Em missão no país, Baskut Tuncak também alertou para resíduos da mineração e criminalização da luta popular
O ritmo de liberação de agrotóxicos no Brasil chamou a atenção do relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a área de “Implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos”, Baskut Tuncak. Ao encerrar uma missão oficial após 11 dias no país, ele criticou, nesta sexta-feira (13), a liberação de novos pesticidas pelo governo Bolsonaro. Em menos de um ano de mandato, a gestão autorizou mais de 400 produtos a circularem no mercado nacional.
“O Brasil está em um caminho íngreme de regressão rumo a um futuro
muito tóxico. As ações ou falta de ação do governo liberaram uma onda
catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que
vão envenenar as gerações futuras, caso ações urgentes não sejam
adotadas”, afirmou o emissário, ressaltando a necessidade de o país
abraçar uma política de desenvolvimento sustentável.
Esse é um dos pontos de realce de um relatório preliminar apresentado por Tuncak nesta sexta em Brasília (DF). O emissário reforça que o país adota “dezenas de agrotóxicos que foram proibidos em mercados internacionais”.
Como consequência da expansão do uso de pesticidas, a área da saúde
também fica comprometida, lembra Tuncak. O emissário pontuou que o
cenário se traduz em mortes prematuras causadas por poluição tóxica,
liberação de esgoto não tratado, contaminação de alimentos, violação de
territórios de comunidades que são invadidas por pulverização de
agrotóxicos no solo e no ar, crianças com doenças traumáticas
ocasionadas por envenenamento, males congênitos, problemas respiratórios
e neurológicos e outros problemas que resultam de “graves violações do
direito à vida”.
“Pediatras descrevem a exposição infantil a agrotóxicos, por exemplo,
como uma pandemia silenciosa”, afirmou o relator da ONU, ao mencionar
que as violações atingem indígenas, mulheres e crianças.
O cenário de violência e a impunidade diante de crimes praticados
pelo agronegócio, por madeireiros e outros atores que influenciam o jogo
de forças no campo também são motivos de preocupação da ONU.
Tuncak resgatou o caso do trabalhador rural Zé Maria do Tomé, assassinado no Ceará em 2010 por lutar contra a pulverização aérea de agrotóxicos. “Ele foi brutalmente assassinado, tendo sido baleado de 20 a 25 vezes. Permanece a profunda suspeita de que a ordem do seu assassinato veio de um poderoso fazendeiro do agronegócio e o processo judicial, inconclusivo, nunca encontrou ou prendeu o culpado”, disse, lembrando também o alto índice de assassinatos de indígenas no Brasil.
Barragens
A atividade predatória de grandes mineradoras também chamou a atenção do relator, que esteve em Minas Gerais para averiguar dados relativos ao rompimento das barragens da Vale nas cidades de Mariana, em 2015, e Brumadinho, no início deste ano.
Ele lembrou que o primeiro caso registrou 18 mortes e impactou a vida
de mais de 3 milhões de pessoas, enquanto o segundo resultou em quase
300 mortes. “Isso é uma tragédia horrível. As vítimas não são apenas os
que morrem. Toda a comunidade foi vitimada. Nunca presenciei tamanho
trauma como o que aquela comunidade vive”, disse, ao citar sobreviventes
com estresse físico e mental pós-traumático, ocorrências de suicídio,
entre outros males.
O relator declarou ainda que o caso de Brumadinho “deve ser
investigado como crime” e que muito do que se deu no desastre “era
previsível” porque funcionários da Vale tinham conhecimento prévio das
“ameaças apresentadas pela barragem”.
Tuncak criticou as penalidades aplicadas no país para crimes
ambientais, afirmando que “há multas de menos de R$ 5 mil por hectare”.
Ele mencionou que há “senso de impunidade” no país. “No caso de Mariana,
as ações criminais foram dispensadas”, exemplificou.
O emissário criticou ainda o que chamou de “posturas defensivas” das
empresas envolvidas nos dois rompimentos que houve em Minas Gerais e
acrescentou que elas fizeram “alegações infundadas e injustificáveis de
que a lama não seria tóxica”.
Tuncak também disse que os governos brasileiros são reféns de
informações produzidas pelas próprias mineradoras e que tais dados
padecem de confiabilidade: “Os esforços estatais ainda são insuficientes
e o país tem muitas barragens consideradas de alto risco. Aflige a
possibilidade de que este [de Brumadinho] não seja o último rompimento
de barragem no Brasil”.
Vazamento de óleo
O derramamento de óleo que atinge a costa do país também é lembrado no relatório preliminar da missão da ONU. O relator contou que ouviu queixas de comunidades litorâneas sobre “falta de fluxos de informações” com o governo e sentiu o receio dos moradores com relação ao consumo de peixes por pescadores artesanais.
“Muitos afirmam que tiveram o acesso ao seguro-defeso negado e não
receberam apoio em seus esforços para limpar as praias. Também há
relatos de discriminação baseada em gênero, o que é preocupante, porque
não elegeram pescadores e algumas marisqueiras também”, disse, ao tratar
do direito ao benefício.
Criminalização
Tuncak ressaltou a criminalização da luta popular e de ativistas de
diferentes segmentos que atuam pela garantia de direitos e a preservação
do meio ambiente no país. Como exemplo, citou o caso dos brigadistas
presos em Alter do Chão (PA), em novembro, e disse que houve acusações
falsas e sem embasamento.
“Existe um padrão de desacreditar membros da sociedade civil através
de calúnia”, denunciou, acrescentando que se sente “profundamente aflito
com a segurança dos membros das comunidades e de pessoas que lutam pela
defesa dos seus direitos no Brasil”.
Roteiro
O relator da ONU estava em missão oficial no Brasil desde o último
dia 2. Entre outras agendas pelo país, ele esteve na Câmara dos
Deputados para participar de uma audiência pública na Comissão de
Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Na ocasião, ouviu queixas, colheu
dados e informações de parlamentares, membros do sistema de Justiça e
organizações da sociedade civil sobre demandas relacionadas ao tema da
missão.
Em meio ao desmonte promovido pela gestão Bolsonaro na área
ambiental, os discursos ganharam tom de denúncia especialmente no que se
refere ao derramamento de óleo na costa brasileira, à política para
agrotóxicos e à criminalização de militantes.
Antes de produzir o relatório inicial, o emissário também se
encontrou com representantes de governos estaduais, empresas,
ministérios, pesquisadores, defensores públicos e procuradores da
República.
O roteiro de Baskut Tuncak envolveu não só a capital federal, mas
também visitas às cidades de Belo Horizonte (MG), Brumadinho (MG),
Imperatriz (MA), São Luís (MA) e Recife (PE). Ele se disse
impressionando com o empenho dos diferentes ativistas que atuam na
defesa dos direitos humanos, sociais, políticos e ambientais.
“Muito me emocionou conhecer a persistente luta da sociedade civil. É
para elevar essas pessoas que o sistema internacional de direitos
humanos existe, e a persistência delas deve ser reconhecida”, declarou.
As observações feitas por Tuncak nesta sexta farão parte de um relatório que será apresentado pelo emissário em setembro do ano que vem no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida