CNDH se posiciona contra criminalização de movimentos sociais

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprovou na última sexta-feira (10) uma nota pública em que repudia a criminalização dos movimentos sociais e de militantes, que tem crescido nos últimos anos e que hoje atinge níveis ameaçadores para a nossa recente democracia.

No documento, o Conselho faz menção à prisão da militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Fabiana Braga, de 22 anos, presa desde 4 de novembro de 2016 acusada exclusivamente por ter participado de manifestações no dia 8 de março daquele ano, Dia Internacional da Mulher.

Confira a nota na íntegra abaixo ou aqui:

NOTA PÚBLICA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, órgão de Estado instituído pela Lei nº 12.986/2014, vem a público manifestar seu repúdio com relação à criminalização dos movimentos sociais e de militantes, que tem crescido nos últimos anos e que hoje atinge níveis ameaçadores para a nossa recente democracia.

A luta social surge e se desenvolve onde o Estado não cumpre com sua obrigação constitucional de garantir direitos sociais através de políticas públicas adequadas – neste contexto as comunidades populares e categorias de trabalhadoras e trabalhadores se organizam e realizam ações coletivas para denunciar esta situação e reivindicar direitos estabelecidos e negados.

A resposta dada pelo Estado brasileiro, de maneira recorrente, é a de negar o diálogo com os movimentos sociais que protagonizam as ações reivindicatórias e, com rigidez e violência crescentes, tratar os grupos populares como criminosos, por meio da repressão policial e da prisão de seus militantes.

Para tentar dar respaldo legal a tais atos de violência institucional, policiais, promotores e juízes lançam mão da Lei nº 12.850/2013, buscando enquadrar movimentos sociais legítimos e pacíficos como “organização criminosa”, sendo evidente a ausência de qualquer cometimento de crime.

Agrava esse contexto a possibilidade de cumprimento da pena de prisão após decisão de segundo grau no Judiciário, pois esta interpretação acaba alcançando em primeiro lugar as pessoas mais pobres, negras e as/os representantes de movimentos sociais.

Esta hipertrofia da face policial do Estado brasileiro tem resultado em prisões de dezenas de militantes populares em todo o país, além de perseguição sistemática de outras dezenas, pessoas cujos únicos “crimes” são a busca de melhores condições de vida para suas comunidades e a garantia de seus direitos constitucionais.

Como exemplo e símbolo desta situação de injustiça denunciamos a prisão da jovem Fabiana Braga, de 22 anos, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Sua comunidade é constituída por 3.000 famílias acampadas na região de Quedas do Iguaçu (PR) que reivindicam a destinação, para a Reforma Agrária, de imóveis sob acusação de serem griladas pela Empresa Araupel Sociedade Anônima. Em novembro de 2016 foi deflagrada a “Operação Castra” com o objetivo de prender diversos militantes sob a acusação de constituírem e integrarem uma “organização criminosa”. Fabiana está presa desde 4 de novembro de 2016, acusada exclusivamente por ter participado de manifestações no dia 8 de março daquele ano, Dia Internacional da Mulher.

A grave situação exposta está inserida no contexto amplo de acirrada crise econômica, social e política e de fragilidade das instituições democráticas brasileiras. Neste cenário, assistimos também com preocupação os episódios de criminalização de estudantes que protagonizaram recentemente ocupações de escolas em luta por educação de qualidade.
Somam-se a esse cenário as perseguições sofridas por manifestantes que lutam legitimamente contra a agenda de redução de direitos. Tais casos de criminalização institucional têm sido recorrentes, atingindo ainda advogadas/os, sindicalistas, comunicadoras/es e defensoras/es de direitos humanos.

