A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) diante da sucessão de ilegalidades cometidas pelo governo Temer relacionadas entre outras com o desmonte da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a paralisação das demarcações de terras indígenas, a tentativa de acabar com o subsistema de saúde indígena e a crescente criminalização de lideranças indígenas, manifesta de público a sua veemente indignação e repúdio contra esses ataques sistemáticos que vem na contramão do chamado de instâncias nacionais (Ministério Público Federal, entre outros) e internacionais (Relatoria Especial e Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas) a que o Estado brasileiro adote medidas que impeçam o avanço desse cenário de racismo, etnocídio e genocídio em curso contra os povos originários do Brasil.
Na última semana, o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), instância paritária e consultiva, no entanto responsável pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas aos povos indígenas, no exercício de suas atribuições, durante a sua 3ª Reunião Ordinária, ocorrida em Brasília – DF nos dias 24 e 25 passado, foi informado por representante do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) de que o governo estaria preparando um novo decreto de reestruturação da FUNAI, num contexto de corte anunciado no orçamento da instituição. Imediatamente, lideranças indígenas e representantes de entidades indigenistas encaminharam a aprovação de uma resolução do CNPI condenando a iniciativa.
A resolução, que foi aprovada com 13 votos da bancada indígena e indigenista, 2 abstenções e 4 votos contrários à forma do texto, por parte da bancada governamental, afirma: 1) Repudiar o desrespeito desse Governo para com o Conselho e os povos indígenas ao tomar esta medida que descumpre a Convenção da 169 da OIT que garante a esses povos o direito à consulta livre, prévia e informada aos primeiros interessados; 2) Propor, no intuito de assegurar o respeito aos povos e ao CNPI a imediata paralisação da tramitação do processo em curso relativo a este Decreto de reestruturação do órgão indigenista e de qualquer outra iniciativa análoga, com abertura imediata de um diálogo por parte do governo com este Conselho e com os Povos Indígenas do Brasil a fim de que o direito de Consulta seja devidamente respeitado e atendido; 3) Instar o Ministério Público Federal para que, no exercício de suas atribuições constitucionais, tome as medidas cabíveis para salvaguardar os povos indígenas diante da violação de seus direitos.
A informação sobre reestruturação da Funai que envolve cortes de cargos comissionados e um novo arranjo na estrutura do órgão para ajustar os gastos do Governo Federal veio após o conhecimento de que 19 terras indígenas retornaram da Casa Civil e do MJC à fundação, com intuito de proceder novas análises e verificação de algum óbice jurídico. Ou seja, terras sem nenhum empecilho jurídico legal, que estavam já finalizadas e aptas para publicação de Portaria Declaratória no MJC ou de assinatura de Decreto de Homologação na Presidência da República foram devolvidas para novos estudos.
Esta informação reforça os propósitos escusos do governo Temer de alterar os procedimentos de demarcação das terras indígenas assegurados pelo Decreto 1775/96, atendendo com isso os anseios de uma de suas bases aliadas, a bancada ruralista, que protagoniza uma das piores ofensivas aos direitos fundamentais dos povos indígenas, no âmbito do legislativo, da administração pública e nos territórios, com racismo e violência, inclusive por meio de milícias particulares contra os povos e comunidades indígenas.
A APIB, diante dessas medidas reforça sua indignação e repúdio quanto a essas iniciativas e reforça a exigência de imediata paralisação desse e de quaisquer outros processos em curso, que tenham o claro objetivo de fragilizar os direitos e as políticas públicas voltadas aos povos indígenas; e reafirmamos que continuamos vigilantes e informando as nossas bases, as quais estão de prontidão e dispostas a se mobilizar e lutar incansavelmente, nas distintas regiões e em nível nacional, para impedir os retrocessos pautados por esse usurpador governo.
A última reunião plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) deste ano, realizada nesta quarta-feira (30/11), em Brasília, também foi a sessão de despedida da gestão 2012/2016. Cerca de 30% das organizações da sociedade civil e 65% de seus representantes deixarão o conselho para o biênio 2017/2018 – o mandato no Consea, de acordo com a lei 11.346, é de dois anos, renovável por um período.
