Consea recomenda que STF julgue improcedente ADI 3239

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) enviou no início de dezembro uma recomendação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que julgue totalmente improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade – 3239, dirigida contra o Decreto 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. A recomendação do Conselho foi aprovada em sessão plenária do dia 29 de novembro.

No documento, o Conselho reforça que o Decreto 4.887/2003 é fundamental para a garantia do Direito à Alimentação Adequada das comunidades remanescentes de quilombos e considera que o Decreto se “configura como principal instrumento administrativo que viabiliza a execução da política pública de titulação dos territórios quilombolas”. A recomendação aponta ainda como grave a imposição da teoria do “marco temporal” para as comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, que “inviabiliza o exercício da garantia constitucional a titulação das terras quilombolas”.

Leia a Recomendação AQUI

Julgamento

No dia 9 de novembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomaram a votação da Ação que questiona o decreto presidencial sobre regulamentação fundiária das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 foi ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o Decreto nº 4.887/2003. O ministro Dias Toffoli, que estava com o voto-vista, proferiu seu voto e julgou pela constitucionalidade parcial do Decreto, por considerar que somente devem ser titularizadas áreas que estavam ocupadas por remanescentes de quilombos em outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) salvo no caso de esbulho ou ato ilícito que suspenda a posse. Na ocasião, o julgamento foi suspenso com um pedido de vistas do Ministro Fachin, que devolveu o processo em 24 de novembro. A presidenta do STF, Ministra Carmen Lucia,  recolocou o processo para votação que acontecerá no dia 08 de fevereiro de 2018.

 

CDNH aprova Resolução sobre DHANA para mulheres e adolescentes em privação de liberdade

O CNDH aprovou, em sua 33ª Reunião Ordinária, realizada no dia 6 de dezembro, a Resolução n° 9/2017, que trata do Direito Humano à Alimentação Adequada de mulheres e adolescentes em privação de liberdade, em especial gestantes, lactantes e com filhos e filhas. A Resolução é um dos encaminhamentos da Comissão Permanente de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas do CNDH, da qual a FIAN Brasil faz parte.

Para o colegiado, qualquer imposição de fome e sede às mulheres e adolescentes em Privação de Liberdade, sobretudo a título de punição ou como forma de condicionar comportamentos, é considerada tortura, por isso, o colegiado defende a aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade como medida de prevenção à tortura.

Na impossibilidade de aplicação de medidas alternativas, o documento do colegiado recomenda que o Estado garanta, dentre outros itens, o direito à amamentação de livre demanda, sem restrição de tempo e em local apropriado; a criação de condições e ambientes que permitam às mulheres e adolescentes alimentar e/ou amamentar seus filhos e filhas; a oferta de alimentos adequados e saudáveis para as crianças menores de 2 anos, respeitando as quantidades, a qualidade e a consistência conforme diretrizes e princípios estabelecidos no Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, do Ministério da Saúde; e atenção especial ao direito das mulheres e adolescentes vivendo com HIV ou AIDS de alimentar seus filhos e filhas, garantindo o vínculo e respeito à alimentação adequada.

CNDH também recomenda que mulheres e adolescentes em privação de liberdade sejam consultadas sobre o interesse em amamentar e/ou alimentar seu filho e filha, respeitando a opção da mãe e, havendo o seu interesse, garantir orientação e apoio para o Aleitamento Materno e alimentação adequada. Também é reforçada a recomendação de não utilização de algema durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto, durante o trabalho de parto e pós-parto; além de tratamento médico e psicológico em caso de abortos, espontâneos ou não.

Confira aqui a Resolução na íntegra.

Fonte: CNDH

 

 

Agricultura da morte: estudo mostra que produtos brasileiros têm alto nível de veneno

O atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” traz como foco as relações comerciais entre as diversas nações e mostra que, apesar da legislação rígida sobre o uso de veneno, grande parte dos países europeus compram produtos do Brasil que possuem altos índices de defensivos químicos.