Assim, ao criminalizar os movimentos sociais, o Estado brasileiro viola o direito à liberdade de expressão, à livre manifestação e associação, dentre outros direitos essenciais e, mais que isso, atenta contra a própria democracia.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) reafirma – e vem alertar a sociedade brasileira – que tais procedimentos judiciais, que resultam em prisões, perseguições e mais sofrimento para os setores populares, devem ser substituídos por diálogo com os movimentos sociais e por efetivas políticas públicas por parte do Estado.

Brasília-DF, 10 de março de 2017.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH

Democracia já tem quase 2 mil assassinatos políticos no campo

Dados da CPT mostram que, desde 1985, 1.833 camponeses e lideranças pela reforma agrária morreram em conflitos; latifúndio cresceu 375%

O ano de 2016 deixou uma marca de retrocessos pelo país. No campo a situação não foi diferente: o número de assassinatos causados por conflitos de terra retroagiu 13 anos. Com 60 mortes, 20% a mais que o ano anterior, 2016 tornou-se o ano mais violento no campo desde 2003, quando 71 pessoas foram assassinadas por lutarem pela reforma agrária e por seus territórios tradicionais, de acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil em 2016, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Como nos anos anteriores, a violência se concentrou nas bordas da Amazônia. Dos 60 assassinatos, 49 aconteceram na região. Rondônia disparou na frente como o estado mais violento, com 21 mortes. O Maranhão ficou em segundo lugar, com 13 assassinatos. Antigo líder, o Pará ficou em terceiro, com seis mortes. Tocantins somou três assassinatos; Amazonas, Alagoas e Mato Grosso, dois. Na sequência de regiões com mais conflitos agrários aparecem o Nordeste, o Centro-Oeste, o Sudeste e a região Sul.

Segundo o relatório, as disputas pela terra e pelos recursos hídricos são as principais causas da violência no campo. A intensificação dos conflitos está situada onde há expansão do agronegócio, mineração e grandes obras de infraestrutura.

Entre as vítimas estão indígenas, lideranças quilombolas, camponeses e sindicalistas. O levantamento da CPT destaca três casos emblemáticos: os assassinatos da ativista Nilce de Souza Magalhães, em Porto Velho (RO); do camponês Ivanildo Francisco da Silva, em Mogeiro (PB); e do indígena Clodiode Aquileu de Souza, em Caarapó (MS).

Nilce, que denunciava violações contra ribeirinhos na construção da usina de Jirau, em Porto Velho, foi assassinada em janeiro do ano passado. Foto:MAB/ Divulgação
Nilce, que denunciava violações contra ribeirinhos na construção da usina de Jirau, em Porto Velho, foi assassinada em janeiro do ano passado. Foto: MAB/ Divulgação

O assassinato de Nilce, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi o caso mais impactante. Nilce, que era conhecida por sua liderança na militância contra as violações atribuídas à construção da usina hidrelétrica de Jirau, desapareceu no dia 7 de janeiro de 2016. Cinco meses depois, em meados de junho, seu corpo foi encontrado com as mãos e pés amarrados e preso a pedras no fundo do lago da barragem da usina, a apenas 400 metros de distância do acampamento de pescadores onde morava, em Mutum. As duas filhas de Nilce reconheceram o relógio e as roupas da mãe.

“É fácil de entender se olhamos o mapa do desmatamento da Amazônia Legal: Rondônia está em áreas de expansão, que velozmente avançam para ingressar em outros espaços”

Outro assassinato impiedoso com repercussão nacional aconteceu no agreste paraibano – de importância histórica para as lutas camponesas no Brasil. Ivanildo Francisco da Silva, de 46 anos, do assentamento Padre João Maria, foi assassinado no dia 7 de abril, com um tiro de espingarda calibre 12, na cabeça, dentro de casa, na zona rural do município de Mogeiro. Ele estava ao lado da filha de 1 ano. O corpo foi encontrado somente na manhã do dia seguinte, pela mulher. A criança estava ao lado do cadáver, chorando e suja de sangue. Em 2015, Ivanildo e outros assentados já tinham sido vítimas de pistolagem paga pelos proprietários de terra da região. Na época, sete pistoleiros foram presos, mas liberados após pagamento de fiança.