Entre as pessoas que estão saindo do conselho está Maria Emília Pacheco, que atuou como conselheira desde 2004 e, entre 2012 e 2016, exerceu a presidência do órgão. Em discurso de despedida, nesta sexta, ela fez um rápido balanço de sua atuação, celebrando avanços e chamando a atenção para “riscos de retrocessos”.
“Nos últimos anos, tivemos a melhoria dos indicadores sociais, com a redução da extrema pobreza, a diminuição significativa da insegurança alimentar moderada e grave, da mortalidade infantil e da desnutrição”, disse ela.
Segundo a agora ex-presidenta, um exemplo das melhorias sociais que o país experimentou foi a saída do Brasil do Mapa da Fome, de acordo com relatório de 2014 a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
“A saída do Brasil do Mapa da Fome mostrou o acerto da adoção de estratégias intersetoriais concretizadas em iniciativas políticas como a valorização do salário mínimo, a garantia de emprego, a execução de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, e a inovação de programas estruturantes, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa de Cisternas e a aprovação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica”, exemplificou ela.
“No exercício crítico permanente de monitoramento e controle social que caracteriza este conselho, problematizamos a situação de insegurança alimentar grave que permanece entre os povos indígenas, segmentos da população negra e comunidades quilombolas”, ressaltou Maria Emília.
Ela lembrou que o Consea debateu os problemas políticos e econômicos que impactam a soberania e segurança alimentar e nutricional, enfatizando que “os trabalhadores e pobres não podem arcar com o ônus da crise”.
“Defendemos reiteradamente políticas redistributivas, fizemos aflorar diferentes percepções e debates sobre temas controversos, como o impacto dos transgênicos e dos agrotóxicos, a democratização do acesso à terra e explicitamos os riscos de retrocessos e desconstrução de direitos que já se manifestavam nos governos anteriores”, enfatizou.
O mandato de presidente e dos demais conselheiros venceu em abril deste ano e foi prorrogado até esta sexta-feira (30/11). Uma lista com novos nomes de instituições e seus representantes já foi entregue pelo Consea ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA). A lista precisa de homologação da pasta, que em seguida submete os nomes para nomeação ou não da Presidência da República. O processo deverá ser concluído no início de 2017.
Se em todo o país o índice de insegurança alimentar, que mede a dificuldade de acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas, é de 22,6%, em três comunidades Guarani e Kaiowá pesquisadas pela FIAN Brasil esse índice é de 100%. A informação consta no documento “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”, cujo Resumo Executivo será lançado no dia 16 de agosto, às 14 horas, no auditório 1 da Faculdade de Ciências da Saúde, da UnB, em Brasília.
O documento traz a análise das violações de direitos e suas diferentes causas, que são responsáveis pela situação de insegurança alimentar e nutricional dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Iniciada em 2013, a pesquisa socioeconômica e nutricional, com abordagem em direitos humanos, foi realizada em 96 domicílios de três comunidades indígenas: Kurusu Ambá, Ypo’i e Guaiviry.
A pesquisa e a releitura levaram cerca de três anos para serem concluídas, resultando em um trabalho extenso. O Resumo Executivo é uma forma mais amigável de apresentar os principais resultados deste trabalho.
Uma das constatações da pesquisa é a realidade alimentar de crianças e jovens Guarani e Kaiowá. Em 76% dos domicílios a pessoa entrevistada afirmou que, no mês anterior a setembro de 2013, houve ocasião em que crianças e jovens da casa passaram um dia todo sem comer e foram dormir com fome, porque não havia comida na casa. Já em 82% dos domicílios havia a afirmação de que esse grupo comeu menos quantidade de comida do que julgava ser necessário, porque não dispunham de recursos para obter alimentos.
Ainda, outro dado aponta que as famílias procuram proteger suas crianças desta terrível situação: em cerca de 80% das residências a pessoa entrevistada afirma ter comido menos para deixar comida para as crianças.