De acordo com atlas, o Brasil é o grande exportador de açúcar, etanol, soja, milho e café, e tem países da União Europeia como os principais compradores. Fruto de uma pesquisa da geógrafa Larissa Bombardi, professora do departamento de geografia da Universidade de São Paulo, o documento destaca ainda que essa relação entre Brasil e União Europeia possui diversas facetas.

Uma delas diz respeito a quantidade de agrotóxicos usada nos alimentos exportados. De acordo com dados de 2008 da European Environment Agency, os países europeus usam de 0 a 2 kg de agrotóxicos por hectare na agricultura. Já no Brasil, a média é de 8,33kg de veneno por hectare, podendo chegar a 19 kg por hectare em estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.

Somente no cultivo da soja brasileira, se permite o uso de um dos agrotóxicos mais nocivos, o glifosato, cerca de 200 vezes mais do que é permitido na Europa.

O Brasil consome 20% de todo agrotóxico comercializado no mundo e, segundo dados de 2016 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em menos de 15 anos o país aumentou em 135% o consumo de venenos na agricultura, passando de 170 mil toneladas nos anos 2000 para 500 mil toneladas em 2014.

Além disso, a autora do estudo analisa o modelo da agricultura brasileira, regida pela lógica da mundialização. A prática tem se consolidado por meio da ampliação das monoculturas, que é quando se produz apenas um tipo de produto agrícola em grandes áreas. A técnica é danosa ao solo e, de acordo com o estudo, tem por consequência o uso excessivo de venenos.

Os impactos do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores do campo também são explorados no atlas. Os índices de intoxicação estão concentrados no Centro Sul do país. O Ministério da Saúde afirma que há cerca 8 intoxicações por dia por agrotóxicos no Brasil.

O estudo chama atenção ainda para as notificações sobre o uso dos defensivos para tentativas de suicídios. Em 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram 1.796 casos. Em São Paulo, por exemplo, das 2.055 notificações de intoxicação por agrotóxicos, 844 referiam-se à tentativa de suicídio.

O atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” esta disponível para download no blog da autora.

 

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Fonte: Brasil de Fato

Carta final da Aty Guasu 2017

Realizada entre os dias 27 de novembro a 1º de dezembro a Aty Guasu – Grande Assembleia do Povo Guarani e Kaiowá – recebeu mais de 400 indígenas do Brasil, Argentina e Paraguai. Abaixo confira o Documento Final.

DOCUMENTO FINAL DA ATY GUASU – PIRAKUÁ

Nós, povo Guarani e Kaiowá reunidos na Aty Guasu, nos dias 27/11 a 01/12/2017 na Aldeia Pirakuá, semente de nossa luta e reconquista de nossa terra, razão pela Marçal Tupa’i foi assassinado enquanto lutava pelo seu povo.

Essa Aty Guasu foi marcada pela participação de nossos parentes Guarani Nhandeva, M’bya e Pa’i tavy terã da Argentina e do Paraguai, além da presença solidária de aliados, entre os quais a UNILA (Universidade Latino americana).

Para nós a Aty Guasu foi um grande momento celebrativo, memória dos que tombaram na luta pelo nosso Território tradicional realizado com muito ritual, muita emoção e lágrimas. “Nossos mortos têm voz”. A Aty Guasu foi um momento forte para fortalecer e valorizar nossos Nhanderu e Nhandeci, nossos mestres tradicionais e que estiveram presente em número significativo.

Essa Aty Guasu, depois de 40 anos, vem mostrar que esse é o único e mais eficaz caminho para conquistar nossos territórios e garantir os nossos direitos. Desde a retomada de Pirakuá em 1982 até hoje foram mais de 40 retomadas realizadas, cujo processo de regularização deveria estar sendo realizado pela FUNAI.

