CNDH se posiciona contra criminalização de movimentos sociais

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos aprovou na última sexta-feira (10) uma nota pública em que repudia a criminalização dos movimentos sociais e de militantes, que tem crescido nos últimos anos e que hoje atinge níveis ameaçadores para a nossa recente democracia.

No documento, o Conselho faz menção à prisão da militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Fabiana Braga, de 22 anos, presa desde 4 de novembro de 2016 acusada exclusivamente por ter participado de manifestações no dia 8 de março daquele ano, Dia Internacional da Mulher.

Confira a nota na íntegra abaixo ou aqui:

NOTA PÚBLICA DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS CONTRA A CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, órgão de Estado instituído pela Lei nº 12.986/2014, vem a público manifestar seu repúdio com relação à criminalização dos movimentos sociais e de militantes, que tem crescido nos últimos anos e que hoje atinge níveis ameaçadores para a nossa recente democracia.

A luta social surge e se desenvolve onde o Estado não cumpre com sua obrigação constitucional de garantir direitos sociais através de políticas públicas adequadas – neste contexto as comunidades populares e categorias de trabalhadoras e trabalhadores se organizam e realizam ações coletivas para denunciar esta situação e reivindicar direitos estabelecidos e negados.

A resposta dada pelo Estado brasileiro, de maneira recorrente, é a de negar o diálogo com os movimentos sociais que protagonizam as ações reivindicatórias e, com rigidez e violência crescentes, tratar os grupos populares como criminosos, por meio da repressão policial e da prisão de seus militantes.

Para tentar dar respaldo legal a tais atos de violência institucional, policiais, promotores e juízes lançam mão da Lei nº 12.850/2013, buscando enquadrar movimentos sociais legítimos e pacíficos como “organização criminosa”, sendo evidente a ausência de qualquer cometimento de crime.

Agrava esse contexto a possibilidade de cumprimento da pena de prisão após decisão de segundo grau no Judiciário, pois esta interpretação acaba alcançando em primeiro lugar as pessoas mais pobres, negras e as/os representantes de movimentos sociais.

Esta hipertrofia da face policial do Estado brasileiro tem resultado em prisões de dezenas de militantes populares em todo o país, além de perseguição sistemática de outras dezenas, pessoas cujos únicos “crimes” são a busca de melhores condições de vida para suas comunidades e a garantia de seus direitos constitucionais.

Como exemplo e símbolo desta situação de injustiça denunciamos a prisão da jovem Fabiana Braga, de 22 anos, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Sua comunidade é constituída por 3.000 famílias acampadas na região de Quedas do Iguaçu (PR) que reivindicam a destinação, para a Reforma Agrária, de imóveis sob acusação de serem griladas pela Empresa Araupel Sociedade Anônima. Em novembro de 2016 foi deflagrada a “Operação Castra” com o objetivo de prender diversos militantes sob a acusação de constituírem e integrarem uma “organização criminosa”. Fabiana está presa desde 4 de novembro de 2016, acusada exclusivamente por ter participado de manifestações no dia 8 de março daquele ano, Dia Internacional da Mulher.

A grave situação exposta está inserida no contexto amplo de acirrada crise econômica, social e política e de fragilidade das instituições democráticas brasileiras. Neste cenário, assistimos também com preocupação os episódios de criminalização de estudantes que protagonizaram recentemente ocupações de escolas em luta por educação de qualidade.
Somam-se a esse cenário as perseguições sofridas por manifestantes que lutam legitimamente contra a agenda de redução de direitos. Tais casos de criminalização institucional têm sido recorrentes, atingindo ainda advogadas/os, sindicalistas, comunicadoras/es e defensoras/es de direitos humanos.

Assim, ao criminalizar os movimentos sociais, o Estado brasileiro viola o direito à liberdade de expressão, à livre manifestação e associação, dentre outros direitos essenciais e, mais que isso, atenta contra a própria democracia.

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) reafirma – e vem alertar a sociedade brasileira – que tais procedimentos judiciais, que resultam em prisões, perseguições e mais sofrimento para os setores populares, devem ser substituídos por diálogo com os movimentos sociais e por efetivas políticas públicas por parte do Estado.

Brasília-DF, 10 de março de 2017.
CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH

Democracia já tem quase 2 mil assassinatos políticos no campo

Dados da CPT mostram que, desde 1985, 1.833 camponeses e lideranças pela reforma agrária morreram em conflitos; latifúndio cresceu 375%

O ano de 2016 deixou uma marca de retrocessos pelo país. No campo a situação não foi diferente: o número de assassinatos causados por conflitos de terra retroagiu 13 anos. Com 60 mortes, 20% a mais que o ano anterior, 2016 tornou-se o ano mais violento no campo desde 2003, quando 71 pessoas foram assassinadas por lutarem pela reforma agrária e por seus territórios tradicionais, de acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil em 2016, da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Como nos anos anteriores, a violência se concentrou nas bordas da Amazônia. Dos 60 assassinatos, 49 aconteceram na região. Rondônia disparou na frente como o estado mais violento, com 21 mortes. O Maranhão ficou em segundo lugar, com 13 assassinatos. Antigo líder, o Pará ficou em terceiro, com seis mortes. Tocantins somou três assassinatos; Amazonas, Alagoas e Mato Grosso, dois. Na sequência de regiões com mais conflitos agrários aparecem o Nordeste, o Centro-Oeste, o Sudeste e a região Sul.

Segundo o relatório, as disputas pela terra e pelos recursos hídricos são as principais causas da violência no campo. A intensificação dos conflitos está situada onde há expansão do agronegócio, mineração e grandes obras de infraestrutura.

Entre as vítimas estão indígenas, lideranças quilombolas, camponeses e sindicalistas. O levantamento da CPT destaca três casos emblemáticos: os assassinatos da ativista Nilce de Souza Magalhães, em Porto Velho (RO); do camponês Ivanildo Francisco da Silva, em Mogeiro (PB); e do indígena Clodiode Aquileu de Souza, em Caarapó (MS).

Nilce, que denunciava violações contra ribeirinhos na construção da usina de Jirau, em Porto Velho, foi assassinada em janeiro do ano passado. Foto:MAB/ Divulgação
Nilce, que denunciava violações contra ribeirinhos na construção da usina de Jirau, em Porto Velho, foi assassinada em janeiro do ano passado. Foto: MAB/ Divulgação

O assassinato de Nilce, integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi o caso mais impactante. Nilce, que era conhecida por sua liderança na militância contra as violações atribuídas à construção da usina hidrelétrica de Jirau, desapareceu no dia 7 de janeiro de 2016. Cinco meses depois, em meados de junho, seu corpo foi encontrado com as mãos e pés amarrados e preso a pedras no fundo do lago da barragem da usina, a apenas 400 metros de distância do acampamento de pescadores onde morava, em Mutum. As duas filhas de Nilce reconheceram o relógio e as roupas da mãe.

“É fácil de entender se olhamos o mapa do desmatamento da Amazônia Legal: Rondônia está em áreas de expansão, que velozmente avançam para ingressar em outros espaços”

Outro assassinato impiedoso com repercussão nacional aconteceu no agreste paraibano – de importância histórica para as lutas camponesas no Brasil. Ivanildo Francisco da Silva, de 46 anos, do assentamento Padre João Maria, foi assassinado no dia 7 de abril, com um tiro de espingarda calibre 12, na cabeça, dentro de casa, na zona rural do município de Mogeiro. Ele estava ao lado da filha de 1 ano. O corpo foi encontrado somente na manhã do dia seguinte, pela mulher. A criança estava ao lado do cadáver, chorando e suja de sangue. Em 2015, Ivanildo e outros assentados já tinham sido vítimas de pistolagem paga pelos proprietários de terra da região. Na época, sete pistoleiros foram presos, mas liberados após pagamento de fiança.

Em junho, o assassinato do jovem Guarani Kaiowá Clodiode Aquileu Rodrigues de Souza, próximo do município de Caarapó, no interior do Mato Grosso do Sul, inflamou a disputa entre indígenas e fazendeiros na região. Os Kaiowá ocuparam a reserva Tey’ikue, onde fica a fazenda Yvu, para reivindicar suas terras ancestrais, identificadas e delimitadas em estudo publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), quando foram cercados por 70 fazendeiros encapuzados e armados que abriram fogo com munições letais – de acordo com o hospital e testemunhas oculares. O jovem agente de saúde morreu, e outros cinco indígenas, entre eles uma criança, ficaram feridos.

Os métodos dos fazendeiros para intimidarem as comunidades indígenas na região não se restringem à pistolagem. Em julho, a 1ª Vara Federal de Dourados concedeu uma liminar em favor da comunidade indígena local, proibindo as fazendas do entorno de pulverizar agrotóxicos, por aviões e outros meios, a menos de 50 metros das reservas. O caso se arrastava desde 2008, quando indígenas ganharam na Justiça o direito de ocupar área da reserva legal de dois imóveis rurais e viram os fazendeiros substituírem os tratores pelos aviões para pulverizarem suas plantações de soja e arroz.

OS PRINCIPAIS FATORES DA VIOLÊNCIA NO CAMPO

Entre 1964 e 2016, o número total de assassinatos no campo foi de 2.507 homens e mulheres pelas regiões do Brasil, segundo os dados da Comissão Pastoral da Terra, que recolhe os dados sistematicamente desde 1984, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que reuniu dados anteriores a 1986. No decorrer deste período um dos picos mais violentos ocorreu na década de 1980, quando o país se reencontrou com a democracia. A década foi marcada pela fundação do MST e pelo aumento das mobilizações sociais e lutas para democratizar a terra.

Depois da restauração do poder civil, entre 1985 e 2016, a CPT registrou 1.833 assassinatos no campo. Em outras palavras, houve três vezes mais registros de mortes derivadas de conflitos no campo no período democrático do que nos anos anteriores à redemocratização. Isso não significa que ocorreram mais mortes no período democrático, pois antes os registros eram mais precários – mas mostra a relevância dos conflitos desde 1985.

Indígena mostra cartuchos recolhidos após ataque de fazendeiros. FotoRuy Sposati/ Cimi/ Divulgação
Indígena mostra cartuchos recolhidos após ataque de fazendeiros. Foto Ruy Sposati/ Cimi/ Divulgação

Nos anos 1990 o número de mortes diminuiu. Em 2000, foram registrados 21 assassinatos. Como explicar, então, que eles tenham duplicado em 2015 (50 mortes) e triplicado em 2016?

Para Thiago Valentim, da coordenação nacional da CPT, há três fatores principais para o aumento dos conflitos. Primeiro: a impunidade, mas aquela “relativa aos conflitos no campo, porque nosso sistema prisional é um dos que mais prendem”, enfatiza. Segundo: sucateamento dos órgãos e falta de política do Estado voltada para a democratização da terra. Valentim lembra que nos últimos anos houve pouco investimento na reforma agrária, “chegando ao ponto de ter anos em que o governo não desapropriou nenhuma terra”.

Por isso, conclui o coordenador, os conflitos aumentam porque existem comunidades em luta e, quando os governos não agem, “os movimentos é que batem de frente com o latifúndio”. O terceiro fator identificado por Valentim é a expansão do agronegócio, “o avanço de grandes corporações econômicas no campo e grandes obras de infraestrutura”, que visam o território de comunidades tradicionais pela riqueza que ele tem.

“Na região já mataram quatro trabalhadores e até agora não foi concluída nenhuma investigação. Os autores dos homicídios são policiais civis e militares que atuam na região”

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber César Buzatto, vê como a principal causa da violência contra indígenas a lentidão e a paralisação dos procedimentos administrativos de demarcação das terras: “Esse fator contribui muito para o aumento da tensão e dos conflitos entre os povos. Outro aspecto é uma maior organização e atuação mais articulada, sistemática e violenta do agronegócio no ataque aos direitos dos povos. A atuação da bancada ruralista nos últimos anos tem sido intensa com instrumentos legislativos contra os direitos indígenas, como a PEC 215 – projeto de autoria do deputado Almir Moraes de Sá, do PR, de Roraima, que transfere do Executivo para o Legislativo a palavra final sobre a demarcação de terras indígenas. Muitos deputados têm feito discurso de ódio e incitação à violência contra comunidades tradicionais e organizações de apoio e isso tem insuflado a ação armada contra lideranças indígenas e seus apoiadores”, ressalta Buzatto.

Nas contas do secretário executivo do Cimi, entre 2015 e 2016 houve mais de 30 ataques armados de paramilitares e jagunços, comandados por fazendeiros.

Segundo João Peres, autor do livro Corumbiara: caso enterrado (editora Elefante), sobre o massacre de camponeses na fazenda Santa Elina, em 1995, não é de hoje que Rondônia figura entre os estados mais violentos. “As mortes têm duas causas: ação e omissão do Estado. Na ação, a criação das duas hidrelétricas-irmãs, Jirau e Santo Antônio, que incentivou o desmatamento, abrindo espaço para a formação de condomínios de desmate nos quais o Estado tem dificuldade e até teme adentrar”, considera. “Ainda é possível destacar a especulação fundiária, estimulada pela possibilidade de asfaltamento da BR 319, exatamente onde algumas lideranças emblemáticas foram mortas”.

Peres destaca que os assassinatos ocorrem exatamente onde há intensa exploração madeireira e pouca fiscalização: “É fácil de entender se olhamos o mapa do desmatamento da Amazônia Legal: Rondônia está em áreas de expansão, que velozmente avançam para ingressar em outros espaços. É assim que foram mortas pessoas no Vale do Jamari, que parece ter substituído neste século o Cone Sul rondoniense como área mais perigosa do estado. A apuração insatisfatória alimenta a violência contra os movimentos. Como são os donos da terra que comandam as estruturas institucionais, é evidente que o Estado não atuará em favor da resolução dos casos, pelo contrário, trabalhará para que restem impunes”.

O autor lembra que Rondônia atraiu, na ditadura, latifundiários e sem-terra e essa mistura “segue sendo explosiva”, mesmo após cinco décadas do boom migratório.

PRISÕES E PERSEGUIÇÕES

A violência no campo em 2016 não começou nem terminou nesse ano. Perseguições políticas e prisões arbitrárias lembram a ditadura de 1964 – que volta a ser evocada no presente. Em novembro de 2016, em ação da Policia Civil do Paraná batizada de “Operação Castra”, oito integrantes do MST foram presos na região de Quedas do Iguaçu. Acusados de fazerem parte de uma organização criminosa e “extorquir assentados”, os camponeses foram presos e continuam encarcerados.

Segundo Geani Paula, coordenadora do movimento no Paraná, as razões expostas no decreto de prisão “são acusações sem lastro na realidade”. A região é marcada por conflitos desde 2014, quando aproximadamente 3 mil famílias ocuparam terras pertencentes à empresa Araupel. As áreas foram caracterizadas como griladas e declaradas, pela Justiça Federal, terras públicas pertencentes à União, que deveria destiná-las à reforma agrária.

“Na região já mataram quatro trabalhadores e até agora não foi concluída nenhuma investigação. Os autores dos homicídios são policiais civis e militares que atuam na região”, lamentou Paula.

CONCENTRAÇÃO E FALTA DE DEMOCRATIZAÇÃO DAS TERRAS

A democratização das urnas não chegou com a mesma velocidade no campo. Segundo o relatório Terrenos da Desigualdade – Terra, agricultura e as desigualdades no Brasil rural, elaborado pela Oxfam Brasil, organização ligada à Universidade de Oxford e presente em 94 países, a concentração fundiária é o principal motivo para a violência no campo. Atualmente, menos de 1% dos grandes proprietários concentram 45% de toda a área rural – enquanto pequenos proprietários, com menos de 10 hectares, ocupam menos de 2,3% da área rural.

O relatório, publicado em janeiro deste ano pelo Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária (Nera), ligado à Universidade Estadual Paulista (Unesp), reforça o problema do aumento da concentração de terras no Brasil. De acordo com o estudo, as áreas ocupadas por latifúndios cresceram 375% nos últimos 30 anos. A pesquisa calcula o crescimento de propriedades com mais de 100 mil hectares desde 1985.

Para os pesquisadores, a reforma agrária segue um ritmo mais lento do que a expansão do agronegócio, que vem ampliando seu território com grilagem e estrangeirização de terras. A pesquisa aponta pelo menos 23 países donos de terras em território nacional, destacando-se Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França e Argentina. “Os principais investimentos são em commodities: soja, milho, canola, colza, sorgo, cana de açúcar e monocultura de árvores, além da produção de sementes transgênicas”, detalha o relatório.

NOVAS FRONTEIRAS AGRÍCOLAS, NOVOS CONFLITOS

Os conflitos incendeiam-se mais na região Norte, segundo Thiago Valentim, da CPT, porque “o avanço do capital ali é maior” e por ser uma área muito rica, onde as empresas compram grandes lotes de terras”. Ele alerta para outra área cobiçada que explica o aumento dos conflitos no Nordeste: o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).

Valentim considera a região um exemplo nítido do ataque contra as comunidades tradicionais, que antes avançava no Norte e agora se expande também de maneira mais articulada em outras regiões do país. O relatório da CPT registrou dezenas de casos de violência no Matopiba, como pistolagem, destruição de lavouras e casas, expulsões, despejos, ameaças de despejos e obstrução do acesso à água.

TERRA MANCHADA DE SANGUE

Mais de 2,5 mil homens e mulheres foram mortos entre 1964 e 2016 em todas as regiões do Brasil, de acordo com levantamentos da Comissão Pastoral da Terra e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A década de 1980, período de redemocratização do país, coincide com o acirramento da violência no campo, com execuções de lideranças a mando de fazendeiros, mineradoras e grandes corporações. Apesar de eventuais indiciamentos de pistoleiros, os mandantes raramente foram alcançados pela Justiça.

Em 17 de abril de 1996, 19 trabalhadores rurais sem-terra foram mortos pela Polícia Militar no episódio que ficou mundialmente conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido no sudeste do Pará. Os trabalhadores do MST faziam uma caminhada até a cidade de Belém, quando foram impedidos pela polícia de prosseguir. Mais de 150 policiais – armados de fuzis, com munições reais e sem identificação nas fardas – foram destacados para interromper a caminhada, o que levou a uma ação repressiva extremamente violenta. Duas décadas depois, dois comandantes da operação foram condenados, o coronel Mario Colares Pantoja, a 258 anos, e o major José Maria Pereira de Oliveira, a 158 anos, que estão presos desde 2012. As evidências de participação da Vale do Rio Doce, uma estatal à época, no transporte das tropas desde Paraupebas e Marabá, em ônibus da empresa Transbrasiliana nunca foi investigada. “O gerente da Transbrasiliana que recebeu a ordem – e o dinheiro – se chama Gumercindo de Castro. O funcionário da Vale que contratou os serviços se chama James. Como explicar que uma empresa estatal contrate uma empresa particular para transportar tropas da PM que iriam desfazer uma manifestação pública?”, questiona Eric Nepomuceno, autor do livro O Massacre: Eldorado dos Carajás: Uma história de impunidade (Ed. Planeta).

Foto: Memorial Chico Mendes/Divulgação

O líder seringueiro Francisco Alves Mendes Filho, Chico Mendes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Acre, foi assassinado aos 44 anos, no dia 22 de dezembro de 1988, em Xapuri, com tiros de escopeta, por Darci Alves a mando do pai, o fazendeiro Darli Alves. Ambos foram condenados, em 1990, a 19 anos de detenção, mas fugiram da prisão em 1993, tendo sido recapturados três anos depois. Foram beneficiados com progressões para regimes domiciliar e semiaberto.

Foto: CPT/Divulgação

A missionária norte-americana Dorothy Mae Stang, ativista dos direitos socioambientais e defensora de um projetode sustentabilidade para a Amazônia, foi assassinada aos 73 anos, em 12 de fevereiro de 2005, no interior de Anapu, nas margens da Transamazônica, no Pará. A religiosa naturalizada brasileira vivia na região desde a década de 1970 e pressionou pela criação da reserva Esperança, projeto do Incra, onde foi emboscada por pistoleiros. Dois mandantes do crime, Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão, estão em liberdade. Clodoaldo Batista e Rayfran das Neves Sales, que executaram o crime, foram condenados a 18 anos e 27 anos de prisão, respectivamente.

Foto: Greenpeace/Felipe Milanez

O casal de agricultores José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foi executado na manhã de 24 de maio de 2011, em Nova Ipixuna, sudeste do Pará. No dia 6 de dezembro de 2016, a Tribunal do Juri de Belém condenou a 60 anos o fazendeiro José Rodrigues Moreira, que encomendou as execuções. Zé Cláudio e Maria eram ambientalistas e extrativistas, e denunciavam grilagem de terras, desmatamento ilegal no interior do assentamento agroextrativista da localidade.

 

 

Por Cauê Seigner Ameni – De Olho nos Ruralistas – para o ExtraClasse

Fonte: De Olho nos Ruralistas

 

Deputados instalam esta semana as comissões permanentes

Nesta semana, os deputados definem na terça e instalam na quarta-feira (15), os presidentes e vice-presidentes das 25 comissões permanentes da Câmara dos Deputados.

A regra segue o critério da proporcionalidade partidária e os maiores partidos ou blocos têm preferência na escolha. Os maiores grupos escolhem primeiro as comissões. Normalmente, o colegiado mais disputado é a Comissão de Constituição e Justiça. O comando das mesas diretorias dos colegiados tem mandato de um ano.

Pela manhã, a partir das 10 horas, serão eleitos os presidentes das seguintes comissões:

– de Constituição e Justiça;
– de Relações Exteriores e de Defesa Nacional;
– de Finanças e Tributação;
– de Desenvolvimento Econômico e Indústria e Comércio;
– de Agricultura, Pecuária Abastecimento e Desenvolvimento Rural;
– de Seguridade Social e Família;
– de Defesa do Consumidor;
– de Fiscalização Financeira e Controle;
– de Educação;
– de Viação e Transportes;
– de Trabalho, de Administração e Serviço Público;
– de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática;
– de Minas e Energia;
– de Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional e da Amazônia; e
– de Desenvolvimento Urbano.

Na parte da tarde, às 14h30, a previsão é que sejam eleitos os representantes das comissões abaixo:

– de Legislação Participativa;
– de Esporte;
– de Turismo;
– de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado;
– de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável;
– de Direitos Humanos e Minorias;
– de Cultura;
– de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência;
– de Defesa dos Direitos da Mulher; e
– de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.

Reforma da Previdência
A comissão especial sobre a reforma da Previdência (PEC 287/16) realiza, nesta terça-feira (14), o Seminário Internacional: Experiências na Previdência Social. Para o evento foram convidados, entre outros, o ex-ministro da Fazenda do Chile Alberto Arenas de Mesa; o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto Ari Kaplan; o doutor em Direito Previdenciário e professor na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Arthur Bragança de Vasconcellos Weintraub. O evento vai ser Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, às 14 horas.

Na quarta-feira (15), a comissão especial realiza nova audiência pública. Na pauta, os parâmetros de projeção do Orçamento da Previdência; a definição do fluxo de contribuintes: tipos e vazamentos de receita; a definição do fluxo de beneficiários: expectativa de vida e duração esperada dos benefícios; a dinâmica do mercado de trabalho: aspectos de gênero, clientela, idade, informalidade e salário-médio; e a influência de parâmetros econômicos: inflação, produtividade e produto interno bruto. Começa às 14 horas, em plenário a definir.

Na quinta (16), às 9h30, nova audiência pública vai debater o Fortalecimento da Arrecadação para a Seguridade Social;
Imunidade das entidades beneficentes de Assistência Social; Desonerações da folha de salário; Simples Nacional e MEI; e Cobrança da Dívida Ativa. Os convidados ainda serão definidos e o plenário também.

Ato público contra a reforma da Previdência
No mesmo horário do seminário internacional, às 14 horas, a OAB Nacional e mais de 160 entidades realizam ato público contra a PEC 287/16, cujo chamamento é “Por uma Proposta Justa de Reforma da Previdência – Não à PEC 287/16”.

