Feminismo comunitário: a importância da organização das mulheres indígenas e as conquistas e desafios desde a abordagem feminista

 

Entrevista com Esperanza Tubac

A luta das mulheres contra as desigualdades e as opressões atravessa séculos. São inúmeras as conquistas, mas ainda existe um grande abismo social quando se fala em direitos, como por exemplo, o direito a uma vida sem violências. A luta contínua por direitos torna pujante a organização das mulheres. E é no feminismo, compreendido – sob uma ótica geral – como um movimento social e político de enfrentamento ao patriarcado, base estrutural da sociedade, que as mulheres se organizam para lutar por direitos.

Falar de feminismo não é simplório, até porque não existe apenas um único feminismo, mas feminismos. A partir dessa compreensão, o feminismo deságua em várias especificidades das mulheres na sociedade, assim é com o feminismo camponês popular, feminismo negro, feminismo liberal e várias outras vertentes, como o feminismo comunitário, protagonizado por mulheres indígenas e que parte do princípio da construção de direitos coletivos e não individuais, a partir da comunidade, do seu local de identidade coletiva e ancestral.

Esperanza Tubac esteve no Brasil em julho de 2018, durante a VI Kuñangue Aty Guasu, Grande Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá, no MS.

O feminismo comunitário teve origem na Bolívia na década de 90, conta com forte componente indígena e tem se ramificado por outros países da América Latina, como a Guatemala. Em entrevista à FIAN Brasil, a integrante da AGIMS – Associação Grupo Integral de Mulheres Sanjuaneras e do Setor de Mulheres da Guatemala, a indígena maia Esperanza Tubac, falou sobre o conceito de feminismo comunitário, a importância da organização das mulheres indígenas e as conquistas e desafios desde a abordagem feminista.

Definido como uma nova e importante abordagem, o feminismo comunitário tem como pressuposto tudo aquilo que permeia a vida das mulheres – natureza, medicina ancestral, cosmovisão e faz um importante paralelo entre as violações que afetam os territórios indígenas e as violações que afetam o (território) corpo das mulheres .

“Parte de tudo o que temos em nossas comunidades, desde o cotidiano, como também enfrentar essa violência que não é apenas do meu corpo-território como também do território, terra, que é a luta contra todas as empresas neoliberais que chegam em nossos povos para nos retirar de nossas terras”, destaca Esperanza.

Outro elemento importante do feminismo comunitário territorial é a cura das mulheres afetadas por violações como um elemento importante para exercer a vida política e para viver em plenitude.

A AGIMS, localizada no município de San Juan Sacatepéquez, é uma associação formada por mulheres que busca construir um país justo e equitativo, com maiores oportunidades e uma vida digna para todas as mulheres, principalmente as indígenas. Segundo Esperanza, as mulheres da Associação se organizam desde 2001, mas só a partir de 2007 que começaram a saber sobre o feminismo, porém sobre uma perspectiva que denomina de “feminismo branco”.

“Não foi um processo fácil. Começamos primeiro a conhecer nossos direitos, foi um processo longo e a partir de 2007 começamos a saber do feminismo, mas do feminismo branco e começamos a fazer essa abordagem de que também as mulheres maias têm um feminismo ancestral comunitário. Então, a partir de 2007 começamos a dar as primeiras ideias do que pensamos, sentimos desde nosso ser de mulheres indígenas”.

Rompendo o silêncio

Mulheres indígenas em marcha contra a violência o dia 25 de novembro de 2018. Foto: Agims

O processo organizativo das mulheres indígenas, sob uma ótica feminista, trouxe diversas conquistas para as mulheres, a principal delas é romper com o silêncio, que acomete diversas mulheres que sofrem violências. “Temos alcançado que as mulheres indígenas rompam o silêncio e que denunciem a violência, a violência física, a violência psicológica e principalmente a violência sexual, que era um tabu que não se falava, que não se discutia e a partir do feminismo ancestral comunitário as mulheres começaram a falar sobre a violência sexual e isso é uma conquista para as mulheres maias”.

O machismo, racismo e a discriminação são apontados por Esperanza como uma das principais barreiras enfrentadas pelas mulheres indígenas.

“O preconceito é a principal barreira, dizem que nossas abordagens não são válidas, que estamos falando “loucuras”, mas não é assim, temos descoberto, por exemplo, que as mulheres agora denunciam. E isso para nós não é uma conquista importante se as instituições não respondem as demandas das mulheres indígenas, porque em meu país a justiça não é feita para os povos indígenas”.

 

Acesso à justiça

Segundo Esperanza, uma das maiores dificuldades das mulheres indígenas da Guatemala é o acesso à justiça em casos de violência. “Guatemala é um país multiétnico, pluricultural e multilingue, quero dizer que existem muitas línguas, e os órgãos estatais não contam com tradutores, então se torna muito difícil para as mulheres denunciarem a violência porque não as compreendem”.

 

“Quando rompem com a violência as mulheres têm mais tempo para fazer outras coisas, como mulheres que agora sabem ler e escrever”

 

Para Esperanza Tubac, a violência interfere no direito à alimentação das mulheres. “As mulheres têm o direito à alimentação afetado, principalmente porque existe muita pobreza em nosso país. Então, o que fazemos enquanto organização é promover projetos produtivos como por exemplo, roças familiares, essas roças nos ajudam a assegurar uma alimentação própria e saudável, através de organizações que nos apoiam. Se uma mulher denuncia violência oferecemos todas as condições para que ela construa sua própria autonomia, porque muitas mulheres não denunciam porque pensam ‘quem agora vai me dar dinheiro para manter a casa’. Existem muitos casos de mulheres que conseguiram sua própria autonomia, mulheres que haviam renunciado a escola e agora voltaram. Quando rompem com a violência as mulheres têm mais tempo para fazer outras coisas, como mulheres que agora sabem ler e escrever.”

De acordo com a publicação “El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo 2017”, da FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, “existem provas convincentes de que a melhoria da educação das mulheres e a sua situação nas suas casas e comunidades têm impactos positivos diretos na nutrição e segurança alimentar, particularmente na nutrição infantil”.

Segurança alimentar e nutricional

A violência, a dificuldade no acesso à justiça, o racismo e preconceito são algumas das dificuldade enfrentadas pelas mulheres indígenas da Guatemala, mas também de outras partes do mundo. Essas questões estão no escopo da desigualdade de gênero do sistema social, fincado no patriarcado.

Quando se relaciona violência e Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, ressalta-se que o DHANA, a partir de uma perspectiva de direitos humanos das mulheres, enfrenta a questão da desigualdade de gênero em todas as escalas e dimensões de realização social, econômica e cultural do Direito à Alimentação.

“Mais do que o direito da mulher de “não sofrer de fome” ou ter “segurança alimentar e nutricional”, o DHANA implica desfrutar de uma vida digna, na qual a comida não está sujeita a qualquer ameaça ou restrição e desenvolve-se respeitando as decisões autônomas das comunidades ou das mulheres em torno de como controlar seu processo alimentar; isto é, o que produzem, como as trocam, como transformam alimentos, como são consumidos, como os ciclos alimentares são recriados e como tudo isso se desenvolve em harmonia com as culturas, a natureza e os direitos das gerações futuras”, aponta trecho da publicação da FIAN Colômbia sobre Direito à Alimentação e Nutrição Adequadas das Mulheres. Para saber mais sobre o tema, acesse AQUI.

 

Por Valéria Burity e Flávia Quirino