Em 2002 o governo através da FUNAI assumiu a demarcação das terras dos povos Guarani e Kaiowá como prioridade do órgão. Porém, nos cinco anos seguintes nada foi feito. Foi então que as nossas lideranças junto com o Ministério público decidiram ir a Brasília para pressionar a demarcação de suas terras. Nesta ocasião foi assinado o TAC (Termo de ajustamento de conduta) em que a FUNAI se comprometia a identificar todas as terras Kaiowá e Guarani nos anos seguintes. Passaram-se dezoito anos e a maior parte das terras não foi regularizada e pelo menos cinco das lideranças que assinaram o TAC já morreram.

Essa omissão do governo é a razão do quadro extremo de violência e genocídio em que passa os kaiowá e Guarani. Situação que gera muita indignação e revolta em todos nós. Nossas lideranças continuam sendo perseguidas, criminalizadas e assassinadas. Toda essa situação causa danos físicos e psicológicos nas pessoas levando em muitos casos a dependência química e ao suicídio.

Não resta às nossas comunidades outro caminho a não ser a retomada das terras tradicionais.

REPUDIAMOS:

– Repudiamos a tradição das PECs no Supremo Tribunal e no Congresso Nacional, não aceitamos a tese do Marco Temporal. Ele é um decreto de morte para nosso povo;

– Repudiamos o discurso preconceituoso e discriminatório do deputado Eduardo Bolsonaro contra os povos indígenas e comunidades tradicionais;

– Repudiamos a justiça brasileira, segunda instância de São Paulo que colocou em liberdade os cinco fazendeiros responsáveis pelo assassinato de Clodiodi no massacre de Caarapó;

– Repudiamos as ações violentas praticadas contra nosso povo, os assassinatos e ocultação dos corpos de Rolindo Vera e Nísio Gomes e que a justiça até agora não se pronunciou;

– Repudiamos o decreto baixado pelo presidente Michel Temer autorizando o porte de armas para a defesa da propriedade privada porque isso estimula a violência e os ataques aos povos indígenas e comunidades tradicionais.

DENUNCIAMOS:

– Denunciamos a destruição da natureza com o uso abusivo de agrotóxicos que poluem o ar, a terra e as águas atingindo nossas comunidades. Estamos adoecendo cada vez mais. Não aguentamos mais, voltaremos às nossas terras para dela cuidar e viver com dignidade. Continuaremos denunciando essa situação em nível nacional e internacional como um dos piores quadros vividos hoje no Brasil e no mundo;

– Denunciamos o Estado brasileiro pela omissão em relação aos nossos direitos e pela prática de violência contra nosso povo, de modo especial a agressão às nossas crianças que estão sendo retirada das nossas comunidades para colocar em abrigos encaminhadas para adoção;

– Denunciamos as práticas colonizadoras genocidas e etnocidas que continuam cooptando lideranças, provocando divisões e conflitos entre os povos indígenas;

– Denunciamos os ataques agressivos praticados pela polícia federal, militar, civil, rodoviária, DOF, bombeiro, ambulâncias e funerárias nas ações de reintegração de posse;

– Denunciamos os fazendeiros, sindicato rural, FAMASUL que além de invadir as nossas terras fomentam os ataques paramilitares e mantêm pistoleiros vigiando e dando tiros em cima de nossos tekohas;

– Repudiamos e denunciamos o poder judiciário pelas constantes ações de despejos em nossos tekohas.

NOS COMPROMETEMOS:

– Fortalecer a nossa luta através dos nossos rituais, da nossa cultura. Nós continuaremos resistindo para conquistar e defender nosso território, apenas tendo nosso corpo como escudo. Se caso persistir a reintegração de posse o Estado brasileiro será responsável, pois haverá morte coletiva do povo Guarani e Kaiowá, nós resistiremos até o fim;

– Unificar a nossa luta como nação Guarani, hoje presente em cinco países: Brasil, Argentina, Paraguai, Bolívia e Uruguai com 280 mil habitantes e 1400 comunidades.

Resistimos na esperança, crescemos na união fazendo nascer de nosso chão, regado com nosso próprio sangue e com as lágrimas dos nossos sentimentos, novos guerreiros.

