PRÉ-SAL. O legislativo aprovou a proposta de autoria do atual Ministro das Relações Exteriores, Senador licenciado José Serra (PSDB/SP), que retira a participação obrigatória da Petrobrás em pelo menos 30% da exploração do Pré-Sal – provavelmente a maior reserva energética do mundo. Conforme apontou a Federação Única dos Petroleiros, trata-se de entregar a reserva às multinacionais, o que significará menos recursos para políticas públicas “e o fim da política de conteúdo nacional, que gera empregos, renda e tecnologia para o nosso país”. (Lei Ordinária 13365/2016)

34. RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DOS ESTADOS. O Congresso Nacional aprovou o projeto de renegociação da dívida dos Estados. Para aderirem ao programa, os estados devem se submeter, por dois anos, aos requisitos da Emenda do teto de gastos. A Câmara rejeitou, porém, dispositivos inseridos pelo Senado, como aumento da contribuição previdenciária dos servidores. A Câmara ainda inseriu na proposta a possibilidade de ajuda aos estados em situação de calamidade financeira, com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul.  Michel Temer vetou essa ajuda, e pretende apresentar novo projeto sobre o tema em 2017. (PLP 257/2016, Lei Complementar 156/2016)

DIREITO À COMUNICAÇÃO

35. EBC. Michel Temer propôs medida que acaba com a autonomia da Empresa Brasileira de Comunicação. Ela permitirá que o Planalto indique e demita livremente o presidente da EBC. Tal medida vai na contramão das práticas democráticas de comunicação pública mundo afora, segundo as quais se criam empresas públicas de comunicação que não são estatais, ainda que prestem contas ao governo. (MP 744/16).

36. 100 BI ÀS OPERADORAS. Foi aprovado, em sete dias corridos, com apoio do governo Temer e sem debates, em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado, um projeto que “transforma as concessões de telecomunicações em autorizações e transfere uma infraestrutura estratégica da União, avaliada em R$ 100 bilhões, para o patrimônio privado das operadoras”. A proposta, como aponta o Intervozes, “resultará no fim da universalização dos serviços de telecomunicações, pode elevar preços de conexão e deixar regiões interioranas desconectadas”. (PLC 79/2016)

DEVIDO PROCESSO LEGAL

37. EXCEÇÃO LEGALIZADA. Foram apresentadas pelo Ministério Público Federal “dez medidas contra a corrupção”. A proposta, na prática, legalizava medidas de exceção como admissão de provas ilícitas, restrição ao habeas corpus, restrição grave à prescrição dos crimes e limitação à defesa e teste de integridade, ampliação excessiva do rol de crimes hediondos, etc. Como aponta o Subprocurador-Geral da República Eugênio Aragão, o que o MPF quer é um projeto de “interesse corporativo”, que expande suas competências, criando obstáculos à defesa. O texto das 10 medidas foi, em seus principais pontos, rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e seguiu agora para o Senado. (PL 4850/2016).

38. TERRORISMO. O legislativo aprovou a lei que tipifica o terrorismo no Brasil.  Apesar da ressalva que exclui de seu texto a atuação de movimentos reivindicatórios, a lei é perigosa pois traz conceitos indeterminados. O Conselho Nacional de Direitos Humanos e pelo menos 80 movimentos sociais foram contrários à proposta. (Lei ordinária 13.260 de 2016).

39. CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS. Hoje ao menos dois projetos de lei pretendem agravar a legislação antiterror. Um deles resgata os dispositivos vetados pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff. Assim, criminaliza os atos de ato de incendiar, saquear, depredar meios de transporte, agências bancárias, lojas e prédios públicos – o que implica em pena excessiva a condutas contra o patrimônio. Outro inclui a finalidade política como elemento a caracterizar o terrorismo, com o intuito de restringir movimentos reivindicatórios, ferindo a liberdade de expressão e a democracia. (PLS 272/2016 e PL 5065/2016)

DIREITO AO VOTO

40. PARLAMENTARISMO. O Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a adoção do parlamentarismo, ainda não instalada. Tramita no STF um mandado de segurança (MS 22.972) que questiona se é possível a mudança de um sistema de governo via emenda Constitucional. O MS foi pautado em março, mas não foi ainda julgado. Nas informações que prestou ao STF, o Presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, manifestou-se favorável ao parlamentarismo. Por esse sistema, os cidadãos não têm o direito de voto direto para o cargo de Presidente da República.

 

Elaboração:

Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), IESP-UERJ

Apoio:

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Conectas Direitos Humanos

Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

 Fonte: Câmara dos Deputados