A concentração será às 14h, na sede da OAB (Setor de Autarquias Sul, Quadra 5, Bloco M), em Brasília, de onde os participantes partirão rumo ao Congresso. Será entregue aos parlamentares a Carta Aberta sobre a reforma da Previdência, texto elaborado pelas instituições.

Reforma trabalhista
O colegiado que examina a reforma trabalhista (PL 6.787/16) realiza, na terça-feira (14), nova audiência pública. Foram convidados a desembargadora Magda Barros Biavaschi; os presidentes da Fecomercio-SC, Bruno Breithaup; da Faesc e secretário-geral da CNA, José Zeferino Pedroso; da Fiesc e membro do Conselho Industrial da CNI, Glauco José Corte; da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf), Roberto Antonio Von Der Osten; da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Comercio e Serviços (Contracs), Alci Matos Araujo; e o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. O debate ocorre no plenário 1, às 14h30.

Na quarta-feira (15), às 14h30, a comissão especial vai debater, em audiência pública, o Teletrabalho. Foram convidados o juiz do Trabalho do TRT da 6ª Região, Hugo Cavalcanti Melo Filho; o diretor de Assuntos Legislativos da Anamatra, Luiz Antonio Colussi; a coordenadora do Grupo de Pesquisa “Trabalho e Constituição” da UnB, Gabriela Neves Delgado; o presidente da Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo), Edgar Serrano; e o ex-presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt) Álvaro Melo; e o atual presidente da Sobratt, Wolnei Tadeu Ferreira. O plenário em que vai ser realizada a reunião ainda vai ser definido.

Colégio de Líderes
O colegiado vai se reunir, na terça-feira (14), às 11 horas, para discutir a pauta da semana e escolha dos presidentes das comissões permanentes. O encontro vai ser no Gabinete da Presidência da Câmara.

Reforma Política
A comissão especial sobre a Reforma Política realiza, na segunda-feira (13), mesa redonda. Para o debate foram convidados entre outros, representantes do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA), da Procuradoria Regional Eleitoral na Bahia (PRE-BA), do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), do Ministério Público da Bahia, da OAB-BA; além de deputados federais e estaduais da Bahia e da União dos Municípios da Bahia. O evento ocorrerá na Assembleia Legislativa da Bahia, às 9h30.

Escola sem Partido
A comissão especial sobre Escola sem Partido (PL 7.180/14) realiza, terça-feira (14), audiência pública e votação de requerimentos. Os convidados ainda serão definidos. A reunião vai acontecer no plenário 7, às 15 horas.

SENADO FEDERAL

Projeto da repatriação de recursos na pauta no plenário

Está na pauta do plenário desta semana, o projeto da repatriação de recursos do exterior. O Senado analisará as mudanças feitas pelos deputados (SCD 1/17) no texto proveniente do Senado (PLS 405/16). A votação estava prevista para a última quarta-feira (8), mas foi adiada devido ao avanço da sessão especial em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.

De acordo com a nova versão do projeto, o prazo para a repatriação passou de 38 para 120 dias, que serão contados a partir da data de regulamentação do tema pela Receita Federal. O patrimônio a ser declarado será aquele em posse do declarante em 30 de junho de 2016. A data prevista no texto que saiu do Senado era dezembro de 2015.

PEC
Duas propostas de emendas à Constituição (PEC) estão na pauta. A PEC 61/15, da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), possibilita emendas individuais ao projeto da lei orçamentária anual da União para repasse de recursos diretamente ao Fundo de Participação dos Estados (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A PEC vai para sua quinta e última sessão de discussão de primeiro turno. De acordo com a Constituição, para concluir a votação de uma PEC são necessários dois turnos de discussão e votação, com apoio favorável de pelo menos três quintos dos senadores em cada um deles. São cinco sessões de discussão no primeiro turno e, no segundo, são feitas três sessões de discussão. Se aprovada, a PEC seguirá para a análise na Câmara dos Deputados.

Também consta da pauta, a PEC 111/15, do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que veda a edição de medidas provisórias que gerem desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Colégio de Líderes
O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) informou vai haver reunião de líderes na terça-feira (14), às 11h. Assim, outras matérias poderão ir a plenário já na terça, a depender da decisão dos líderes.

Comissões permanentes
Seis comissões permanentes elegerão seus presidentes e iniciarão os trabalhos nesta semana. A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), na terça-feira (14). As comissões de Educação, Cultura e Esporte (CE), de Assuntos Sociais (CAS), de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) e Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) já contam com a maioria parte de suas composições definidas.

 

Fonte: DIAP

Sakamoto: Ao contrário do que diz o governo, terra enche barriga. E terra também mata

O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, disse que era a hora de ”parar com essa discussão sobre terras” para as populações indígenas. Segundo ele, em declaração à Folha de S.Paulo, terra não enche barriga.

Imediatamente me lembrei de algumas viagens para reportagens que realizei no interior do Brasil e a países da África e da Ásia, nas quais famílias me contaram que, no desespero, já haviam feito biscoitos de barro, água e capim para crianças.

Ou seja, quando os mais básicos direitos são negados (como o direito de poder ocupar um território e plantar, colher e viver) e a pobreza extrema se impõe, terra enche barriga sim.

O que o ministro se esqueceu de dizer é que terra também mata.

Os assassinatos e desaparecimentos de lideranças indígenas em locais de disputa com fazendeiros, como o Mato Grosso do Sul, são prova disso. Talvez Osmar Serraglio tenha esquecido de mencionar isso porque se elegeu com recursos de empresas ligadas ao agronegócio e apoiou na Câmara dos Deputados ações para dificultar a demarcação de terras indígenas.

A Fian Brasil, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário, realizou uma pesquisa para medir a insegurança alimentar e nutricional em três comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul – Guaiviry, Apyka’i e Kurusu Ambá. As três são palco de disputas por territórios tradicionais e tiveram lideranças assassinadas.

Em 2013, 4,8% dos domicílios brasileiros com pessoas com menos de 18 anos se encontravam em insegurança alimentar grave. Enquanto isso, em comunidades indígenas avaliadas, esse índice era de 28%.

Em 76% dos domicílios da pesquisa, a pessoa entrevistada afirmou que, no mês anterior a setembro de 2013, houve ocasião em que crianças e jovens da casa passaram um dia todo sem comer e foram dormir com fome, porque não havia alimento. Menos de 40% recebiam o Bolsa Família.

A análise dos dados do relatório ”O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá”, decorrente da pesquisa, aponta como causas estruturantes do problema de acesso aos alimentos, a falta de respeito, proteção e promoção dos direitos ao território e à sua identidade cultural. O oposto do que afirma o ministro.

Cerca de 98% das terras indígenas brasileiras estão na região da Amazônia Legal. Elas reúnem metade dos povos indígenas. A outra metade está concentrada nos 2% restantes do país. Sem demérito para a justa luta dos indígenas do Norte, hoje, o maior problema se encontra no Centro-Sul, mais especificamente no Mato Grosso do Sul – que concentra a segunda maior população indígena do país, só perdendo para o Amazonas.

Há anos, essa população aguarda a demarcação de mais de 600 mil hectares de terras no Estado, além de algumas dezenas de milhares de hectares que estão prontos para homologação ou emperrados por conta de ações na Justiça Federal por parte de fazendeiros.

Ao longo do tempo, os Guaranis Kaiowá foram sendo empurrados para reservas minúsculas, enquanto fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras, esparramaram-se confortavelmente pelo Estado.

Incapazes de garantir qualidade de vida, o confinamento em favelas-reservas acaba por fomentar altos índices de suicídio e de desnutrição infantil, além de forçar a oferta de mão de obra barata. Pois, sem alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores e muitos acabaram escravizados em usinas de açúcar e álcool no próprio Estado nos últimos anos.

E isso quando esse ”território” não se resume a barracas de lona montadas no acostamento de alguma rodovia com uma excelente vista para a terra que, por direito, seria deles. Em outras palavras, no Mato Grosso do Sul, a questão fundiária envolvendo comunidades indígenas provoca fome, suicídios e mortes.

Fonte: Blog do Sakamoto

Foto: Lunae Parracho/Anistia Internacional

Em que contexto o Brasil volta ao Conselho de Direitos Humanos da ONU

Depois de um ano afastado, o Brasil volta nesta segunda-feira (25) a ocupar um dos 47 assentos com direito a voto no Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), com sede em Genebra, na Suíça.

Caberá à ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois, fazer o discurso que marca o retorno do país ao órgão.

A desembargadora aposentada, que é filiada ao PSDB, tomou posse no cargo no dia 3 de fevereiro, depois que o presidente Michel Temer recriou a pasta, que havia sido incorporada anteriormente ao Ministério da Justiça. Antes dos Direitos Humanos, Valois respondeu pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial.

A reestreia do país num dos principais órgãos de direitos humanos das Nações Unidas coincide com um período de crise na segurança pública dos Estados, com rebeliões no sistema prisional, paralisação de forças policiais e emprego das Forças Armadas em caráter emergencial.

Confira matéria completa no link.

Nota da Apib de Repúdio contra o ministro da Justiça anti-indígena Osmar Serraglio

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) repudia a nomeação do ruralista Osmar Serraglio como Ministro da Justiça a qual caracteriza mais um golpe contra os direitos dos povos indígenas, uma manifestação explícita da vontade do governo ilegítimo de Michel Temer e de sua base aliada de consumar o processo de regressão e supressão dos direitos humanos fundamentais, direitos originários e permanentes desses povos consagrados pela Constituição Federal de 1988.

Osmar Serraglio foi um dos mais atuantes da bancada ruralista e da turma de deputados declaradamente racistas da região sul do país, postuladores e ferrenhos defensores da PEC 215/00, contra a qual os povos indígenas se mobilizaram bravamente nos últimos 05 anos. Presidiu em  2016 a Comissão de Constituição e Justiça quando aconteceu a cassação do mandato de Eduardo Cunha, porém sempre foi membro da tropa de choque deste ex-parlamentar, defendeu abertamente o desembarque do PMDB do anterior governo e votou a favor da abertura do impeachment que culminou com o golpe parlamentar, midiático e empresarial que hoje arremete rotineiramente contra os direitos indígenas.

Escolhido como parte da demanda da bancada do PMDB, Serraglio é dos que querem a mudança nos procedimentos de demarcação das terras indígenas, a revisão das demarcações concluídas e a consolidação da tese do marco temporal, em suma, dos que defendem o fim da demarcação das terras indígenas. E ainda, dos que usam os pequenos agricultores para camuflar os interesses do agronegócio e incitar práticas de ódio, racismo e violência contra os povos indígenas nos territórios.

Sabendo que é reconhecido publicamente como um dos principais inimigos dos povos indígenas, Serraglio teve ainda o descaro de enviar convites para a sua posse a várias lideranças indígenas, afrontando mais uma vez especialmente aquelas que mais tem combativo o seu mandato e atuação.

Com um ministro da Justiça desse tipo, aos povos indígenas só resta continuar lutando inclusive à custa da própria vida na defesa de seus direitos constitucionais, principalmente territoriais.

Pelo direito de viver!

Brasília – DF, 07 de março de 2017.

 

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Mobilização Nacional Indígena

#8M: FIAN Brasil adere à Parada Internacional das mulheres

As mulheres sempre estiveram na linha de frente de grandes processos históricos de nossa sociedade e têm um papel relevante para a construção de um modelo de produção e consumo de alimentos sustentável em todo mundo. Apesar disso, ainda hoje vivemos tempos de muitas desigualdades, marcados por alarmantes casos de violências e desigualdades econômicas e sociais que atingem, sobretudo, mulheres que fazem parte de segmentos em situação de vulnerabilidade como populações empobrecidas, populações negras, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais.

É neste contexto de compreensão da importância das mulheres na nossa história e organização social e política que a FIAN Brasil tem afirmado ao longo de sua atuação que o empoderamento das mulheres, tendo em conta seus direitos, necessidades e diversidades é fundamental para a garantia dos direitos humanos, em especial o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA).

Os retrocessos e as perdas de direitos sociais que se alavancaram no último período, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, conclamam novamente as mulheres a assumirem mais uma vez o protagonismo na história deste país. A FIAN Brasil se junta às mulheres brasileiras, do campo, das cidades, das florestas e das águas neste 8 de março – Dia Internacional das Mulheres, para dizer que somos contra a reforma da previdência social, em curso acelerado no Congresso Nacional; que somos contra todas as formas de violências contra as mulheres e que não aceitamos nenhum retrocesso, sobretudo aqueles que incidem, diretamente, na redução da qualidade de vida das mulheres.

Com muita mobilização podemos barrar os retrocessos e a FIAN Brasil também PARA no 8 de Março, Dia Internacional de Luta das Mulheres!
#NenhumDireitoaMenos
#ContraaReformadaPrevidência
#AposentadoriaFica
#8M

Lideranças indígenas alertam comunidade europeia sobre situação no Brasil

Lideranças indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib e entidades de apoio levaram ao conhecimento da comunidade europeia alertas sobre a situação crítica das comunidades indígenas para ser considerada no processo de avaliação do Brasil na Revisão Periódica Universal – RPU.

As leituras foram apresentadas em um documento com 12 recomendações, no qual destacam a paralisia do processo de demarcação de terras indígenas, o retrocesso de direitos que avança no Congresso Nacional, o enfraquecimento dos órgãos indigenistas como a Fundação Nacional do Índio – Funai, a Secretaria Especial da Saúde Indígena – SESAI, além dos assassinatos e criminalização de lideranças de povos nacionais.

O documento reforça as recomendações da relatoria da ONU, elaborada após visita da relatora Victoria Tauli-Corpuz em março passado. Em seu relatório, ela alertou sobre “retrocessos extremamente preocupantes na proteção dos direitos dos povos indígenas” nos últimos oito anos no Brasil, uma tendência que, segundo ela, continuará a se agravar “caso não sejam tomadas medidas decisivas por parte do governo para revertê-la”, disse à época. De lá para cá, passado quase um ano de sua visita, o resultado é que a escalada sistemática de ataques aos direitos indígenas por parte dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário.

Realizado em Brasília, na manhã desta terça-feira (21/02), na sede da Delegação da União Européia em Brasília, o encontro reuniu as lideranças indígenas e indigenistas junto a representantes de 12 países que compõem a União Européia, entre eles, Áustria, Países Baixos, Bélgica, Noruega, Finlândia, Suíça, Polônia, Dinamarca, Alemanha, Reino Unido, Suécia. Além da sede da Delegação da UE no Brasil, as lideranças indígenas estiveram reunidas também com representantes de outras embaixadas, entre elas, Austrália, Equador, El Salvador, México e Uruguai.

Relatório

O relatório apresentado à União Européia e também a outras embaixadas durante a terça (21/02) e quarta-feira (22/02) foi elaborado de forma colaborativa com a participação de 16 organizações indígenas e 10 organizações indigenistas pela defesa dos direitos humanos durante uma oficina realizada pela APIB, pela Rede de Cooperação Amazônica – RCA e pela Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil.

 

Acesse o relatório da íntegra aqui

Fonte: Plataforma Dhesca

 

 

Artigo 19 | Relatório analisa processo recente de criminalização de protestos no Brasil

A organização ARTIGO 19 lançou na quinta-feira (9) o relatório “Nas Ruas, nas Leis, nos Tribunais – violações ao direito de protesto no Brasil 2015-2016”, que faz uma análise detalhada sobre o processo de criminalização do direito de protesto que tem ocorrido no país nas três esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Além disso, o relatório também chama atenção para a crescente criminalização do direito de protesto na esfera simbólica.

Todo o conteúdo do trabalho ainda pode ser visto em um site interativo (2016brasil.protestos.org), que, além de todo o conteúdo escrito, também traz vídeos com entrevistas com ativistas e especialistas no assunto.

Baixe o estudo

A publicação cita técnicas recém-criadas pela polícia para reprimir manifestações, novas tipificações penais usadas na detenção de ativistas, decisões judiciais negativas contra manifestantes, além da proposição e, em alguns casos, a aprovação, de projetos de lei restritivos ao direito de protesto.

Outra tendência preocupante verificada no período foi a exigência por parte da Polícia Militar (PM) para que organizadores apresentassem o trajeto a ser seguido por manifestantes, sob pena de serem impedidos de marchar pelas ruas. A conduta foi registrada em diversos protestos ocorridos em São Paulo.

Casos emblemáticos de manifestações que foram alvo do uso desproporcional da força policial também são mencionados no relatório. Entre eles, estão as manifestações contra o impeachment de Dilma Rousseff e contra a PEC 241, e as ocupações de escolas por estudantes secundaristas.

As ocupações estudantis, inclusive, motivaram o Governo do Estado de São Paulo e a PM a adotar um procedimento formalmente inédito no país: a realização da reintegração de posse de prédios ocupados sem mandados judiciais.

Ainda de acordo com o relatório, de todos os protestos registrados entre agosto de 2015 e dezembro de 2016 no Brasil, ao menos 1244 manifestantes foram detidos, enquanto que, só no Estado de São Paulo, pelo menos 69 manifestações foram alvo do uso de bombas pela polícia. Já no âmbito legislativo, foram contabilizados ao menos 22 projetos de lei que restringem de forma direta ou indireta o direito de protesto.
Cenário de violações preocupante

Para Paula Martins, diretora-executiva da ARTIGO 19, o recrudescimento da postura do Estado brasileiro perante as manifestações de rua têm se mostrado bastante preocupante à luz dos direitos de protesto e à liberdade de expressão.

“O ímpeto criminalizante que antes era muito visível no Executivo, por meio dos episódios de repressão policial em manifestações, acabou nos últimos anos também avançando no Legislativo e Judiciário. Esse processo tem causado grande preocupação em toda a sociedade civil por significar a supressão de direitos civis previstos na Constituição e ratificados pelo Brasil em convenções internacionais”, afirma

Ela acrescenta: “Uma medida a curto prazo que poderia ser tomada para remediar a situação é a criação de um protocolo que regulamentasse o uso da força policial em protestos, que hoje inexiste ou é mantido em sigilo. Além disso, também caberia aos governantes e ao Judiciário apurar os abusos e ilegalidades cometidos nas manifestações e elaborar políticas que visem a garantia desse direito fundamental. No entanto, o que vemos hoje muitas vezes é o contrário, com a alta cúpula do governo elogiando ações violentas da polícia e juízes expedindo decisões restritivas ao direito de protesto, fatos esses que acabam servindo como estímulo para que o ciclo de violações se perpetue.”

Lei Antiterrorismo e Olimpíadas

Um dos principais marcos da criminalização do direito de protesto no Brasil foi a Lei Antiterrorismo, aprovada no final de 2015. A lei é discutida no relatório sobretudo por trazer brechas que a permitem ser aplicada contra manifestantes. Sua aprovação se deu no contexto da realização das Olimpíadas no Brasil, evento que também ficou marcado por diversas violações ao direito de protesto.

O relatório lembra que, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, manifestações contra os impactos sociais dos Jogos foram alvo de forte repressão policial. Critica ainda a aprovação da Lei Geral das Olimpíadas, que, entre outros pontos, proibia o uso de bandeiras para outros fins que não o de “manifestação festiva e amigável”, e rememora que, durante a realização do evento, diversos espectadores chegaram a ser expulsos dos locais de competição por se manifestarem politicamente, em flagrante violação ao direito de protesto e da liberdade de expressão.

Casos emblemáticos e episódios positivos

Alguns dos casos emblemáticos de pessoas que foram vítimas da criminalização do direito de protesto no Brasil também aparecem no relatório. Entre os casos, está o de Rafael Braga, que ficou preso por mais de dois anos após ser detido portando um frasco de desinfetante em região próxima a uma manifestação que ocorria em junho de 2013, no Rio de Janeiro. Após progredir para o regime semiaberto, em dezembro de 2015, Rafael foi novamente preso e colocado por 10 dias na solitária por ter aparecido em uma foto ao lado de uma mensagem de protesto.

Outro caso citado é o do fotógrafo Sérgio Silva, que perdeu o olho esquerdo após ser vítima de um disparo de bala de borracha que o atingiu no rosto, enquanto cobria uma manifestação em São Paulo, em junho de 2013. Sérgio entrou com uma ação pedindo reparações do Governo do Estado, mas viu seu pedido ser negado pela Justiça em agosto de 2016 sob o argumento de que ele próprio era responsável pelo ferimento, em episódio bastante ilustrativo da postura dos tribunais brasileiros de legitimação das violações em protestos.

Apesar deste amplo cenário de violações ao direito de protesto, houve o registro de alguns episódios pontuais positivos que são mencionados no relatório. Entre eles, estão decisões judiciais que suspenderam reintegrações de posse de prédios ocupados, a concessão de pagamento de indenizações a manifestantes feridos, e ainda a Ação Civil Pública aceita pela Justiça de São Paulo que, por alguns dias, restringiu a PM do Estado de empregar armamento menos letal em manifestações até que um protocolo do uso da força policial fosse criado.

Fonte: Artigo 19

Brasil de Fato | Novo presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos é de Curitiba

A autonomia com relação ao governo Temer (PMDB) é um dos principais desafios apontados pelo novo presidente

O advogado Darci Frigo foi eleito presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), papel que deverá exercer até o final de 2018. Frigo é coordenador da Terra de Direitos, organização fundada em Curitiba há 15 anos. No Conselho, o advogado representa a Plataforma Dhesca Brasil, articulação composta por 40 entidades da sociedade civil – entre as quais a Terra de Direitos.

O CNDH é um organismo de Estado, que deve ser independente do Executivo, com composição paritária entre representantes da sociedade civil e do governo (11 de cada). A autonomia com relação ao governo Temer (PMDB) é um dos principais desafios apontados por Frigo para essa nova gestão do conselho.

Segundo o advogado, a maioria dos conselheiros interpreta o processo de condução de Temer à presidência com um golpe, que abre caminho para violações de direitos em vários setores. “O retrocesso na democracia faz com que a possibilidade de garantir direitos tenha se reduzido”, diz Frigo.

O advogado elenca o “descontrole total” no campo da segurança pública como um dos efeitos do enfraquecimento da democracia, referindo-se à crise nos presídios e à situação do crescimento súbito da violência no Espírito Santo.

Outra preocupação do novo presidente do CNDH é com os efeitos da aplicação da Proposta de Emenda à Constituição 55, aprovados pelo Congresso no final de 2016, que congela os gastos públicos por 20 anos. “O congelamento vai reduzir o atendimento às polícias sociais, aumentar o desemprego e gerar uma violação massiva de direitos humanos”, conclui.

Queda de braço

Ainda durante o governo interino de Temer, o novo arranjo institucional vinculou o Conselho ao Ministério da Justiça. Em agosto de 2016, o então ministro da pasta, Alexandre de Moraes, baixou uma portaria em que impedia qualquer gasto sem autorização do gabinete do ministerial, exceto para ações de segurança pública.

As entidades integrantes do CNDH pressionaram e conseguiram a manutenção das verbas necessárias para reuniões nacionais e para a realização de atividades e pesquisas das comissões temáticas.

* Por Ednubia Ghisi, do Brasil de Fato

Guarani e Kaiowá exigem demarcação de suas terras e revogação da Portaria 80 do Ministério da Justiça

Em documento produzido ao final da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, os indígenas exigem a demarcação de suas terras tradicionais no Mato Grosso do Sul e a revogação da Portaria 80, publicada pelo Ministério da Justiça em janeiro, que criou uma nova instância para analisar os relatórios de identificação e delimitação de terras indígenas produzidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

O novo presidente da Funai, Antônio Costa, compareceu ao encontro, realizado entre os dias 8 e 10 de fevereiro no tekoha – lugar onde se é – Guaiviry, uma área de retomada onde, em 2011, o cacique Nísio Gomes foi assassinado a mando de fazendeiros.

Na assembleia, os Guarani e Kaiowá fizeram um grande círculo ao redor de Costa, com idosos e crianças à frente. Com severidade, apontaram ao novo presidente do órgão: “são estas as pessoas que estão sendo mortas enquanto a Funai não demarca as terras indígenas”.

“O Governo Brasileiro nos obriga a autodemarcar nossas terras, uma vez que sua convivência com setores e políticos do Agronegócio não o permite. Então este mesmo Governo é o responsável pelo sangue, que estamos dispostos a derramar em defesa de nossos direitos!”, afirma o documento final da Aty Guasu.

Os indígenas cobraram do presidente uma resposta, especialmente, sobre as áreas que estão em processo de identificação por Grupos de Trabalho (GTs) e sobre quatro terras que, com relatórios já publicados, estão com seu processo administrativo emperrado pela negligência do órgão indigenista: são as Terras Indígenas (TIs) Ypo’i-Triunfo, Dourados-Amambaipeguá I, Iguatemipegua I e Lagoa Rica/Panambi – no caso das duas últimas, o atraso já supera os três anos.

Os indígenas também cobraram da Funai o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado com o Ministério Público Federal (MPF) em 2007, que determinava que diversos tekoha tivessem seus estudos concluídos até 2010. A cada dia sem demarcar as terras Guarani e Kaiowá, a Funai acumula R$ 1000 de multa.

Como resposta, o presidente Antônio Costa afirmou que ainda está se inteirando dos processos da Funai e garantiu que, em 20 dias, retornará ao Mato Grosso do Sul com uma equipe técnica, para organizar um grupo de trabalho voltado a resolver os problemas da região marcada pela violência contra os indígenas.

O documento da Aty Guasu também marca a posição dos indígenas em repúdio à Portaria 80, que cria um Grupo Técnico Especializado (GTE) no Ministério da Justiça – na prática, uma instância política que servirá para rever os relatórios da Funai e retardar ou inviabilizar os procedimentos demarcatórios. Esta é a segunda portaria publicada pelo ministro Alexandre de Moraes – cuja indicação para preencher a vaga de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal (STF) também não é aceita pelos Guarani e Kaiowá. A primeira, de número 68, trazia uma série de elementos explicitamente contrários aos direitos indígenas e foi revogada após fortes críticas de indígenas e indigenistas.

“Repudiamos a Portaria 80 do Ministério da Justiça que na prática tenta criar um mecanismo de impedimento das demarcações, camuflando as mentiras do chamado marco temporal e subjugando nossas terras aos interesses do Agronegócio. Exigimos sua imediata revogação por parte do Ministro da Justiça e Cidadania”, afirma o documento.
A Aty Guasu ainda prega a unidade entre os povos indígenas na luta por seus territórios e repudia o Fórum de Caciques, criado, segundo o documento, por deputados ruralistas com o “o objetivo de cooptar lideranças através de promessas e mentiras”.

“As lideranças da Aty Guasu reunidas em Guayviry, repudiam a criação deste Fórum cujo objetivo é tentar dividir o movimento indígena em especial Terena. Não o reconhecemos como legítimos e não o autorizamos a utilizar em suas publicações nas redes sociais o nome da Aty Guasu Guarani e Kaiowá”, prossegue o documento.

Frente à morosidade do governo para dar andamento às demarcações, o comunicado avisa que “a Aty Guasu seguirá autodemarcando seus territórios através de retomadas”.

Leia o documento completo da Aty Guasu ou clique aqui para ler a versão em pdf:

ATY GUASU GUARANI E KAIOWÁ
Tekoha Guayviry 8 a 10 de fevereiro de 2017

Nós, lideranças da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, reunidos em Guayviry terra indígena de Nizio Gomes, Nhanderú assassinado por fazendeiros em 2011, por ocasião da visita do Presidente da Funai, queremos comunicar nossas decisões e exigências, junto à diversas autoridades competentes, tanto no Brasil quanto no exterior.

Poder Executivo
Recebemos o Presidente da Funai, mais uma vez, em terras Guarani e Kaiowá, que é símbolo de nossa resistência, banhada com o suor e o sangue do nosso povo. Guayviry, carrega as marcas da omissão do Estado Brasileiro e a ação das milícias armadas de fazendeiros. Resiste fortemente a todo tipo de violência e nos une na esperança de nossas crianças guerreiras.

Assim, queremos exigir do Poder Executivo Brasileiro cumpra com sua obrigação constitucional e demarque nossas terras.

A Funai deve publicar todos os relatórios de identificação dos GTs Guarani e Kaiowá que estão parados há anos. Em última reunião com o atual Presidente da Funai deixamos claro os prazos que aceitamos aguardar, no entanto até agora nada foi feito.

O Governo Brasileiro nos obriga a autodemarcar nossas terras, uma vez que sua convivência com setores e políticos do Agronegócio não o permite. Então este mesmo Governo é o responsável pelo sangue, que estamos dispostos a derramar em defesa de nossos direitos!

Repudiamos a Portaria 80 do Ministério da Justiça que na prática tenta criar um mecanismo de impedimento das demarcações, camuflando as mentiras do chamado marco temporal e subjugando nossas terras aos interesses do Agronegócio. Exigimos sua imediata revogação por parte do Ministro da Justiça e Cidadania.

Poder Judiciário
Não aceitamos a indicação, por parte do Presidente Temer, de Alexandre de Morais para uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Suas ações, como Ministro da Justiça, atestam contra suas capacidades, além de ter demonstrado um desleixo com seu dever frente aos direitos dos povos indígenas.

Queremos celeridade nos julgamentos dos processos judiciais que envolvam a demarcação de nossas terras. Nosso povo não aguenta mais esperar 10, 20 anos por uma decisão do Supremo Tribunal Federal. A demora, tem provocado morte, ataques e o despejo violento.

Não podemos mais aceitar a dor do despejo de nossas terras tradicionais e sagradas, por isso, repudiamos qualquer interpretação jurídica de “Marco temporal”. Nossos direitos são originários e o Estado Brasileiro deve respeitar este reconhecimento, contido na Constituição.

Poder Legislativo
Avisamos ao senhores deputados e Senadores que estamos prontos para resistir, em Brasilia, a qualquer avanço das iniciativas anti-leis que violam nossos direitos. Não vamos aceitar a PEC 215 e tantas outras, que na surdina tentam destruir as conquistas históricas dos povos indígenas.

A CPI contra a Funai é uma farsa comandada por ruralistas racistas que em nada defendem os direitos indígenas. Não nos enganam e não vamos aceitar o desmonte das funções legais da Funai, muito menos a criminalização do movimento indígena, das lideranças e de nossos aliados.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Gostaríamos de solicitar a Comissão Interamericana que aceite a denúncia que a Aty Guasu fez ano passado contra o Estado Brasileiro. Ela representa esperança de justiça para nossas comunidades e lideranças que foram assassinadas e que até hoje seus assassinos andam soltos e plantando em nossas terras.

Queremos também convidar o Sr. Francisco José Eguiguren Praeli, relator sobre os direitos dos Povos Indígenas, para nos visitar, assim como outros povos indígenas no Brasil e assim, conhecer com seus próprios olhos as muitas situações de violência contra os povos indígenas do Brasil.

Nações Unidas
Está preste a completar 1 ano que a relatora das Nações Unidas para os Direitos dos Povos indígenas esteve em nossas terras. Seu relatório fez outros governos e organismos da ONU conhecer nosso sofrimento e a omissão do Estado Brasileiro diante do dever de nos proteger e respeitar nossos direitos.

Queremos alertar a relatora para todas estas iniciativas antindigena que estão ocorrendo no Brasil. Não sabemos até onde isto tudo irá nos levar, mas queremos que saiba que estamos dispostos a ir até as últimas consequências. Precisamos da Sra. Para alertar os diversos governos de que o Brasil e seu agronegócio nos assassina e impede de viver nosso jeito próprio de vida.

Parlamento Europeu
Com esperança e agradecimentos, nós lideranças da Aty Guasu recebemos a resolução de urgência que o Parlamento emitiu em virtude do aumento das violências contra os povos indígenas e a situação desumana de nossas comunidades.

Agradecemos a visita dos parlamentares que puderam também sentir a dor do nosso povo e as consequências da omissão brasileira. Queremos cobrar os compromissos assumidos e também saber as respostas dos organismos e instâncias que receberam recomendações.

A Europa precisa saber que a soja, carne, milho do Mato Grosso do Sul tem sangue indígena. E por isso, queremos que as decisões sobre o boicote, as condicionantes nos acordos comerciais e os alertas para a sociedade europeia sejam cumpridos.

Coordenações locais da Funai
A Aty Guasu foi informada da intenção do Governo de unificar as coordenações da Funai de Campo Grande, Dourados e Ponta Porã.

Repudiamos este retrocesso e não vamos aceitá-lo.

As coordenações refletem as necessidades do Estado que possui a segunda maior população indígena do Brasil.

Exigimos sim, a manutenção organizativa e que estas coordenações sejam dadas melhores condições de trabalho, pessoal e recursos.

Agradecemos os trabalhos que Vander desenvolveu ao longo dos anos que esteve à frente da coordenação de Dourados. Também a Aty Guasu decidiu apoiar a permanência como Coordenador de Dourados o Sr. José Vitor. Por isso, não aceitaremos qualquer nomeação, por motivação político partidário estadual.

DSEI – MS
Reunidos na Terra Indígena de Jaguapiré, a Aty Guasu em acordo com parentes de outros povos, decidiu indicar a liderança Kaiowá Daniel Leme Vasque para a coordenação do DSEI em Campo Grande, uma vez que até o momento nenhum Guarani e Kaiowá ocupou esta função.

Queremos reafirmar esta nomeação novamente e que o Secretário Especial de Saúde Indígena, tome as devidas providências.

O chamado “Fórum” dos Caciques
Também na reunião de Jaguapiré, a Aty Guasu foi informada que deputados ruralistas do estado e federal criaram um Fórum de caciques com o objetivo de cooptar lideranças através de promessas e mentiras. Também que este mesmo Fórum, apesar de envolver mais pessoas do Povo Terena, tem utilizado o nome da Aty Guasu para tentar legitimar suas ações enganosas.

Por unanimidade, assim como em Jaguapiré, as lideranças da Aty Guasu reunidas em Guayviry, repudiam a criação deste Fórum cujo objetivo é tentar dividir o movimento indígena em especial Terena. Não o reconhecemos como legítimos e não o autorizamos a utilizar em suas publicações nas redes sociais o nome da Aty Guasu Guarani e Kaiowá.

Reconhecemos como único movimento indígena do povo Terena o seu Conselho, fundado com a participação de lideranças da Aty Guasu e que, assim como a Aty Guasu, é vinculado à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB.

Pedimos aos parentes Terenas e demais parentes de outros povos que não se enganem com promessas e análises falsas e integracionistas. Prezem pelo bem do povo e a unidade das nossas comunidades e lideranças. É o momento de nos unir, mais do que nunca, entorno das nossas rodas em defesa de nossos direitos, de nossas terras e principalmente modo de vida. Não podemos aceitar benefícios pessoais e particulares. Se há problemas de divergência interna, ela deve ser resolvida entre nós indígenas e não permitindo a deputados ruralista decidam o que é organização indígena. Eles nunca serão como nós, eles só pensam em seus bolsos e interesses.

É a vida de nosso povo e o nosso jeito de ser e se organizar que está em risco!

Conclamamos à União!

A Aty Guasu seguirá autodemarcando de seus territórios através de retomadas. Patrícios e parentes de todo Brasil, precisamos nos unir para enfrentar os inimigos de nossos povos.
Continuemos em retomadas, por nossas Vidas, nossos Direitos!

Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Rumo à Realização Plena do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – Flávio Valente

Artigo de Flávio Valente, originalmente publicado em inglês na Revista Development 57 (2), p. 155-170, dezembro de 2014. Traduzido para o português em maio de 2016 para a FIAN Brasil.

RESUMO Este artigo descreve a evolução conceitual do direito à alimentação rumo à sua atual denominação como direito humano à alimentação e à nutrição adequadas em um contexto mais amplo da indivisibilidade dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e da soberania alimentar. O artigo também explora os desafios e as oportunidades oferecidos pela Segunda Conferência Internacional sobre Nutrição (ICN2) e descreve os fundamentos políticos do engajamento da sociedade civil na preparação da conferência e nas ações planejadas subsequentes a ela.

PALAVRAS-CHAVE: direito à alimentação; direitos humanos; nutrição; sistemas alimentares; ICN2, Comitê de Segurança Alimentar.

O objetivo final do direito à alimentação adequada é atingir o bem-estar nutricional. O bem-estar nutricional depende de medidas paralelas nos campos da educação, da saúde e do cuidado. Nesse sentido mais amplo, o direito à alimentação adequada deve ser compreendido como o direito à alimentação e à nutrição adequadas. (FIAN Internacional, 1997)

Leia o artigo na íntegra AQUI

HEKS-EPER Brasil abre editais para preenchimento de vagas

A HEKS/EPER, Agência de Cooperação Internacional, com sede na cidade de Zurique, com escritório de representação no Brasil onde apoia projetos com ações e iniciativas que promovem o desenvolvimento de comunidades rurais e a transformação de conflitos com a promoção da cultura da paz, torna pública a realização de processo de seleção simplificado para contratação de Oficial de Projetos para o tema “Transformação de conflitos e direitos humanos” e de Secretária. As pessoas interessadas devem encaminhar currículo até o dia 28 de fevereiro.

Confira os editais:

Edital para contratação de Oficial de Projetos para o tema “Transformação de conflitos e direitos humanos”  AQUI.

Edital para contratação de Secretária AQUI.

Nota Pública do CNDH sobre o emprego das Forças Armadas no Sistema Prisional

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), órgão de Estado criado pela Lei Nº 12.986/2014, vem a público manifestar sua discordância em relação ao emprego das Forças Armadas em unidades prisionais do País, conforme previsto no Decreto Presidencial Nº 17, de 17 de janeiro de 2017:

Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem, nos termos deste Decreto.

Art. 2º As Forças Armadas executarão essa atividade nas dependências de todos os estabelecimentos prisionais brasileiros para a detecção de armas, aparelhos de telefonia móvel, drogas e outros materiais ilícitos ou proibidos.

§ 1º O emprego das Forças Armadas, nos termos do caput, observado o princípio federativo, dependerá de anuência do Governador do Estado ou do Distrito Federal e será realizado em articulação com as forças de segurança pública competentes e com o apoio de agentes penitenciários do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Cidadania. 

§ 2º O Ministro de Estado da Defesa editará normas complementares para dispor sobre o emprego das Forças Armadas a que se refere este Decreto.

Art. 3º A autorização a que se refere o caput do art. 2º fica concedida pelo prazo de doze meses. 

Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação 

Além de desvirtuamento da função constitucional das Forças Armadas, a medida não responderá aos enormes e complexos desafios do sistema prisional brasileiro – marcado pela superlotação carcerária e pelo descumprimento de patamares minimamente dignos para o cumprimento das penas, da segurança aos próprios presos, de seus visitantes e dos trabalhadores do sistema. A explosão de violência no sistema carcerário – expressada nos recentes episódios ocorridos em presídios do Amazonas, de Roraima e do Rio Grande do Norte, que resultaram em mais de 130 mortes – tem relação direta com o encarceramento em larga escala com a omissão do Estado brasileiro no desenvolvimento de uma política criminal em consonância com parâmetros nacionais e internacionais de proteção dos direitos humanos.

Trata-se, portanto, de fenômeno estrutural, e não episódico, donde não caber o chamamento das Forças Armadas para a defesa da lei e da ordem.

De resto, a atuação de membros das Forças Armadas em presídios é medida que poderá resultar em mais violações a direitos, considerando que essas tropas são treinadas para situações específicas, baseadas na lógica da guerra. Não por acaso, possuem legislação própria.

Espera-se do Estado brasileiro coragem e capacidade para verdadeiramente enfrentar os mecanismos que contribuem para a grave situação dos estabelecimentos penais no País.

Brasília-DF, 03 de fevereiro de 2017.

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH

Fonte: SDH

Conselho Nacional dos Direitos Humanos elege novo presidente

Darci Frigo, representante da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca Brasil) é o novo presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Frigo é advogado e coordenador da organização de direitos humanos Terra de Direitos. Ele foi eleito na manhã desta quinta-feira (2) na 24ª reunião ordinária do Conselho, em Brasília.

“O Conselho vai se debruçar sobre graves questões que estão postas, que foram apresentadas no Congresso Nacional como reformas e que vão retirar direitos de trabalhadores, sejam trabalhistas ou previdenciários. Isso preocupa hoje o conjunto da população brasileira, vai ser motivo de grandes mobilizações sociais e o Conselho não pode se ausentar desse debate”, declara Frigo.

O novo presidente do CNDH enfatizou ainda que o Conselho atua, ou pelas demandas que recebe, ou pelas projeções que as comissões permanentes fazem sobre determinados temas. “As comissões, que já são de blocos temáticos, deverão se preocupar com temas transversais como temas de gênero, de raça, o tema de empresas e violações dos direitos humanos e outras questões que estão colocadas no âmbito da conjuntura, como a violência nos presídios, que é um sintoma da grave situação que o país vive hoje.”

No encontro, que contou com a presença da secretária Flávia Piovesan e de representantes da sociedade civil e do poder público que compõem o colegiado, também foi eleita a vice-presidente do CNDH, Fabiana Severo.

Fabiana Galera Severo é defensora pública federal do 3º Ofício de Migrações e Refúgio da Defensoria Pública da União (DPU), em São Paulo. Atualmente exerce a função de Defensora Regional de Direitos Humanos de Direitos Humanos e representa a Defensoria Pública da União no Conselho Nacional dos Direitos Humanos. Mestranda pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), com pesquisa sobre o trabalho escravo contemporâneo, representa ainda a DPU na Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo, de São Paulo.

A pauta da reunião contemplou também a aprovação do Relatório sobre o Sistema Sócio Educativo de Pernambuco, com o resultado da Missão Emergencial que aconteceu nos dias 24 e 25 de novembro de 2016, e do Relatório sobre a População atingida pela implementação da UHE Belo Monte e pelo projeto de instalação da mineradora Belo Sun, resultado da Missão que ocorreu entre os dias 9 e 12 de outubro de 2016 na região de Altamira, sudoeste do Pará.

Nova composição da Mesa Diretora para o mandato 2016-2018

Presidente: Darci Frigo – Plataforma Dhesca Brasil

Vice-presidente: Fabiana Severo – Defensoria Pública da União

Deborah Duprat – Ministério Público Federal

Flávia Piovesan – Secretaria Especial de Direitos Humanos

Leonardo Pinho – Unisol Brasil

Sandra Carvalho – Justiça Global

Fonte: Ascom CNDH

Terra tradicionalmente ocupada, Direito originário e a inconstitucionalidade do Marco Temporal

Adelar Cupsinski1
Alessandra Farias Pereira2
Rafael Modesto dos Santos3
Íris Pereira Guedes4
Roberto Antônio Liebgott5

Resumo: O presente artigo tem como objetivo abordar alguns dos aspectos acerca da demarcação de terras indígenas no Brasil, em especial, o entendimento e aplicação do denominado “marco temporal” pelos tribunais, como condicionante para determinar a tradicionalidade, ou não, destas terras. Da mesma forma, serão analisados os possíveis avanços dos direitos indigenistas após a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988. Este estudo se justifica na medida em que se percebe que mesmo diante da existência de um arcabouço jurídico de proteção e promoção dos direitos dos indígenas (no âmbito nacional e internacional) o Estado brasileiro não tem conseguido atuar de forma significativa para alterar a realidade de muitas destas comunidades. Ao contrário, notam-se processos sistemáticos que visam o retrocesso destes direitos, nas mais diversas esferas da sociedade. Portanto, este estudo pretende demonstrar que este tipo de fenômeno pode-se apresentar também através de novas interpretações e entendimentos na aplicação do direito, acarretando em decisões judiciárias sem respaldo constitucional e violadoras de direitos e garantias fundamentais e coletivos. O método de pesquisa utilizado foi o hipotético-dedutivo, com técnicas de pesquisa documental, bibliográfica, jurisprudencial e análise de sítios eletrônicos de forma qualitativa.

Caso prefira, clique aqui para acessar o artigo em pdf.

I – Introdução

Neste artigo propomos uma análise do que vem sendo denominado, no âmbito do Poder Judiciário, de “marco temporal”. Trata-se de uma interpretação que restringe o alcance do direito à demarcação das terras indígenas, já que vincula este direito à presença física das comunidades e povos indígenas na terra ao período de 05 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal do país.

Neste sentido, o estudo tem como objetivo apresentar uma reflexão crítica a esta orientação interpretativa dos direitos constitucionais dos povos indígenas que, na prática, trazem insegurança jurídica para estas populações no Brasil. Entende-se que o limite constitucional às demarcações, expresso no estabelecimento de um marco temporal, relaciona-se ao emprego do instituto civilista da posse em contraponto ao usufruto e posse imemorial indígena.

Especialistas do Direito e da Antropologia, assim como as próprias comunidades indígenas, alertam para o perigo de retrocesso dos direitos reconhecidos, já que o uso do marco temporal como condicionante na demarcação de terras, se aplicado pelos tribunais, afrontarão o disposto nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal, assim como, Tratados e Convenções Internacionais a respeito.

Portanto o presente artigo será dividido em dois capítulos de desenvolvimento textual, sendo o primeiro destinado à análise do texto constitucional, buscando aclarar ao leitor os avanços das garantias e direitos fundamentais conquistados após 1988, para então, no segundo capítulo, abordar os entendimentos e possíveis retrocessos decorrentes da aplicação do marco temporal nas decisões sobre demarcação das terras indígenas pelos tribunais brasileiros.

O método de pesquisa empregado foi o hipotético-dedutivo e o de revisão bibliográfica, portanto, parte-se da hipótese de que existem controvérsias acerca das novas interpretações e do uso do entendimento do marco temporal pelos tribunais brasileiros, para por fim, após a análise das bibliografias e material doutrinário, verificar a possibilidade de dedução de que tal entendimento não possuí base constitucional, afrontando diretamente o disposto nos artigos 231 e 232 e demais direitos e garantias fundamentais dispostos na Constituição Federal Brasileira de 1988. As técnicas de pesquisa foram a jurisprudencial, documental, bibliográfica e análise de sítios eletrônicos, com análise de dados de forma qualitativa.

II- Os Direitos Consagrados na Constituição Federal

Com a promulgação da Constituição Federal em 1988 (CF), rompe-se a perspectiva da política estatal da aculturação, que tinha como premissa a integração indígena à comunhão nacional. Com isto, passou-se a reconhecer o direito à diferença aos povos indígenas suas organizações sociais, seus usos, costumes, crenças, tradições, línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. O reconhecimento destes direitos no texto constitucional consolida garantias individuais e coletivas de todos os povos, base essencial de qualquer direito humano.

O Capítulo VIII da Constituição, intitulado “Dos Índios”, em seus artigos 231 e 232  explicitam o reconhecimento à identidade cultural própria e diferenciada dos povos indígenas, bem como, os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Nota-se que, em que pese tais direitos não estejam dispostos no rol dos direitos e garantias fundamentais, os mesmos são compreendidos como tais, portanto, de aplicação imediata.

De acordo com o Artigo 231:

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar, e as necessárias à sua reprodução física cultural, segundo seus usos, costumes e tradições6.

O texto constitucional determina que o Estado brasileiro deve promover a demarcação das terras, reconhecendo os direitos originários e imprescritíveis dos índios à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e lagos das áreas caracterizadas como sendo de ocupação tradicional. Há, além disso, a obrigação da União em proteger, fiscalizar e fazer respeitar todos os bens, inclusive os imateriais, tais como as culturas, costumes, crenças e tradições de cada povo.

Para além das especificidades no que tange ao modo de ser de cada povo e de seus vínculos e concepções com a territorialidade, o artigo 232 consagra o entendimento de que os povos indígenas são donos de seu futuro,  assegurando-lhes a possibilidade de exercitarem a cidadania desvinculada da tutela estatal. Afirma-se que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público Federal em todos os atos do processo”.

Tal dispositivo configura-se em importante ferramenta de luta para os povos indígenas, uma vez que suas comunidades passam a ser consideradas entes com personalidade jurídica (não necessitando, para isso, obter registros e estatutos específicos), dispensando inclusive a intermediação (tutela) de órgãos indigenistas em ações ajuizadas de seu interesse ou da comunidade.