 

Aldeia Pirakuá, 01 de dezembro de 2017

Aty Guasu – Povo Guarani, Grande Povo  

 

 

Crédito foto: Egon Heck/CIMI

Conselheiros e conselheiras se unem contra o racismo institucional

População negra. Povos indígenas. Comunidades tradicionais. Povos de matriz africana. Tantas vezes olhados de cima. Poucas vezes como iguais. Apesar das políticas públicas que buscam a igualdade entre todos os brasileiros, a negação de direitos e os discursos de ódio deixam o campo pessoal e criam raízes nas instituições. O tema ganhou destaque na plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em conjunto com a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – (Cnapo), realizada nesta quarta-feira (29), em Brasília.

Para a pesquisadora Givânia Maria da Silva, o racismo vai se materializando nas instituições a medida que conceitos errôneos são perpetuados na sociedade. “As mentiras que vão sendo repetidas, elas vão se tornando verdades. As crianças vão crescendo; que depois são os professores, os juízes, os procuradores, os promotores. Elas crescem e se formam acreditando que índio não precisa de terra, que é muita terra. É muita terra pra índio mas não é muita terra para madeireiro?”, disse a pesquisadora ao falar da dificuldade na demarcação de terras indígenas.

Representantes da sociedade civil demonstraram grande preocupação com projetos em andamento no Congresso Nacional e ações em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). A luta constante para delimitar e regularizar territórios indígenas e quilombolas no país tem expressado uma veia pulsante do racismo institucional no país. “Nós não podemos partir do princípio que estamos falando apenas de um pedaço de terra, nós temos dificuldades de ter os nossos territórios titulados”, disse Reinaldo Avelar, presidente do Consea-MA.

A ex-presidenta do Consea, a antropóloga Maria Emília Pacheco, destacou que a Constituição Federal garante o direito à terra mas demonstrou preocupação com o “processo de reestruturação nesse mercado de terras”. “A Constituição reconhece um estado pluriétnico que em tese precisa conferir proteção e reconhecer esses povos e comunidades tradicionais, embora saibamos que no fundamental nós somos uma sociedade autoritária e baseada em fundamentos coloniais e escravistas”, disse ela. “Não há garantia para os sistemas tradicionais se não há garantia da terra e território”, completou.

O representante da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) na Cnapo, Jairã Silva, ressaltou que o racismo está expresso em diversas formas nas ações do estado, seja em medidas provisórias ou por projetos de lei. “O racismo não é só institucional. No meio social, a gente também tem enfrentado questão de ódio mesmo de classe, de raça de cor que tem afetado diretamente essas populações, indígenas e quilombolas principalmente”, falou o representante da Apoinme.

Representando a Casa Civil, Fabiana Martins, disse que o governo federal aguarda o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade que estão sendo analisadas no Supremo Tribunal Federal para dar andamento a homologação das terras indígenas e quilombolas.

Fonte: Ascom/Consea

Prato do Dia #5: O desmaio de fome e a despolitização da austeridade

“Quando a gente percebeu que era fome, eu saí de perto para chorar. O rapaz do Samu me olhou com uma cara de ‘que realidade é essa?’. E eu disse que é sempre assim. Eu tenho dois alunos que todos os dias reclamam de fome”. (Ana Carolina Costa, professora do 2º Ano Fundamental da Escola Classe 8, Cruzeiro/DF)


Uma criança desmaiou de fome dentro de uma escola do Distrito Federal (DF). Além de escandaloso, o caso ocorrido no dia 13 de novembro é também emblemático para caracterizar o Brasil em que vivemos atualmente.

A criança, um estudante de 8 anos de idade, desmaiou de fome na Escola Classe 8, localizada a meros 11 km da Esplanada dos Ministérios, centro do poder político nacional. O governo do DF, responsável pela instituição de ensino, chegou a afirmar em forçosa nota que a criança não teria desmaiado, mas que estava meramente “molinha”. Despolitizando completamente a situação, o governador Rollemberg declarou em seguida que não se tratava de uma questão de competência da escola, mas sim da família da criança.