As causas das violações identificadas na pesquisa estão assentadas, além da negação do direito ao território e as disputas que daí decorrem, na discriminação que o povo Guarani e Kaiowá sofre. “Geralmente, as violações de direitos dos povos indígenas acontecem em razão de sua identidade cultural. Esta violação abre portas para negação de outros direitos, incluindo o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Estas violações são históricas, estão associadas ao processo de exploração econômica do Estado e são de responsabilidade das três funções do Estado brasileiro, como procuramos evidenciar no documento”, ressalta a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) lançou na semana passada (24) uma nova versão do site FAOSTAT (clique aqui), cujo objetivo é facilitar o acesso a uma ampla base de dados estatísticos sobre alimentação, agricultura, pesca, silvicultura, gestão de recursos naturais e nutrição.
O site é compatível com aparelhos celulares e, segundo a FAO, a atualização oferece novas opções de acesso que melhoram significativamente a experiência do usuário.
Gratuito e com cerca de 200 mil visitas mensais, o FAOSTAT fornece dados estatísticos desde 1961 referentes a 245 países e territórios. Entre seus usuários estão servidores públicos, pesquisadores, trabalhadores do setor privado, de agências internacionais, membros da sociedade civil e de meios de comunicação do mundo todo.
De acordo com a organização, as opções de pesquisa do site foram ampliadas, os filtros aperfeiçoados e a navegação, simplificada. O design também foi atualizado, permitindo a publicação de novos conjuntos de dados mais rapidamente no futuro.
O FAOSTAT oferece um conjunto de indicadores-chave — sobre uso da terra, produção alimentar, acesso a alimentos e orçamentos dos governos destinados à agricultura — que podem ser consultados por país, região ou no âmbito mundial.
Alguns desses indicadores estão sendo utilizados para avaliar e medir o grau de cumprimento dos objetivos fixados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
A FAO é a responsável por 21 indicadores-chave sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), e o FAOSTAT contribuirá para monitorar os compromissos da comunidade internacional para erradicar a pobreza extrema, a fome e a má nutrição em 2030, assim como promover a agricultura sustentável.
Com a entrada em vigor do Acordo de Paris para o clima, as organizações internacionais ajudarão os países a adotar e monitorar medidas nacionais destinadas à adaptação às mudanças climáticas e à mitigação de seus efeitos.
O conjunto de dados do FAOSTAT sobre emissões de gases de efeito estufa já está sendo utilizado para facilitar a identificação das melhores opções de mitigação das cadeias de produção dos sistemas alimentares, ajudando os países e os agricultores a desenvolver estratégias climáticas inteligentes, mais rápidas e específicas, assim como facilitar o acesso ao financiamento internacional para o combate e adaptação às mudanças climáticas.
O Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena” e “deplora” a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas.
“Convictos”, os eurodeputados dizem: “As empresas deveriam prestar contas por qualquer dano ambiental e por quaisquer violações dos direitos humanos e a União Europeia e os Estados-Membros deveriam consagrar esta condição como princípio fundamental, tornando-o uma disposição vinculativa em todas as políticas comerciais”.
A resolução foi publicada no início da noite desta quinta-feira, 24, e norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.
Para os eurodeputados, é urgente um “plano de trabalho visando dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani-Kaiowá e criar as condições técnicas operacionais para o efeito, tendo em conta que muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais”.
Diante da iniciativa do governo brasileiro de congelar gastos primários pelos próximos 20 anos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, “recomenda que as autoridades brasileiras assegurem um orçamento suficiente para as atividades da Funai”. A resolução apresenta preocupações com medidas dos poderes Executivo e Legislativo.
Naquilo que entende como “direitos opostos aos dos índios”, o Parlamento Europeu afirma que a PEC 215, se for aprovada, irá ameaçar os direitos à terra, permitindo um bloqueio do reconhecimento dos novos territórios indígenas. O marco temporal também foi condenado como interpretação limitada da Constituição brasileira.
O Parlamento Europeu recordou às autoridades brasileiras, em trecho da resolução, a obrigação do país de ” respeitar o direito internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido, em especial, pela Constituição Federal Brasileira e a Lei 6.001/73 sobre «o Estatuto do Índio»”.
Ressaltou: “O Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio(FUNAI) assinaram em 2007 o Compromisso de Ajustamento de Conduta, a fim de identificar e demarcar 36 territórios da comunidade Guarani-Kaiowá até 2009”. O que não ocorreu, conforme atestou a Organização das Nações Unidas (ONU).
