Acampados à beira de estradas ou em fundos de fazendas, sem a certeza de que terão acesso às suas terras de origem, indígenas do Mato Grosso do Sul sentem-se desassistidos pelos governos estadual e federal. Muitos deles nem existem perante a sociedade, já que não possuem registro civil. O alerta é do advogado Luiz Henrique Eloy Terena (povo do qual faz parte), assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e nome importante na defesa dos direitos indigenistas.
Segundo ele, que nasceu na aldeia Ipegue, em Aquidauana (MS), existem hoje cerca de 55 comunidades nestas condições no Estado, com em média 20 famílias por acampamento. “Para os índios que estão nas áreas tomadas [ocupadas], são negados atendimentos básicos, como saúde, educação e direito de cidadania.”
Eles não existem perante a sociedade. São indígenas que estão em áreas de conflito e aguardam a demarcação de suas terras
Um relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à Igreja Católica, indica que o Mato Grosso do Sul registrou em 2015 cerca de 12 ocupações, com mais de 630 famílias indígenas envolvidas. O levantamento define as ocupações ou retomadas feitas por índios como ações coletivas “diante da demora do Estado no processo de demarcação das áreas que lhe são asseguradas por direito”.
De acordo com Eloy, o problema foi gerado, principalmente, pelo fato de muitos indígenas terem sido retirados de suas terras no passado e deslocados para reservas perto das cidades. O defensor se refere principalmente ao período da ditadura militar no Brasil, quando foram constatadas inúmeras denúncias de remoções forçadas de comunidades indígenas, principalmente na região Centro-Oeste.
“As ocupações que são feitas pelas comunidades indígenas são a forma de retornar para o seu território tradicional [e protestar]. Temos anciãos que nasceram nas terras, mas no passado foram levados à força para as reservas. É claro que eles querem voltar”, ressalta o representante do povo terena.
Meio sem saber se são da reserva ou da cidade, muitos jovens indígenas que vivem perto de comunidades urbanas passaram a não ter perspectiva de vida.
De um lado, não se sentem capacitados para os trabalhos formais praticados pelos não índios. De outro, há o despreparo para desenvolver o cultivo de subsistência ou a falta de espaço para tal.
“As reservas indígenas foram sistematicamente criadas e posicionadas próximas às cidades para que os índios fossem gradativamente inseridos. Saíram ‘catando’ os índios [sem que eles quisessem] e recolhendo para as reservas com o objetivo de liberar espaço para o agronegócio. Crianças e jovens que já nasceram nesta realidade de confinamento não se sentem da terra e nem da cidade. Um dos resultados disso é, sem dúvida, o alto índice de suicídio que temos”, explica.
De acordo com o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) –também ligado à Igreja Católica–, o Brasil identificou em 2015 87 suicídios entre os povos indígenas. Não há estudos que comprovem que eles tenham ocorrido pelos motivos destacados acima, mas os números servem como um sinal de alerta para as comunidades.
O levantamento aponta que a faixa etária com maior número de casos foi a dos 15 aos 19 anos (37%). Em segundo lugar, estavam os jovens de 10 a 14 anos (24%), seguido de indígenas de 20 a 29 anos (22%). Mato Grosso do Sul foi o Estado com o maior número de mortes (45).
Quando se analisa o período de 15 anos (2000-2015), o número é ainda mais chocante: 752 suicídios. Os dados foram obtidos junto à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e aos órgãos regionais do Cimi.
Fonte: UOL Notícias