Está no ar o curso sobre o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas

Comer de maneira adequada é um direito ou um privilégio? Por que comemos o que comemos e da forma como comemos? Quais elementos, instituições e atores sociais definem ou influenciam a forma como comemos? Quais os impactos desse modelo?

Estas provocações fazem parte do conteúdo do primeiro módulo do Curso Básico de Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Dhana), que a FIAN Brasil – Organização Pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas lança nesta quarta-feira (3).

Clique na imagem para acessar o módulo I!

Online e gratuito, o curso trata o assunto a partir da perspectiva dos direitos humanos (DH). “O direito à alimentação parece tão óbvio que, por vezes, acaba sendo invisibilizado. Isso faz com que sua violação seja naturalizada, e sua realização, percebida como caridade, benevolência”, explica a assessora de Direitos Humanos da FIAN Brasil Nayara Côrtes. Ela acrescenta que conhecer a história de luta por direitos humanos, os pactos, legislações internacionais e nacionais firmados, e os instrumentos para exigir seu cumprimento, oferece outra perspectiva. “Direito não se pede, exige-se, e isso faz muita diferença. O curso tem como objetivo mostrar várias perspectivas desse direito tão fundamental e tão amplo que é o direito a se alimentar de maneira adequada e saudável, e ter uma vida digna.”   

“Afirmar alimentação como direito, em um momento como este que vivemos agora, em que ficam evidentes os impactos do neoliberalismo na vida das pessoas, é de grande importância”, analisa a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. Ela lembra que o modelo neoliberal como racionalidade está presente não só no mercado ou no Estado, mas também na sociedade, e que uma parcela da população que sofre violações de direitos acaba reforçando pautas opressoras por causa desse pensamento dominante.

“Esperamos com o curso contribuir para a politização de temas como alimentação e nutrição, para criação de uma cultura de direitos e para o fortalecimento dos seus sujeitos. É mais uma ferramenta para as lutas sociais por soberania alimentar”, conclui.

Os módulos seguintes aprofundarão a temática do Dhana pelos recortes do abastecimento, da exigibilidade e da economia.

A iniciativa tem apoio de Pão Para o Mundo (PPM – Brot für die Welt) e Misereor.

Comunidade quilombola de Lagedo (MG). Foto: Delmo Roncarati Vilela/UFMG

MPF cobra apoio federal a povos e comunidades tradicionais durante pandemia

O governo federal deve adotar, nos próximos dias, medidas para garantir a assistência e promoção de serviços essenciais aos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais do Brasil no contexto da pandemia da Covid-19. O Ministério Público Federal (MPF) oficializou recomendação nesse sentido, com prazo de dez dias, na última quarta-feira (6).

Na recomendação, a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª Câmara – 6CCR) cobra a disponibilização de recursos financeiros, humanos e materiais, além da adoção de medidas e políticas públicas que zelem pela saúde e estabilidade socioeconômica desses povos. O descumprimento sujeitaria os órgãos federais a medidas administrativas e judiciais.

“Esses povos e comunidades enfrentam intensa pressão desde a colonização. O cenário de violações de direitos ao longo de toda nossa história, por conta tanto de ações como de omissões, vem se agravando muito no governo Bolsonaro, com falas que afrontam a dignidade e até a existência desses povos”, ressalta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. “Com isso combinado aos modos de vida comunitários e às particularidades imunológicas dessas populações, a Covid-19 pode causar muitas mortes e sofrimento se o poder público não mudar seu patamar de atenção ao problema com toda urgência.” 

A 6CCR afirma que, em razão da histórica ineficiência do poder público, as comunidades “possuem precárias estruturas de água, energia elétrica, saneamento básico e outros serviços públicos essenciais”.