É necessário fazer referência também ao que determina o Artigo 20, XI, da Constituição. Nele fica estabelecido que as terras tradicionais indígenas são bens da União e, portanto, a propriedade não é indígena. Essa norma protege não somente a ocupação física da terra, mas também o direito à ocupação tradicional. Se extrai deste conteúdo, combinado com o artigo 231, que o uso da terra não se restringe aos aspectos econômicos e sociais, pois projetam uma expectativa futura, onde os povos tenham condições de se expressarem (social, política e economicamente) a partir das suas diferenças étnicas. E é obrigação do Estado assegurar-lhes proteção às áreas ambientais, os espaços sagrados e aqueles de caráter simbólico, tendo como referência o futuro do povo.

O direito à posse da terra é explicitado como direito originário, portanto não depende de titulação e precede os demais direitos (Art. 231, caput). Por isso que o parágrafo 6º deste artigo expressamente estabelece que os títulos que incidem sobre uma terra indígena são declarados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos.

São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé7.

De acordo com notícia veiculada pelo Superior Tribunal de Justiça em 19 de abril de 20168, estão catalogadas atualmente aproximadamente 115 decisões colegiadas sobre processos envolvendo as demarcações de terras indígenas no órgão. Em suma, foram analisadas diretamente as decisões concedidas nos Recurso Especial (REsp) 1133648, REsp 1551033, na Medida Cautelar (MC) 25148, Mandado de Segurança (MS) 21572, MS 14987 e MS 158229 que abrangem análises do parágrafo 6º do artigo 231. Nas decisões abordadas, o entendimento é o de garantir os direitos dos povos indígenas às demarcações de terras,  posse e ao seu usufruto exclusivo. O STJ dá essa garantia sem nenhum tipo de vínculo interpretativo que tenha por objetivo limitar seu alcance e abrangência. Reforça, além disso, o entendimento de que todo e qualquer título de propriedade que incida sobre as áreas indígenas são efetivamente nulos, mesmo aqueles considerados de boa-fé. Também reconhece que é dever da União, através de seu ente indigenista, proceder aos estudos administrativos de demarcação, através das regras estabelecidas pelo Decreto número 1775 de 1996.

O STJ segue, neste caminho de reconhecimento dos direitos indígenas, afirmando que as terras habitadas por estes são inalienáveis – o que significa dizer que o seu domínio não pode ser transferido a outro – bem como indisponíveis, portanto ninguém pode dispor desse direito independentemente das finalidades ou interesses.

Consolida-se assim o conceito fundamental de que os direitos dos Povos Indígenas sobre as terras são originários, anteriores inclusive as normas estabelecidas e que estes são imprescritíveis, ou seja, não prescrevem com o passar do tempo (Art. 231, § 4º). E, neste sentido, destaca-se o fato de que os povos indígenas não podem ser removidos de suas terras em função de interesses outros – incluem-se os econômicos, políticos, ambientais – que não sejam em casos de catástrofe, epidemia e ou de interesse da soberania do país, com o referendo do Congresso Nacional, garantindo, em qualquer dos casos supracitados, o retorno imediato da população indígena a sua terra, tão logo cesse o risco (Art. 231, § 5º).

A Corte reforça o entendimento, expresso no parágrafo 2º do artigo 231, de que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam à sua posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas que não se encontram no subsolo. Vale ressaltar, no entanto, que a possibilidade de exploração dos recursos naturais só será permitida em caso de relevante interesse público da União, e esta depende de lei complementar (que ainda não foi aprovada). Em relação às ocupações de boa-fé, o mesmo artigo estabelece que a União deve indenizar as benfeitorias construídas pelos ocupantes – edificações, plantações perenes, por exemplo – mas não há previsão de indenização pela terra (pelas razões constitucionais expressas anteriormente).

No que tange a consolidação dos direitos à terra – sua posse e usufruto – as Disposições Constitucionais Transitórias (Artigo 67)10; determinam que o Estado brasileiro teria o prazo de 5 anos para a conclusão das demarcações das terras indígenas, tendo encerrado em 5 de outubro de 1993. Ainda hoje, no Brasil, existem, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário11, mais de 600 terras indígenas a serem demarcadas.

III – A Inconstitucionalidade do Marco Temporal

Como visto no capítulo anterior, o texto constitucional promove o caráter pluriétnico de sua população, dispondo sobre a proteção e manutenção das tradições culturais dos povos indígenas, a qual está intrinsecamente ligada à permanência em suas terras tradicionalmente ocupadas.

Segundo o acórdão do caso Raposa Serra do Sol (Petição n. 3.388)12, terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são aquelas:

[…] demarcadas para servir concretamente de habitação permanente dos índios de uma determinada etnia, de par com as terras utilizadas para suas atividades produtivas, mais as “imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar” e ainda aquelas que se revelarem “necessárias à reprodução física e cultural” de cada qual das comunidades étnico-indígenas, “segundo seus usos, costumes e tradições” (usos, costumes e tradições deles, indígenas, e não usos, costumes e tradições dos não-índios). Terra indígena, no imaginário coletivo aborígine, não é um simples objeto de direito, mas ganha a dimensão de verdadeiro ente ou ser que resume em si toda ancestralidade.

Significa dizer que terra indígena e posse nativa são conceitos mais amplos que permanência física em certo espaço territorial. Na perspectiva de terra tradicionalmente ocupada por esse ou aquele povo indígena, vale dizer, prevalece toda a área necessária à reprodução física e cultural do povo.

Nesse ínterim, para melhor compreender a extensão do direito originário às terras reconhecidas como de ocupação tradicional, deve-se levar em consideração as especificidades de cada povo que habita um determinado território. Estas especificidades, demonstradas pelo trabalho especializado que constituem os laudos antropológicos, delimitam os lugares de caça e pesca, por exemplo, que podem ser elementos indispensáveis para sua reprodução cultural. Se o povo depende de uma paragem sagrada, um acidente geográfico venerado ou se o seu cemitério se encontra nos limites da área reivindicada, naturalmente aquela área pertence ao território indígena, independentemente da posse.

Neste sentido, não só devem ser consideradas como terras tradicionalmente ocupadas aquelas onde residem os indígenas, como também aquelas necessárias à sua reprodução física e cultural. José Afonso da Silva explica que da Constituição Federal se consegue concluir que sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, incidem os direitos de propriedade e os direitos originários13. O Jurista argumenta que esses direitos são “direitos fundamentais dos índios”, que podem ser classificados na categoria dos “direitos fundamentais de solidariedade”, tal como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado14.

A Constituição desfaz, portanto, o nexo entre o conceito civilista – posse e propriedade – da posse indígena, cujo reconhecimento passou a ser fixado como direito originário ou congênito (nato, natural). Há, portanto, o reconhecimento não apenas da ocupação física das terras habitadas pelos indígenas, mas também da ocupação de toda uma extensão de terras necessárias ao resguardo cultural e à manutenção de práticas econômicas e religiosas de cada povo.

Apesar das garantias, há a necessidade de se assegurar, de modo prático, a aplicação desse direito, tornando-se imprescindível formalizá-lo em procedimentos demarcatórios específicos capazes de determinar qual(is) povo(s) habita(m) determinada área, quais os limites geográficos, considerando aspectos ambientais, arqueológicos, dentre outros. Estes aspectos dizem respeito ao preceito da tradicionalidade que deve ir além de circunstâncias temporais:

A tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas ao modo tradicional de os índios ocuparem e utilizarem as terras e ao modo tradicional de produção, enfim, ao modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que têm espaços mais amplos pelo qual se deslocam etc. Daí dizer-se que tudo se realiza segundo seus usos, costumes e tradições15.

O jurista Dalmo de Abreu Dallari (1991, p. 320) vai mais além, e vincula o direito constitucional ao que estabelece a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, pois para ele:

É possível sustentar que os objetivos inspiradores do art. 14 da Convenção nº 169 da OIT são coincidentes com os que deram origem ao art. 231 da Constituição. E os efeitos de ambos são praticamente os mesmos, pois se é verdade que pelo fato de não serem proprietários os índios brasileiros não poderão dispor das terras que tradicionalmente ocupam é igualmente certo que também a União, embora proprietária, não tem o poder de disposição16.

Analisando estes aspectos sobre a tradicionalidade, percebe-se equivocada e violadora dos preceitos constitucionais a imposição do marco temporal, apoiado na data de 05 de outubro de 1988, como data insubstituível e componente necessário para determinar ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.  Neste sentido, de acordo com o parecer de José Afonso da Silva não há previsão constitucional para tal orientação17:

Onde está isso na Constituição? Como pode ela ter trabalhado com essa data, se ela nada diz a esse respeito nem explícita nem implicitamente? Nenhuma cláusula, nenhuma palavra do art. 231 sobre os direitos dos índios autoriza essa conclusão. Ao contrário, se se ler com a devida atenção o caput do art. 231, ver-se-á que dele se extrai coisa muito diversa.

Na sequência, o Supremo Tribunal Federal – STF disse o seguinte, deslocando o marco temporal, incontinenti, do complexo conteúdo do acórdão18:

É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios.

Diante disso, não há que falar em aplicação do marco temporal por mais de um motivo: primeiro pela existência do esbulho e da titulação a particulares (nula e extinta, a partir da CF/88) e depois pela ininterrupta ocupação anímica, psíquica e de perdurabilidade para além do lugar de habitação, mas também aqueles necessários à preservação e física (caça, pesca, coleta) e os necessários à reprodução cultural (religião, cemitérios, perambulação, rituais). Significa dizer, sem risco de erros, que o marco temporal, constante em um curto parágrafo no acórdão da Petição 3388/RR, de forma isolada e desproporcional ao arcabouço constitucional do direito indígena, não se sustenta, seja pela incidência do §6º do art. 231 da CF/88, pela posse nativa e anímica, seja pelo esbulho praticado face os povos originários. Diante da afirmativa extraída do art. 231 da CF/88, resta evidente que se haviam títulos sobre terras indígenas, a posse da terra era, em 05 de outubro de 1988, dos não-índios, seja por força de esbulho ou existência de títulos, que passaram a ser nulos e extintos a partir de então.

Significa dizer, ainda, que diante da interpretação sistêmica do direito constitucional indígena, e não apenas de uma palavra que se isola no caput do art. 231 da CF/88 (ocupam), não há que falar em marco temporal, já que o fato de não estar na data da promulgação na posse da terra não significa perda de direito, ante a previsão do §6º do art. 231 e que, independentemente desse fator, o título é nulo e extinto e a posse é originária.

São, portanto, equivocadas as interpretações do Poder Judiciário no tocante ao marco temporal, pois a atual Constituição não limita os direitos ordinários dos povos indígenas às suas terras ao dia 05 de outubro de 198819:

O termo “marco” tem sentido preciso. Em sentido espacial, marca limite territorial. Em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo. O documento que marcou o início do reconhecimento jurídico-formal dos direitos dos índios foi a Carta Régia de 30 de junho de 1611, promulgada por Fellipe III, que firmou o princípio de que os índios são senhores de suas terras, “sem lhes poderem ser tomadas, nem sobre elas se lhes fazer moléstias ou injustiça alguma.

Acerca do instituto do renitente esbulho, o jurista observa que não é correto interpretar, à luz da Constituição Federal, que os conflitos envolvendo terras indígenas tenham um caráter tipicamente possessório na forma caracterizada pelo direito civil. Para o jurista, a ocupação indígena de suas terras não é uma mera posse, pois eles as ocupam com fundamento no indigenato. Para ele, a ocupação é fundada em direitos originários “de sorte que quando o não-índio se apossa dessas terras, ele não retira apenas a posse dos índios sobre elas, mas um conjunto de direitos que integram o conceito de indigenato”20.

O jurista alerta de modo enfático que a interpretação restritiva de esbulho renitente como controvérsia possessória judicializada é absolutamente inaceitável porque21:

A controvérsia não é tipicamente possessória […], ou seja, não é uma disputa individual em que um possuidor retira a posse do outro, pois os direitos ordinários dos índios sobre a terra, como visto no correr deste parecer, não pertence a eles como indivíduos, mas às comunidades indígenas; ademais os índios e as comunidades indígenas antes da Constituição de 1988 não tinham legitimidade processual, pois estavam sujeitas ao regime tutelar.

Ademais, sobre o renitente esbulho, há que se ressaltar, como já observou o nobre jurista, que até 1988 os povos indígenas eram tutelados pelo Estado, portanto não poderiam pleitear seus direitos autonomamente (essa função era da União, através de seus órgãos de assistência). E há que se considerar as frequentes denúncias de que os próprios órgãos de assistência foram responsáveis pelo esbulho e exploração das terras, tendo alguns servidores públicos atuado para coibir e reprimir as comunidades e lideranças indígenas. No mesmo sentido, o Relatório Figueiredo22 traz com nitidez, atrocidades praticadas contra as comunidades indígenas nos anos de 1950 a 1970.

Em síntese, para o autor é na conjugação de conceitos que se subtraem direitos fundamentais e originários dos índios em favor de usurpadores de suas terras. Há, segundo, ele vários absurdos anti-índios nessa configuração do renitente esbulho23:

O primeiro, bastante sutil, é esse modo de exprimir os termos do conceito: renitente esbulho em vez de esbulho renitente, pondo o destaque na qualificadora, para irrogar os ônus sobre a renitência, com o que impõe aos índios esbulhados a obrigação de provar os fatos. O segundo, e grave, é a utilização do conceito de esbulho num contexto que não lhe cabe, como veremos, como se se tratasse de um conflito de posse do direito civil. O terceiro é essa ideia de que o conflito, mesmo iniciado no passado, tem que persistir até o marco temporal; quer dizer, forja-se um marco temporal deslocado para o último elo da cadeia jurídico-constitucional que reconheceu os direitos indígenas, deixando ao desamparo os direitos que as constituições anteriores reconheceram, e daí se exige que os índios sustentem um conflito ao longo do tempo, inclusive na via judicial, para que os seus direitos usurpados sejam restabelecidos. O quarto é essa exigência de que o conflito se materialize, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada, como se se tratasse de uma disputa dentre dois possuidores tutelados pelo direito civil, mas os indígenas não são possuidores nesse sentido. É uma torção semântica calamitosa essa de tratar o indigenato, ou seja, os direitos originários dos índios sobre as terras que ocupam, como se se tratasse de posse do direito civil.

O Supremo Tribunal Federal deixa evidente que a existência do direito indígena originário de posse sobre uma determinada gleba de terra, não está vinculada à presença física da comunidade na área, nos casos em que os indígenas tenham sido expulsos das terras por força de renitente esbulho praticado por não-índios. As demais condicionantes oriundas do caso Raposa Serra do Sol, assim como o marco temporal, foram debatidas e julgadas como sendo decisão vinculada apenas àquela demarcação, portanto não se poderia vinculá-las a outros procedimentos para assim desqualificar o direito de outros povos. Se as condicionantes são generalizadoras, aniquila-se com o que é de mais precioso no direito, sua aplicabilidade.

IV – Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a aplicação do chamado marco temporal não recebe respaldo constitucional, ao contrário representa uma afronta em uma série de direitos e garantias fundamentais, dentre os quais o disposto nos artigos 231 e 232 (CF/88). Ressaltando, que no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, houve entendimento de que as condicionantes que dele decorreram não seriam vinculantes, ou seja, não estenderiam seus efeitos em outros processos envolvendo demarcação de terra indígena.

Da mesma forma em que a figura do renitente esbulho, e a prova de sua existência, demonstram-se no mínimo contraditórios, o que gera insegurança jurídica no caso concreto. Não há consenso doutrinário ou jurisprudencial acerca do seu conceito e requisitos. Esse argumento se fundamenta na concepção de que os conflitos não são tipicamente possessórios como prescreve o direito civil, haja vista que a ocupação das terras pelos povos indígenas não se restringe a posse conceituada no direito civil. Os povos as ocupam com base nos direitos originários, portanto, não se pode utilizar de uma interpretação restritiva acerca do renitente esbulho, como se a controvérsia judicializada fosse uma disputa possessória individual.

Ao exigir a sua comprovação, como prova da tentativa de regresso e interesse por parte da comunidade indígena em ocupar a terra tradicional, o judiciário brasileiro desqualifica e desconsidera uma série de fatos históricos importantes desde o processo de colonização. Desconsidera também, questões básicas que envolvem as diferenças culturais, como a língua, costumes e formas de organização daquelas comunidades. A própria tutela por parte de entes do poder estatal serviu como barreira para que os indígenas pudessem reivindicar seus direitos. Situação comprovadamente agravada no período ditatorial (1964-1985), pois conforme mencionado neste estudo pela menção ao Relatório Figueiredo, foram anos de terror, com políticas voltadas para o extermínio das comunidades indígenas, orquestradas inclusive pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Portanto, exigir que as comunidades comprovem o esbulho renitente, em situação de conflito pela terra e anterior ao ano de 1988, por meio de boletins de ocorrência ou processos judiciais instaurados, apresenta-se pelo menos como um entendimento esquizofrênico. Salientando que os indígenas estavam submetidos à tutela do Estado, ou seja, deles não se poderia exigir o ônus de fazerem a defesa das terras que ocupavam, uma vez que estas são de propriedades da União e cabia a ela esse dever.

Quanto ao marco temporal, assume-se a convicção do ilustre Jurista José Afonso da Silva que sustenta não ser correto interpretar a atual Constituição como se ela tivesse limitado os direitos ordinários dos povos indígenas as suas terras a ocupação em 5 de outubro de 1988. Isso, na prática, impede a demarcação das terras para aqueles povos e comunidades que só conseguiram retornar a elas depois dessa data. O Jurista afirma que o termo “marco” tem sentido preciso: em sentido espacial, marca limite territorial; em sentido temporal, como é o caso, marca limites históricos, ou seja, marca quando se inicia algum fato evolutivo.

Por fim, além de se configurar como uma interpretação distanciada do contexto histórico e social, é visivelmente inconstitucional. A consequência disto será o desamparo e ceifamento de direitos dos povos indígenas. Assim como, viola os compromissos de proteção e promoção de direitos e garantias firmados com a comunidade internacional por meio de Tratados e Convenções ratificadas pelo Brasil. Verifica-se, que se tenta impor uma interpretação jurídica desvinculada dos sujeitos de direito de hoje – os povos indígenas –, como se não houvesse relação entre o passado, o presente e futuro das 305 etnias que vivem no território brasileiro atualmente.

Notas de rodapé

  1. Advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  2. Bacharel em Direito e assessora do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  3. Advogado e assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  4. Pesquisadora nas áreas de Direitos Humanos, Direito Internacional Público, Direitos Indigenistas, Estado, Democracia e Administração Pública e Social. Bolsista CAPES/CNPQ no Mestrado em Direito – UNIRITTER.
  5. Bacharel em Direito, formado no Curso de Filosofia e missionário do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).
  6. BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 05 de outubro de 1988. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  7. BRASIL. Constituição Federal Brasileira de 05 de outubro de 1988. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  8. STJ. “Demarcação de Terras Indígenas é Tema de 115 Decisões Colegiadas no STJ”. Disponível aqui. Acesso em 26 de setembro de 2016.
  9. Na análise do REsp 1133648, a Segunda Turma do STJ considerou que somente com a Constituição Federal de 1988 (CF/88) surgiu o conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a serem demarcadas pela União (Ministro Herman Benjamin). Para ele o artigo 231, parágrafo 6º, da CF/88 diz que a nulidade e a extinção de direitos relativos à ocupação, ao domínio e à posse privada sobre as terras indígenas não geram direito de indenização contra a União. No julgamento do REsp 1551033, a Segunda Turma do STJ consignou que a demarcação das terras indígenas é definida pelo Decreto 1.775/96, que regulamenta a Lei 6.001/73, sendo expressa em seu artigo 2º a necessidade de elaboração de estudo técnico-antropológico e de levantamento da área demarcada. Na análise do MS 14987, a Primeira Seção do STJ decidiu que a existência de propriedade, devidamente registrada, não impede que a Funai investigue e demarque terras indígenas, tradicionalmente ocupadas. A ocupação da terra pelos índios transcende ao que se entende pela mera posse da terra, no conceito do direito civil. Deve-se apurar se a área a ser demarcada guarda ligação anímica com a comunidade indígena”, lê-se no acórdão. No MS 15822 sobre a demarcação de terras da etnia Guarani Nhandéva, a Primeira Seção do STJ considerou que a demarcação processada e conduzida na instância administrativa, sem necessidade de apreciação judicial, é prática reiterada na administração pública federal, sobretudo após a promulgação da Constituição de 1988. Os atos administrativos são passíveis de revisão judicial segundo o princípio da inafastabilidade. Isso não implica, todavia, que o Poder Judiciário tenha que intervir, sempre e necessariamente, como condição de validade de todo e qualquer ato administrativo, referiu o acórdão. Na decisão, o relator do caso, ministro Castro Meira, salientou ainda que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se incluem no domínio constitucional da União. As áreas por elas abrangidas são inalienáveis, indisponíveis e insuscetíveis de prescrição aquisitiva. Mesmo que comprovada a titulação de determinada área, se essa for considerada como de ocupação indígena tradicional, os títulos existentes, mesmo que justos, são nulos, de acordo com o já citado Art. 231, § 6º, da CF/88”, disse Castro Meira. Fragmentos da notícia supracitada in STJ. “Demarcação de Terras Indígenas é Tema de 115 Decisões Colegiadas no STJ”. Disponível aqui. Acesso em 26 de setembro de 2016.
  10. SENADO FEDERAL. Art. 67 das Disposições Constitucionais Transitórias. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  11. Conselho Indigenista Missionário. Brasil – Quadro-Resumos das Terras Indígenas. Disponível aqui. Acesso em 30 de maio de 2016.
  12. BRASIL. Supremo Tribunal Federal: Plenário. Petição n. 3.388. Augusto Affonso Botelho Neto e União Federal. Relator: Min. Ayres Britto. DJE de 1º/07/2010.
  13. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  14. Sobre a categoria dos direitos humanos de solidariedade, cf. Antônio Augusto Cançado Trindade, “Derechos de Solidariedad”, em Asdrúbal Aguiar Aranguren e outros, Estudios Básicos de Derechos Humanos I, San José, CR, IIDH, 1994, pp. 63s. e José Afonso da Silva, Teoria do Conhecimento Constitucional, São Paulo, Malheiros, 2014, pp. 551s.
  15. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  16. DALLARI, Dalmo de Abreu. Reconhecimento e proteção dos direitos dos índios. Revista Informação Legislativa, Brasília, a. 28, n. 111, julho/setembro 1991.
  17. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  18. BRASIL. Supremo Tribunal Federal: Plenário. Petição n. 3.388. Augusto Affonso Botelho Neto e União Federal. Relator: Min. Ayres Britto. DJE de 1º/07/2010.
  19. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em 21 de abril de 2016.
  20. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em 21 de abril de 2016.
  21. Idem.
  22. MPF. Relatório Figueiredo. Disponível aqui. Acesso em: 25 de set. de 2016.
  23. SILVA, José Afonso da. Parecer sobre Marco Temporal e Renitente Esbulho. São Paulo, 2016. Disponível aqui. Acesso em 21 de abril de 2016.

Relatório Direitos Humanos no Brasil 2016

Nesta 17ª edição do livro Direitos Humanos no Brasil, além de relatar e analisar fatos em diversas áreas de atuação e pesquisa, os artigos buscam trazer sinais de esperança, em um momento crítico para a democracia. A esperança vem do exemplo daqueles que enfrentam dificuldades sem medo e nos animam com sua luta e resistência; de quem segue sem hesitar, mesmo consciente do recrudescimento da violência e da criminalização dos movimentos sociais. Como nos artigos sobre as mulheres que utilizam o futebol como ferramenta de emancipação feminina, sobre a constante denúncia do desastre ambiental em Mariana (MG), nas análises que mostram como o passado recente da ditadura no Brasil nos faz compreender melhor o momento presente, entre tantos outros exemplos apresentados no livro. Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. Acesse aqui.