Em junho, o assassinato do jovem Guarani Kaiowá Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, próximo do município de Caarapó, no interior do Mato Grosso do Sul, inflamou a disputa entre indígenas e fazendeiros na região. Os Kaiowá ocuparam a reserva Tey’ikue, onde fica a fazenda Yvu, para reivindicar suas terras ancestrais, identificadas e delimitadas em estudo publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), quando foram cercados por 70 fazendeiros encapuzados e armados que abriram fogo com munições letais – de acordo com o hospital e testemunhas oculares. O jovem agente de saúde morreu, e outros cinco indígenas, entre eles uma criança, ficaram feridos.

Os métodos dos fazendeiros para intimidarem as comunidades indígenas na região não se restringem à pistolagem. Em julho, a 1ª Vara Federal de Dourados concedeu uma liminar em favor da comunidade indígena local, proibindo as fazendas do entorno de pulverizar agrotóxicos, por aviões e outros meios, a menos de 50 metros das reservas. O caso se arrastava desde 2008, quando indígenas ganharam na Justiça o direito de ocupar área da reserva legal de dois imóveis rurais e viram os fazendeiros substituírem os tratores pelos aviões para pulverizarem suas plantações de soja e arroz.

OS PRINCIPAIS FATORES DA VIOLÊNCIA NO CAMPO

Entre 1964 e 2016, o número total de assassinatos no campo foi de 2.507 homens e mulheres pelas regiões do Brasil, segundo os dados da Comissão Pastoral da Terra, que recolhe os dados sistematicamente desde 1984, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reuniu dados anteriores a 1986. No decorrer deste período um dos picos mais violentos ocorreu na década de 1980, quando o país se reencontrou com a democracia. A década foi marcada pela fundação do MST e pelo aumento das mobilizações sociais e lutas para democratizar a terra.

Depois da restauração do poder civil, entre 1985 e 2016, a CPT registrou 1.833 assassinatos no campo. Em outras palavras, houve três vezes mais registros de mortes derivadas de conflitos no campo no período democrático do que nos anos anteriores à redemocratização. Isso não significa que ocorreram mais mortes no período democrático, pois antes os registros eram mais precários – mas mostra a relevância dos conflitos desde 1985.

Indígena mostra cartuchos recolhidos após ataque de fazendeiros. FotoRuy Sposati/ Cimi/ Divulgação
Indígena mostra cartuchos recolhidos após ataque de fazendeiros. Foto Ruy Sposati/ Cimi/ Divulgação

Nos anos 1990 o número de mortes diminuiu. Em 2000, foram registrados 21 assassinatos. Como explicar, então, que eles tenham duplicado em 2015 (50 mortes) e triplicado em 2016?

Para Thiago Valentim, da coordenação nacional da CPT, há três fatores principais para o aumento dos conflitos. Primeiro: a impunidade, mas aquela “relativa aos conflitos no campo, porque nosso sistema prisional é um dos que mais prendem”, enfatiza. Segundo: sucateamento dos órgãos e falta de política do Estado voltada para a democratização da terra. Valentim lembra que nos últimos anos houve pouco investimento na reforma agrária, “chegando ao ponto de ter anos em que o governo não desapropriou nenhuma terra”.

Por isso, conclui o coordenador, os conflitos aumentam porque existem comunidades em luta e, quando os governos não agem, “os movimentos é que batem de frente com o latifúndio”. O terceiro fator identificado por Valentim é a expansão do agronegócio, “o avanço de grandes corporações econômicas no campo e grandes obras de infraestrutura”, que visam o território de comunidades tradicionais pela riqueza que ele tem.