Relatoria da ONU: demarcação de terras
A Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Victoria Tauli-Corpuz esteve no Brasil em março. Visitou os Guarani e Kaiowá (MS), os Tupinambá (BA) e esteve junto às comunidades impactadas pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA). Produziu um relatório e o apresentou na última Assembleia da ONU, em outubro.
O Parlamento Europeu tomou por base o pronunciamento de Victoria: ”Considerando que, de acordo com a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, nos últimos oito anos tem-se registado uma preocupante ausência de progressos na implementação das recomendações da ONU”.
Estado integrante da ONU, o Brasil tem o dever de seguir suas resoluções e executar recomendações. Tanto Victoria como seu antecessor, James Anaya, que esteve no Brasil em 2008, apresentaram preocupações quanto a demarcação dos territórios tradicionais, assim como a crescente deterioração da proteção dos direitos dos povos indígenas.
Longe de suas terras, os povos amargaram toda sorte de privações e violências. No Brasil, não é novidade que os Guarani e Kaiowá são um trágico símbolo de desgraças variadas levando o povo a ser considerado por organismos internacionais como um dos casos mais graves envolvendo populações indígenas no mundo.
Dados oficiais do governo brasileiro respaldam a tese e a resolução do Parlamento Europeu: “De acordo com os dados da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI) e do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), nos últimos 14 anos foram assassinados pelo menos 400 indígenas e 14 líderes indígenas”.
Simeão Vilharva e Clodiodi de Souza, assassinados durante ataques de fazendeiros, são citados nominalmente. A resolução apela “às autoridades brasileiras para que tomem medidas imediatas para proteger a segurança dos povos indígenas e garantir a realização de inquéritos independentes sobre os assassinatos e os ataques”.
O estudo, citado pelo Parlamento Europeu, registra que o índice de desnutrição crônica para crianças menores de 5 anos é de 42% em três comunidades Guarani e Kaiowá pesquisadas. Uma das fontes do estudo foi o Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas realizado em 2009, também citado pelo Parlamento Europeu na resolução de ontem: “[…] a taxa de subnutrição crônica entre as crianças indígenas [no Brasil] é de 26 %, em comparação com a média de 5,9 % registada entre as crianças não indígenas”.
A subnutrição deixa os Guarani e Kaiowá mais expostos a todo tipo de doença, desde crônicas a simples diarreias não tratadas que levam crianças ao óbito. Mortes, abandono, falta de perspectiva de vida: o resultado é um aumento chocante de suicídios que acometem sobretudo a população mais jovem, algo não registrado em relatos históricos.
Para o Parlamento Europeu, a “falta de prestação de cuidados de saúde, educação e serviços sociais e a ausência de demarcação das terras indígenas têm tido repercussões no suicídio de jovens e na mortalidade infantil”. Novamente a resolução faz uso de dados oficiais e do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas, do Cimi.
“Nos últimos 15 anos, pelo menos 750 pessoas, na sua maioria jovens, cometeram suicídio e que mais de 600 crianças com menos de 5 anos de idade morreram, na maior parte dos casos por doenças tratáveis e facilmente evitáveis”, pontua o documento dos eurodeputados.
A resolução mais uma vez recorda ao governo brasileiro: “A responsabilidade que lhes incumbe de manter e aplicar integralmente à população Guarani-Kaiowá as disposições da Constituição brasileira relativas à proteção dos direitos individuais e aos direitos das minorias e dos grupos étnicos indefesos”.
Conquista dos Guarani e Kaiowá
Há três anos a Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – realiza incidências na ONU, Parlamento Europeu e Organização dos Estados Americanos (OEA). “No Brasil cansou da gente falar e nada ser feito. Morreu e morre parente nosso de todo jeito. Então ficamos felizes que esse trabalho tenha dado certo”, explica Elizeu Guarani e Kaiowá (na foto, em incidência na ONU).
A liderança indígena tem a cabeça a prêmio no Cone Sul do Mato Grosso do Sul. “Toda vez que eu voltava de fora do Brasil, vindo da ONU nessas denúncias, tinha uma nova ameaça. É complicado viver assim, né. Mas a Aty Guasu resolveu e das nossas terras a gente não desiste. Agora é seguir na luta”, frisa o Guarani e Kaiowá.