Com “probabilidade de mortes”, Justiça Federal suspende despejos contra comunidades Guarani Kaiowá

No contexto de violências contra os indígenas no Cone Sul sul-mato-grossense, um alento aos Guarani e Kaiowá da demarcação Dourados Amambai Peguá I – chamada pelo povo de Tekoha Guasu. A 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS) suspendeu o cumprimento de despejos envolvendo duas fazendas incidentes nos tekoha – lugar onde se é – Nãmoy Guavira’y e Jeroky Guasu. A decisão, todavia, é provisória e aguarda sentenças aos processos.

As reintegrações de posse foram determinadas no último mês de dezembro, com prazo inicial de despejo a ser cumprido pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Como o órgão indigenista tem funções constitucionais inversas, acabou para a Polícia Federal executar a reintegração – o que ocorreria à força. Na última semana, os prazos foram encerrados sem a retirada das comunidades das áreas.

Em ofício à Justiça Federal, o comando da PF argumentou sobre a “probabilidade concreta de mortes durante a execução do provimento jurisdicional”. Dando procedência ao ponderado pelos agentes federais, o juiz suspendeu as reintegrações alegando ainda “recentes decisões do STF no sentido de obstar o cumprimento de mandado de reintegração de posse quando houver risco de remoção de grandes contingentes de pessoas”.

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui jurisprudências contra reintegrações de posse envolvendo territórios indígenas. O que pode influenciar outras situações. São duas fazendas incidentes em cada um dos tekoha com pedidos de reintegração de posse deferidos. Com isso, outros dois pedidos de despejo ainda estão valendo. No entanto, para estes, a Justiça Federal solicitou mais informações aos fazendeiros com prazo estabelecido em dez dias.

Mais dados também foram solicitados pela Justiça federal aos ‘proprietários’ de duas áreas a serem reintegradas na Reserva de Dourados, que compõem o tekoha Yvu Vera. Casos de despejos também determinados em dezembro pela 2ª Vara num pacote de tensão lançado sobre as comunidades Guarani e Kaiowá na virada de ano. A decisão dos indígenas era e é a de não sair das retomadas e resistir.  

No interior da Dourados Amambai Peguá I, município de Caarapó, estão diversos tekoha retomados pelos Guarani e Kaiowá nas últimas décadas – Paí Tavy Terã, Ñandeva, Ñamoy Guavira’y, Jeroky Guasu, Tey’Jusu, Kunumi Vera, Guapo’y, Pindo Roky e Itagua. Sem a conclusão do procedimento demarcatório, os indígenas sofrem sucessivos ataques de pistoleiros e fazendeiros, além dos despejos judiciais.

Em dezembro ainda outro tekoha teve decisão de despejo concedida pela 2ª Vara: Kunumi Vera. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a retirada da comunidade. No local onde o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza, de 26 anos, acabou  assassinado a decisão foi a segunda tentativa de despejo dos indígenas nos últimos seis meses.

Yvu Vera

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), Yvu Vera é uma área de quase 20 hectares que integra a Reserva de Dourados e foi invadida por não-indígenas. Na terra tradicional não vivem apenas indígenas Guarani e Kaiowá, mas também Guarani Ñandeva e Terena. Para a reserva os indígenas foram expulsos de forma violenta de suas aldeias.

Os indígenas retomaram as “propriedades” incidentes em Yvu Vera em fevereiro do ano passado como forma de realocar famílias que saíram da Reserva por falta de espaço físico. Com quase 3.500 hectares, a área reservada ainda na época do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), na primeira metade do século XX, é ocupada por 13.100 indígenas (Funai, 2015).

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi  

Em Nota Coletiva organizações repudiam portaria que altera demarcações de terras indígenas

Nota de Repúdio à Portaria MJ n.º 80/2017

As organizações abaixo-assinadas vêm manifestar seu repúdio à Portaria n.º 80/2017, expedida pelo ministro da Justiça, dado seu nítido caráter de fazer prevalecer decisões de natureza política sobre conclusões eminentemente técnicas que fundamentam o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação de terras indígenas, elaborado no âmbito da Fundação Nacional do Índio (Funai).

A medida segue na linha do enfraquecimento do órgão indigenista federal, atualmente com o pior orçamento de sua história, e consiste numa forte concessão do Governo Michel Temer a bancadas parlamentares anti-indígenas, em contraposição aos direitos ligados à vida dos povos indígenas do Brasil, notadamente o direito originário às suas terras tradicionais.

Repudiamos, ainda, a ausência de diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI (ligado ao próprio Ministério da Justiça), o descumprimento do direito à consulta livre, prévia e informada, bem como a orquestração de tentativas de impor graves retrocessos à legislação que rege o procedimento de demarcação de Terras Indígenas, mantida em vigor há mais de 20 anos, como a minuta de Decreto divulgada pela imprensa em dezembro de 2016 e a Portaria n.º 68/2017, recentemente revogada após manifestações contrárias do movimento indígena, de especialistas e do Ministério Público Federal.

Todas estas medidas têm o claro objetivo de retardar ou impedir a conclusão dos processos de demarcação, revelando o propósito do atual governo no sentido de enterrar políticas de demarcação de terras indígenas e outras pautas de regularização fundiária, o que só contribui para a ampliação e perpetuação dos conflitos existentes.

Diante desse cenário, as organizações signatárias exigem a imediata revogação da Portaria nº 80/2017, bem como pugnam pela atuação do Governo Federal no sentido de fortalecer a Funai para o cumprimento de sua missão institucional e pela retomada urgente dos processos de demarcação de terras indígenas.

Assinam conjuntamente:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Centro de Trabalho Indigenista – CTI

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Greenpeace Brasil

Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC

Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB

Instituto Socioambiental – ISA

Operação Amazônia Nativa – OPAN

Plataforma DHesca/Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas

Nota de Repúdio contra a Portaria nº 68 que muda os procedimentos de demarcação das terras indígenas

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) atendendo o clamor de suas bases manifesta publicamente a sua indignação e repúdio à decisão do governo de facto de Michel Temer de publicar por meio do seu Ministro da Justiça e Cidadania, Alexandre de Moraes, a Portaria Nº 68, de 14 de janeiro de 2017, através da qual, pretende mudar os procedimentos de demarcação das terras indígenas estabelecidos pelo Decreto 1775 / 96.

O governo, com essa medida, rasga de cara o texto constitucional que reconhece os direitos indígenas, e o Decreto 1775 que embasa a demarcação das terras indígenas.

A Constituição afirma: “São reconhecidos aos índios, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos seus bens”. A carta magna não diz que os povos indígenas só tem direitos a partir da promulgação da mesma, em 1988. No entanto, os inimigos dos povos indígenas fazem de tudo para negar os direitos originários dos povos indígenas às terras que não só tradicionalmente mas milenarmente lhes pertence mesmo não sendo todas as que possuíam no momento da invasão colonial.

A publicação da Portaria Nº 68, – primeira norma explícita de mudanças nos procedimentos de demarcação das terras indígenas-, como foi no caso das indicações do Presidente e de diretores para a Funai, sob pressão do Partido Social Cristão (PSC) é só mais um indicativo de que o Governo Temer é mesmo subserviente do poder econômico vinculado ao agronegócio e de seus porta-vozes agrupados na bancada ruralista do Congresso Nacional. Nesse sentido, após ter negado a existência de um novo decreto que altera o procedimento de demarcação, publica uma portaria recheada de propostas contidas na minuta desse instrumento vazada pela imprensa a finais de 2016, todas absolutamente inconstitucionais e violadoras dos direitos originários dos povos indígenas.

A portaria manifesta de início preocupação pela desconstituição do “domínio privado” em decorrência das demarcações; deturpa o texto constitucional na tentativa deslegitimar as demandas territoriais dos povos indígenas; manipula o teor do decreto 1775 e da Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, redunda em procedimentos, como o princípio do contraditório já assegurado desde os inícios do processo de demarcação, e institui um Grupo de Trabalho que terá o propósito de “avaliar” os processos de demarcação das terras indígenas, possibilitando que decisão de natureza política prevaleça sobre as conclusões de estudos técnicos e multidisciplinares da Funai; abre as possibilidade da realização de diligências, audiências públicas e meios de participação das “partes interessadas”; e propõe a observância de uma “jurisprudência do STF sobre a demarcação de Terras Indígenas” que não existe.

Contrariamente ao propósito de “conciliar celeridade e segurança jurídica”, o governo Temer cria mais entraves à conclusão dos procedimentos de demarcação, ou seja, quer inviabilizar a demarcação das terras indígenas, o que faz mediante a criação de uma instância política no âmbito do Ministério da Justiça para subsidiar a tomada de decisão sobre os processos de demarcação, enfraquecendo, assim, a já fragilizada Funai e seus análises de mérito sobre o direito territorial dos povos indígenas. Em suma, o governo baixa uma portaria para emperrar ou inviabilizar a demarcação das terras indígenas em favor dos invasores desses territórios.

Mais uma vez esse governo desrespeita a legislação que garante a participação dos povos indígenas na tomada de decisões que os afeta e avança nos seus propósitos de desconstruir os direitos indígenas assegurados pela Constituição e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como a Convenção 169 de Organização Internacional do Trabalho.

Se quiser mesmo dar celeridade às demarcações das terras indígenas e seguridade jurídica aos povos indígenas, o governo Temer, por meio de seu ministro da justiça, deve revogar imediatamente a Portaria 68, a qual constitui notoriamente mais um ataque frontal, flagrante violação aos direitos humanos fundamentais dos povos indígenas que vem sendo denunciada reiteradamente por esses povos e seus aliados, inclusive em foros internacionais.

A APIB e suas organizações não se calarão diante de tamanhas atrocidades, repudiam integralmente o conteúdo da Portaria 68, que constitui mais uma afronta aos povos indígenas, exigem a sua revogação imediata e convocam as suas bases para a primeira mobilização nacional contra essas ameaças. Que a partir da primeira semana de fevereiro estejamos todos juntos e firmes mobilizados na luta nas distintas regiões e na capital federal. Pela garantia dos direitos dos nossos povos.

Brasília – DF, 19 de janeiro de 2017.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

40 ameaças legislativas aos direitos humanos

O Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Padre João (PT-MG), apresenta uma lista de 40 ameaças aos direitos humanos que partem do legislativo. Parte das iniciativas já foi aprovada em 2016, parte ainda tramita. O levantamento foi elaborado em parceria com o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e com apoio de pesquisas realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, da Conectas Direitos Humanos e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar. O documento integrará adendo do Presidente da CDHM e da Presidenta da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos Humanos, Erika Kokay (PT-DF), ao Relatório Periódico Universal do Brasil à ONU.
Fim dos direitos trabalhistas, restrição da fiscalização contra o trabalho escravo, retrocessos na reforma agrária e na função social da propriedade, venda de terras para estrangeiros, monopólio das sementes, liberação ainda maior dos agrotóxicos, fim do licenciamento ambiental, fim das demarcações indígenas, proibição do casamento homoafetivo, restrição ao atendimento de vítimas de estupro, restrição à laicidade do Estado, restrição da liberdade de ensino, redução da maioridade penal, aumento da internação para adolescentes no sistema socioeducativo, exposição de criança e adolescente em conflito com a lei, redução da idade de trabalho, revogação do estatuto do desarmamento, desmonte do Estado e das políticas que garantem direitos sociais, reforma da previdência, privatizações, entrega do Pré-sal, fim da autonomia da EBC e legalização de procedimentos penais de exceção são temas da pauta. Abaixo explicamos tudo.

DIREITO AO TRABALHO

1. REFORMA TRABALHISTA. O Projeto de Lei de autoria do Presidente Michel Temer, apresentado em regime de urgência, deve ser aprovado no primeiro semestre de 2017, segundo o Presidente da Câmara, Rodrigo Maia. A finalidade deste PL é retirar direitos dos trabalhadores para baratear o custo da força de trabalho. Além disso, as negociações que se sobrepõem a direitos garantidos por lei não precisarão ser feitas pelos sindicatos: podem ser feitas por representantes do conjunto de trabalhadores da empresa, o que torna ainda mais aguda a desigualdade da relação e solapa a lógica da representação sindical. (PL 6787/16)

2. TERCEIRIZAÇÃO. O projeto que permite a terceirização das atividades-fim, e não apenas limpeza, segurança e outras atividades-meio, como atualmente ocorre, foi aprovado pela Câmara e está na ordem do dia do Senado. Essa proposta e o PL 6787 são as maiores investidas da história contra o legado varguista, que instituiu um sistema de proteção aos trabalhadores no Brasil. (PL 4302/1998)

3. TRABALHO ESCRAVO. Em 2014 foi aprovada a emenda constitucional de n° 81, que determina expropriação de áreas nas quais for utilizado trabalho escravo. A emenda precisa ser regulamentada por lei para ser efetiva. Entretanto, a nova regulamentação proposta é um retrocesso, pois inviabiliza a atuação exercida atualmente pelos fiscais do Ministério Público do Trabalho no combate a essa prática. (PLS 432/2013).

DIREITOS AO MEIO AMBIENTE, AO ACESSO À TERRA E À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA

4. DESREFORMA AGRÁRIA. O governo apresentou medida provisória que significa retrocesso em relação às parcas conquistas da reforma agrária. São duas linhas mestras. A primeira tem por finalidade liberar terras para o mercado. A proposta prevê o pagamento em dinheiro de terras adquiridas para a reforma agrária. Ela pretende ainda dar título de propriedade aos assentados, o que é uma janela para a reconcentração fundiária. Hoje, os títulos concedidos aos beneficiários são inegociáveis. A segunda linha é a de fragilizar a organização social no campo. A proposta desconsidera a existência de acampados organizados em movimentos sociais, e prevê abertura de editais amplos para candidatos a beneficiários. (MPV 759/2016)

5. ROTULAGEM DE TRANSGÊNICOS. A Câmara aprovou o fim da exigência do símbolo “T” nos produtos que contêm até 1% de componentes transgênicos. O projeto fere o direito à informação e à escolha a uma alimentação saudável. A proposta está pendente de apreciação pelo Senado. (PLC 34/2015).

6. (DES)FUNÇÃO SOCIAL. Um PL que está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça restringe ainda mais os requisitos da função social da propriedade. Pela proposta, além de a propriedade não precisar cumprir os critérios ambiental e trabalhista, passa a não ser mais necessário o cumprimento simultâneo dos requisitos de “utilização da terra” e de “eficiência na exploração” para comprovação da produtividade da propriedade rural. (PL 5288/2009).

7. VENDA DE TERRAS PARA ESTRANGEIROS. Desde 2015 a proposta que permite a venda de terras para estrangeiros está com urgência aprovada, para que possa ser apreciada pelo Plenário da Câmara. Defendido pela bancada ruralista, o PL viola a soberania nacional. Alexandre Conceição, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, sintetiza: “Numa ponta, nós lutamos pela distribuição de terras para produzir alimento; na outra, eles querem justamente entregar essas terras e jogar as comunidades para as periferias das grandes cidades”, agravando a exclusão social. (PL 4059/2012)

8. MONOPÓLIO DAS SEMENTES. Está prestes a ser votado, em comissão especial, a proposta de proteção de cultivares. O PL restringe a possibilidade de multiplicação de sementes protegidas e exige autorização do detentor da patente para que o agricultor comercialize o produto da colheita. Trata-se de projeto que favorece multinacionais do agronegócio, que concentrarão mais poder sobre a reprodução de sementes. (PL 827/2015).

9. AGROTÓXICOS. Comissão especial da Câmara se debruça sobre proposta de fragilização do processo de controle dos agrotóxicos no Brasil, que já ocupa, mesmo sem essa inovação legislativa, a primeira posição no consumo mundial de veneno na comida. A proposta altera o nome de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, restringe a ação do Ministério do Meio Ambiente e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e aumenta o peso dos interesses econômicos contra os direitos à saúde, à alimentação adequada e ao meio ambiente. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar se posicionou oficialmente contra a proposta. (PL 6299/2002 e PL  3200/2015)

10. MINERAÇÃO. O projeto de Código da Mineração vai no sentido contrário ao das necessidades indicadas pelo maior desastre ambiental da história do Brasil, provocado pela mineração empresarial: a tragédia de Mariana. O código mais incentiva que regula a mineração. Os substitutivos apresentados – um dos quais escrito no computador de uma mineradora – fragilizam o controle estatal e a capacidade de o Poder Público atuar no planejamento desse setor estratégico. (PL 37/2011).

11. FIM DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL. O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária anunciou que acordou com o Governo Federal a aprovação do “auto-licenciamento” ambiental – que permite às empresas obter o licenciamento com o simples preenchimento de um formulário, retirando do Estado o poder de controlar os empreendimentos em prol do meio ambiente. Segundo a mesma fonte, este acordo permitirá, ainda, a dispensa do licenciamento. Outro projeto, apelidado de “fast track” ambiental, simplifica o licenciamento.  Além disso, três projetos legislativos apresentados pela bancada ruralista visam a autorizar a construção de hidrovias sem necessidade de licenciamento ambiental, nos rios Tapajós, Tocantins e Araguaia, e Paraguai. A informação é do site Intercept. (PL 3729/2004, PLS 654/2015, PDCs 118, 119 e 120/2015).

DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS

12. FIM DAS DEMARCAÇÕES INDÍGENAS. A Proposta de Emenda à Constituição, que já foi aprovada em Comissão Especial e está pronta para o Plenário da Câmara, prevê a competência do legislativo para demarcar terras – o que impossibilitará, na prática, futuras demarcações. Além disso, transforma as terras tradicionais em equivalentes da propriedade rural: podem ser arrendadas, divididas e permutadas e ainda receber empreendimentos econômicos. Isso permite a investida do agronegócio e das mineradoras sobre terras indígenas homologadas, acabando com a noção de tradicionalidade. A PEC estende o “marco temporal” (necessidade de estar sobre a terra tradicional na data de promulgação da Constituição de 1988) também às comunidades quilombolas. Ou seja, é danosa também para essas comunidades tradicionais. Algumas demandas de ruralistas expressas na PEC 215 foram regulamentadas por Portaria do Ministro da Justiça.  A norma, de hierarquia inferior à lei, relativiza o parecer técnico da FUNAI. Agora, o Ministério da Justiça pode rever o procedimento. A Portaria abre espaço para pressão dos ruralistas e para adoção imediata do “marco temporal”. A norma, além de inconstitucional, fere a Convenção 169 da OIT, que determina que os povos indígenas devem ser consultados previamente sobre medidas que os afetem. (PEC 215/2000, Portaria n° 68, de 14 de janeiro de 2017)

13. CPI DO INCRA E DA FUNAI. Tramita, desde novembro de 2015, Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados para investigar as atividades da Fundação Nacional do Índio e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária na demarcação de terras indígenas e quilombolas. A CPI está em sua segunda versão, pois foi extinta e recriada na sequência durante esse período. Seu maior objetivo é paralisar o processo de reforma agrária e a demarcação de terras tradicionais. O colegiado, comandado por ruralistas, tem se dedicado a investir contra minorias e trabalhadores do campo, perseguindo, com fundamentos políticos e não técnicos, gestores, lideranças e pesquisadores que atuam em causas relacionadas à questão agrária. Seus trabalhos, conduzidos de forma parcial, arbitrária e atabalhoada, padecem de vícios profundos. As arbitrariedades da CPI podem ser sintetizadas em quatro aspectos: a) falta de fato determinado para a investigação, que é uma exigência constitucional; b) prorrogação do seu funcionamento sem acordo e fora dos requisitos regimentais — em menos de duas semanas a CPI, extinta por ter extrapolado em muito o prazo regimental, foi recriada; c) diligências em terras indígenas sem autorização dos indígenas e com a presença de policiais armados na tomada dos depoimentos;  d) quebra do procedimento — em uma CPI, o correto é se aprovar os pedidos de indiciamento após a conclusão dos trabalhos. Nesta, entretanto, aprovou-se solicitação de abertura de inquéritos disciplinares e policiais contra Procuradores Federais, antropólogos, professores e lideranças indígenas, antes do relatório final. Além disso, ocorreu quebra de sigilo de diversas organizações da sociedade civil, inclusive científicas e religiosas, antes do relatório final. Dentre elas, do Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja Católica, a mais importante organização não-indígena de apoio à causa indígena no Brasil. Foi aprovada também a quebra de sigilo da Associação Brasileia de Antropologia (ABA) – os cientistas têm sido um dos principais alvos da ofensiva ruralista.

DIREITOS DAS MULHERES E DAS PESSOAS LGBT

14. ESTATUTO DA FAMÍLIA. Foi aprovada por Comissão Especial a proposta que retira os casais homoafetivos do conceito de família. Casais formados por pessoas do mesmo gênero, pela proposta, não podem se casar ou estabelecer união estável, tampouco podem adotar. O Brasil já permite o casamento e a adoção por casais homossexuais, a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal. É um retrocesso. O Estatuto aguarda apreciação pelo Plenário da Câmara. (PL 6583/2013).

15. RESTRIÇÃO AO ATENDIMENTO DE VÍTIMAS DE ESTUPRO. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara aprovou o projeto que criminaliza quem instiga ao aborto ou quem preste qualquer auxílio ou até mesmo orientação a mulheres para interrupção da gravidez. No caso de estupro o aborto só será permitido com exame de corpo delito. O projeto ainda prevê que “nenhum profissional de saúde ou instituição, em nenhum caso, poderá ser obrigado a aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. Ou seja, o profissional de saúde não é obrigado a dar as devidas orientações para uma vítima caso este profissional considere que pílula do dia seguinte é abortiva ou que aborto em caso de estupro não é adequado. A proposta está pronta para apreciação pelo Plenário da Câmara. (PL 5069/2013).

16. ABORTO COMO CRIME HEDIONDO. Quatro PLs em tramitação pretendem tornar o aborto um crime hediondo – tão grave quanto homicídio praticado por grupo de extermínio e estupro de criança, por exemplo. Os crimes hediondos não são suscetíveis a graça ou indulto. (PL 4703/1998, PL 4917/2001, PL 7443/2006 e PL 3207/2008).

17. NASCITURO. Há diversos projetos que dispõem sobre os direitos do nascituro, que tramitam em conjunto, sob o nome de Estatuto do Nascituro. A proposta já foi aprovada em duas comissões – Finanças e Tributação e Seguridade Social e Família. A proposta dá uma pensão à mãe de filho gerado a partir de um estupro, além de prever direitos de paternidade ao agressor. (PL 478/2007).

18. CONTRA O RECONHECIMENTO DE PESSOAS LGBT. Além do Estatuto da Família, tramitam projetos que propõem a vedação de adoção por casal homoafetivo; a criminalização da “heterofobia”; a criação do “Dia do Orgulho Heterossexual”; a criação de nova causa de anulação do casamento — “a ignorância, anterior ao casamento, da condição de transgenitalização, que por sua natureza, torne insuportável a vida do cônjuge enganado com a impossibilidade fisiológica de constituição de prole”; o cancelamento do decreto sobre o reconhecimento do nome social e da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, entre outros. (PL 4508/2008, PL 620/2015, PL 7382/2010, PL 1672/2011, PL 3875/2012, PDC 395/2016).

19. (NÃO) DIVERSIDADE NAS ESCOLAS. Um projeto pretende vetar o debate sobre a igualdade de gênero – ou a promoção da ideologia de gênero — por qualquer meio ou forma do sistema de educação. Outro criminaliza a veiculação “em atos normativos oficiais, em diretrizes, planos e programas governamentais, de termos e expressões como ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘discriminação de gênero’, ‘questões de gênero’ e assemelhados, bem como autorizar a publicação dessas expressões em documentos e materiais didático-pedagógicos, com o intuito de disseminar, fomentar, induzir ou incutir a ideologia de gênero”. (PL 2731/2015, PL 3236/2015, PL 3235/2015)

DIREITO À LAICIDADE DO ESTADO

20. EDUCAÇÃO. Tramitam na Câmara algumas propostas dispondo da obrigatoriedade do ensino religioso, da Bíblia ou do criacionismo nas escolas. Hoje a Lei de Diretrizes e Bases estabelece que o ensino religioso é facultativo, devendo ser respeitada a diversidade, sendo vedado o proselitismo. (PL 309/2011, PL 943/2015, PL 8099/2014,).

21. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR ENTIDADES RELIGIOSAS. Foi aprovada por comissão especial a proposta que diz que as Associações Religiosas podem ajuizar ações de inconstitucionalidade no STF. No Brasil um rol de entidades bastante restrito pode ingressar com ação desse tipo. Ao permitir entidades religiosas sem permitir outras de cunho social, a laicidade do Estado é profundamente ferida. A matéria está pronta para apreciação do Plenário. (PEC 99/2011)

DIREITO À EDUCAÇÃO

22. REFORMA EDUCACIONAL. A maior reforma educacional em décadas foi apresentada por meio de Medida Provisória. Quanto ao método, a proposta foi desenhada sem discussão com a sociedade civil organizada, que inclui professores, estudantes, pesquisadores e gestores. Quanto ao rito, uma MP tem trâmite célere, já que seu requisito constitucional é a urgência. Contudo, mudança de tamanha dimensão deveria ser discutida com cuidado, nos detalhes, para que erros sejam evitados e o governo não tenha que voltar atrás no futuro. Quanto ao conteúdo, apesar do recuo anunciado pelo Ministério da Educação, a MP de fato retirou a obrigatoriedade das disciplinas de sociologia e filosofia. Apenas matemática e português continuaram como matérias obrigatórias nos três anos do ensino médio.  O objetivo central da proposta é privilegiar a formação técnica, na qual o estudante opta por uma ênfase curricular, em vez de uma formação mais abrangente. Assim, o ensino médio será dividido em dois blocos. O primeiro, chamado “Base Nacional Comum Curricular”, terá no máximo 1.200 horas da carga total, ou seja, pode ocupar no máximo 50% da carga horária atual do ensino médio, ou no máximo 28,5% da carga horária almejada para o ensino médio. O segundo é chamado “Itinerários formativos específicos”, será organizado conforme as seguintes áreas de conhecimento ou de atuação profissional:  linguagens; matemática; ciências da natureza; ciências humanas; e formação técnica e profissional. São admitidos profissionais com “notório saber” para ministrar as disciplinas, o que “institucionaliza a precarização da docência e compromete a qualidade do ensino”, conforme pontua o Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio. A proposta, conforme o MNPS, sonega o “direito ao conhecimento e compromete uma formação que deveria ser integral – científica, ética e estética”. A MP está em sintonia com o movimento “Escola sem Partido”, que visa a proibir a veiculação de conteúdos críticos no ensino. Além disso, favorece as corporações do ensino, já que encarece os custos da educação. Ao mesmo tempo em que o governo impõe por media provisória uma reforma educacional caríssima, o executivo patrocinou a PEC do teto de gastos, que prevê a redução sistemática do investimento público em programas sociais. Provavelmente a solução para o paradoxo será transferir a responsabilidade sobre o ensino médio à esfera privada. A Câmara alterou o texto original, que precisa ainda ser apreciado pelo Senado. (MP 746/2016).

23. ESCOLA SEM PARTIDO. O projeto de “Programa Escola sem Partido” inclui, como diretriz da educação nacional, o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa, vedada a transversalidade ou técnicas subliminares no ensino desses temas”. A proposta viola, por isso, a Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; e o respeito à liberdade e apreço à tolerância. Foi criada uma comissão especial para analisar o projeto. (PL 867/2015, PL 7180/2014)

DIREITOS DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES

24. REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. Foi aprovada pelo Plenário da Câmara a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, nos casos de crimes hediondos (como latrocínio e estupro), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Agora a PEC está no Senado. A idade penal de 18 anos é um direito humano previsto na Constituição e por isso é cláusula pétrea. A Convenção sobre Direitos da Criança da ONU de 1989 também afirma que 18 anos é o marco da idade penal. A Constituição estabelece o direito à proteção especial da criança e do adolescente, que inclui “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”. (PEC 115/2015).

25. AUMENTO DA INTERNAÇÃO PARA ADOLESCENTES NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO. O Senado aprovou e a Câmara agora aprecia, em comissão especial, proposta de aumento do tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei. “O texto do Senado eleva o tempo máximo de internação de adolescentes de três para dez anos em casos de homicídio doloso (com a intenção de matar) e de atos descritos na lei de crimes hediondos, sempre que cometidos com violência ou grave ameaça (como estupro e latrocínio). A partir dos 18 anos, o adolescente nessa situação deverá ser transferido para uma unidade ou ala separada dos demais”. Para a CONECTAS, é falsa a ideia de que o aumento da sanção pode reduzir a criminalidade – é o caso da ampliação dos crimes hediondos, sem impacto estatístico nos crimes — ou de que os problemas sociais serão solucionados pelo direito penal (PL 7197/2002 e apensos).

26. EXPOSIÇÃO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI. A Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou o PL que permite a divulgação de imagem de criança ou adolescente a quem se atribui ato infracional. O Coletivo Intervozes manifestou-se contra a proposta, que foi aprovada sem sequer uma audiência pública para debatê-la. Agora o PL será apreciado pela Comissão de Segurança Pública.  (PL 7553/14)

27. REDUÇÃO DA IDADE DE TRABALHO. Está pendente de deliberação a apreciação a PEC que pretende autorizar o trabalho a partir dos 14 anos (hoje a idade mínima é 16). A proposta fere a Constituição e tratados internacionais sobre proteção à adolescência.  (PEC 18/2011).

DIREITO À VIDA

28. ARMAMENTO. Comissão especial aprovou o que significa na prática a revogação do Estatuto do Desarmamento. O porte de armas, hoje restrito a policiais e determinadas autoridades como juízes, poderá ser conferido a qualquer pessoa com requisitos mínimos. Há facilitação para o porte rural de arma de fogo, o que deve contribuir para intensificar a violência no campo, particularmente os ataques de milícias rurais a trabalhadores sem-terra e membros de comunidades tradicionais. O projeto está pronto para apreciação pelo Plenário da Câmara. Por outro lado, está parada a ratificação pelo Brasil do Tratado de Comércio de Armas (que regula o comércio internacional de armas para evitar que elas sejam extraviadas e utilizadas para cometer genocídio, crimes contra a humanidade, etc). (PL 3722/2012, PDC 298/2015).

DIREITOS SOCIAIS E BEM-ESTAR

29. DESMONTE DO ESTADO. Foi promulgada, em dezembro, a Emenda Constitucional proposta pelo Presidente Michel Temer, que institui um novo regime fiscal que congela os gastos públicos por 20 anos. Trata-se da medida legislativa com mais impacto social e econômico da história. O estudo “Austeridade e Retrocesso – Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil”, elaborado pelo Fórum 21, pela Fundação Friedrich Ebert Stiftung (FES), pelo  GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP); e Plataforma Política Social, aponta que a emenda comprometerá atividades estatais básicas e as políticas públicas de educação, saúde, assistência social, infraestrutura, transporte, energia, ciência, fomento à agricultura e à indústria, etc. Os impactos devem ser severos para os setores médios e baixos da população, que se utilizam diretamente dos serviços públicos. Por outro lado, a PEC favorece os rentistas, pois juros e amortização da dívida pública não entram no teto. A emenda veda, ainda, políticas anticíclicas, que poderiam ser acionadas em momentos de crise, além de ser indutora de recessão econômica, já que provoca o ciclo vicioso da austeridade. A proposta implica também em redução do valor real do salário mínimo. A PEC tende a fazer terra arrasada de todo o aparato de desenvolvimento e proteção social construído desde a década de 1930. Como aponta o economista Marcelo Zero, o mecanismo previsto “não existe em nenhum lugar do mundo e impõe uma absurda austeridade permanente, que independe do ciclo econômico e do controle democrático”. Pelos cálculos do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a mudança deve reduzir em 50% os recursos – já insuficientes – aplicados na área. (EC 95 de 2016)

30. REFORMA DA PREVIDÊNCIA. O governo apresentou proposta de reforma da previdência na qual o trabalhador precisará contribuir por 49 anos para assegurar o recebimento do teto do regime geral da previdência. A proposta estabelece paridade entre homens e mulheres e entre servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. A PEC restringe o BPC (Benefício de Prestação Continuada). A aposentadoria sem contribuição para o trabalhador rural é extinta, assim como a aposentadoria especial de professores. A agenda divulgada do secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda mostra que ele se reuniu dezenas de vezes com empresas de previdência privada, mas com sindicatos representantes dos trabalhadores, apenas no dia em que a proposta foi entregue ao Congresso. Os militares são os únicos poupados pela reforma. Eles, entretanto, são responsáveis por 48% do déficit da previdência, segundo estudo do consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados. A proposta já foi admitida pela Comissão de Constituição e Justiça (PEC 278/2016)

31. ORÇAMENTO. Segundo análise feita pelo site Gestão Pública da proposta orçamentária para este ano, a PEC implicou “em reduções significativas, em comparação ao orçamento do ano passado, em áreas centrais dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e que devem certamente comprometer a implementação de políticas públicas em todas as esferas da federação, sobretudo, em Estados e  municípios: desenvolvimento regional – redução de 81, 2%; moradia digna – redução de 56,7%; reforma agrária– redução de 52,6%; igualdade racial  – redução de 42,2%; mulheres e igualdade de gênero– redução de 40%; principais programas sociais – redução de 14%; educação) – redução de 10%; inclusão social e bolsa família – 7,4%; fortalecimento do SUS – redução de 5,6%”. “Por outro lado, a PEC não parece impactar as áreas como investimento militar e o agronegócio, que terão aumento significativo em seu orçamento”.  O Projeto de Lei Orçamentária encaminhado pelo Governo para o ano de 2017 tem a redução de R$ 430 milhões nas políticas públicas que atendem a agricultura familiar, a reforma agrária, os povos e as comunidades tradicionais (estudo da Liderança do PT). A proposta estabelece um teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias da Funai. Trata-se do menor valor orçado para a Fundação nos últimos 10 anos (de acordo com A Pública).

32. PROGRAMA DE PARCERIAS DE INVESTIMENTO (PPI). Foi aprovada a medida provisória de Michel Temer que instituiu o programa de privatizações de seu governo. A proposta, segundo o Deputado Nilto Tatto (PT/SP), é orientada “à expansão da infraestrutura mediante parcerias com a iniciativa privada e às privatizações de empresas e instituições financeiras federais, institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente da República, e negligencia os princípios que regem as licitações públicas”. A MP traz um apêndice que fragiliza o licenciamento ambiental – que é o principal instrumento de análise dos impactos ambientais de qualquer tipo de empreendimento. (Lei Ordinária 13334/2016)

33. ENTREGA DO PRÉ-SAL. O legislativo aprovou a proposta de autoria do atual Ministro das Relações Exteriores, Senador licenciado José Serra (PSDB/SP), que retira a participação obrigatória da Petrobrás em pelo menos 30% da exploração do Pré-Sal – provavelmente a maior reserva energética do mundo. Conforme apontou a Federação Única dos Petroleiros, trata-se de entregar a reserva às multinacionais, o que significará menos recursos para políticas públicas “e o fim da política de conteúdo nacional, que gera empregos, renda e tecnologia para o nosso país”. (Lei Ordinária 13365/2016)

34. RENEGOCIAÇÃO DAS DÍVIDAS DOS ESTADOS. O Congresso Nacional aprovou o projeto de renegociação da dívida dos Estados. Para aderirem ao programa, os estados devem se submeter, por dois anos, aos requisitos da Emenda do teto de gastos. A Câmara rejeitou, porém, dispositivos inseridos pelo Senado, como aumento da contribuição previdenciária dos servidores. A Câmara ainda inseriu na proposta a possibilidade de ajuda aos estados em situação de calamidade financeira, com o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul.  Michel Temer vetou essa ajuda, e pretende apresentar novo projeto sobre o tema em 2017. (PLP 257/2016, Lei Complementar 156/2016)

DIREITO À COMUNICAÇÃO

35. EBC. Michel Temer propôs medida que acaba com a autonomia da Empresa Brasileira de Comunicação. Ela permitirá que o Planalto indique e demita livremente o presidente da EBC. Tal medida vai na contramão das práticas democráticas de comunicação pública mundo afora, segundo as quais se criam empresas públicas de comunicação que não são estatais, ainda que prestem contas ao governo. (MP 744/16).

36. 100 BI ÀS OPERADORAS. Foi aprovado, em sete dias corridos, com apoio do governo Temer e sem debates, em caráter terminativo pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado, um projeto que “transforma as concessões de telecomunicações em autorizações e transfere uma infraestrutura estratégica da União, avaliada em R$ 100 bilhões, para o patrimônio privado das operadoras”. A proposta, como aponta o Intervozes, “resultará no fim da universalização dos serviços de telecomunicações, pode elevar preços de conexão e deixar regiões interioranas desconectadas”. (PLC 79/2016)

DEVIDO PROCESSO LEGAL

37. EXCEÇÃO LEGALIZADA. Foram apresentadas pelo Ministério Público Federal “dez medidas contra a corrupção”. A proposta, na prática, legalizava medidas de exceção como admissão de provas ilícitas, restrição ao habeas corpus, restrição grave à prescrição dos crimes e limitação à defesa e teste de integridade, ampliação excessiva do rol de crimes hediondos, etc. Como aponta o Subprocurador-Geral da República Eugênio Aragão, o que o MPF quer é um projeto de “interesse corporativo”, que expande suas competências, criando obstáculos à defesa. O texto das 10 medidas foi, em seus principais pontos, rejeitado pelo Plenário da Câmara dos Deputados e seguiu agora para o Senado. (PL 4850/2016).

38. TERRORISMO. O legislativo aprovou a lei que tipifica o terrorismo no Brasil.  Apesar da ressalva que exclui de seu texto a atuação de movimentos reivindicatórios, a lei é perigosa pois traz conceitos indeterminados. O Conselho Nacional de Direitos Humanos e pelo menos 80 movimentos sociais foram contrários à proposta. (Lei ordinária 13.260 de 2016).

39. CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS. Hoje ao menos dois projetos de lei pretendem agravar a legislação antiterror. Um deles resgata os dispositivos vetados pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff. Assim, criminaliza os atos de ato de incendiar, saquear, depredar meios de transporte, agências bancárias, lojas e prédios públicos – o que implica em pena excessiva a condutas contra o patrimônio. Outro inclui a finalidade política como elemento a caracterizar o terrorismo, com o intuito de restringir movimentos reivindicatórios, ferindo a liberdade de expressão e a democracia. (PLS 272/2016 e PL 5065/2016)

DIREITO AO VOTO

40. PARLAMENTARISMO. O Senado aprovou a criação de uma comissão especial para debater a adoção do parlamentarismo, ainda não instalada. Tramita no STF um mandado de segurança (MS 22.972) que questiona se é possível a mudança de um sistema de governo via emenda Constitucional. O MS foi pautado em março, mas não foi ainda julgado. Nas informações que prestou ao STF, o Presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros, manifestou-se favorável ao parlamentarismo. Por esse sistema, os cidadãos não têm o direito de voto direto para o cargo de Presidente da República.

 

Elaboração:

Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), IESP-UERJ

Apoio:

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Conectas Direitos Humanos

Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

 Fonte: Câmara dos Deputados

Fome entre os Guarani e Kaiowá: “Criança chora, não aguenta mais. Sofrimento mesmo. Quase comendo terra”

Sem a terra tradicional, resta a fome para ao menos 40 comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Em acampamentos improvisados, às margens de rodovias, estradas de terra ou entre lavouras de cana e soja, nas retomadas – áreas não regularizadas e sob conflito – os indígenas não recebem cestas de alimentos desde novembro.

“Criança chora, não aguenta mais. Sofrimento mesmo. Tão fraco mesmo. Quase comendo terra. Precisamos de um apoio. Vou sair pra ver o que consigo porque vai morrer aqui. É desespero, não vai aguentar”, desabafa Gilmar Guarani e Kaiowá, morador da retomada de uma área localizada na Fazenda Madama, em Kurusu Ambá. Por ali vivem cerca de 80 crianças.

Até dezembro de 2014, cerca de 14 mil cestas eram levadas às comunidades por força de um Acordo de Cooperação Técnica do governo federal. Com a não renovação do acordo, desde 2015 o número despencou para no máximo 2 mil. “100% das famílias indígenas do Cone Sul eram atendidas. Não é mais assim”, explica Silvio Raimundo da Silva, agente indigenista da Funai de Dourados.

Hoje se trata de uma ação emergencial tocada pela Conab. “As cestas, na verdade, deveriam ser substituídas por políticas públicas estruturantes. Agricultura, mercado de trabalho, geração de renda. Acontece que a redução das cestas ocorreu, mas não foi acompanhada por outras políticas. Houve um descompasso”, analisa o indigenista.    

As lideranças indígenas apontam que este descompasso se dá pela paralisação das demarcações. “Tamo debaixo de lona, entre fazendas de soja, cana e gado. Só o espaço pros barracos. Plantar fica difícil. Dividimos aquilo que conseguimos e quando a fome aperta nas crianças, o jeito é botar pra dormir”, explica Elizeu Guarani e Kaiowá.

Fome e Insegurança Alimentar

Elizeu é membro da Aty Guasu, principal organização política do povo, e mora no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá. A comunidade compõe os estudos do relatório Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição Guarani e Kaiowá (2016). A pesquisa é da Fian-Brasil com o Cimi e abrange ainda os tekoha Guaiviry e Ypo’i.  

“Pedaços de terras que as comunidades ocupam dentro de seus territórios tradicionais estão dominados por monoculturas das fazendas, cujo cultivo demanda o uso excessivo de agrotóxicos (…) risco à saúde, à vida, representando também uma violação ao direito humano à alimentação, nutrição e água”, diz trecho do estudo.

São mais de 100 domicílios nos três tekoha pesquisados – 46% dos moradores e moradores tinham menos de 15 anos. No momento em que os pesquisadores realizaram as entrevistas (2013), em 75 destas casas os jovens residentes dependiam da família para se alimentar.

De acordo com critérios internacionais de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (Dhana), 13,3% dos domicílios (10) apresentaram insegurança alimentar leve; 58,7% (44) insegurança alimentar moderada e 28% (21) insegurança alimentar grave. Conforme o PNAD/IBGE (2013), em domicílios menos de 18 anos a insegurança alimentar grave atinge 4,8% das famílias brasileiras.   

“A fome é resultado da expulsão das terras e de outros fatores que são causados pela violência gerada pelo atual modelo de produção de alimentos, enquanto a má nutrição resulta da fome, da baixa qualidade, da redução da diversidade e da contaminação dos alimentos, da inadequação das condições de saneamento”, diz trecho do diagnóstico.

“Não pode plantar” e um TAC do MPF

Gilmar Guarani e Kaiowá explica que a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) tentam intermediar um acordo com os proprietários da Fazenda Madama, incidente sobre o território indígena, para que permitam a plantação dos indígenas. “Não pode plantar. Outros lugares não pode pegar água no açude. É assim”, diz o indígena.

“Com a redução no número das cestas de alimentos passamos a indicar como prioridade os lugares com mais vulnerabilidade: as áreas retomadas. Como a recuperação de territórios segue ocorrendo, e a quantidade de cestas diminuindo, tem uma defasagem”, salienta o coordenador da Funai em Dourados, Vander Nishijima.

A distribuição da Conab de cestas ocorre em seis etapas, com um intervalo médio de 60 dias. Com uma quantidade muito menor de cestas, 60 dias viram 120 para a fome de quem está com a barriga vazia. “Existe o entendimento do MPF e nosso, da Funai, de que o estado tem programas para contribuir com a alimentação”, diz Nishijima.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi celebrado entre o MPF, a Funai e o Governo Estadual do Mato Grosso do Sul, no ano passado. A Secretaria de Assistência Social se comprometeu a pavimentar caminhos para o auxílio e levantar famílias indígenas que já participam do Programa Vale Renda.

Aos não-indígenas, o programa oferece uma ajuda em dinheiro. Para os indígenas, em alimentos. No TAC, a Secretaria se comprometeu a até este mês de janeiro ter tudo detalhado para seguir com o cronograma. “Hoje temos algo temporário, o governo estadual tem condições de levar alimentos de modo permanente”, conclui Nishijima.

Bloqueio de estrada e Consea    

Em Naviraí, os Guarani e kaiowá bloquearam por três dias, no final do ano passado, a BR-163. Na pauta a questão da falta de comida e a fome. “A Polícia Federal nos ligou perguntando se tínhamos como levar alimentação. O Cimi e outras entidades arrecadam de forma permanente”, explica Matias Benno, missionário do Cimi.

O indigenista explica que os casos de desnutrição são sistemáticos: “Em Pyelito Kue quase todas as crianças já receberam algum tipo de tratamento envolvendo as consequências da desnutrição. Já houve óbitos. As áreas não regularizadas são disparadas as que mais concentram casos”.

Não há nada de novo ao governo federal. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) fez dez recomendações aos poderes públicos referentes ao quadro dos Guarani e Kaiowá. As propostas foram elaboradas e aprovadas como resultados da missão ao MS realizada entre agosto e setembro.

“As áreas de retomada e acampamentos estão em situação de maior vulnerabilidade e insegurança alimentar e nutricional grave que as demais da região, visto que as terras não estão demarcadas, não acessam as políticas públicas que dependem da regularização e que não são autorizadas a cultivar plantio de alimentos”, diz o Consea.

Há poucos metros da sala da Presidência da República, no Palácio do Planalto, o Consea abordou o acesso dos Guarani e Kaiowá aos alimentos, os impactos de programas sociais, qualidade, quantidade e regularidade das cestas básicas, o acesso à água, documentação e questões relacionadas à demarcação das terras.

Mobilizações artísticas, políticas e doações de alimentos

Priscila Anzoategui é jornalista, advogada, militante, mãe e integrante do Coletivo Terra Vermelha (CTV), organização de Campo Grande (MS). Ativista da causa indígena, a militante percorreu todas as comunidades Guarani e Kaiowá em situação de fome e insegurança alimentar. Percorreu, inclusive, levando carros e carros com doações.

Não se trata, porém, de assistencialismo. “Lá no Tey’i Jusu, Guaiviry, e outros, a gente sabe que os Guarani e Kaiowá querem plantar e estão fazendo de tudo pra voltar a ter essa independência, mas enquanto fazem essa transição precisam das cestas”, explica Priscila. O diálogo com caciques e lideranças é constante.

“Agora em Kurusu Amba, em especial no acampamento do Gilmar, toda vez que a gente vai é essa situação de miséria. No ano passado quando fui levar os alimentos tava bem frio e as crianças descalças. O CTV leva roupas também, e já ajudamos com material escolar”, afirma.

Para conseguir as doações, de um modo geral, o Coletivo articula apresentações artísticas em Campo Grande, faz intervenções políticas e conta com apoios diversos. “As lideranças entram em contato com a gente e tentamos fazer tudo rápido. Uma arte da campanha, escolhe um ponto de arrecadação e começa a difundir”.

No próximo sábado, 21, por exemplo, o Sesc da capital sul-mato-grossense receberá o espetáculo infantil “Kikio” do Grupo Guavira de Teatro de Bonecos. O artista e integrante do CTV Jorge de Barros, cujo ateliê confecciona os bonecos, traz histórias indígenas na peça. Quem quiser conferir e ajudar os Guarani e Kaiowá, pode levar alimentos para doar.

Por Renato Santana

Publicado originalmente no site do CIMI

Los hermanos contra os agrotóxicos

Argentinos lutam em várias frentes contra devastação provocada pelos agroquímicos; crianças de escolas rurais são atingidas


Os fatos se sucedem na Argentina, e parecem ter no Tribunal Monsanto um polo irradiador. Depois de denunciada no Tribunal, uma pesquisa que comprova a relação entre câncer e agroquímicos foi censurada e gerou solidariedade em outros países. Estudo da mesma universidade anunciou a comprovação dos efeitos tóxicos do glifosato para o sistema nervoso. Expostas no Tribunal, as fotografias de “O custo humano dos agrotóxicos”, de Pablo Ernesto Piovano, sobre as ‘zonas fumigadas’, ganhou prêmio internacional.