“Na região já mataram quatro trabalhadores e até agora não foi concluída nenhuma investigação. Os autores dos homicídios são policiais civis e militares que atuam na região”

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber César Buzatto, vê como a principal causa da violência contra indígenas a lentidão e a paralisação dos procedimentos administrativos de demarcação das terras: “Esse fator contribui muito para o aumento da tensão e dos conflitos entre os povos. Outro aspecto é uma maior organização e atuação mais articulada, sistemática e violenta do agronegócio no ataque aos direitos dos povos. A atuação da bancada ruralista nos últimos anos tem sido intensa com instrumentos legislativos contra os direitos indígenas, como a PEC 215 – projeto de autoria do deputado Almir Moraes de Sá, do PR, de Roraima, que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Muitos deputados têm feito discurso de ódio e incitação à violência contra comunidades tradicionais e organizações de apoio e isso tem insuflado a ação armada contra lideranças indígenas e seus apoiadores”, ressalta Buzatto.

Nas contas do secretário executivo do Cimi, entre 2015 e 2016 houve mais de 30 ataques armados de paramilitares e jagunços, comandados por fazendeiros.

Segundo João Peres, autor do livro Corumbiara: caso enterrado (editora Elefante), sobre o massacre de camponeses na fazenda Santa Elina, em 1995, não é de hoje que Rondônia figura entre os estados mais violentos. “As mortes têm duas causas: ação e omissão do Estado. Na ação, a criação das duas hidrelétricas-irmãs, Jirau e Santo Antônio, que incentivou o desmatamento, abrindo espaço para a formação de condomínios de desmate nos quais o Estado tem dificuldade e até teme adentrar”, considera. “Ainda é possível destacar a especulação fundiária, estimulada pela possibilidade de asfaltamento da BR 319, exatamente onde algumas lideranças emblemáticas foram mortas”.

Peres destaca que os assassinatos ocorrem exatamente onde há intensa exploração madeireira e pouca fiscalização: “É fácil de entender se olhamos o mapa do desmatamento da Amazônia Legal: Rondônia está em áreas de expansão, que velozmente avançam para ingressar em outros espaços. É assim que foram mortas pessoas no Vale do Jamari, que parece ter substituído neste século o Cone Sul rondoniense como área mais perigosa do estado. A apuração insatisfatória alimenta a violência contra os movimentos. Como são os donos da terra que comandam as estruturas institucionais, é evidente que o Estado não atuará em favor da resolução dos casos, pelo contrário, trabalhará para que restem impunes”.

O autor lembra que Rondônia atraiu, na ditadura, latifundiários e sem-terra e essa mistura “segue sendo explosiva”, mesmo após cinco décadas do boom migratório.

PRISÕES E PERSEGUIÇÕES

A violência no campo em 2016 não começou nem terminou nesse ano. Perseguições políticas e prisões arbitrárias lembram a ditadura de 1964 – que volta a ser evocada no presente. Em novembro de 2016, em ação da Policia Civil do Paraná batizada de “Operação Castra”, oito integrantes do MST foram presos na região de Quedas do Iguaçu. Acusados de fazerem parte de uma organização criminosa e “extorquir assentados”, os camponeses foram presos e continuam encarcerados.

Segundo Geani Paula, coordenadora do movimento no Paraná, as razões expostas no decreto de prisão “são acusações sem lastro na realidade”. A região é marcada por conflitos desde 2014, quando aproximadamente 3 mil famílias ocuparam terras pertencentes à empresa Araupel. As áreas foram caracterizadas como griladas e declaradas, pela Justiça Federal, terras públicas pertencentes à União, que deveria destiná-las à reforma agrária.

“Na região já mataram quatro trabalhadores e até agora não foi concluída nenhuma investigação. Os autores dos homicídios são policiais civis e militares que atuam na região”, lamentou Paula.