Além dos ministérios da Cidadania, dos Direitos Humanos e da Agricultura, o documento foi enviado à Caixa Econômica Federal, à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), à Fundação Cultural Palmares, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Na avaliação do MPF, o atual cenário exige ações emergenciais coordenadas e integradas dos órgãos e entes públicos, “sobretudo na prevenção da disseminação da doença, mas também na garantia do pleno atendimento e na tomada de medidas preventivas de contaminação”. Por isso, a 6CCR recomenda o apoio dos órgãos no desenvolvimento de metodologias que garantam o acesso à educação, o fortalecimento das unidades de saúde dentro dos territórios, além da adoção de estratégias diferenciadas para que as comunidades tenham acesso ao cadastramento e utilização do auxílio emergencial do governo.

O MPF pede, ainda, o controle sanitário das pessoas que ingressem nos territórios étnicos; ampliação da política de distribuição de cestas básicas; andamento aos processos de reconhecimento, identificação, delimitação e titulação dos territórios; distribuição de kits de higiene; e ampla propaganda de conscientização dos riscos de contaminação da doença, entre outras medidas.

Leia a recomendação e confira recomendações endereçadas a governos estaduais e prefeituras para assistência a regiões, terras indígenas e comunidades específicas.

Articulação

A articulação com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (6ª CCR)  do Ministério Público Federal foi uma iniciativa da Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil apoiada pela FIAN Brasil. “Representantes dos PCTs puderam apresentar suas demandas, e o MPF comprometeu-se a enviar recomendações aos órgãos responsáveis e a acompanhar os desdobramentos”, relata o assessor de Direitos Humanos Paulo Asafe, que participou das tratativas junto com Valéria Burity.

A FIAN também se reuniu, em 28 de abril, com o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e organizações parceiras (Rede Cerrado, Terra de Direitos e Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN) a fim de elaborar estratégias para melhorar a comunicação dos PCTs. “A prioridade imediata é o enfrentamento da Covid-19, mas a iniciativa não se restringe a ela. As lideranças enfatizam a importância de aumentar o fluxo de informações dentro e fora dos territórios durante e depois da pandemia”, explica Asafe.

Foto: Comunidade quilombola de Lagedo (MG). Crédito: Delmo Roncarati Vilela/UFMG

Fachada do Supremo Tribunal Federal. Foto: Divulgação/STF

Quase 200 entidades apelam ao STF pelo fim do Teto de Gastos

Pôr fim imediatamente à Emenda do Teto de Gastos (EC 95/2016) para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus e do cenário pós-pandemia. É o apelo público lançado por uma coalizão de 192 organizações, entre elas a FIAN Brasil, aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Documento que analisa os efeitos da Emenda Constitucional 95 foi protocolado na Suprema Corte pelo grupo, composto de organizações e redes de sociedade civil, conselhos nacionais de direitos, entidades sindicais e instituições acadêmicas das várias áreas sociais, na quinta-feira (7). A manifestação será ainda enviada à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).

“O subfinanciamento constitucionalizado pela EC já inviabilizava as políticas públicas necessárias ao cumprimento dos direitos previstos na Constituição de 88”, observa a secretária-geral da FIAN, Valéria Burity. “Com a pandemia e os gravíssimos cenários que se desenham também para depois dela, o mundo inteiro está debatendo soluções no sentido oposto.” Como integrante da Plataforma Dhesca, a entidade integrou o grupo que redigiu o documento.

Mais drástica do planeta

Aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro de 2016, durante o governo de Michel Temer, a Emenda do Teto de Gastos é considerada pela ONU a medida econômica mais drástica contra direitos sociais do planeta ao acarretar cortes de gastos sociais e ambientais. A ministra Rosa Weber é a relatora das seis ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo que pedem o fim da EC.

No dia 18 de março, a Coalizão Direitos Valem Mais apresentou a Weber um pedido de suspensão imediata da Emenda. A ministra apresentou, então, um pedido de informações ao governo federal no âmbito da ADI 5.715 sobre o impacto da EC 95 no enfrentamento da Covid-19. Além de responder com dados às perguntas da magistrada, o documento protocolado em maio pela Coalizão, elaborado por um grupo de pesquisadoras e pesquisadores de várias áreas sociais, analisa os efeitos do Teto de Gastos em diversas áreas; argumentos jurídicos, sociais e econômicos pelo fim da Emenda; e alternativas concretas para que o Estado brasileiro supere o quadro de acentuado subfinanciamento das políticas públicas que tanto fragilizou a “imunidade” do país no enfrentamento da Covid-19.