E mais. Uma fábrica da Monsanto foi fechada. Uma caravana contra os agrotóxicos foi armada por vizinhos autoconvocados que se definem como “vítimas de envenenamento por viver em pueblos fumigados com agrotóxicos”. A morte por intoxicação de uma criança está sendo julgada.

CENSURA AOS ACAMPAMENTOS SANITÁRIOS

O médico Damián Verzeñassi acabava de voltar da Holanda, onde relatara ao Tribunal Internacional Monsanto as pesquisas realizadas por sua equipe na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, demonstrando a relação existente entre expansão do uso de agrotóxicos e a tendência a contrair câncer na população rural. Foi quando soube que estava impedido de acessar os dados da pesquisa, trancados com corrente e cadeado pelo decano da Faculdade de Ciências Médicas, à qual ele e sua equipe estão ligados. A reação da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais fez os dados serem liberados.

Verzeñassi e sua equipe realizam pesquisas em acampamentos sanitários nas regiões de cultivo de soja transgênicas, fumigadas por agrotóxicos – além da cuenca sojera, as províncias do Chaco, Santiago Del Estero, Salta e Formosa. Desde 2010, já alcançaram com os acampamentos 96.800 pessoas que vivem em 27 localidades de quatro províncias argentinas. Desse encontro entre quem vive nas localidades de menos de 10 mil habitantes e dos estudantes e docentes da universidade pública foram surgindo dados que permitiram à equipe de Verzañassi identificar as enfermidades e seu comportamento nos últimos 20 anos: hipotireoidismo, doenças respiratórias, malformações congênitas, abortos espontâneos, diferentes tipos de câncer.

SOJA EM GRANDE ESCALA

“Quando estudamos o que tinham em comum, vimos que eram vilarejos em regiões onde se começou a produzir soja em grande escala há 20 anos”, diz o médico. Essa foi exatamente a época em que a soja transgênica entrou no país. “As doenças que prevalecem nesses territórios, segundo os dados observados, coincidem com os problemas de saúde associados aos agrotóxicos, de uso obrigatório no pacote de transgênicos”.

O mapa de saúde dos vilarejos fumigados revela grandes diferenças com o mapa epidemiológico nacional da Argentina, demonstra a pesquisa.  Em nível nacional, a primeira causa de morte são os problemas cardiovasculares, enquanto nessas regiões um terço dos óbitos ocorre por alguma forma de câncer – o que representa cerca de 50% a mais que no resto do país.

Os últimos dados parciais revelados pela equipe de Verzeñassi, em 2015, sobre a localidade de San Salvador (Entre Ríos), mostram que, entre 2000 e 2014, 80 dos domicílios visitados relataram 84 casos de câncer diagnosticados, dos quais 46,4% ocorridos nos últimos cinco anos.

“Chama a atenção que a escalada de perseguições surja quando estou de licença participando do Tribunal em Haia, e membros da nossa equipe tenham falado aos meios de comunicação sobre o mapa do câncer na região”, observou Verzañassi, que recebeu apoio de vários setores da sociedade argentina e internacional. Seus estudos vêm sendo apresentados como prova em juízo em congressos, nacionais e internacionais, e requisitados por autoridades científicas. O caso repercutiu também na Itália, consumidora da soja argentina.

ESCOLAS RURAIS

As escolas rurais são diretamente afetadas pelas fumigações. Como no Brasil, onde o caso de Rio Verde, a 200 km de Goiânia, foi registrado no filme Pontal do Buriti – brincando na chuva de veneno.

Feitas em horário de aula e sem aviso prévio, causam doenças de pele e das vias respiratórias, vômitos e problemas gastrointestinais em crianças e adultos. Na região de Entre Ríos, as fumigações vêm atingindo 82 escolas, com cerca de 2.500 alunos, 450 professores e 80 funcionários. No departamento de Uruguay são 15 escolas, das 28 pesquisadas. E em Gualeguaychú, 19 entre as 23 escolas visitadas sofreram fumigações. O mesmo ocorre em Córdoba, onde há 1500 escolas a menos de um quilômetro de campos fumigados, com 12 mil alunos e 900 professores. “Parem de fumigar a escolas”, diziam cartazes de associações de docentes, padres e ambientalistas que se mobilizam contra essa prática.

O país é o terceiro maior produtor de soja transgênica do mundo, com 60,8 milhões de toneladas na safra 2014/2015, perdendo apenas para o Brasil (94,5 milhões de toneladas) e os Estados Unidos (108 milhões de toneladas), em números absolutos.

CIENTISTA ESTUDA GLIFOSATO

A Argentina foi o primeiro país latino-americano a aprovar o cultivo de sementes transgênicas. Vinte anos depois, é um dos maiores produtores de soja geneticamente modificada do mundo, e um dos países com mais aplicação de agrotóxicos – atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil. O mais usado é o glifosato, conhecido como “mata mato” ou Roundup , da multinacional Monsanto. É o veneno mais comercializado em escala global, por sua suposta inocuidade.

Contudo, pesquisa desenvolvida pela professora Silvana Rosso na Faculdade de Ciências Bioquímicas e Farmacêuticas da Universidade Nacional de Rosário – a mesma onde os dados dos “acampamentos sanitários” foram censurados – traz luz ao debate acerca dos efeitos sinistros do glifosato para o desenvolvimento animal e humano. Mesmo em doses menores que aquelas a que os humanos estão expostos, o glifosato produz efeitos citotóxicos e altera a constituição do DNA, comprovou o estudo.

Durante cinco anos, a equipe da professora avaliou os efeitos do glifosato sobre o desenvolvimento e função do sistema nervoso de mamíferos expostos ao veneno no período de gestação, usando como modelo animal fêmeas de ratos, cujo sistema nervoso é semelhante ao humano.

“Observamos, por meio de testes comportamentais realizados em laboratório com animais que foram expostos ao glifosato durante o período de gestação, sinais de neurotoxicidade manifestados por alterações na capacidade de respostas reflexas, diminuição na atividade motora, na aprendizagem e na memória, e que essas alterações são irreversíveis”, diz Silvana Rosso.

IMPACTO NA SAÚDE

Em 2015, a Agência Internacional do Câncer (Iarc), que pertence à Organização Mundial de Saúde (OMS), recategorizou o glifosato como “provavelmente cancerígeno”. Mas nesse mesmo ano a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar desautorizou a Iarc: considera que o glifosato não é nem carcinogênico nem mutagênico.

Em 29 de junho de 2015, um mês depois que a OMS e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicaram um estudo conjunto sustentando que o glifosato não é cancerígeno, a Comissão Europeia renovou a permissão de uso do glifosato no continente até o último dia de 2017. Até então, a Agência Europeia de Produtos Químicos terá, espera-se, uma conclusão definitiva sobre o efeito dessa substância sobre as pessoas.

No Brasil, o Ministério Público Federal reforçou o pedido de banimento do glifosato por ser um produto cancerígeno. O herbicida 2.4D também é proibido em vários países do mundo. Ambos são muito utilizados no Brasil e na Argentina.

A EXPLOSÃO DO CONSUMO

O consumo do glifosato na Argentina saltou dos 30 milhões de litros/ano em 1996 – quando foi aprovado o uso de transgênicos no país – para 400 milhões em 2016, apontam estudos da Universidade Nacional da Plata. Foram pulverizados mais de 24,5 milhões de hectares, cerca de 60% da área cultivada do país. Isso significa um aumento de maisde 1000 % em duas décadas.

No Brasil, o aumento foi de um terço em cinco anos, de 120 mil toneladas em 2010 para quase 195 mil em 2014, conforme dados apresentados pela pesquisadora Sonia Corina Hess, professora da UFSC. “Glifosato e transgênico vão juntos. A indústria convenceu todo o mundo que o veneno não é venenoso. Mas quem faz os testes é a indústria”, alertou ela, na Audiência Pública sobre Agrotóxicos que criou o Forum Paulista contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, no fim de agosto.

Também o pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo, que esteve no Tribunal Monsanto representando a Abrasco, alerta para a invisibilidade do problema: “Temos anualmente 400 mil casos de intoxicação e 4 mil mortes relacionadas com os pesticidas no Brasil. O Tribunal é de grande relevância para os países da América Latina”.

Por Inês Castilho

Publicado em De Olho nos Ruralistas

Fian Brasil inicia diagnóstico sobre situação alimentar em território quilombola e geraizeiro de MG

As violações de direitos e a situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequada (DHANA) no Território Quilombola de Brejo dos Crioulos e no Território Geraizeiro de Vale das Cancelas, ambos localizados na região Norte de Minas Gerais, são foco de dois diagnósticos em elaboração pela Fian Brasil.

“A elaboração destes diagnósticos tem como objetivo analisar de maneira qualitativa a situação do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) nos dois territórios. Devido ao enfoque da Fian, ao tratar do DHANA também abarcamos uma ampla gama de direitos correlatos, como acesso à educação, saúde e cultura, e com base nisso pretendemos fazer uma série de recomendações ao Estado brasileiro sobre o que deve ser feito para alterar essas realidades”, aponta o assessor de direitos humanos da Fian Brasil, Lucas Prates.

A visita em Brejo dos Crioulos para elaboração do diagnóstico foi realizada entre os dias 10 e 13 de janeiro e contou com a participação de cerca de 30 lideranças das comunidades que compõem o território, homens e mulheres. Já no Território Geraizeiro de Vale das Cancelas a visita foi realizada entre os dias 13 a 16 de janeiro, com a participação de cerca de 40 lideranças, entre homens e mulheres.

O processo de coleta de dados foi realizado por meio de entrevistas com lideranças, entrevistas domiciliares e grupos focais, e abordaram três grandes eixos: soberania alimentar, gênero e processo social da alimentação, na perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos.

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Grupo focal com mulheres de Brejo dos Crioulos assessorado por Edina Lapa do CAA

Em cada território foi abordada a questão da dimensão territorial e do acesso ao território e o acesso às políticas públicas de fomento à produção alimentar que impactam, diretamente, no acesso à alimentação. Responsável pela elaboração dos diagnósticos, o antropólogo Dr. Júlio César Borges, observa que mesmo com o acesso a cerca de 85% do território garantido, as comunidades de Brejo dos Crioulos sofreram nos últimos 5 anos com uma grave seca na região, que atrapalhou a produção de alimentos. “Aliada à seca, constatamos a presença de uma alimentação comprada, com pouca produção própria – o que não supre as necessidades das famílias. Desta forma restou evidente a atual importância de aposentadorias e do Programa Bolsa Família para a aquisição de alimentos”.

Mesmo com a dificuldade da produção de alimentos no território quilombola, o antropólogo aponta que comparando os dois territórios, a situação de Vale das Cancelas é mais preocupante pois além de “não terem o território garantido, [os/as geraizeiros/as] sofrem com ameaças de empresas de eucalipto, que desde a década de 70 estão acabando com a água e jogando muito agrotóxico na região, e ainda enfrentam problemas com empresas mineradoras e de usinas hidrelétricas”, destaca Júlio César Borges.

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Júlio Borges durante entrevista domiciliar em Vale das Cancelas

As visitas nos territórios contaram com o apoio do CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas  e MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. Os diagnósticos serão apresentados ainda no primeiro semestre de 2017 e são elaborados com o apoio da Misereor, Pão Para o Mundo e HEKS-EPER.

Brejo dos Crioulos

O Território Quilombola de Brejo dos Crioulos localiza-se na região norte de Minas Gerais, entre os municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, e possui cerca de 17.300 hectares. O território divide-se em oito comunidades, reunindo em torno de 500 famílias.

Vale das Cancelas

O Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas abrange um total de 73 localidades dos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, onde vivem mais de 1.400 famílias geraizeiras.

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.

Flávia Quirino/Assessoria de Comunicação FIAN Brasil

 

Desnutrição volta assolar aldeias indígenas de MS

O fantasma da desnutrição volta a “assombrar” o território indígena em Mato Grosso do Sul. Em acampamentos Guarani e Kaiowá de Kurusu Ambá (Coronel Sapucaia) e Pyelito Kuê (Iguatemi), lideranças afirmam que centenas de crianças já apresentam quadro de desnutrição por falta de alimentos e água potável. A cesta básica estaria atrasada desde novembro e água, só de açude.

O guarani kaiuá Elizeu Lopes, diz que a Funai alega insuficiência de recursos por parte da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), não havendo previsão de distribuição de cestas básicas para nenhum acampamento indígena no Estado.

Segundo ele, as famílias pedem socorro. “A gente divide o pouco que se tem, mas quando não há nada, as crianças dormem para esquecer a fome. Nós bebemos água em açudes, junto com o gado, que é melhor tratado no Brasil do que seres humanos”, destaca.

Segundo o guarani, mais de 200 crianças estariam com desnutrição. Ele afirma que cerca de 20 delas chegam a estar acamadas.

O professor da Faculdade Intercultural Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Neimar Machado de Souza, explica que nessas comunidades, 42% das crianças, menores de cinco anos, sofrem de desnutrição crônica, apresentando baixa estatura e peso para a idade, conforme o relatório da Rede Internacional de Informação e Ação pelo Direito Humano à Alimentação (FIAN 2016).

O professor explica ainda que as causas dessa crise decorrem do fato que estas e outras comunidades indígenas enfrentam histórico abandono e racismo institucional. “A não demarcação dos territórios também afeta diretamente as duas áreas. Medidas paliativas foram tomadas em 2005, quando houve redução, mas não a reversão nos casos de desnutrição. Faltam políticas públicas”, destacou, observando que as crianças para terem acesso a escola precisam andar todos os dias mais de 20 quilômetros.

“O Brasil tem 1.113 terras indígenas, das quais 654 aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Este número corresponde a 58,7% do total das terras indígenas do país”, explica.

O PROGRESSO entrou em contato com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que disse que iria mandar uma nota essa semana sobre o caso.

A Conab disse que entregou 200 cestas básicas nas duas comunidades nos dias 01 e 02 de dezembro. “Existe em nossa Unidade Armazenadora em Campo Grande 04 etapas de 1.400 cestas destinadas à Funai em Ponta Porã, responsável pelos acampamentos em questão. As cestas estão à disposição dos parceiros da Ação de Distribuição de Alimentos -ADA. A Conab ressaltou apenas que não há, no momento, previsão de repasse orçamentário/financeiro pela SESAN/MDSA para custeio operacional da Ação de Distribuição de Cestas de Alimentos.

Campanha

Em Dourados,uma campanha arrecada alimentos não perecíveis para essas comunidades indígenas. O ponto de coleta pode ser na recepção do Jornal O PROGRESSO, na Avenida Presidente Vargas 447, em frente a Praça Antônio João. Outro ponto de coleta é na Fadir, da UFGD. Endereço: Rua Quintino Bocaiúva, 2100 – Jardim da Figueira.

Fonte: O Progresso

Regulamentação da publicidade infantil continua a espera da lei

A demora reflete o poder que as indústrias de brinquedos e de alimentos têm para barrar qualquer iniciativa visando proteger a infância.


Um projeto de lei que regula a propaganda dirigida às crianças completou neste final de ano 15 anos na fila de espera para ser votado na Câmara dos Deputados.

A demora reflete o poder que as indústrias de brinquedos e de alimentos, as agências de publicidade e os veículos de comunicação têm para barrar qualquer iniciativa visando proteger a infância desse tipo de propaganda.

Além dos intrincados trâmites legislativos.

Tornou-se conhecido o caso do menino, na periferia de São Paulo, que ao ser detido pelo segurança de um supermercado tomando um danoninho, disse estar apenas querendo saber que gosto tinha esse produto tão anunciado na televisão.

Situações dramáticas como essa são os aspectos mais visíveis de um cotidiano marcado pelo martelar constante de apelos indiscriminados ao consumo infantil.

Eles estão, todos os dias e todas as horas, nos anúncios impressos, nos comerciais de rádio e TV, em banners na internet, nas embalagens de alimentos e brinquedos, na disposição de produtos nos pontos de venda entre tantas outras formas de sedução para o consumo.

Do lado oposto ao dos defensores da propaganda dirigida às crianças está o Instituto Alana que há dez anos mantém o projeto Criança e Consumo, voltado à defesa do público infantil.

O Instituto lançou o Caderno Legislativo: Publicidade Infantil, uma minuciosa análise do funcionamento do processo legislativo apresentada de forma didática junto com um apanhado atualizado do debate em torno da regulação da publicidade infantil no Brasil e no mundo.

Um dos aspectos centrais desse debate é o da vulnerabilidade das crianças diante dos apelos ao consumo. “A publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro as crianças até os 12 anos, quando não possuem todas as ferramentas necessárias para compreender o real”, diz um parecer do Conselho Federal de Psicologia,

Muitas delas, principalmente as mais novas, não conseguem diferenciar o entretenimento da propaganda.

Disso se vale a publicidade ao misturar nas embalagens de alimentos e brinquedos ídolos e heróis infantis, combinando produtos desses dois tipos na mesma mercadoria oferecida às crianças, realizando a chamada “venda casada”.

Os mais velhos, já entrando na adolescência, são atingidos por outras estratégias publicitárias.

Pesquisa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) realizada em 23 países, entre eles o Brasil, com 5 mil jovens de 12 anos, mostra a importância dos heróis televisivos e pop stars na imaginação infanto-juvenil.

Muitos deles transformam-se em garotos-propaganda, usando para vender mercadorias a aura conquistada em programas de entretenimento.

Além de estabelecer o consumo como ideal de vida, há outras conseqüências negativas produzidas por essa propaganda.

Duas delas são facilmente perceptíveis: a erotização precoce e a obesidade infantil.

A primeira é resultado da “entrada precoce e artificial no mundo adulto, desrespeitando assim a peculiar fase do desenvolvimento infantil”, diz a publicação do Instituto Alana.

“Conheço meninas de 4 ou 5 anos que só querem comer alface ou rejeitam certos modelos de roupa. Tudo para não parecerem gordas ou distantes das imagens propagadas pela TV e copiadas pelas amiguinhas”, diz a professora Jane Felipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, citada na publicação.

Por outro lado cresce a obesidade.

Segundo o Caderno Legislativo “observa-se um cenário assustador de epidemia de obesidade entre as crianças, chegando ao índice alarmante de 30% com sobrepeso e 15% obesas. As causas apontadas vão desde o aumento do consumo de produtos ricos em açucares simples e gorduras à intensa presença de televisão e computador nas residências”.

Embora a promulgação de uma lei que ponha fim a essa situação continue sendo protelada pelo Parlamento brasileiro, parte da sociedade já se deu conta dos malefícios impostos aos seus jovens pela comunicação mercadológica. São várias as entidades da sociedade civil engajadas nesse processo.

A proteção da criança e do adolescente diante da publicidade infantil já está garantida pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Código de Defesa do Consumidor e por uma resolução de 2014 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).  

Falta, no entanto, uma lei específica capaz de esclarecer melhor o debate e garantir a eficácia no seu cumprimento.

É o que se espera do Congresso Nacional.

Por Laurindo Leal Filho.

Fonte: Carta Maior

CEPAL: autonomia das mulheres é imprescindível para a igualdade de gênero

A autonomia socioeconômica das mulheres é um requisito necessário e imprescindível para alcançar uma verdadeira igualdade de gênero na América Latina e no Caribe, alertou a diretora da divisão de assuntos de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), María Nieves Rico. Ela lembrou que ao menos 12 mulheres são vítimas de feminicídio por dia na região.


A autonomia das mulheres é um requisito necessário e imprescindível para alcançar uma verdadeira igualdade de gênero na região latino-americana e caribenha, afirmou nesta terça-feira (10) a diretora da divisão de assuntos de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), María Nieves Rico, no quarto capítulo de “Horizontes CEPAL”, novo programa multimídia desse organismo das Nações Unidas.

Em entrevista, a oficial da ONU abordou o processo de construção da agenda regional de gênero durante as últimas quatro décadas sob o enfoque de direitos humanos, e identificou os principais objetivos relacionados à autonomia das mulheres em três dimensões-chave: física, econômica e na tomada de decisões.

Dados oficiais dos países indicaram que ao menos 12 mulheres são assassinadas em média a cada dia na região só pelo fato de serem mulheres, alertou Rico no programa.

“A América Latina e o Caribe é a região do mundo com maiores avanços em legislação sobre violência contra as mulheres”, mas a vontade política expressada nessas leis não é suficiente para erradicar esse flagelo que se sustenta em padrões culturais patriarcais entranhados nas sociedades latino-americanas e caribenhas, explicou.

A Estratégia de Montevidéu, aprovada durante a XIII Conferência Regional sobre a Mulher de América Latina e Caribe realizada no fim de outubro no Uruguai, identificou essas práticas como um dos nós estruturais da desigualdade de gênero na região, disse a oficial da ONU.

A Estratégia de Montevidéu foi adotada para a implementação da agenda regional de gênero nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e na Agenda 2030.
Durante a entrevista, María Nieves Rico compartilhou alguns dos principais indicadores incluídos no documento “Autonomia das Mulheres e Igualdade na Agenda do Desenvolvimento Sustentável”, apresentado na reunião no Uruguai.

Ela lembrou, por exemplo, que uma em cada três mulheres na região não tem renda própria e que mais da metade (55%) não tem renda própria ou recebe menos que o salário-mínimo mensal de seu país. Entre as que têm renda, 23,6% têm renda pessoal abaixo da linha da pobreza.

A especialista afirmou também que a América Latina e o Caribe foi a primeira região do mundo a ter leis de cotas para aumentar a participação das mulheres nos cargos de representação popular. No entanto, em nenhum nível da tomada de decisões nos poderes do Estado as mulheres superam atualmente 25% (prefeituras e ministérios) ou 30% (parlamentos e tribunais de Justiça) do total, disse.

“A igualdade de gênero não é apenas igualdade de oportunidades, mas também de resultados”, concluiu Rico.

 

Fonte: ONU Brasil

Discurso de encerramento do mandato de Maria Emília L. Pacheco no Consea

Discurso de encerramento do mandato – Maria Emília L. Pacheco

Encerramos, hoje, nosso mandato da gestão 2012-2016, nesse importante Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, onde cheguei em 2004, conselheira representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e em 2012, fui honrada com a indicação para assumir a presidência que busquei exercer de forma colegiada.

Nos últimos anos, tivemos a melhoria dos indicadores sociais, com a redução da extrema pobreza; a diminuição significativa da insegurança alimentar moderada e grave, da mortalidade infantil e da desnutrição.

A saída do Brasil do Mapa Mundial da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), mostrou o acerto da adoção de estratégias intersetoriais concretizadas em iniciativas políticas como a valorização do salário mínimo, a garantia de emprego, a execução de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, e a inovação de programas estruturantes a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa de Alimentação Escolar ( PNAE), o Programa um milhão de cisternas (P1MC) e Uma terra e duas águas (P1+2), e a aprovação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que hoje sofrem fortes ameaças.

Mas no exercício crítico permanente de monitoramento e controle social que caracteriza esse Conselho, problematizamos a situação de insegurança alimentar grave que permanece entre os povos indígenas, segmentos da população negra, comunidades quilombolas. Debatemos sobre os problemas políticos e econômicos que impactam a soberania e segurança alimentar e nutricional, enfatizando que os trabalhadores e pobres não podem arcar com o ônus da crise. Defendemos reiteradamente as políticas redistributivas. Fizemos aflorar diferentes percepções e debates sobre temas controversos de forma democrática, como o impactos dos agrotóxicos e transgênicos, a premência da democratização do acesso à terra e direitos territoriais, e explicitamos alertas sobre os riscos de retrocessos e desconstrução de direitos que já se manifestavam nos governos anteriores nesse período.

Mas hoje, no contexto de ruptura democrática, com indignação constatamos que estamos mais longe da realização do Direito Humano à Alimentação Adequada, inscrito em nossa Constituição, desde 2009, fruto de significativa mobilização social, com ativa participação do Consea em interlocução com a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.