Analisando o caso, três fatores sobressaem:

  1. a situação de pobreza em que se encontra a família da criança;
  2. a falta de escolas na região em que essa família vive, somado ao grande deslocamento até outra instituição de ensino;
  3. a falta de alimentação adequada na escola em questão.

Não é preciso muito para confirmar que os fatores acima são puramente políticos. Ex-catadora de materiais recicláveis, a mãe da criança está desempregada e cria sozinha seis crianças; recebe o valor mensal de R$ 946 de programas de assistência social, mas reclama que os custos de vida são muito altos – para efeitos de comparação, uma cesta básica de alimentos no DF custa atualmente cerca de R$ 400. A família foi beneficiada com um apartamento do Minha Casa, Minha Vida no ano passado, contudo na localidade onde o empreendimento foi construído (Paranoá Parque) não há escolas, hospitais ou outros equipamentos públicos, muito menos empregos.

Os fatos são confirmados pelas declarações do governo distrital, que promete construir uma escola na região nos próximos anos. Enquanto isso, 250 estudantes da região são transportados 30 km todos os dias para a Escola Classe 8 do Cruzeiro, localizada do outro lado do DF. Tal escola, por sua vez, oferece como lanche somente biscoito e suco no meio da tarde, situação escandalosa na unidade da federação com maior renda per capita do país. Ainda, não há almoço para aquelas crianças que precisam sair de casa por volta de 11h da manhã para chegar a tempo da aula, no início da tarde.

A análise do caso comprova o que a FIAN vem defendendo há tempo: deve-se pensar a alimentação e a nutrição de uma maneira que seja holística e centrada na realização deste e de outros direitos humanos; políticas públicas, portanto, devem ser construídas com base nessa visão. É responsabilidade do Estado brasileiro, em última análise, garantir a existência e funcionamento adequado de creches, escolas e outros equipamentos públicos. Assim como é responsabilidade estatal garantir o direito à educação, onde se inclui o fornecimento de merendas adequadas e saudáveis, especialmente quando se trata de crianças em situação de vulnerabilidade social.

Para tudo isso, e muito mais, o Estado precisa de recursos financeiros. Contudo, o contexto de políticas de austeridade em que fomos (forçosa e golpeadamente) colocados nos empurra no sentido contrário: a Emenda Constitucional 95 congelou os gastos com políticas sociais, como aquelas que fariam a diferença neste caso, pelos próximos 20 anos. Análise da FIAN Brasil com outras organizações, baseada em estudo do IPEA, indica que em poucos anos o orçamento de alguns ministérios não conseguirá cobrir sequer as políticas públicas mais básicas consagradas na Constituição Federal, como o Benefício de Prestação Continuada.

Nesse cenário, é sintomático que governantes tentem despolitizar assuntos como a alimentação, a exemplo do que fez o governador do DF: para eles e para boa parte do grande capital que os financia, é interessante que a opinião pública não ligue os pontos entre austeridade, diminuição dos recursos para políticas sociais e aumento da pobreza, miséria e fome, entre outros. Tal prática corre junto com os discursos sobre um menor papel do Estado e uma maior responsabilização do indivíduo – questões que vão pautar o cenário eleitoral em 2018.

O resultado de tudo isso são desmaio(s) de fome, aumento do desemprego, da pobreza e da violência, como já indicado por vários estudos. Resta à população, em conjunto com a sociedade civil progressista, repolitizar estas e tantas outras questões.

Por Lucas Prates, assessor de direitos humanos da FIAN Brasil

Movimento dos Pescadores e Vazanteiros continua pelo 2º dia acampado na sede da SPU em Belo Horizonte

As sete comunidades tradicionais vazanteiras/pesqueiras vindas das barrancas do Alto e Médio São Francisco (Canabrava, Caraíbas, Croatá, Venda, Maria Preta, Barrinha e Cabaceiras), no norte Minas Gerais, continuam acampadas desde a madrugada de ontem, dia 13/11/2017 na sede da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), em Belo Horizonte, MG, à Av. Afonso Pena, 1316. O acampamento iniciou na madrugada de ontem, dia 13 de novembro, e continua hoje, dia 14/11/2017, no 2º dia. As comunidades tradicionais pesqueiras/vazanteiras reivindicam a regularização dos seus Territórios Tradicionais, parte deles localizados nas áreas da União e, por isso, são de responsabilidade da SPU.

