Prato do Dia #1: A carne é fraca e os alimentos não são mercadorias

A Operação “Carne Fraca” da Polícia Federal traz para o debate público as práticas das grandes empresas do agronegócio, como a JBS e a BRF, no ramo da alimentação. Independente das críticas que a operação vem sofrendo, especialmente por parte do governo, os fatos já demonstram como as grandes empresas podem gerar violações de direitos em todas as etapas do processo alimentar, isto é, desde  a produção de alimentos até o seu aproveitamento, depois do seu consumo por seres humanos.

Em primeiro lugar é importante apontar a pequena capacidade do Estado em fazer frente de maneira efetiva a todas as irregularidades que acabam sendo servidas como violações de direitos no prato de cada um de nós: soja no lugar de frango, soda cáustica no leite, carne apodrecida, agrotóxicos não permitidos ou usados além do permitido, e por aí vai – o cardápio é extenso. Sem ações reguladoras efetivas, não há garantia do direito à alimentação e nutrição para a população.

A mídia acaba tratando o assunto de maneira, no mínimo, curiosa. Em agosto de 2016, foi lançado o PlanoAgro+ pelo Governo Federal, o qual conta com 69 medidas imediatas (de quase 300 previstas) de redução da fiscalização sanitária – isto é, são medidas afetas à saúde pública, adotadas por Blairo Maggi, Ministro da Agricultura, sob o pretexto de que cabe ao mercado punir quem não produz como se deve. A mesma mídia que divulgou com cara de nojo a operação policial a “Carne é Fraca”, festejou o PlanoAgro+ como uma medida de desburocratização do agronegócio, sem falar da importância das medidas de regulação da produção e consumo de alimentos para a saúde pública. Muito barulho, pouca informação.

Com relação à comercialização de alimentos, é também importante registrar que, se de um lado existe uma liberalização de regras para o agronegócio, de outro existe imposição de exigências de produção e comercialização que afetam, principalmente, a agricultura familiar e camponesa, incluindo a perseguição e criminalização de mecanismos tradicionais de intercâmbio não mediados pelas leis do mercado – a exemplo das feiras de rua e da produção artesanal de alimentos. Neste contexto, torna-se ainda mais grave a injustiça percebida na diferença de apoio dado pelo Estado Brasileiro ao agronegócio e à agricultura familiar – embora seja essa a que mais produz e alimenta a população e a que mais emprega no meio rural.

Outra reflexão importante a fazer no contexto da operação Carne Fraca é que por um lado, ainda existem parcelas da sociedade brasileira que sofrem de fome e, de outro, grande parte da população possui altos índices de sobrepeso e obesidade: segundo os dados mais recentes da FAO, por exemplo, 54,1% dos adultos brasileiros estão com sobrepeso, e 20% com obesidade. A essência dos negócios de JBS, BRF e empresas similares constitui uma causa principal dessas duas situações antagônicas: a produção e o consumo exagerados e insustentáveis de proteína animal. Sofremos a imposição de um modo agroindustrial baseado na produção de alimentos altamente processados que respondem a necessidades alimentares criadas por outras culturas e interesses e, além disso, é frágil a regulação da publicidade de alimentos, mesmo quando o alvo dessa publicidade são crianças, público que deveria ser a prioridade absoluta do Estado, quando falamos de garantia de direitos.

Do ponto de vista do setor produtivo, a produção pecuária pautada em alimentação dos animais com cereais, bem como no grande desmatamento causado pelas pastagens e para a produção de tais cereais, representa impactos para todo o mundo. Em 2006, a FAO estimou que o pastoreio ocupava uma área equivalente a 26% da superfície terrestre livre de gelo do planeta, enquanto 33% do total de terras aráveis ​​eram dedicados à produção de alimentos para animais, especialmente o milho e a soja. O estudo da FAO estimou que o setor pecuário era responsável por 18% das emissões de gases de efeito estufa medidas em equivalente de CO².

Existem ainda os conflitos agrários por trás da produção de carne. O caso dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é um exemplo de como a criação de gado e grãos afeta seus territórios tradicionais e suas vidas, expondo-os a casos de despejos, torturas, ataques e assassinatos de suas lideranças.

De outro lado, o alto consumo de carne em países desenvolvidos tem contribuído para doenças crônicas, incluindo obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer. De modo a sintetizar a importância desta questão do consumo de proteínas animais, o ex-Relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, destacou como prioridade na agenda da alimentação mundial a necessidade de se mitigar os impactos negativos da produção industrial de carne pela via do encorajamento da redução do consumo desta nas sociedades em que este consumo já atingiu níveis preocupantes.

Não será a Operação “Carne fraca” que vai colocar um fim em tudo isso. Não serão algumas operações policiais que vão redirecionar o que e como produzimos e consumimos alimentos. O que pode mudar essa realidade são leis e políticas públicas, articuladas e efetivamente participativas, que concebam alimentos como direitos e como algo fundamental para nossa vida e para nossa saúde. Para isso são necessários uma sociedade civil atenta e ativa por justiça social e ambiental, um Congresso que não seja dominado por interesses ruralistas e um governo comprometido com direitos humanos. Quando retornarmos a um verdadeiro e efetivo Estado democrático, pode ser que tenhamos comida de verdade em nosso prato.

 

Por Valéria Burity – secretária geral da FIAN Brasil e Lucas Prates – assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil

Plataforma #ChegadeAgrotóxicos é lançada no Brasil e já soma mais de 27 mil assinaturas

Já são mais de 27 mil assinaturas em menos de uma semana de lançamento da plataforma online #ChegaDeAgrotóxicos. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e a ferramenta é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos na mesas da famílias brasileiras.

A plataforma online tem como objetivo mobilizar a sociedade para a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). Apresentada pela sociedade civil, a PNaRA foi acolhida por unanimidade no final de 2016 pela Câmara dos Deputados e se tornou o Projeto de Lei 6670/2016, que será analisado por uma Comissão Especial da casa legislativa.

Além de apoiar a aprovação da PNaRA, a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos também tem como meta barrar o Projeto de Lei (PL) 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”. Ao liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no país, o Pacote do Veneno vai contra a vontade da sociedade brasileira – segundo pesquisa IBOPE, 81% dos brasileiros considera que a quantidade de agrotóxicos aplicada nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.