Junto com os dados, o documento traz relatos de casos de violação de direitos de indivíduos e coletivos.

Retomar a Constituição para enfrentar a recessão

No apelo público aos ministros do Supremo Tribunal Federal, as instituições chamam a atenção para o cenário pós-pandemia, marcado pela perspectiva de uma brutal recessão econômica global.

Destacam que o fim da Emenda Constitucional 95 representa a possibilidade de ampliar as chances de lidar com as consequências, aumentando as chances de sobrevivência de grande parte da população diante da doença, da fome e da miséria que crescem vertiginosamente, afetando principalmente a população pobre, negra, indígena e do campo.

“Significa retomar o projeto Constituinte e o caminho rumo ao fortalecimento da capacidade do Estado e das políticas públicas de garantir direitos; melhorar as precárias condições de vida da gigantesca maioria da população; enfrentar as profundas e históricas desigualdades brasileiras; diminuir a drenagem de recursos públicos das políticas sociais para setores financeiros; e preparar o país para o contexto de aceleradas mudanças climáticas e de riscos de novas pandemias globais como alertado pela Organização Mundial de Saúde (OMS)”, explica o texto.

O apelo público ressalta a importância do investimento em políticas sociais e ambientais como forma de dinamizar a economia nesse contexto de profunda crise global – caminho para fortalecimento que está em pauta em vários países e blocos econômicos do mundo. As entidades destacam que existem alternativas, as chamadas regras fiscais de segunda geração, que mantêm a responsabilidade fiscal sem deixar de lado a responsabilidade e a justiça social. Saiba mais sobre o histórico dessa reivindicação e os impactos da EC ou baixe o documento técnico.

Especialistas da ONU pedem que Brasil abandone políticas de austeridade imediatamente

Abandonar imediatamente políticas de austeridade que estão colocando milhões de vidas em risco e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza exacerbadas pela pandemia da Covid-19. É o apelo de dois especialistas em direitos humanos (DHs) da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Brasil.

Juan Pablo Bohoslavsky, especialista independente em direitos humanos e dívida externa, e Philip Alston, relator especial sobre pobreza extrema, descrevem como “dramaticamente visíveis na crise atual” os impactos adversos da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Sociais (EC 95).

Nota distribuída à imprensa hoje (29) alerta que só 10% dos municípios brasileiros contam com leitos de terapia intensiva e o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem nem a metade do número de leitos hospitalares recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Os cortes de financiamento governamentais violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, moradia, alimentação, água e saneamento e igualdade de gênero”, denuncia a declaração, endossada por cinco relatores especiais de DHs – entre eles e elas, Hilal Elver, responsável pelo tema do direito à alimentação – e pelo grupo de trabalho sobre discriminação contra mulheres e meninas.

“Economia para quem?”, questionam Bohoslavsky e Alston. “Não é permitido pôr em risco a vida e a saúde das pessoas, incluindo os profissionais de saúde, pelos interesses financeiros de alguns.”

Os dois também perguntam quem será responsabilizado quando pessoas morrerem por decisões políticas contrárias à ciência e ao aconselhamento médico especializado. E elogiam medidas adotadas pelo governo – por pressão popular, institucional e de parte da classe política – como a renda básica emergencial e o distanciamento social para evitar ou retardar o contágio.

“A crise da Covid-19 deve ser uma oportunidade para os Estados repensarem suas prioridades, por exemplo, introduzindo e melhorando os sistemas universais de saúde e proteção social, bem como implementando reformas tributárias progressivas”, defenderam os especialistas da ONU. “Os Estados de todo o mundo devem construir um futuro melhor para suas populações, e não valas comuns.”

Leia a declaração e saiba sobre a petição que pede a suspensão da EC 95 ao Supremo Tribunal Federal (STF), da qual a FIAN Brasil participa.