Para o indígena, no Brasil os Guarani e Kaiowá conseguiram “mostrar o que acontece no Mato Grosso do Sul, mas no estado o racismo, preconceito é grande. Tem comércio em Dourados que não deixa nem a gente entrar”, diz. “É um estado que um boi e um saco de soja valem mais que um indígena”, conclui.
Elizeu acredita que quando os europeus se derem conta que a carne, o açúcar e a soja do Mato Grosso do Sul são frutos do “sangue indígena” indígena sobre territórios tradicionais tomados pelos latifúndios, os fazendeiros e empresas que mantêm os Guarani e Kaiowá na situação em que se encontram vão sentir no bolso – e só assim para algo mudar.
“O povo Guarani e Kaiowá espera agora que o governo brasileiro leia a resolução e tome providências. Sobretudo sobre a demarcação de terras. Tendo nossos tekoha – lugar onde se é – podemos plantar comida e floresta. Viver em harmonia com nossos antepassados. Vamos deixa de morrer e passar a viver”, afirma o Guarani e Kaiowá.
A Aty Guasu, composta por caciques, professores e lideranças Guarani e Kaiowá, construiu aliados durante esses três anos no Brasil e no mundo. Portanto, a resolução do Parlamento Europeu é apenas o começo de uma série de ações, até mesmo dos próprios eurodeputados, para sensibilizar o Estado brasileiro a garantir os direitos indígenas.
“A Resolução é mais um instrumento para reforçar a legítima luta do Povo Guarani e Kaiowá, e tal documento ganha especial importância em um momento de ruptura democrática e criminalização das lutas sociais no Brasil”, afirma Valéria Burity, Secretária-Geral da FIAN Brasil.
“Com a resolução, o Parlamento Europeu se torna mais um organismo internacional a condenar a crise humanitária junto aos Guarani. Além de se comprometer com soluções que efetivamente resolvam uma das situações mais dramáticas em se tratando de povos indígenas. É sem dúvida uma vitória importante dos Kaiowá que ao longo de 3 anos bateram de porta em porta de europarlamentares, testemunhando o genocídio silencioso a que esse povo está submetido. Em tudo os Guarani Kaiowá pediam a condenação do Estado Brasileiro, por acreditar ser este o maior responsável de suas dores e violência”, destaca Flávio Vicente Machado, do Cimi.
Neste Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) chamou atenção para a mudança climática e os recursos escassos como fatores que alimentam a violência contra as mulheres — em casa, nas ruas e durante desastres naturais causados pelo clima.
Neste Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) chamou atenção para a mudança climática e os recursos escassos como fatores que alimentam a violência contra as mulheres — em casa, nas ruas e durante desastres naturais causados pelo clima.
A mudança climática é um multiplicador de ameaças — pode agravar a migração e o deslocamento de populações, assim como contribuir para problemas nas colheitas ou inundações, aumentando assim a pressão nos lares e nos meios de subsistência, disse em mensagem a diretora-executiva da UNESCO, Irina Bokova.
Estudos mostram que as mulheres são responsáveis por 65% da produção alimentar doméstica na Ásia, por 75% na África Subsaariana e por 45% na América Latina. Com frequência, são os papéis tradicionais das mulheres que as colocam em maiores riscos derivados da mudança climática – elas se tornam vulneráveis à violência ao ter de andar dezenas de quilômetros todos os dias para garantir comida, água e lenha, ou após serem deslocadas ou empobrecidas por desastres.
“A perda dos meios de subsistência e a pobreza também podem aumentar a violência doméstica por causa de pressões econômicas, e devido a práticas persistentes de mutilação genital feminina e casamento infantil”, disse Bokova.
Nesse contexto, a UNESCO ajuda a fortalecer a resiliência diante da mudança climática, integrando uma abordagem de gênero em todas as suas ações. Tomando como ponto de partida parcerias e iniciativas, a agência da ONU leva adiante a ideia de que mulheres e meninas são essenciais para se enfrentar a mudança climática, especialmente, por exemplo, no gerenciamento de recursos hídricos e na prontidão para riscos de desastres.