Com atuação no tema do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, a FIAN Brasil é uma das organizações que participam da campanha. “A FIAN Brasil se soma a essa campanha porque acredita na luta por soberania alimentar e na luta por um novo modelo de produção e consumo de alimentos de verdade como o caminho para garantir alimentação como direito”, enfatiza a secretária geral da organização Valéria Burity.

No início de março, a ONU divulgou um relatório na qual defende que o uso de pesticidas não contribui para a erradicação da fome. “É hora de derrubar o mito de que pesticidas são necessários para alimentar o mundo” afirmou Hilal Elver, relatora da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Os agrotóxicos assim se chamam, porque são tóxicos, o que intoxica não alimenta, nos mata aos poucos. Esperamos que a campanha seja efetiva e alcancemos à aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), o que sem dúvida é crucial para garantia de direitos humanos de toda população brasileira”, finaliza Burity.

Entre as organizações que participam da plataforma estão Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, FIAN Brasil, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), CUT, Associação Nacional de Agroecologia, Via Campesina, Fiocruz, Greenpeace, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Associação Brasileira de Agroecologia, ACT, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Slow Food Brasil,Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Além destas organizações e especialistas, a campanha #ChegaDeAgrotóxicos é apoiada pela chef’s de cozinha Paola Carosella e Bela Gil.

PNaRA

A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos foi criada por entidades e movimentos da sociedade civil, entre elas a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e o Greenpeace, a partir do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), criado em 2014, porém nunca lançado.

Retrocesso

Na contramão do que quer a sociedade brasileira, tramita na Câmara o Projeto de Lei 6299/2002, de autoria do ex-senador e atual ministro Blairo Maggi (PP/MT). A proposta de Maggi traz inúmeros retrocessos e coloca em risco de desmonte a atual legislação de agrotóxicos, facilitando ainda mais a liberação e o uso dessas substâncias para um dos maiores consumidores de pesticidas do mundo, o Brasil. A PNaRA surge como um contraponto ao PL do ministro, trazendo para o debate a questão da redução dos agrotóxicos no país. Segundo pesquisa IBOPE encomendada pelo Greenpeace, 81% dos entrevistados consideram que a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.

Assine também: http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/

 

Plataforma #ChegaDeAgrotóxicos é lançada no Brasil

Construído por diversas organizações, site explica ameaças de retrocessos na legislação de agrotóxicos e coleta assinaturas para pressionar pela Política de Redução de Agrotóxicos

Foi lançada nesta quinta-feira (16) a plataforma online #ChegaDeAgrotóxicos. A ferramenta é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos na mesas da famílias brasileiras.

Preocupadas com o chamado Pacote do Veneno – uma série de medidas que visam liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no Brasil –, diversas organizações da sociedade se juntaram para construir a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos. O site recolhe assinaturas contrárias ao Projeto de Lei 6299/2002, do agora ministro da agricultura Blairo Maggi, e divulga informações sobre os riscos dos agrotóxicos.

Carla Bueno, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explica o objetivo deste movimento: “Queremos alertar a sociedade para o enorme risco que estamos correndo caso o Pacote do Veneno seja aprovado. Nossa proposta é a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que é composta por uma série de medidas que restringem os agrotóxicos e podem nos livrar do posto de maior consumidor de venenos do mundo”.

A PNaRA foi construída há mais de dois anos, numa parceria entre a sociedade civil e o governo, no contexto da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Na época não pôde ser implementada pois foi vetada pelos ruralistas. Entre as medidas contidas na PNaRA, estão o fim das isenções fiscais para agrotóxicos, e a criação de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos para incentivar a agroecologia no Brasil.

“O agronegócio, além de ser 100% dependente do uso de agrotóxicos, representa um grande entrave para o desenvolvimento da agroecologia e a produção de alimentos saudáveis. É preciso dar um basta nos ruralistas, e iniciar uma transição do modelo de produção agrícola em nosso país e para isso a Reforma Agrária se coloca na ordem do dia”, afirma Carla.

Projetos de Lei

As assinaturas recolhidas no site chegadeagrotoxicos.org.br irão servir como pressão para barrar o Projeto de Lei 6299/2002. Nele, há uma proposta de revogação da atual lei de agrotóxicos, e a criação de uma lei de “defensivos fitossanitários”, que acabaria inclusive com o nome “agrotóxico”. Desta forma, todo o perigo representado por estas substâncias ficaria oculto. Além disso, o texto abre brechas para aprovação de novas substâncias que provocam câncer, mutação genética e má-formação fetal.

Ao mesmo tempo, o conjunto de organizações que lançou a plataforma pretende apoiar a aprovação do Projeto de Lei 6670/2016, que institui a PNaRA. O projeto é uma iniciativa da sociedade civil, que propõe mais de 100 medidas para reduzir os agrotóxicos no Brasil.

A plataforma #ChegaDeAgrotóxicos é assinada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Greenpeace, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Associação Brasileira de Agroecologia, Articulação Nacional de Agroecologia, Aliança Pela Alimentação Saudável, Aliança de Controle do Tabagismo, Central Única dos Trabalhadores, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, FIAN Brasil, Fiocruz, Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar, Idec, Slow Food e Via Campesina.

Acesse o site: http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/

Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida

Pesticidas matam 200 mil pessoas por intoxicação aguda todo ano, alertam especialistas

Cerca de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento, onde as regulamentações de saúde, de segurança e de proteção ao meio ambiente são frágeis. Dois especialistas em direitos humanos da ONU pediram novo tratado global para regulamentar e eliminar gradualmente o uso de pesticidas perigosos na agricultura e avançar em práticas agrícolas sustentáveis.

Foto: Akarsh Simha/Flickr/CC
Foto: Akarsh Simha/Flickr/CC

Dois especialistas em direitos humanos da ONU pediram nessa semana (7) um novo tratado global para regulamentar e eliminar gradualmente o uso de pesticidas perigosos na agricultura e avançar em práticas agrícolas sustentáveis.

De acordo com a relatora especial da ONU sobre o direito à alimentação, Hilal Elver, e o especialista das Nações Unidas para os direitos humanos e substâncias e resíduos perigosos, Baskut Tuncak, os pesticidas são responsáveis por 200 mil mortes por intoxicação aguda a cada ano.

Eles apontaram que cerca de 90% das mortes ocorreram em países em desenvolvimento – onde as regulamentações de saúde, de segurança e de proteção ao meio ambiente são frágeis.