Ontem, durante todo o dia, as comunidades reuniram-se com o Superintendente da SPU em Minas Gerais, Vicente de Paulo Diniz, e em função dos poucos resultados decidiram manter por tempo indeterminado a mobilização e o acampamento. Uma das reivindicações principais é a TAUS (Termo de Autorização de Uso Sustentável) da Comunidade Tradicional Cana Brava, em Buritizeiro, MG, que foi expulsa do seu território pela brutalidade de fazendeiros na região e cumplicidade do Estado de Minas chegando a fazer um dos despejos sem após um Liminar de reintegração de posse ter sido derrubada por um desembargador do TJMG. As famílias estão precariamente acampadas na Ilha da Esperança e na Ilha Manuel Redeiro, que estão sendo submersas pela águas do São Francisco com a chegada das chuvas. Hoje está marcada nova reunião com a SPU às 10 horas da manha.

As comunidades tradicionais denunciam a morosidade do Estado em regularizar seus territórios, o que está acirrando conflitos e violando direitos básicos das famílias. Alertamos às autoridades dos poderes Executivo Federal e Estadual, ao Poder Judiciário estadual e Federal, à SPU que caso não atenda as legítimas reivindicações das Comunidades Tradicionais com rapidez, podemos estar nos aproximando de massacres e mais violência. Conflito social e agrário jamais se supera de forma justa e pacífica com repressão, mas se supera é com Política e Negociação séria. Por isso, continuamos na luta. E afirmamos que só levantaremos o Acampamento com resultados concretos!
Assinam essa Nota Pública:

Conselho de Pastoral dos Pescadores (CPP)

Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil.

Comunidade tradicional pesqueira/vazanteira de Canabrava, em Buritizeiro, MG.

 

Fonte: CPT MG

FIAN Brasil discute insegurança alimentar no III ENPSSAN

A terceira edição do ENPSSAN – Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional foi realizada entre os dias 8 e 10 de novembro, na Universidade Federal do Paraná, em Curitiba, e reuniu nos três dias de evento mais de 450 pessoas, o maior registro de participantes de sua história.

O Encontro em Curitiba reuniu pesquisadores, professores, estudantes, representantes de movimentos sociais e do setor público e conselheiros do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que debateram experiências voltadas para a promoção de pesquisas acadêmicas do campo da alimentação e nutrição. A presidenta do Consea, Elisabetta Recine, a ex-presidenta Maria Emília Pacheco e o ex-presidente Renato S. Maluf também participaram do encontro.

Foram aprovados 372 trabalhos divididos em seis grupos de trabalho: Direito Humano à Alimentação Adequada; Produção sustentável e processamento de alimentos; Abastecimento e consumo alimentar saudável; Efeitos da Insegurança Alimentar e Nutricional; Comida e cultura: Os múltiplos olhares sobre a alimentação e A Construção da Pesquisa em SAN – avaliações, métodos e indicadores.

A FIAN Brasil participou do GT 4 “Efeitos da Insegurança Alimentar e Nutricional” com uma apresentação sobre “Insegurança Alimentar e o diagnóstico entre grupos específicos: Experiências com a Abordagem Baseada em Direitos Humanos” realizada pelo assessor de direitos humanos, Lucas Prates. Entre os destaques da apresentação está a necessidade de se incluir o viés holístico dos direitos humanos nas pesquisas, sistemas de monitoramento e planejamento de ações e políticas públicas em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Segundo Lucas, “a nossa apresentação focou nos diferenciais que a abordagem do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) permite observar em alguns contextos específicos, como o de indígenas e quilombolas”. Lucas também lembra que “as discussões do GT foram muito boas, com diversos trabalhos interessantes apontando conclusões semelhantes às nossas em realidades que vão do Sul ao Norte do país”.