“Sabemos que as emissões de gases de efeito estufa causam impactos no planeta. Também devemos reconhecer que a mudança climática provoca impactos na vida de meninas e mulheres em todo o mundo”, declarou Bokova.
“Estamos diante da entrada em vigor do Acordo de Paris para o clima e nos preparamos para uma realização bem-sucedida da COP22 em Marrakech – por isso, não devemos nos esquecer de metade da nossa população e do enorme potencial que essa parcela representa. As mulheres devem estar no centro de todas as soluções dos efeitos da mudança climática.”
Apesar de os países latino-americanos terem avançado no combate à pobreza e à fome nos últimos anos, os benefícios não foram uniformes entre homens e mulheres. Dessa forma, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), elaborou um plano estratégico que insere a igualdade de gênero na luta contra as desigualdades econômicas na região.
Ministras e autoridades dos países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) aprovaram na semana passada (16) uma estratégia de gênero para o Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025 (Plano SAN-CELAC), principal acordo regional da luta contra a fome.
O objetivo é assegurar que a implementação do plano garanta o empoderamento das mulheres, para que os resultados de sua aplicação as alcancem igualmente.
As desigualdades de gênero não apenas limitam o acesso a recursos e a possibilidades de desenvolvimento, mas também afetam o bem-estar das mulheres e de seus lares, especialmente em termos de segurança alimentar e nutricional.
Segundo o documento apresentado na semana passada, isso significa “adotar medidas que combatam as desigualdades em relação às oportunidades de participação e ao acesso aos benefícios derivados da aplicação do plano em favor das mulheres”.
“Apesar de a região ter avançado na redução da pobreza, é muito significativo que essa redução não tenha afetado de igual maneira homens e mulheres. O índice de feminização da pobreza cresceu de forma sustentada nos últimos anos, o que mostra que as estratégias para a superação da pobreza sozinhas não afetam de forma significativa a vida das mulheres”, disse Margarida Fernández, diretora do Instituto Salvadorenho para o Desenvolvimento da Mulher.
A estratégia de gênero foi elaborada por um grupo de trabalho da CELAC, com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apresentada em reunião ministerial da CELAC.
Para a ministra da Mulher da República Dominicana, Janet Camilo, a estratégia permitirá dar início à inclusão das mulheres rurais nas políticas públicas regionais, facilitando seu empoderamento econômico e bem-estar, rumo à plena igualdade de gênero em 2030 — um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Segundo a FAO, assegurar o sucesso do Plano SAN-CELAC, cuja meta é erradicar a fome na região até 2025, requer uma distribuição de poder equitativa entre homens e mulheres em todas as esferas do desenvolvimento. A estratégia será apresentada aos chefes de Estado da região na próxima cúpula da CELAC, em janeiro de 2017.
Segurança alimentar das mulheres latino-americanas
O percentual de mulheres obesas supera o de homens na região e, em mais de 20 países, a diferença é de mais de 10 pontos percentuais. Em Antígua e Barbuda, a obesidade afeta 38,7% das mulheres, e na Jamaica, 35,7%, na comparação com 18,4% de homens.
A anemia é um problema que persiste, afetando atualmente cerca de 40% das mulheres globalmente e cerca de 25% das mulheres na região da América Latina e Caribe.
A estratégia de gênero apresentada pela FAO destaca a necessidade urgente de produzir estatísticas e indicadores nacionais desagregados por gênero.
“Precisamos saber exatamente como a fome afeta as mulheres da região, e desenvolver políticas que considerem a divisão sexual do trabalho nas zonas rurais”, explicou Claudia Brito, oficial de gênero da FAO.
Além disso, o documento destaca que é necessário analisar a institucionalidade da segurança alimentar para incorporar o enfoque de igualdade de gênero e fortalecer a participação das mulheres no desenho e operação das políticas públicas.
As mulheres também devem ser acesso igualitário aos serviços e programas para a produção, para que não recaiam somente sobre elas tarefas de alimentação e cuidado que reproduzem desigualdades e a distribuição tradicional de papéis de gênero nos lares.