“O uso excessivo de pesticidas é muito perigoso para a saúde humana e para o meio ambiente, e é enganoso afirmar que eles são vitais para garantir a segurança alimentar”, afirmaram os relatores em declaração conjunta.

Eles destacaram que a exposição crônica aos pesticidas tem sido associada ao câncer, ao Alzheimer e Parkinson, bem como a distúrbios hormonais e de desenvolvimento e esterilidade.

Agricultores e trabalhadores agrícolas, comunidades que vivem próximas a plantações, comunidades indígenas e mulheres grávidas e crianças são particularmente vulneráveis à exposição a pesticidas e requerem proteções especiais.

Os especialistas enfatizaram ainda a obrigação dos governos de proteger os direitos das crianças contra substâncias perigosas, alertando também que certos pesticidas podem persistir no ambiente por décadas e apresentar uma ameaça para todo o ecossistema, do qual depende a produção de alimentos.

Embora reconhecendo que certos tratados internacionais atualmente ofereçam proteção contra o uso de alguns pesticidas, eles enfatizaram que ainda não existe um tratado global para regular a grande maioria deles, deixando uma lacuna crítica no quadro de proteção de direitos humanos.

“Sem uma regulamentação harmonizada e rigorosa sobre a produção, venda e níveis aceitáveis de uso de pesticidas, a carga dos efeitos negativos dos pesticidas é sentida pelas comunidades pobres e vulneráveis em países que têm mecanismos de aplicação menos rigorosos”, enfatizaram os relatores da ONU.

O relatório, nos seis idiomas oficiais da ONU, está disponível clicando aqui.

Fonte: ONU Brasil

Glifosato: o veneno está em todo lugar

Altas doses do herbicida da Monsanto foram encontradas em alimentos nos EUA e consumidos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil

O primeiro teste em alimentos para resíduos de glifosato realizado por laboratório registrado na Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) encontrou níveis alarmantes de contaminação em produtos dos mais tradicionais no país e mostrou o quão inadequada é a regulação dos resíduos de pesticidas. O estudo Glifosato: inseguro em qualquer prato, feito pelo laboratório de testes de segurança alimentar Aresco por solicitação do Food Democracy Now! e The Detox Project, reuniu também pesquisas independentes, realizadas em outros países, que chegaram aos mesmos resultados.

Glifosato é o herbicida mais consumido no mundo. O ingrediente ativo do Roundup da Monsanto é o “mata mato” mais pesadamente utilizado na agricultura industrial na história da humanidade – consequência da adoção generalizada de culturas transgênicas, hoje cultivadas em mais de 80% dos 70 milhões de hectares nos EUA e mais de 120 milhões de hectares em escala global. O Brasil cultivou uma área de 44,2 milhões de hectares de transgênicos na safra 2015-2016.

No meio urbano, o glifosato é usado na manutenção de gramados em parques, praças e condomínios. O mercado do herbicida foi avaliado em US$ 5,46 bilhões em 2012 e tem como meta chegar a US$ 8,79 bilhões até 2019.

INGESTÃO ‘ACEITÁVEL’

Os reguladores dos EUA consideram como Ingestão Diária Aceitável (IDA) de glifosato 1.75 miligramas por kilo do peso corporal (1.75 mg/kg/dia). Na União Europeia esse limite é de 0.3 mg/kg/dia. Esses níveis de tolerância foram definidos com base em estudos patrocinados pela próprias corporações fabricantes de agrotóxicos e mantidos em sigilo em nome do segredo industrial. Uma equipe de cientistas internacionais reclama um IDA muito mais baixo, de 0.025 mg/kg/dia – 12 vezes inferior ao definido atualmente na Europa e 70 vezes inferior ao permitido nos EUA.

A União Europeia aprovou sua comercialização até o fim de 2017, à espera das conclusões da Agência Europeia de Produtos Químicos, mas propôs restringir sua utilização em parques e outros espaços públicos. Uma campanha envolvendo organizações não governamentais de 15 países europeus luta para que essa permissão não seja renovada.

No Brasil o limite de ingestão é de 0.042 mg/Kg/dia, com um detalhe: o glifosato não está incluído nos testes da Anvisa para resíduos de agrotóxicos em alimentos, muito embora seja o mais consumido no país. Mais de 8 milhões de toneladas foram despejados nas terras brasileiras somente entre 2010 e 2014.

NOVAS EVIDÊNCIAS

As novas evidências científicas mostram que não há níveis seguros de glifosato para a saúde humana e animal. Os danos prováveis podem começar em níveis ultrabaixos, de 0.1 partes de glifosato por bilhão (ppb). Até mesmo 0.05 ppb podem provocam danos nos rins e fígado de ratos, pela alteração nas funções de 4.000 genes.

Os testes promovidos pela Food Democracy Now! revelaram que produtos alimentares muitos populares nos EUA e no mundo – como o salgadinho Doritos, da Pepsico, os flocos de milho da Kellogg’s e o biscoito Oreo, da Kraft Foods, por exemplo, muito consumidos também no Brasil – tiveram resultados entre 289,47 ppb e 1.125,3 ppb.

Danos causados pelo Glifosato/Roundup em números (ppb)
0,1 ppb: dano severo em órgãos de ratos
0,1 ppb: nível permitido de glifosato e todos os outros herbicidas na água de torneira na União Europeia
10 ppb: efeitos tóxicos no fígado de peixes
700 ppb: alterações em rins e fígado de ratos
700 ppb: nível permitido de glifosato na água de torneira dos EUA
11.900 ppb: encontrado em soja transgênica
1.125,3 ppb: encontrado na Cheerios da General Mills

AS DOENÇAS

Desordens gastrointestinais, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, depressão, autismo, infertilidade, câncer, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, intolerância ao glúten. A lista dos males atribuídos à ingestão de glifosato não para de crescer. O estudo detalha algumas delas.