No Encontro foi constituída a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (RBPSSAN). “A formalização da rede vem no momento certo, em que precisamos unir esforços para garantir a continuidade das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional”, afirmou a presidenta do Consea, Elisabetta Recine. A FIAN Brasil foi uma das organizações incluídas no Comitê Consultivo da RBPSSAN, além de ter vários de seus membros inscritos como associados.

Os dois primeiros encontros foram realizados em Brasília, em 2012 e 2016. A 4ª edição do ENPSSAN será realizada em 2019, na cidade de Goiânia (GO).

Lançamento

A programação do III Enpssan contou com o lançamento de quatro livros, entre estes o “Uma leitura da insegurança alimentar: Violações no Brasil – Novos referenciais de fontes informacionais”, de Jusenildes dos Santos, que é membra da FIAN Brasil. O livro aborda a questão social, politico e econômico da insegurança alimentar e violações dos direitos no Brasil.

Ascom FIAN Brasil/ Com informações do Consea

Encontro Nacional de Direitos Humanos reivindica unidade de ação

Construir uma agenda democrática para os direitos humanos no Brasil em meio ao cenário de agudizada supressão de garantias e liberdades é o objetivo central do Encontro Nacional de Direitos Humanos (ENDH), que teve início nesta quarta-feira (8), na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDHLP) do Senado e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o ENDH reúne até esta quinta (9) representantes de organizações sociais e do poder público de todo o país para refletir e debater temas ligados aos direitos humanos, tendo como marcos de referência os três planos nacionais da área, as onze conferências nacionais já realizadas e as novas pautas de direitos.

Durante a mesa de abertura do Encontro, foram reforçados a necessidade de identificação de pontos comuns a todos os grupos, com vistas a evitar a ampliação dos retrocessos em curso no país, e o empreendimento de ações fortalecidas por meio da unidade.

Para o deputado federal Paulão (PT/AL), presidente CDHM da Câmara, é fundamental construir uma agenda de lutas que possa servir de referência tanto para os movimentos sociais quanto para o serviço público. Segundo ele, conquistas históricas vêm sendo banidas por decretos e outras medidas antidemocráticas, como a autorização do STF para o aviltamento dos direitos humanos fundamentais no Enem.

“Nesse momento sombrio de destruição, temos o dever de nos mobilizar para, pelo menos, resgatar o que foi perdido. Somente nossa unidade na ação, por meio de uma plataforma comum, poderá nos fazer avançar. Que todos nós possamos dar pelo menos parte de nossos esforços em torno de uma agenda mínima comum para uma resistência mais vigorosa ao espectro do Estado de exceção que caminha entre nós”.

A senadora Regina Sousa (PT/PI), presidente da CDHLP do Senado, também mencionou retrocessos vigentes, como a portaria que torna mais restritas as definições de trabalho escravo e a reforma trabalhista, e afirmou a necessidade de tronar concretas as propostas oriundas do encontro. “A gente precisa ir além da audiência, ter uma força tarefa para fazer coisas mais concretas e enfrentar essas pessoas que estão construindo esse país pra eles”, defendeu.

CNDH e revogação da EC 95

As ações de resistência do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em relação aos retrocessos em curso – como as reformas trabalhista e da previdência e a ampliação da violência em territórios rurais e urbanos – foram elencadas pelo presidente da instância, Darci Frigo. Ele também destacou a instauração, inédita,,por parte do colegiado, de uma Comissão de Apuração de Condutas e Situações Contrárias aos Direitos Humanos do Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, por sua atuação contrária ao processo de erradicação do trabalho escravo no país.