Entidades pedem ao STF suspensão imediata do Teto dos Gastos Sociais para enfrentar coronavírus

Organizações alertam que a pandemia chega ao país em um contexto de extrema fragilização das políticas sociais e de pauperização da população e que seus efeitos vão ultrapassar 2020. FIAN participa da petição

Entidades de direitos humanos protocolaram ontem à noite (18/3) no Supremo Federal Tribunal (STF) uma petição de suspensão imediata da Emenda Constitucional (EC) 95, conhecida como Teto dos Gastos. As entidades alertam que a pandemia de coronavírus pode levar o sistema de saúde e outras políticas sociais ao colapso e que os efeitos vão ultrapassar 2020. Alegam que somente a complementação de recursos por meio de créditos extraordinários não conseguirá restabelecer a condição dos sistemas públicos de atender a população afetada. 

A FIAN Brasil participa da petição como integrante da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos – Dhesca Brasil. “Essas políticas, a exemplo da Política de Segurança Alimentar e Nutricional, sofreram severo desmonte”, denuncia a secretária-geral da FIAN, Valéria Burity. “Isso, associado ao aumento acelerado da pobreza e da extrema pobreza e da precarização das relações de trabalho e de outras estratégias de proteção social, implica graves violações de direitos.” 

“Os efeitos são de médio e longo prazo e os créditos extraordinários serão insuficientes para enfrentar tamanha fragilidade do sistema”, afirma a advogada do grupo de entidades Eloisa Machado, vinculada ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu).

“É nesse contexto explosivo de crescimento da miséria e de destruição das políticas sociais e dos direitos trabalhistas que o Covid-19 chega ao país. Apelamos ao STF para que dê um basta a uma emenda constitucional que viola frontalmente os direitos constitucionais da população e só faz crescer a fome, o sofrimento e a morte, favorecendo uma minoria”, destaca a coordenadora da Dhesca e da Ação Educativa, Denise Carreira. 

A petição também é assinada por Conectas Direitos Humanos, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Ceará (Cedeca Ceará) e Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento Educacional (Fineduca), com amplo apoio de fóruns nacionais, redes de sociedade civil, movimentos sociais e instituições acadêmicas. Além da suspensão, a petição destaca a importância de um plano de ação emergencial de enfrentamento da pandemia com ações de saúde, segurança alimentar, assistência social e educação, que inclua a garantia de bolsa alimentação escolar nacional para estudantes que ficarão sem a merenda escolar no período de interrupção das aulas por causa da pandemia de Covid-19. 

EC 95: aprofundando a miséria e acentuando a desigualdade

Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional 95 estabeleceu a redução do gasto público em educação, saúde, assistência social e em outras políticas sociais por 20 anos, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra – daí o apelido extraoficial de “PEC da Morte”. A EC 95 é objeto das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 5.633, 5.643, 5.655, 5.658, 5.715 e 5.743, que pedem sua revogação imediata pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à ministra Rosa Weber. 

Estudos vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos. Há levantamentos nesse sentido da Plataforma Dhesca; de Inesc, Oxfam e Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre muitos outros. 

Em agosto de 2018, sete relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo. 

    Ainda em 2018, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. A CIDH manifestou grande preocupação com o fato de o país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.

Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população – inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) –, a política econômica de austeridade tem como base o entendimento de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos. 

“Medidas de austeridade são pilares do neoliberalismo e têm gerado violações de direitos, entre eles o direito à alimentação e à nutrição adequadas [Dhana]”, observa Valéria Burity. Entre os efeitos, ela lembra também o aumento do desemprego ou da proporção de empregos precarizados e a aceleração do processo de concentração de renda, que impactam pessoas e grupos mais empobrecidos, em todo o mundo, acentuando a desigualdade social e econômica. “Há, na contramão, países que apostam em medidas anticíclicas e veem no investimento em políticas sociais e proteção do trabalho uma forma de aquecer a economia protegendo a vida”, contrapõe a representante da FIAN.