Câncer. A despeito da insistência da Monsanto de que o glifosato é perfeitamente seguro, “mais que sal de mesa”, um número crescente de estudos revisados pela comunidade científica está encontrando ligações entre glifosato e câncer. Em março de 2015, a Agência de Pesquisa sobre Câncer (IARC, na sigla em inglês) da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou ser o glifosato “provável causador de câncer humano”. A decisão foi baseada em pesquisas de 17 especialistas em câncer de 11 países, que reuniu-se para avaliar a carcinogenicidade de cinco pesticidas. A revisão do glifosato levou o Parlamento Europeu a proibir seu uso não-comercial em áreas públicas e restringir seriamente o uso na agricultura. A Monsanto é alvo de várias ações judiciais nos EUA, com base em avaliações de que o glifosato é o agente causador de câncer em fazendeiros, trabalhadores rurais, aplicadores do pesticida e outras pessoas expostas a ele com frequência. Há preocupação especial com relação aos seguintes tipos de câncer: Linfoma Não Hodgkin, câncer de osso, câncer do cólon, câncer de rim, câncer de fígado, melanoma, câncer do pâncreas, câncer de tiroide.

Alterações hormonais. Um número crescente de evidências científicas aponta o glifosato como desregulador endócrino. Há mais de duas décadas estudos vêm mostrando que mesmo um baixo nível de exposição a certos produtos químicos, o glifosato entre eles, podem alterar a produção e recepção de hormônios vitais para o corpo, podendo causar problemas reprodutivos, aborto, reduzir a fertilidade e que a mudança nos níveis hormonais podem resultar no início prematuro da puberdade, obesidade, diabetes, problemas com a função imune e comportamentais, como déficit de atenção e hiperatividade.

Efeito bactericida. Enquanto a Monsanto continua a negar qualquer impacto na saúde humana e animal, novas pesquisas geram crescente preocupação quanto aos prováveis efeitos do glifosato no equilíbrio do microbioma gastrointestinal, ou bactérias intestinais benéficas, enquanto aumenta o número de espécies patogênicas, podendo levar a problemas de saúde como a síndrome do intestino irritável e a intolerância a glúten. Um estudo pioneiro da Nova Zelândia descobriu, em 2015, que a exposição contínua ao Roundup pode levar bactérias a se tornar resistentes a antibióticos, um problema crescente para a saúde humana e animal.

Doenças crônicas. Cientistas descobriram que pessoas cronicamente doentes têm níveis “significativamente mais altos de glifosato na urina do que pessoas saudáveis”. Verificaram também que as pessoas com dieta convencional têm muito mais resíduos de glifosato do que aquelas que se alimentam com comida orgânica.

IMERSOS EM VENENO

O estudo da Food Democracy Now! mostra que o uso generalizado de glifosato nos EUA levou o veneno a espalhar-se livremente pelo ambiente. Nos últimos anos, foram descobertos resíduos do veneno na água e alimentos consumidos no dia a dia, na urina humana, no leite materno e na cerveja, entre outras substâncias. Vale lembrar que a contaminação dos alimentos não pode ser removida pela lavagem e não é eliminada com cozimento, congelamento ou processamento da comida.

Os níveis de Roundup e outros herbicidas com glifosato usados no agronegócio dos EUA são hoje tão altos que o órgão de Pesquisa Geológica dos EUA (U.S. Geological Survey – USGS) encontrou o veneno em mais de 75% das amostras de água da chuva no Meio-Oeste do país. A pulverização aérea de Roundup leva o herbicida às culturas e também aos corpos d’água e também às nuvens, pela evaporação, e elas podem precipitar-se em locais muito distantes da aplicação. O número crescente de “ervas daninhas” resistentes ao glifosato está levando fazendeiros a usar mais e mais herbicida contra as “superervas daninhas”.

Com base nos resultados desse estudo, o Food Democracy Now! está solicitando investigação federal sobre os prováveis danos causados à saúde humana e ambiental pelo herbicida glifosato e sobre a relação entre reguladores e indústrias reguladas – que resultou nos níveis alarmantes do herbicida a que a população está exposta, como demonstra crescente número de estudos científicos.

O relatório conclui afirmando que o único modo de evitar a contaminação por glifosato é comer alimentos cultivados organicamente. “Um estudo publicado em 2014 na Revista de Pesquisa Ambiental confirmou que famílias que adotaram uma dieta de orgânicos removeram, em não mais que uma semana, 90% dos pesticidas do seu corpo, o que foi comprovado por testes de urina”.

Por Inês Castilho, do site De Olho nos Ruralistas

Estudo identifica agrotóxicos mais frequentes em alimentos consumidos no Brasil

A dieta dos brasileiros é rica em agrotóxicos, inclusive os mais tóxicos. Ao cruzar os dados sobre o que come habitualmente a população brasileira com a lista de agrotóxicos autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a serem aplicados na cultura desses alimentos, pesquisa realizada na USP identificou 68 compostos que excediam o valor de ingestão diária aceitável de acordo com limites estabelecidos pela própria Anvisa.

Entre os 283 agrotóxicos verificados, o brometo de metila (BM) – pertencente à classe dos inseticidas, formicidas e fungicidas e listado como extremamente tóxico – foi a substância com maior estimativa de frequência nos alimentos. Os resultados fazem parte da dissertação de mestrado de Jacqueline Mary Gerage, defendida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em 2016. A ideia foi avaliar o risco de exposição crônica de agrotóxicos na dieta da população, sabendo-se do uso regular dessas substâncias em cultivos como arroz, feijão, soja e frutas.

A mesma substância também foi identificada por meio de outra pesquisa da Esalq, cujo enfoque foi estimar a ingestão de agrotóxicos a partir da dieta dos alunos das escolas urbanas da rede municipal de ensino da cidade de Guariba, interior de São Paulo. Os dois trabalhos tiveram a orientação da professora Marina Vieira da Silva, do Departamento Agroindústria, Alimentos e Nutrição da Esalq.

O BM é um gás que age como inseticida para desinfestação de solo, controle de formigas e fumigação de produtos de origem vegetal. Mata insetos, fungos e bactérias, ervas daninhas ou qualquer outro ser vivo presente no solo. Embora tenha esta utilidade na agricultura, Jacqueline relata que o produto é altamente prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente. “Seu uso está em descontinuação global por causar danos à camada de ozônio e provocar riscos à saúde de trabalhadores rurais e moradores de regiões próximas às áreas de produção agrícola.” Em 1990, na assinatura do Protocolo de Montreal, houve um comprometimento de 180 países para diminuir o uso de produtos semelhantes ao BM na agricultura. O Brasil aderiu ao tratado internacional com a promessa de diminuir gradualmente o manejo ao longo dos anos.