Como proposta de ação concreta e unitária para o próximo período, Frigo propôs a realização de uma consulta popular sobre a revogação da Emenda Constitucional 95,  que congela por 20 anos investimentos públicos com educação, saúde e assistência social no Brasil. “Haverá luz depois desse processo de escuridão. Precisamos trabalhar para unificar nossa agenda política e articular forças para que resistamos. Não há possibilidade de avançarmos se não garantirmos um ambiente democrático verdadeiro e substantivo”, asseverou.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão e integrante do CNDH, Deborah Duprat, lembrou do processo constituinte e do momento de inauguração de um regime de direitos em comparação com a quadratura atual. “Esse momento nos mostra que nenhuma vitória pode ser considerada definitiva. O que vivemos agora é um momento em que os privilégios tentam se sobrepor aos direitos. Não é fortuito que tenhamos incidência maior das forças atacando pessoas pobres e negras nas periferias, que a violência no campo tenha atingido níveis jamais vistos. Não temos um direito violado, mas todos os conquistados em 1988”.

O atual secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais, ex-ministro dos Direitos Humanos e primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Nilmário Miranda, sinalizou apoio à ideia de construção de um referendo revogatório e resgatou a história de fundação da Comissão, em 1995 – ressaltando que, à época, o compromisso com os direitos humanos eram uma pauta considerada por todo o espectro político partidário. “Hoje, não podemos contar com quem vinha aqui antes. Esse Congresso é, em sua maioria, inimigo dos direitos humanos e da democracia. Enquanto tivermos congresso como esse, só poderemos resistir.Temos condições de reconstruir uma grande frente, mas vai passar opor 2018”, finalizou.

A mesa de abertura do ENDH também foi composta por Zélia Amador de Deus, professora da Universidade Federal do Pará, ativista do movimento negro e cofundadora da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos; Luciano Mariz Maia, vice-Procurador Geral da República; Everaldo Patriota, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Anginaldo Vieira, Defensor Nacional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, além de deputados e senadores.

Relatoria Especial da Plataforma Dhesca

Durante a abertura do Encontro, a representante da Plataforma Dhesca Juliane Cintra apresentou, por meio de um vídeo de animação, a relatoria especial realizada pela rede que investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.

Entre as principais recomendações apontadas no relatório e apresentadas por Cintra, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas, a realização de um referendo nacional sobre as emendas constitucionais 95 e 93 (desvinculação das receitas da União), a criação de um Comitê Nacional de Emergência para atuar junto às pessoas vulneráveis e a implementação de uma Reforma Tributária progressiva que contribua para a redução das desigualdades. “O Estado de exceção violou muitos direitos, e é momento de pensar em como nos engajamos em frentes amplas para apontar para outros horizontes possíveis de atuação”, completou.

Fotos: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Nota de repúdio ao voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3239

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) vem por meio desta externar, publicamente, seu repúdio aos termos do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli,  na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239.

A titulação plena dos territórios quilombolas tradicionais é condição essencial para a superação da opressão histórica de cunho racial que, até o presente momento, impede que as mais de seis mil comunidades existentes no Brasil conquistem a tão sonhada liberdade.

Apesar de citar diversas referências normativas, acadêmicas e políticas da luta quilombola por terra e território em seu voto, o Ministro Dias Tóffoli, contraditoriamente, conclui que nós quilombolas só teríamos direito à porção de terras que efetivamente ocupávamos em 5 de outubro de 1988.

Em 05 de Outubro de 1988 (promulgação da Constituição Federal), como até o dia de hoje, a grande maioria das comunidades quilombolas não tem acesso à terra que garanta, de forma plena, a reprodução do nosso modo de vida  tradicional. Limitar o direito previsto no art. 68 do ADCT da Constituição Federal a esse conceito dificultará, quando não impedirá, nós quilombolas de conquistar a liberdade pela qual lutamos há mais de 500 anos.

Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal combaterá os racismos, e julgará o Decreto Federal 4887/03 constitucional, sem a imposição de qualquer condicionante, inclusive a do marco temporal. Os horizontes de futuros das comunidades quilombolas não podem ser inviabilizados no presente, a reparação histórica ideal só é possível com justiça social plena.

Pelos ideais de Dandara e Zumbi, quilombolas continuarão em luta até a vitória!

 

Brasília, 10 de novembro de 2017.

 

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas

Fonte: Conaq