CONCENTRAÇÃO E FALTA DE DEMOCRATIZAÇÃO DAS TERRAS

A democratização das urnas não chegou com a mesma velocidade no campo. Segundo o relatório Terrenos da Desigualdade – Terra, agricultura e as desigualdades no Brasil rural, elaborado pela Oxfam Brasil, organização ligada à Universidade de Oxford e presente em 94 países, a concentração fundiária é o principal motivo para a violência no campo. Atualmente, menos de 1% dos grandes proprietários concentram 45% de toda a área rural – enquanto pequenos proprietários, com menos de 10 hectares, ocupam menos de 2,3% da área rural.

O relatório, publicado em janeiro deste ano pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp), reforça o problema do aumento da concentração de terras no Brasil. De acordo com o estudo, as áreas ocupadas por latifúndios cresceram 375% nos últimos 30 anos. A pesquisa calcula o crescimento de propriedades com mais de 100 mil hectares desde 1985.

Para os pesquisadores, a reforma agrária segue um ritmo mais lento do que a expansão do agronegócio, que vem ampliando seu território com grilagem e estrangeirização de terras. A pesquisa aponta pelo menos 23 países donos de terras em território nacional, destacando-se Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França e Argentina. “Os principais investimentos são em commodities: soja, milho, canola, colza, sorgo, cana de açúcar e monocultura de árvores, além da produção de sementes transgênicas”, detalha o relatório.

NOVAS FRONTEIRAS AGRÍCOLAS, NOVOS CONFLITOS

Os conflitos incendeiam-se mais na região Norte, segundo Thiago Valentim, da CPT, porque “o avanço do capital ali é maior” e por ser uma área muito rica, onde as empresas compram grandes lotes de terras”. Ele alerta para outra área cobiçada que explica o aumento dos conflitos no Nordeste: o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Valentim considera a região um exemplo nítido do ataque contra as comunidades tradicionais, que antes avançava no Norte e agora se expande também de maneira mais articulada em outras regiões do país. O relatório da CPT registrou dezenas de casos de violência no Matopiba, como pistolagem, destruição de lavouras e casas, expulsões, despejos, ameaças de despejos e obstrução do acesso à água.

TERRA MANCHADA DE SANGUE

Mais de 2,5 mil homens e mulheres foram mortos entre 1964 e 2016 em todas as regiões do Brasil, de acordo com levantamentos da Comissão Pastoral da Terra e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A década de 1980, período de redemocratização do país, coincide com o acirramento da violência no campo, com execuções de lideranças a mando de fazendeiros, mineradoras e grandes corporações. Apesar de eventuais indiciamentos de pistoleiros, os mandantes raramente foram alcançados pela Justiça.

Em 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores rurais sem-terra foram mortos pela Polícia Militar no episódio que ficou mundialmente conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no sudeste do Pará. Os trabalhadores do MST faziam uma caminhada até a cidade de Belém, quando foram impedidos pela polícia de prosseguir. Mais de 150 policiais – armados de fuzis, com munições reais e sem identificação nas fardas – foram destacados para interromper a caminhada, o que levou a uma ação repressiva extremamente violenta. Duas décadas depois, dois comandantes da operação foram condenados, o coronel Mario Colares Pantoja, a 258 anos, e o major José Maria Pereira de Oliveira, a 158 anos, que estão presos desde 2012. As evidências de participação da Vale do Rio Doce, uma estatal à época, no transporte das tropas desde Paraupebas e Marabá, em ônibus da empresa Transbrasiliana nunca foi investigada. “O gerente da Transbrasiliana que recebeu a ordem – e o dinheiro – se chama Gumercindo de Castro. O funcionário da Vale que contratou os serviços se chama James. Como explicar que uma empresa estatal contrate uma empresa particular para transportar tropas da PM que iriam desfazer uma manifestação pública?”, questiona Eric Nepomuceno, autor do livro O Massacre: Eldorado dos Carajás: Uma história de impunidade (Ed. Planeta).