Passo a passo

Baseada em dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2008/2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Jacqueline obteve os alimentos que compunham a dieta habitual de 33.613 brasileiros, com idade superior a dez anos. Foram considerados 743 itens alimentares. Em seguida procurou saber da Anvisa, a quantidade de agrotóxicos que era autorizada para alimentos que compunham o banco de pesquisa, chegando a 283 compostos. Destes, Jacqueline verificou que 68 excediam o valor máximo permitido pela agência.

Para avaliar a exposição da população aos agrotóxicos, foi aplicado o cálculo de Ingestão Diária Máxima Teórica (IDMT), que relaciona o consumo médio dos alimentos e as concentrações médias de agrotóxicos. O resultado obtido do cálculo IDMT foi então comparado ao parâmetro de Ingestão Diária Aceitável (IDA), para caracterização do risco de exposição. Apresentando valores acima do Limite Máximo de Resíduos (LMR), os índices eram considerados preocupantes. Periodicamente, a Anvisa publica informações técnicas sobre os agrotóxicos autorizados para uso no Brasil.

Apesar de este tipo de exposição não ter sido avaliado por meio da pesquisa, a especialista ressalta que na área rural há também os riscos de intoxicação aguda envolvidos com a aplicação destes produtos, ao inalar ou manipulá-los diretamente.

Já a pesquisa Ingestão de resíduos de agrotóxicos potencialmente contidos na dieta habitual de escolares foi conduzida pela nutricionista Ana Paula Gasques Meira, aluna da Pós-Graduação da Esalq, com base em informações disponíveis e na análise de dados locais que levantou. Os resultados obtidos em Guariba, cidade do interior de São Paulo, seguiram a tendência das informações observadas nacionalmente: o brometo de metila se confirmou como uma das maiores médias de ingestão. Nesta pesquisa, participaram 341 crianças e adolescentes, com idade entre 7 e 16 anos.

Por Ivanir Ferreira, com colaboração de Caio Albuquerque/ Divisão de Comunicação da Esalq

Fonte: Brasil de Fato

 

Governo Temer acelera registros e põe novos agrotóxicos nas lavouras e na mesa

Paralelamente ao apoio dado ao chamado “pacote do veneno”, que avança em regime de prioridade na Câmara, o governo de Michel Temer (PMDB) investe em novas ações que praticamente revogam a atual legislação sobre agrotóxicos, colocando assim a saúde da população em risco.

No último dia 3, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) anunciou a criação, ainda este ano, do Sistema Integrado de Agrotóxicos. Conforme a pasta, não se trata apenas de simplificar procedimentos para o registro de agrotóxicos. “São ações coordenadas para que seja agilizada a oferta de novos agroquímicos, atendendo, assim, as prioridades do agricultor”, disse o secretário de Defesa Agropecuária do Mapa, Luis Rangel, conforme nota divulgada no site da pasta.

Ainda segundo o comunicado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), vinculada ao Ministério da Saúde, e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Ministério do Meio Ambiente, participam desse esforço para reduzir a burocracia e acelerar a aprovação de novos produtos.

O ministério chefiado por Blairo Maggi, mais conhecido como “rei da soja”, informa ainda que vai cruzar “os dados desses três órgãos para organizar a fila de pedidos de registro e acelerar a aprovação de novos produtos”.

Genéricos

No ano passado, o número de novas liberações foi recorde, com a aprovação de 277 novos produtos, a maior parte deles genéricos – “porque o ministério quer velocidade e segurança para a utilização de insumos mais adequados ao agronegócio”, conforme o secretário de Defesa Agropecuária Luis Rangel, que tem se reunido com fabricantes de agrotóxicos e outros agroquímicos, representantes dos produtores de soja e algodão, além de parlamentares, para definir as prioridades de novos insumos agropecuários e “garantir a oferta de produtos seguros, não contrabandeados e mais baratos aos produtores”.

A medida do governo para ampliar o estímulo ao mercado brasileiro de venenos, que já é o maior do mundo, é repudiada por especialistas em saúde e meio ambiente. Segundo fontes ouvidas pela reportagem, a iniciativa tende a afrouxar ainda mais as regras de um setor carente de rigor nos procedimentos de liberação, comercialização e fiscalização.

Professora do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Suzi Barletto Cavalli entende que acelerar o processo de liberação de novos venenos significa colocar mais veneno nas lavouras e na mesa da população brasileira. “Se continuarmos assim, vamos liberar mais agrotóxicos e com menos avaliações de sua toxicidade especialmente para a saúde humana, animal e o meio ambiente”, afirma.

De acordo com ela, a flexibilização das regras, que vem ganhando força no país com várias iniciativas, agrava ainda mais a situação marcada pela utilização desmedida de agrotóxicos, geralmente sem controle e sem fiscalização na produção, que compromete a segurança e a qualidade dos alimentos consumidos.

“Temos análises que demonstram a presença de agrotóxicos proibidos no país em muitos alimentos, de outros até que nem foram liberados. Sem contar amostras que revelam desrespeito aos períodos de carência entre aplicação e consumo. Trata-se de um conjunto de relações que faz com que a ‘comida’ esteja insegura sob o ponto de vista biológico e químico”, ressalta.

Estudos

Recentemente, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida anunciou que novos estudos têm associado a exposição a agrotóxicos com o surgimento do Mal de Parkinson. A doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva, ocorre pela queda da produção de dopamina, neurotransmissor envolvido no fluxo de informação entre os neurônios. Esta redução, segundo estudos, tem entre suas causas aspectos genéticos e ambientais – entre eles os agrotóxicos.

A professora da UFSC destaca que a relação entre o consumo de alimentos com a incidência de doenças crônicas, em especial o câncer, é comprovada em diversos estudos científicos.

“Para complicar, os casos agudos ou crônicos de doenças desencadeadas por agrotóxicos são subnotificados. Não temos controle, por exemplo, do custo dos tratamentos de doenças correlacionadas ao consumo e utilização dos agrotóxicos ao sistema de saúde. Esse descontrole escondem a real magnitude do problema. Precisamos associar custos financeiros utilizados nos tratamentos de saúde com as doenças crônicas, para que esse problema também seja visto sob o ponto de vista de política econômica”, diz.