A estratégia destaca a importância de aumentar a alfabetização e o acesso a tecnologias da informação e comunicação para garantir o direito à consulta e ao consentimento livre informado, com ênfase especial em mulheres indígenas e afrodescendentes.
Segundo a FAO, os países devem promover a participação das mulheres nos sistemas agroalimentares e nos processos de elaboração e tomada de decisões de políticas públicas de alimentação e nutrição.
“A voz das mulheres é fundamental para atingir a fome zero em 2025, e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, disse Claudia Brito.
Segundo ela, é necessário que os países desenvolvam marcos jurídicos e programas que respondam às necessidades específicas das mulheres indígenas e afrodescendentes, já que muitas delas registram os mais altos índices de insegurança alimentar na região.
A estratégia destaca a necessidade de promover políticas que envolvam intencionalmente as mulheres jovens, considerando seus interesses, condições e necessidades.
Quem deve controlar os recursos naturais como sementes, terra, água, pesca e florestas? Quem deve ter acesso aos recursos, em quais condições e com qual finalidade? Qual deve ser a função desses recursos na nossa sociedade? Estas e outras questões são abordadas na mais nova publicação do Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição, lançado na última quarta-feira, na Fiocruz, em Brasília.
A publicação reúne pontos de vista e experiências das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e academia, descrevendo como as empresas transnacionais tentam privatizar, monopolizar e controlar as sementes, patentes e codificar esta fonte de vida à custa dos direitos humanos dos povos e da manutenção da biodiversidade.
Veiculado pela primeira vez em 2008, o Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição é uma publicação anual que monitora as políticas, processos e questões-chave relacionadas com o direito à alimentação e à nutrição adequadas em níveis global, regional, nacional e local. E atua como uma ferramenta de monitoramento, que contribui para dar visibilidade às lutas dos povos sobre o tema.
A publicação é dividida em duas seções temáticas, a primeira explora as conexões entre sementes, biodiversidade e o direito à alimentação e à nutrição. A segunda seção está organizada por região geográfica e apresenta avanços importantes em torno do direito à alimentação e à nutrição nos níveis local e nacional.
Um estudo feito pela Foodfirst Information and Action Network (FIAN) em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) constatou que o grau de insegurança alimentar de três comunidades da etnia Guarani-Kaiowá que habitam o Mato Grosso do Sul está em 100%. Para se ter uma ideia, no estado, por exemplo, esse índice é de 18,2% e, no caso da população brasileira em geral, a insegurança é de 22,6%.
A pesquisa é a versão em português da 8ª edição do “Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição”, e foi lançada nesta quarta (16) pela FIAN, organização que reúne internacionalmente diversos movimentos sociais e entidades, em Brasília (DF). Com periodicidade anual, a publicação monitora o cenário da segurança alimentar em diversas partes do mundo.
Os pesquisadores apontam que a falta de proteção e promoção da identidade cultural indígena é um fator preponderante no processo de ameaça a outros direitos, o que impacta no acesso à alimentação e à nutrição adequadas.
“O dado mais grave que identificamos é a desnutrição crônica, que afeta crianças menores de 5 anos. A média das comunidades avaliadas foi de 42%, o que significa que as crianças não estão crescendo como deveriam. Esse mesmo índice é de 26% para crianças indígenas no país, de modo geral, e de 6% para crianças não indígenas”, acrescenta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.
O estudo teve início em 2013 e verificou a situação de cerca de 400 pessoas (96 domicílios) nas três comunidades analisadas.
Demarcações
O monitoramento feito pela FIAN assinala ainda a questão territorial como um ponto central do aspecto alimentar e nutricional das comunidades. A ocupação geopolítica dos espaços, em especial com o fenômeno da colonização agropecuária, resultou, historicamente, em um processo acentuado de violação de direitos.
O Mato Grosso do Sul, por exemplo, tem a segunda maior população indígena do país e amarga um dos piores índices de reconhecimento territorial, com apenas 1,8% de áreas indígenas demarcadas.
“No processo de exploração econômica, os Guarani-Kaiowá foram tirados de suas terras e confinados em reservas. Um relatório feito pela Comissão Nacional da Verdade [CNV] identificou que isso resultou de um processo de liberação das áreas para o poder econômico do estado. Essas reservas foram feitas sem qualquer respeito à identidade cultural deles. Há, nesse processo, todo um contexto de conflito de terras, violência e discriminação que dificulta o acesso à alimentação adequada”, analisa Burity.