Foto: Memorial Chico Mendes/Divulgação

O líder seringueiro Francisco Alves Mendes Filho, Chico Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Acre, foi assassinado aos 44 anos, no dia 22 de dezembro de 1988, em Xapuri, com tiros de escopeta, por Darci Alves a mando do pai, o fazendeiro Darli Alves. Ambos foram condenados, em 1990, a 19 anos de detenção, mas fugiram da prisão em 1993, tendo sido recapturados três anos depois. Foram beneficiados com progressões para regimes domiciliar e semiaberto.

Foto: CPT/Divulgação

A missionária norte-americana Dorothy Mae Stang, ativista dos direitos socioambientais e defensora de um projetode sustentabilidade para a Amazônia, foi assassinada aos 73 anos, em 12 de fevereiro de 2005, no interior de Anapu, nas margens da Transamazônica, no Pará. A religiosa naturalizada brasileira vivia na região desde a década de 1970 e pressionou pela criação da reserva Esperança, projeto do Incra, onde foi emboscada por pistoleiros. Dois mandantes do crime, Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão, estão em liberdade. Clodoaldo Batista e Rayfran das Neves Sales, que executaram o crime, foram condenados a 18 anos e 27 anos de prisão, respectivamente.

Foto: Greenpeace/Felipe Milanez

O casal de agricultores José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foi executado na manhã de 24 de maio de 2011, em Nova Ipixuna, sudeste do Pará. No dia 6 de dezembro de 2016, a Tribunal do Juri de Belém condenou a 60 anos o fazendeiro José Rodrigues Moreira, que encomendou as execuções. Zé Cláudio e Maria eram ambientalistas e extrativistas, e denunciavam grilagem de terras, desmatamento ilegal no interior do assentamento agroextrativista da localidade.

 

 

Por Cauê Seigner Ameni – De Olho nos Ruralistas – para o ExtraClasse

Fonte: De Olho nos Ruralistas

 

Desemprego e informalidade afeta mulheres na América Latina e no Caribe

A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho dos países da América Latina e do Caribe continuou aumentando no último ano, mesmo diante da crise econômica, afirmou em artigo diretor regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No entanto, ele lembrou que a taxa de participação feminina na força de trabalho da região (49,7%) permanece muito baixa frente ao percentual de participação dos homens (74,6%).

il

A incorporação das mulheres ao mercado de trabalho na América Latina e no Caribe apresentou uma tendência constante e positiva durante as últimas décadas. Mas, em 2017, em tempos de aumento do desemprego e da informalidade, novamente surge a necessidade de insistir na igualdade de gênero para criar mais e melhores empregos para as 225 milhões de mulheres em idade de trabalhar que vivem na região.

Quase metade dessas mulheres (126 milhões ) já fazem parte da força de trabalho, o que é um êxito importantíssimo alcançado ao longo de muitos anos. Porém, novamente é importante ressaltar que não podemos baixar a guarda. Durante o último ano — quando a região foi afetada por uma onda de crescimento lento, ou em alguns casos de franca contração econômica, o que impactou de frente o mercado de trabalho, produzindo uma abrupta alta do desemprego e também a deterioração de alguns indicadores da qualidade do emprego — foi evidente que a situação afetava em maior medida as mulheres.

A taxa de desocupação média regional das mulheres subiu a níveis que não se via há mais de uma década na América Latina e no Caribe, 9,8%, isto é, à beira dos dois dígitos. Se forem mantidos os prognósticos de falta de dinamismo econômico este ano, a taxa média poderá ultrapassar os 10% este ano. Essa taxa de desemprego subiu 1,6% acima da variação dos homens, que foi de 1,3%. Das 5 milhões de pessoas que se incorporaram às fileiras do desemprego, 2,3 milhões eram mulheres. Isso significa que há cerca de 12 milhões de mulheres buscando emprego de forma ativa, mas não encontram.