Ela destaca ainda que estudos da Anvisa já vinham encontrando muito mais veneno em amostras de alimentos do que o permitido. O que pode ser ainda mais grave porque o desenho da avaliação da agência exclui alguns tipos de agrotóxicos, como o glifosato, que é o mais utilizado.

“Faltam análises das águas e de alimentos industrializados, como legumes e frutas em conserva frutas, produtos de origem animal, como carnes, leite, ovos e subprodutos. Nesse contexto creio que o quadro é muito pior do que as avaliações realizados pela Anvisa”.

Outra advertência é para o fato de que o agrotóxico fica impregnado no alimento, sendo impossível eliminar resíduos ao lavar os alimentos com ingredientes supostamente “salvadores’, como iodo, ácido acético (vinagre), cloreto de sódio e bicarbonato de sódio, entre outros, recomendados de maneira equivocada.

“Cada um possui funções específicas, mas não reduzem nem eliminam os agrotóxicos dos alimentos. Penso que deveríamos ter uma nova estrutura para o sistema político/técnico dos órgãos que regulam a produção, industrialização e comercialização de alimentos no país, como o Mapa, o Ibama e a Anvisa, permeando aspectos de instrumentalização e fiscalização de forma integrada e efetiva.”

Destacando a necessidade de reavaliação do atual modelo hegemônico de produção agrícola, que prioriza a monocultura com utilização de venenos em detrimento da produção orgânica de alimentos, a professora defende mais responsabilidade na agricultura. “A produção e consumo de alimentos orgânicos, de base agroecológica, são uma necessidade pois o alimento é saúde. Livres dos venenos e seus malefícios, os orgânicos ainda fornecem maior e melhor aporte nutricional, com mais vitaminas, minerais, antioxidantes que previnem doenças cardíacas, diabetes e vários tipos de câncer”.

Diante do avanço do PL do Veneno, e de medidas que estimulam novas liberações, a exemplo do sistema integrado a ser implementado por Temer, Suzi avalia que as perspectivas para a alimentação saudável e sustentável são as mais preocupantes.

“Além da questão dos agrotóxicos, temos ainda os produtos geneticamente modificados, onde não temos segurança para o consumo humano, e para os quais devemos aplicar o princípio de precaução até porque recebem quantidades maiores de veneno. Em especial aos alimentos industrializados, que utilizam largamente ingredientes derivados de sementes transgênicas. No caso da soja, 94% do que é utilizado é geneticamente modificado. E no do milho, 85%”, explica.

A preocupação não se limita a alimentos de origem vegetal, mas também subprodutos de origem animal, como carnes, leites, de rebanhos alimentados com rações produzidas com grãos geneticamente modificados (OGM) para receberem quantidades maiores de venenos.

“Temos ainda leveduras que são utilizadas nos produtos industrializados como queijos, pães, bolachas, vinhos, cervejas e outros. Encontra-se no senado federal a proposta da desregulamentação da rotulagem dos produtos transgênicos, se for aprovada, não teremos o direito de saber o que estamos consumindo”, destaca.

Por isso ela defende urgência em mudanças no sistema alimentar, no qual alimentação saudável seja sinônimo de alimentação sustentável nas suas dimensões nutricional, ambiental, cultural e política.

“Pacote do veneno”

O pacote é composto pelo Projeto de Lei 6299/2002, de autoria do atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, quando senador, altera as atuais regras para pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, comercialização, propaganda, utilização, importação, exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e a fiscalização de venenos, seus componentes e afins.

À proposta de Blairo estão apensados 17 outros projetos de lei – que compõem o “pacote do veneno”. Sua aprovação coloca em risco a atual legislação de agrotóxicos (Lei 7.802/89), afrouxando ainda mais a legislação e estimulando a liberação, a produção, a venda e uso dessas substâncias que têm no Brasil seu maior mercado consumidor – daí passar a ser chamado de “pacote do veneno”.

Um dos projetos inserido no pacote é o PL n.º 3200/2015, de autoria do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS), repudiado inclusive por promotores da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal por criar uma Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito), no âmbito do Mapa, a qual ficará responsável pela apresentação de “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins e indicará os 23 membros efetivos e suplentes, deixando de fora representantes dos consumidores e da Anvisa”. Um ataque, segundo eles, aos princípios da precaução e da vedação ao retrocesso.

Por Cida de Oliveira, da RBA

Fonte: Sul 21

Temer antecipa ‘pacote do veneno’ e proíbe Anvisa de se manifestar sobre agrotóxicos

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), subordinada ao Ministério da Saúde, não presta mais informações a respeito de agrotóxicos, inclusive sobre aqueles registrados antes de 2016. A informação é da assessoria de imprensa da agência. Indagada na tarde da quarta-feira (1º) sobre as substâncias registradas ano passado – um recorde, segundo nota do Ministério da Agricultura (Mapa) –, limitou-se a informar que os questionamentos devem ser encaminhados diretamente à Agricultura.

No último dia 10, o Mapa divulgou que foram registrados 277 novos agroquímicos, um recorde histórico segundo o próprio ministério. Do total, 161 são produtos técnicos equivalentes (PTEs) – os chamados genéricos –, o que corresponde a alta de 374% em comparação a 2015, quando foram registrados 43 PTEs, além de 139 novos produtos. A média histórica anual é de 140 registros.

No anúncio do recorde, o coordenador geral de agroquímicos e afins do Mapa, Júlio Sergio de Britto, observou “grande evolução na qualidade e no número de produtos ofertados, graças ao esforço dos técnicos dos ministérios da Agricultura, da Saúde (Anvisa) e do Meio Ambiente (Ibama)”.

Anvisa recebe solicitações de informações sobre facilidades dada pelo governo Temer à indústria de agrotóxicos, ainda sem resposta

Até a conclusão desta reportagem, a assessoria de imprensa do ministério que abrange ainda a Pecuária e o Abastecimento, cujo titular é o ruralista Blairo Maggi, o “rei da soja”, não havia respondido à solicitação de informações.

Ação coordenada

Para especialistas da área, a mudança no controle das informações faz parte de uma ação coordenada por representantes do agronegócio que trabalham para acelerar a tramitação e aprovação de projetos de lei que compõem o chamado pacote do veneno. São projetos que, entre outras coisas, vão facilitar a aprovação, o registro, a comercialização, a utilização, o armazenamento e o transporte de agrotóxicos, aumentando a presença dessas substâncias nas lavouras brasileiras.