Ela acrescenta ainda que o cenário de violações é diretamente responsável pelo índice de suicídios, que chega a um caso por semana entre as comunidades da etnia, segundo dados do Cimi. “Esse é mais um indicador da grave situação que afeta os Guarani-Kaiowá”, afirmou a secretária-geral.
As três comunidades contempladas no estudo têm casos de lideranças que foram assassinadas no processo de luta pela terra.
“Elas vivem cercadas pela monocultura e pelo agronegócio, num ambiente de muita hostilidade. (…) Sofrem ações judiciais de despejo, ataques militares ilegais e outras violências, num verdadeiro processo de massacre”, destacou Burity.
Sociologia e meio ambiente
Para os movimentos da causa agrária, a situação da etnia Guarani-Kaiowá e dos povos do campo em geral está diretamente associada ao caráter social da terra.
“Trata-se de uma questão de olhar para o território além dos seus aspectos produtivos ou além do espaço da terra em si, porque é algo maior do que a visão da terra como espaço de produção de comida. Os povos sentem uma necessidade de recuperar o processo histórico de enraizamento das comunidades no seu território tradicional, de acordo com sua cultura. O debate em relação aos Guarani-Kaiowá passa diretamente por isso. É a reivindicação do papel sociológico da terra”, analisa Cléber Folgado, membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.
Ao retratar as questões políticas atuais e o relatório deste ano, o representante da FIAN Internacional que esteve no lançamento, Flávio Valente, inseriu o contexto da luta pela terra no processo global de avanço conservador.
“O Brasil está passando por uma crise terrível. A magnitude do que está ocorrendo é do nível de um genocídio, uma agressão bárbara. Mas é preciso assinalar que não é só aqui. Há uma ofensiva global, com desdobramentos na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, na África e aqui. Precisamos trabalhar muito e unificar as agendas pra superar este momento difícil”, afirmou Valente.
Manter as sementes nas mãos dos povos. É este o título do Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição 2016, lançado no dia 16 de novembro, no auditório interno da Fiocruz Brasília, com a presença do assessor sênior da Fian Internacional, Flavio Valente, da pesquisadora do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares da Fiocruz, Denise Oliveira, e Cleber Folgado militante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.
A publicação, reconhecida internacionalmente, reúne pontos de vista e experiências das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e academia, descrevendo como as empresas transnacionais tentam privatizar, monopolizar e controlar as sementes, patentes e codificar esta fonte de vida à custa dos direitos humanos dos povos e manutenção da biodiversidade.
Publicado pela primeira vez em 2008, o Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição é uma publicação anual que monitora as políticas, processos e questões-chave relacionadas com o direito à alimentação e à nutrição adequadas em níveis global, regional, nacional e local. E atua como uma ferramenta de monitoramento, que contribui para dar visibilidade às lutas dos povos sobre o tema.
A publicação é dividida em duas seções temáticas, a primeira explora as conexões entre sementes, biodiversidade e o direito à alimentação e à nutrição. A segunda seção está organizada por região geográfica e apresenta avanços importantes em torno do direito à alimentação e à nutrição nos níveis local e nacional.
É nesta seção que se apresenta o artigo “Grande Povo Guarani e Kaiowá e a sua luta por direitos e pela vida no Brasil”, de autoria de Valéria Burity, Secretária Geral da Fian Brasil, Flávio Machado, missionário do Cimi – Conselho Indigenista Missionário e Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Cimi, que traz um retrato do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no Brasil e a luta das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá pelo seu direito à terra e ao território, aos alimentos e à vida.
O Observatório é resultado do esforço coletivo da Rede Global para o Direito à Alimentação e à Nutrição, que atualmente inclui 24 organizações da sociedade civil e movimentos sociais que reconhecem a necessidade de agir em conjunto para a realização de tal direito humano.
No Brasil, a publicação é lançada pela FIAN Brasil e FIAN Internacional com o apoio da Fiocruz Brasília.
A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.