A participação das mulheres na força de trabalho continuou aumentando durante o último ano. Em nível nacional (rural mais urbano) a taxa de participação das mulheres subiu de 49,3% para 49,7%. Isto é sempre uma boa notícia. Mas mesmo assim continua muito abaixo da dos homens, de 74,6%. A contrapartida negativa foi que a taxa de ocupação das mulheres, que mede o nível de demanda por mão de obra, diminuiu de 45,2% para 44,9%. A dos homens também sofreu uma baixa parecida, embora seja bem mais elevada, de 69,3%.

O último informe Panorama Laboral da América Latina e do Caribe , elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), também destaca que a menor atividade econômica se refletiu em tendências à queda do número de trabalhadores assalariados, aumento dos empregos por conta própria, redução nos salários formais, que fazem parte dos sinais de um aumento da informalidade — cujas estimativas recentes disponíveis indicam que quase metade da força de trabalho feminina está nessas condições, que habitualmente implicam instabilidade trabalhista, baixa renda e falta de proteção e de direitos.

Ao longo dos últimos anos foram identificadas algumas características a serem consideradas na análise da participação trabalhista das mulheres. Como, por exemplo, a de que cerca de 70% atuam nos setores de serviços e comércio, em que as condições precárias aparecem com facilidade, incluindo a carência de contratos. Além disso, cerca de 17 milhões de mulheres realizam trabalho doméstico, representando mais de 90% das pessoas dedicadas a essa atividade. Nessa ocupação, os níveis de informalidade continuam sendo muito elevados, em torno de 70%.

Essa descrição das características da inserção trabalhista das mulheres no mercado não estaria completa sem se destacar um aspecto importante que surgiu em um informe regional intitulado Trabalho Decente e Igualdade de Gênero , realizado por várias agências das Nações Unidas e apresentado em 2013: nessa região, 53,7% das mulheres trabalhadoras têm mais de dez anos de educação formal, em contraste com apenas 40,4% dos homens. Por outro lado, 22,8% das mulheres na força de trabalho contam com educação universitária (completa e incompleta), acima dos 16,2% dos homens.

Porém, isso não impede que haja uma brecha salarial importante. Um informe, de 2016, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), alertava que, segundo os dados disponíveis,as mulheres recebiam 83,9% do que ganhavam os homens em empregos similares . A brecha é maior no caso de níveis educacionais maiores. Todas estas estatísticas são um chamado à ação.

Esse tema já é parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) traçados para todos os países na Agenda 2030, em particular no de número 5: “Conseguir a igualdade entre os gêneros e empoderar todas as mulheres e meninas”, e é essencial para o objetivo número 8, sobre crescimento econômico e trabalho decente. Para a OIT, a igualdade de gênero é um objetivo transversal presente em todas as suas atividades.

Estamos diante de um desafio estrutural que implica mudanças econômicas, sociais e, como sabemos, também culturais. É necessário que tanto os governos como os atores sociais mantenham como prioridade essencial promover maior igualdade entre mulheres e homens. É preciso buscar fórmulas para melhorar a produtividade das mulheres, impulsionando sua participação em setores mais dinâmicos de produtividade média e alta, e ao mesmo tempo identificar as causas da segregação.

Para continuar avançando na igualdade no trabalho é preciso recorrer a uma combinação de ações que tenham em vista a igualdade de gênero, incluindo, entre outras: políticas ativas de emprego; redes de infraestrutura de cuidado e novas políticas para o cuidado das crianças e pessoas dependentes; estratégias para promover a divisão de responsabilidades familiares; promoção das empreendedoras; aumento na cobertura da seguridade social, e uma ação decidida para prevenir e combater a violência contra as mulheres, incluída a violência nos locais de trabalho.

A igualdade no emprego foi um desafio enfrentado no passado, continua vigente, e é um dos desafios mais importantes para se conseguir um futuro melhor do trabalho na região.

Por José Manuel Salazar-Xirinachs, diretor regional da OIT para a América Latina e o Caribe

Fonte: ONU Brasil