“O controle de informações no Mapa ocorre paralelamente a outras medidas em curso, sugerindo que o ‘pacote do veneno’ está sendo implementado mesmo antes de ter sido aprovado no Congresso e sancionado por Temer”, diz o coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida – Agrotóxico Mata, Alan Tygel.

O “pacote” inclui o Projeto de Lei (PL) 3.200/2015, do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS), que praticamente revoga a atual lei de agrotóxicos. Para ambientalistas, promotores federais, movimentos sociais e defesa do consumidor, a proposta é um retrocesso. Veta o termo “agrotóxico”, substituindo por “fitossanitário”, e cria a Comissão Técnica Nacional de Fitossanitários (CTNFito) no âmbito do Mapa.

Estão entre as prerrogativas dessa nova comissão apresentar “pareceres técnicos conclusivos aos pedidos de avaliação de novos produtos defensivos fitossanitários, de controle ambiental, seus produtos técnicos e afins”. O colegiado também indicará os 23 membros efetivos e suplentes, deixando de fora representantes dos consumidores, da Anvisa e do Ibama – um ataque aos princípios da precaução, conforme os críticos.

Também no “pacote” está o PL 6.299/2002, do então senador Blairo Maggi, que altera regras para a pesquisa, experimentação, produção, embalagem e rotulagem,  transporte,  armazenamento, comercialização, propaganda, utilização, importação, exportação, destino final dos resíduos e embalagens, registro, classificação, controle, inspeção e  fiscalização. Se for aprovado, a embalagem dos agroquímicos deixará de ter, por exemplo, a presença da caveira – símbolo de veneno conhecido universalmente, até mesmo por pessoas analfabetas e crianças.

“São alterações que vão afrouxar ainda mais as normas, como proibir apenas os venenos que causem intoxicação aguda, aquelas que ocorrem imediatamente à exposição ao produto. No entanto, estudos mostram que há intoxicações crônicas, que surgem tempo depois, pela exposição continuada a essas substâncias no ambiente de trabalho ou pelo acúmulo de substâncias nocivas no organismo depois de anos consumindo alimentos com agrotóxicos”.

Segundo Tygel, estudos recentes associam a exposição a agrotóxicos com o surgimento do Mal de Parkinson, doença degenerativa do sistema nervoso central, crônica e progressiva, que ocorre pela queda da produção de dopamina, neurotransmissor envolvido no fluxo de informação entre os neurônios. Já está estabelecido em estudos neurocientíficos que esta diminuição está associada a causas ambientais, e não apenas genéticas.

Omissão

A Campanha Permanente não estranha a submissão da Anvisa ao agronegócio e considera a agência omissa na defesa da saúde da população. Desde 2012 não divulga o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), e em 2016 nem sequer coletou amostras de alimentos. Além disso, não avalia a presença de venenos em alimentos como carne, leite, ovos, industrializados para alimentação infantil e de adulto e água mineral, suspendeu a fiscalização das indústrias de agrotóxicos, não consolida nem divulga dados sobre esse mercado.

Outros aspectos graves são a lentidão nas reavaliações iniciadas em 2008, com resultados questionáveis, a falta de previsão de novas reavaliações apesar de decisões internacionais importantes sobre seus efeitos à saúde, de participação da sociedade civil nos processos decisórios,

Os sistemas informatizados para permitir organização, divulgação e acesso a dados seguem sem conclusão, fazendo com que a Anvisa descumpra integralmente a Lei de Acesso à Informação.

Coquetel venenoso

Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e integrante da Associação  Brasileira de Agroecologia, o agrônomo Leonardo Melgarejo destaca a prevalência do viés comercial em detrimento da preocupação com a saúde nesse recorde de registros. “Não temos tamanha variedade de insetos e ervas daninhas que exijam tamanha diversidade de venenos”, diz.

E aponta falhas metodológicas. “No caso dos venenos genéricos, há uma confusão. Passam a ideia de que se trata de algo semelhante aos remédios, onde o princípio ativo é o que interessa. No caso dos agrotóxicos, devemos nos preocupar com os químicos utilizados no coquetel colocado à venda, junto com o princípio ativo”, afirma.

Conforme exemplifica, o herbicida 2,4-D contém entre as impurezas um grupo de substâncias, as dioxinas. Extremamente perigosas, estão entre os agentes cancerígenos. Além disso, há outros produtos associados igualmente tóxicos, que têm a função de desintegrar a gota de agrotóxico em contato com as folhas das plantas, facilitando sua absorção e a ação tóxica.

“Sem contar aqueles resultantes da transformação destes e de outros componentes, seja pela metabolização da planta, como o AMPA, a partir da aplicação do glifosato, pela ação do sol, de elementos químicos que compõem o solo”, destaca o agrônomo. “Estes subprodutos do princípio ativo e dos demais componentes geram novos riscos de combinações e sinergias perigosas. Portanto, liberar o uso de um agrotóxico sem estudos, apenas baseado na afirmação de que outros com o mesmo princípio ativo, com efeito similar, já foram aprovados, vale para o agronegócio mas não vale para a saúde e nem para o meio ambiente.”

Na avaliação de Melgarejo, a decisão da pasta conduzida por Blairo Maggi deveria ser repudiada pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério do Meio Ambiente. “Nós, ambientalistas, consideramos que esta decisão só poderia ser tomada em um governo que não tem compromissos com o futuro. Quanto mais barato for um agrotóxico genérico, maior será o risco de problemas associados aos demais componentes, mesmo que o princípio ativo corresponda ao que se verifica em todas as formulações. São os trabalhadores rurais, os agricultores e os consumidores que verificarão isso no futuro.”

Informações da Rede Brasil Atual

Fonte: Justificando

Os venenos genéricos do Ministério da Agricultura

Registros agrotóxicos genéricos aumentaram 374% em 2016 na comparação com o ano anterior / Antonio Cruz/ABr

No dia 10 de janeiro, o Ministério da Agricultura (Mapa) comemorou grande avanço nos registros de agrotóxicos no Brasil. A notícia menciona não apenas o registro de 277 novos venenos, como ainda destaca que, entre eles, se incluem 161 “genéricos”. Um recorde! Avanço de 374% em relação aos registros ocorridos em 2015, que foram largamente influenciados pela administração anterior, a qual aprovou – contra nossos interesses – 43 “equivalentes genéricos”. Os novos registros de 2017 foram publicados no Ato nº 3 do Diário Oficial da União de 9 de janeiro de 2017.

Tenta-se passar com isso uma ideia positiva de agregação de eficiência nos avanços regulatórios trabalhados pelo governo golpista. Mas, possivelmente, estamos agora diante de novas ameaças, talvez crimes, contra a sociedade e a natureza.

Vejamos:

1 – Como se “acelera” um processo de análise de riscos para a saúde e o meio ambiente?

Contratando servidores, qualificando laboratórios, sofisticando os processos analíticos e estendendo o escopo das avaliações. O governo fez isso? Infelizmente, não.

Evidentemente também se poderia economizar tempo fazendo vista grossa ou simplesmente deixando de lado a avaliação de alguns tipos de problemas, que poderiam decorrer de situações de baixa exposição aos venenos ou a alguns de seus componentes, em longo prazo. Ou, simplesmente, deixando de avaliar os possíveis impactos de alguns componentes químicos, ou das combinações de venenos, sobre o solo, a água, a microvida do solo, os trabalhadores, os consumidores em geral. Ou ainda, em especial, deixando de avaliar riscos afetos a indivíduos com quadro de deficiência renal, ou em fase de formação, gestação, senescência. Em outras palavras, deixando de lado públicos especiais, bebês e velhos, esquecendo de fazer algumas perguntas e atribuindo escassa relevância ao ciclo de vida completo dos indivíduos. O agronegócio não se preocupa com isso. Para nós é que é importante saber implicações dos venenos usados nas lavouras sobre a fertilidade sexual dos nossos netos. Mas porque isso preocuparia um criador de suínos alimentados com o mesmo milho que usamos na nossa polenta?

O governo adotou este mecanismo torpe para acelerar as análises? Não sabemos. Esperamos que não. Sabemos apenas que com o golpe de estado foram alterados os gestores públicos e que o governo golpista, com isso, entre tantas coisas que já fez, também acelerou a aprovação de venenos a serem usados em nossa agricultura.

2 – O que seriam estes produtos genéricos, aprovados “por semelhança”?

No caso dos remédios entendemos bem. Quando um princípio ativo combate a pressão alta e outro impede a multiplicação de determinadas bactérias, cada um deles se destina a controlar problemas específicos. E ambos podem ser vendidos em formatos diferentes, com nomes diferentes, em embalagens distintas. As “marcas” diferentes terão o mesmo “sentido médico” e poderão ser comercializadas a preços diferentes. Nestes “remédios” distintos não haverão “venenos” ocultos, escamoteados aos processos de análise de risco. Enfim, o conhecimento de um princípio ativo, sua utilidade e funcionamento, permite aprovação por analogia de vários remédios “similares”. Os “genéricos”, sem o peso das marcas, das propagandas, serão mais baratos e não causarão problemas porque ali não se escondem elementos perigosos. Coisa boa e barata.

Mas e nos agrotóxicos? Remédios “genéricos” seriam equivalentes aos venenos “genéricos”? O mesmo raciocínio utilizado para o controle da pressão alta se aplicaria a um herbicida ou a um inseticida?

Não. No caso dos agrotóxicos estamos sempre diante de um coquetel. Ali existe, além do princípio ativo, destinado a matar insetos ou plantas, outros produtos químicos não menos perigosos. São substancias úteis para eliminar a cerosidade das folhas ou da pele dos insetos, para facilitar a absorção dos venenos, para romper a tensão superficial das gotas e assim por diante. Existem as impurezas e os resíduos do processo de fabricação ou da transformação natural dos químicos, por ação do tempo, da presença do oxigênio, da ação metabólica realizada pelas próprias plantas e animais.

Como exemplo, considere as dioxinas presentes em algumas formulações de herbicidas a base de 2,4 D. Ou o AMPA, resultante da metabolização do glifosato, pelas plantas. Nestes dois casos estamos diante de venenos mais perigosos do que no caso do princípio ativo original.

Portanto, no caso dos agrotóxicos, analisamos o princípio ativo, um veneno, e deixamos de lado todo um vasto leque de outros venenos. Que segurança a análise do princípio ativo oferece para decisão de segurança de outros agrotóxicos, que utilizam o mesmo princípio ativo, se deixamos de considerar os demais venenos?

Não parece óbvio que um veneno genérico, com mais impurezas, tenderá a ser mais barato, mas também mais perigoso?

Cabe aqui um comentário final: as análises de risco para a saúde e o ambiente que aprovam os agrotóxicos para uso na agricultura não levam em conta todos os componentes dos produtos comerciais. Também não levam em conta a mistura desses componentes. E estudos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já mostraram alimentos contendo resíduos de até 11 produtos distintos.

Portanto, mesmo no caso dos agrotóxicos estudados e aprovados com base em análise caso a caso, os riscos são grandes. O que podemos esperar no caso dos genéricos? Aqui, a morte não é o pior cenário.

Enfim, recomendamos a todos: desconfiem das comemorações do governo golpista, fujam dos venenos, comprem apenas produtos orgânicos, estimulem a agroecologia e ajudem a desconstruir as campanhas de marketing criadas em favor de negócios que comprometem a vida.

 

Por Leonardo Melgarejo da Associação Brasileira de Agroecologia e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxicos

O programa Revista Brasil, desta quarta-feira (25), entrevista a pesquisadora e professora de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), Larissa Bombardi, sobre sua pesquisa recente, cujo tema é o alto índice de agrotóxicos que consumimos no Brasil e os reflexos que representam para a saúde.

O estudo, em fase de finalização, reúne dados sobre os venenos agrícolas, em uma sequência cartográfica, que dá dimensão complexa a um problema pouco debatido no país. O Brasil é o campeão mundial no uso de agrotóxicos, posto, até a década passada, ocupado pelos Estados Unidos (EUA).

A pesquisadora esclarece que o agrotóxico mais vendido no Brasil é o Glifosato. É um herbicida, quer dizer um veneno que mata ervas. “Se a gente pensar na quantidade de toneladas de glifosato que é vendido no Brasil, é grave. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) o glicosato pode vir a causar câncer. A gravidade da nossa permissividade é essa, é um atentado à saúde da população como um todo” afirmou.

Ouça a entrevista no link.

Fonte: EBC