Tudo indica que estamos no caminho de volta do país ao Mapa da Fome, setenta anos depois do libelo expresso no livro “Geografia da Fome” de nosso patrono Josué de Castro, sobretudo diante da possibilidade de aprovação, nos próximos dias, no Congresso Nacional, da Proposta de Emenda Constitucional do teto dos gastos públicos (PEC 55) sobre a qual endereçamos, ontem um manifesto ao Senado Federal.

Esse cidadão do mundo, a quem novamente presto a minha homenagem, pelo seu compromisso com a justiça social, pelo seu legado histórico, ensinou-nos que não há exílio das idéias. Em meio às adversidades precisamos resistir.

Celebramos os passos dados até agora na construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) como estrutura responsável pela formulação, implementação e gestão participativa da política de Segurança Alimentar e Nutricional em todos os níveis.

Mas como avançar nesse caminho quando se extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário e secretarias voltadas para os Direitos Humanos, Igualdade Racial e Políticas para as Mulheres, numa manifestação de descompromisso dos atuais governantes com os Sujeitos de Direitos, sobretudo nesse contexto de crescimento de onda conservadora nas manifestações de preconceitos, racismo e intolerância. Há muitos desafios também nos estados e municípios. Temos acompanhado com preocupação iniciativas de judicialização de Conseas. O momento atual requer estratégias claras de resistência no plano estadual e municipal. Diante dos grandes desafios, é importante também a construção da interface entre o Sisan e o Sistema Único de Assistencia Social (Suas) e Sistema Único de Saúde (Sus).

Quis a história que as minhas últimas atividades públicas como representante do Consea simbolizassem vários campos de ação do conselho e um chamamento sobre o quadro de ameaças, retrocessos e incertezas que vivemos.

A comitiva liderada pelo Consea, em visita à região dos povos indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, no Cone Sul do Mato Grosso do Sul, constatou um quadro de violência com mortes por assassinato, preconceitos, violação de direitos humanos, em especial o Direito Humano à Alimentação Adequada.

Uma verdadeira tragédia humana! Assim podemos sintetizar a dura e dramática realidade de vulnerabilidade social, e de insegurança alimentar e nutricional grave desses povos.

Vare’á continuam gritando, como eu disse no meu discurso de posse em 2012, para falar da ausência do broto da semente; para falar da fome. Continuam vivendo a realidade de negação de seus Tekoha como lugar de pertencimento onde buscam a subsistência, produzem sua cultura, e cultivam a solidariedade e a generosidade. O lugar onde realizam o seu “modo de ser”.

A expansão do agronegócio, com um alto nível de degradação ambiental com contaminação por agrotóxicos do solo e dos mananciais, e o verdadeiro confinamento a que estão submetidos esses povos, estão a exigir dos poderes públicos, com respaldo de manifestação de apoio de órgãos internacionais, enfrentar a raiz dos problemas com o arquivamento da PEC 215 e resposta com demarcação e titulação de terra, a garantia do Direito Humano à Alimentação e acesso às políticas públicas, em conformidade com as cláusulas de nossa Constituição cidadã.

Como resposta emergencial de caráter de ajuda humanitária firmou-se um acordo para distribuição imediata de cesta de alimentos nas áreas de retomada, rompendo-se com o silencio e o descaso do poder público com os gritos da fome. Ao Consea cabe, em diálogo com a Comissão Especial de Violação do DHAA, continuar interpelando o Executivo, Legislativo e Judiciário. E ainda, acompanhar o trabalho do Comitê Técnico de Povos e Comunidades Tradicionais na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) que, em interação com a mesma instancia no plano estadual, continuará monitorando as violações de direitos desses povos.

Estive no IX EnconAsa, no Semiárido, onde a “vida pulsa e o povo resiste” no ecoar das vozes das organizações da agricultura familiar, das mulheres, dos jovens, dos povos e comunidades tradicionais “construindo e transformando o semiárido”, articulados pela Articulação do Semiárido (ASA). Estratégias e práticas inovadoras, deram origem a um novo paradigma de convivência com o semiárido plasmado em programas e projetos públicos inspirados nas iniciativas das organizações sociais de armazenamento da água de chuva (P1Mc e P1+2), casas de semente, gestão coletiva de fundos e produção de alimentos agroecológicos saudáveis.

Mas lá também ouvi as vozes de protesto contra as ameaças de corte de orçamento, de volta às velhas práticas da industria da seca. Ouvi um apelo que cabe ao Consea encaminhar, uma vez que temos monitorado os Termos de Parceria entre governo e sociedade: que o governo honre os compromissos liberando os recursos firmados em contratos pré-estabelecidos e complete a universalização do acesso à água para consumo humano.

Não posso deixar de registrar o significado político do 2º Encontro Nacional de Pesquisa em SAN que consolidou a criação da Rede Brasileira de Pesquisa em SAN, cuja semente foi lançada neste Conselho. Nesses tempos sombrios e de incertezas representa um precioso espaço para reflexão crítica sobre dilemas, contradições e desafios como o conflito de interesses público-privado no processo de construção da Política e do Sisan no país.

Este é um momento também de agradecimentos.

Expresso meus agradecimentos aos conselheiros e às conselheiras, suas organizações, redes e fóruns, pelos ensinamentos fruto da interlocução sobre as várias dimensões da soberania e san, que requer de nós da sociedade civil uma postura militante da interdisciplinaridade. Peço-lhes licença para sublinhar, sobretudo meus agradecimentos aos (as) profissionais da nutrição e saúde, que me proporcionaram novos aprendizados para a construção de uma visão mais holística de san.

Agradeço também aos presidentes dos conseas estaduais pela atuação significativa na construção do Sisan, chamando-nos para as reflexões sobre as diferentes realidades no país.

Meus agradecimentos aos povos indígenas, povos tradicionais de matriz africana e povos de terreiro, movimento negro, organizações de mulheres, movimentos sociais do campo e da cidade pelo diálogo de saberes e por trazerem com veemência a relação entre o DHAA, e o caráter estrutural das formas de dominação que produzem desigualdades.

Aos gestores e gestoras públicos que praticam os valores republicanos e que zelam pelas suas funções, com inestimáveis contribuições para a soberania e san, os meus sinceros agradecimentos.

Dirijo-me aqui também aos valorosos e às valorosas integrantes da secretaria do Consea, incansáveis na sua dedicação e compromisso de apoiar o Consea no cumprimento de sua missão. O meu muitíssimo, obrigada.

Aos jovens estagiários e às estagiárias que aqui estão e que por aqui passaram meu reconhecimento e a certeza que continuarão militantes pela causa da soberania e san.

Agradeço as organizações observadoras que, com sua presença constante engrandecem o sentido deste conselho.

Quero agradecer também à FASE- Solidariedade e Educação, onde trabalho, ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que representei nesses anos, e à Articulação Nacional de Agroecologia, pelo seu apoio para o exercício dessa nobre missão.

Temos um legado histórico construído coletivamente a ser preservado e renovado com a mobilização social na 5ª Conferencia Nacional de SAN, que inovou em sua metodologia e produziu o manifesto sobre Comida de Verdade, que acena para a importância da dimensão cultural dos sistemas alimentares.

Tivemos conquistas e devemos nos manter com firmeza na defesa da Constituição no que concerne aos direitos, em especial do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e na defesa da implementação do Plano Nacional de SAN.

Importante manter a iniciativa política de interação entre os conselhos como Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), Conselhos de Saúde e Assistencia Social, que além de permitir articular posições na conjuntura tem o desafio de influenciar no Plano Plurianual (PPA).

Minha expectativa é que o Consea continue ecoando as vozes do campo, da floresta, das águas e das cidades, expressão de nossa sociobiodiversidade e de uma sociedade pluriétnica; que continue a enfrentar as injustiças combatendo o racismo e o machismo.

Encerro a minha missão no Consea, porém sem abdicar do compromisso cidadão com a firme determinação de continuar atuando em outros espaços em defesa da “comida de verdade no campo e na cidade, por direitos e soberania alimentar”.

Obrigada!

Brasília, 30 de novembro de 2016

Posicionamento sobre o decreto que ameaça demarcações de terras indígenas

Na última segunda-feira, dia 12 de dezembro, foi divulgada pela imprensa a minuta da “Proposta de regulamentação da demarcação de terras indígenas”, elaborada pelo Governo Federal, que pretende inviabilizar as demarcações e abrir as terras indígenas para exploração de recursos naturais sem consulta aos indígenas. A medida ganhou o apelido de Decreto do Etnocídio.

O governo não dialogou com o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e não realizou consulta prévia aos povos indígenas para elaborar a minuta, atendendo apenas aos interesses dos ruralistas. O texto contraria a legislação vigente e princípios internacionais de direitos humanos, e impossibilita a resolução dos conflitos atuais, pelos motivos expostos na “NOTA DE REPÚDIO À PROPOSTA DO GOVERNO TEMER PARA RETIRAR DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE SUAS TERRAS” (leia abaixo na íntegra ou aqui).

A Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas, da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil, entende que as consequências deste decreto não serão outras senão alimentar os conflitos no campo e o caos fundiário, desvirtuar a Constituição e abrir as terras indígenas para outros interesses e colocar mais pressão sobre os povos e as comunidades que vivem da terra.

Não obstante a gravidade desta iniciativa, a minuta faz referência a um estudo produzido pela Relatora Erika Yamada, fazendo parecer que ela estaria dando suporte a essa esdrúxula, inconstitucional e desnecessária proposta de alteração do procedimento de demarcações de terras indígenas. Somos terminantemente contra essa medida que fere os direitos indígenas!

A justificativa do decreto deliberadamente omite a informação de que o estudo  citado foi feito para a Procuradoria da Funai no ano de 2006. Ou seja, antes da existência da Portaria MJ 2498/11, que regulou a já então existente participação dos entes federados nos processos de demarcação de terras indígenas, que também é mencionada no estudo.

Além disso, a minuta faz referência a algumas jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF), mas omite a existência de (em ainda maior número) decisões favoráveis aos processos de demarcação de terras indígenas naquela corte. Deliberadamente, também desvirtuam o uso da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos indígenas para forçar a ideia de se legitimar reduções e fracionamentos de terras indígenas. Esbulhos e posses irregulares de não indígenas passariam a ser aceitas, caso tal minuta fosse adiante. Haveria ainda uma suposta oferta de pagamento de compensação ou reparação ao índio ignorando a explicita vedação constitucional de remoção de povos indígenas de suas terras.

É bom que fique claro: o sentido da Declaração da ONU de nenhuma maneira é legitimar esbulhos e posses irregulares de não indígenas, e muito menos respaldar ações do Estado violadoras de direitos dos povos indígenas”, afirma a Relatora Erika Yamada, que também é Perita do Mecanismo de Direitos dos Povos Indígenas do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Diante da tentativa de se violar direitos constitucionais por decreto presidencial, e da incapacidade do Estado para encarar de fato as questões mais urgentes que precisam ser resolvidas em torno da disputa pela terra no Brasil, como os massacres e etnocídio praticados contra povos e comunidades das florestas e do campo, a Plataforma Dhesca reitera o posicionamento conjunto da sociedade civil que se opõe à proposta do Governo que busca enterrar as políticas de demarcação de terras indígenas, de regularização fundiária, de reforma agrária e ordenamento territorial do país.

Confira a nota repúdio ao decreto assinada por organizações da sociedade civil:

NOTA DE REPÚDIO À PROPOSTA DO GOVERNO TEMER PARA RETIRAR DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS SOBRE SUAS TERRAS

As organizações abaixo assinadas, em apoio aos povos indígenas do Brasil, manifestam repúdio à minuta de “Proposta de regulamentação da demarcação de terras indígenas” que, somada a outras medidas de retrocessos de direitos constitucionais em diversas áreas sociais, estão sendo impostas pelo atual governo à sociedade brasileira à revelia da lei, de maneira atropelada, autoritária e ilegítima.

Sem qualquer diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista – CNPI, nem consulta prévia aos povos indígenas, a minuta de decreto, que veio à público pela imprensa no dia 12.12.2016, contraria a legislação vigente e a jurisprudência e impossibilita a resolução dos conflitos atuais, pelos motivos que seguem:

  1. Desrespeita a Constituição Federal Brasileira de 1988 ao ignorar o direito originário que os povos indígenas detêm sobre suas terras e recursos naturais, ou seja, direito que antecede à constituição do Estado brasileiro, além de tratar direitos fundamentais como objeto de negociação, desconfigurando a noção de usufruto exclusivo e o caráter imprescritível do direito indígena sobre suas terras.
  2. Desrespeita o direito à consulta livre, prévia e informada, garantida pela Convenção 169/OIT ao preparar um Decreto de extremo impacto sobre os povos indígenas, não apenas sem consultá-los, no apagar das luzes de um ano difícil como o de 2016, numa clara manifestação de má-fé.
  3. Atenta contra direitos constituídos dos povos indígenas, ao reabrir para revisão atos demarcatórios já consolidados, promovendo conflitos em áreas já pacificadas, ao submeter todas as terras indígenas ainda não registradas em cartório ou SPU a novo período de contestação por quaisquer “interessados”.
  4. Viola os princípios de razoabilidade e eficiência da administração pública ao submeter todos os processos de demarcação em curso à estaca zero, independente da fase em que se encontrem, para cumprir novas regras sobre o processo demarcatório, criadas para dar espaço a decisões políticas sem respaldo té.
  5. Distorce os termos da Declaração da ONU sobre o direito à reparação em casos de inconstitucional remoção dos povos indígenas de suas terras tradicionais, ao abrir a possibilidade de substituição da efetivação do direito à terra por indenização em dinheiro e ao legitimar e oficializar crimes de esbulho territorial cometidos no passado recente contra as populações indígenas.
  6. Institui tratamento ainda mais desigual aos povos indígenas perante a Justiça, ao introduzir como regra geral todas as condicionantes definidas especificamente para o julgamento da PET 3388, e aplicar “manifestações individuais de Ministros do STF” para restringir direitos, como se fossem súmulas vinculantes.
  7. Normatiza a inconstitucional aplicação da tese do Marco Temporal para legitimar situações de esbulhos de terras indígenas, posses ilegítimas, irregulares e ilegais e, consequentemente, outras violações de direitos humanos dos povos indígenas.
  8. Transforma a Funai em órgão assistencialista, ao retirar seu papel de órgão de defesa dos direitos indígenas, colocando-a no papel de instância de legitimação de violações de direitos territoriais ou, quando muito, que contabilizaria danos materiais a serem indenizados.
  9. Atende aos interesses de setores que pressionam pela aniquilação da existência dos povos indígenas enquanto povos autônomos e culturalmente diferenciados, ao criar instâncias revisoras no Ministério da Justiça e Cidadania que tendem a reforçar o poder de barganha política sobre os direitos indígenas ultrapassando suas competências legais.
  10. Contraria recomendações ao Brasil da Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, bem como recente Resolução do Parlamento Europeu sobre o tema, agravando violações de todos os direitos humanos dos povos indígenas já indicadas nestes documentos.

Pelos motivos expostos, entendemos que a minuta de Decreto revela o propósito do atual governo, no sentido de enterrar as políticas de demarcação de terras indígenas, de regularização fundiária, de reforma agrária e ordenamento territorial do país.

Sem legitimidade ou justificativa para criar novos procedimentos de demarcação, a proposta minutada não oferece soluções para os conflitos existentes, cria novos entraves e aprofunda as violações e violências contra os povos indígenas no país. Parece querer voltar no tempo das inaceitáveis políticas de confinamento territorial e de assimilação cultural, que podem levar ao extermínio sociocultural ou etnocídio dos povos indígenas.

Enfim, trata-se de gravíssima situação de retrocessos no campo dos direitos humanos e dos direitos constitucionais, onde o Estado democrático de Direito é mais uma vez colocado à prova.

Esperamos que a referida proposta seja definitivamente arquivada e que sejam tomadas iniciativas a fim de que se cumpram os direitos fundamentais dos povos indígenas às suas terras tradicionais conforme determina a nossa Carta Magna, demais legislação em vigor e os princípios internacionais de direitos humanos.

Conjuntamente e em apoio a Mobilizacao Nacional Indigena/APIB, https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/, assinam:

Alternativas para Pequena Agricultura no Estado do Tocantins – APA-TO
Amazônia Real Jornalismo Independente
Articulação de Mulheres Brasileiras -AMB
Articulação dos Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais/ADERE-MG
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
Associação Brasileira de Antropologia
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais/ABONG
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais – AATR
Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – PR/AMAR
Associação de Preservação do Meio Ambiente e da Vida/Apremavi
Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte – PR/APROMAC
Associação de Saúde Ambiental – PR/TOXISPHERA
Associação dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre – AMAAIC
Associação Floresta Protegida
Associação Juízes para a Democracia – AJD
Associação Mulheres pela Paz
Associação Nacional de Direitos Humanos – Pesquisa e Pós-Graduação – ANDHEP
Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente/ANCED
Blog Combate Racismo Ambiental
Central Única dos Trabalhadores – CUT Brasil
Centro de Assessoria Multiprofissional/CAMP
Centro de Cultura Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – CECULT/UFRB
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva – CEDEFES
Centro de Documentación en Derechos Humanos “Segundo Montes Mozo S.J.” (CSMM)/ Quito, Ecuador
Centro de Estudos Bíblicos/CEBI
Centro de Pesquisa e Extensão em Direito Socioambiental – CEPEDIS/ PUC PR
Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena – CPEI/Unicamp
Centro de Trabalho Indigenista – CTI
Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
Coletivo de Mulheres Transamazônica e Xingu
Coletivo ENTITLE (Rede Europeia de Ecologia Política)
Coletivo Purus
Coletivo Terra Vermelha
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos
Comissão Guarani Yvyrupa – CGY
Comissão Pró-Índio de São Paulo – CPI-SP
Comissão Pró-Índio do Acre
Comité Permanente por la Defensa de los Derechos Humanos (CDH) / Guayaquil, Ecuador
Conectas Direitos Humanos
Conselho Indigenista Missionário/CIMI
Conselho Nacional das Populações Tradicionais/CNS
Conselho Pastoral dos Pescadores /CPP
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins – COEQTO
Cooperativa Kayapó de Produtos da Floresta – CooBaY
Cosmopolíticas – Núcleo de Antropologia/Universidade Federal Fluminense
Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná
Divisão de Educação Indígena/SEED – RR – Boa Vista – Roraima
Dom da Terra AfroLGBT
ELO Ligação e Organização
FASE
Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus /FOCIMP
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro – FOIRN
FIAN Brasil
Fórum Paranaense de Religiões de Matrizes Africanas – FPRMA
Greenpeace Brasil
Grupo Carta de Belém
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA-UFMG
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA-UFMG
Grupo de Estudos sobre a Diversidade da Agricultura Familiar – UFPA
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA/UFMA)
Grupo de Pesquisa em Antropologia Jurídica do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina/GPAJU/UFSC
Grupo de Pesquisa Sociedade, Ambiente e Ação Pública – UFPA
Grupo de Trabalho sobre Ecologia Política do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais – CLACSO
Grupo Moitará de Pesquisas em Direitos Étnicos -Faculdade de Direito/UnB
Iepé – Instituto de Pesquisa e Formação Indígena
Índio É Nós
Inesc
Iniciativa das Religiões Unidas/URI/Brasília
International Rivers – Brasil
Instituto Autonomia
Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos – IACOREQ
Instituto de Estudos Jurídicos de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais/Idhes
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais
Instituto Internacional de Educação do Brasil/IEB
Instituto Madeira Vivo e a Aliança dos Rios da Panamazonia
Instituto Pólis
Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul/Pacs
Instituto Socioambiental – ISA
Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)
Justiça Global
Koinonia
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Movimentos Indígenas, Políticas Indigenistas e Indigenismo – LAEPI-CEPPAC/UnB
Laboratório de Inovações Ameríndias (lina), PPGAS, Museu Nacional
Licenciatura Indígena Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável do Instituto de Ciências Humanas e Letras/Universidade Federal do Amazonas
Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC
Mestrado em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (MADER)/UNB
Mestrado Profissional em Desenvolvimento Sustentável, na Área de Concentração em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais – MESPT/UnB
Movimento Camponês Popular/ MCP
Movimento Cultural Arte Manha
Movimento Cultural de Olho na Justiça
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra/MST
Movimento Nacional de DIreitos Humanos/ MNDH
Movimento Negro de Altamira
Movimento Nossa Belém/Movimento Cidades Sustentáveis/PA
Movimento pela soberania popular na Mineração – MAM
Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná – MAE
Mutirão Pela Cidadania
Núcleo Curupiras: Colonialidades e Outras Epistemologias (Pernambuco)
Núcleo de Antropologia e Saberes Plurais da Universidade Federal de Mato Grosso
Núcleo de Cultura Indígena – NCI
Núcleo de Estudos Ameríndios/UFPR
Núcleo de Estudos sobre Etnicidade – NEPE/UFPE
Núcleo de Pesquisa e Extensão em Agroecologia da FUP/UnB
Núcleo de Pesquisa Ekoa: direito, movimentos sociais e natureza da UFPR
Operação Amazônia Nativa /OPAN
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre/OPIAJBAM/AM
Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Pauini/OPIAJ
Organização dos Professores Indígenas do Acre – OPIAC
Pastoral da Juventude do Meio Popular/PJMP-Brasil
Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo (PIDHDD Regional
Programa de Arqueologia e Antropologia (PAA) da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA)
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/ UFRJ
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/Universidade Federal de São Carlos
Programa de Pós-Graduação em Antropologia/ Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Pós-Graduação em Antropologia/Universidade Federal do Paraná
Projeto ALICE – Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
Promotoras Legais Populares
Red de Observadores de la Consulta Previa en America Latina – RED OBSERVA
Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
Rede de Cooperação Amazônica – RCA
Rede Europeia de Ecologia Política
Rede Faor Rios Livres e sem barragens na Amazônia
Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos/ Regional Minas
Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais – RESAMA
Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas
Revista Xapuri
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
Terra de Direitos
Tucum Brasil
Uma Gota No Oceano
União de Mulheres de São Paulo
União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA

Fonte: Plataforma Dhesca

Mais de 250 organizações e movimentos repudiam PL que desmonta licenciamento ambiental

Mais de 250 organizações, movimentos, professores e pesquisadores divulgaram uma nota que repudia o substitutivo do deputado ruralista Mauro Pereira (PMDB-RS) ao Projeto de Lei (PL) 3.729/2004.

O PL desmantela o atual sistema de licenciamento ambiental e está na pauta de votação da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, nesta quarta (14/12). O projeto já foi apelidado nas redes sociais como “fábrica de Marianas” por seu potencial de estimular novos desastres ambientais como o que destruiu o Rio Doce (MG/ES), em novembro de 2015.

“O substitutivo apresentado pelo Deputado Federal Mauro Pereira figura, entre os textos em tramitação, como aquele que pretende impor os mais graves retrocessos à legislação atualmente em vigor, além do notável baixo nível de técnica legislativa, o que prejudica a interpretação dos dispositivos, podendo gerar insegurança jurídica e ampliação de ações judiciais”, afirma o documento.

“Eventual aprovação da referida proposta, ainda mais sem os imprescindíveis debates públicos, geraria inúmeras consequências negativas, como o significativo aumento de risco de ocorrência de desastres socioambientais, a exemplo do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana (MG), a ausência de prevenção, mitigação e compensação de impactos decorrentes de empreendimentos, a reiterada violação de direitos das populações atingidas, a ampliação dos conflitos sociais e socioambientais e a absoluta insegurança jurídica aos empreendedores e ao Poder Público”, prossegue a nota.

Clique aqui para ler a nota na íntegra.

Nota da APIB: Governo Temer insiste em decretar o fim da demarcação das terras indígenas

Nota Pública

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), as organizações indígenas regionais que a compõem e suas distintas associações de base denunciam e repudiam veementemente para a opinião pública nacional e internacional a macabra decisão do governo ilegítimo de Michel Temer de colocar fim à demarcação das terras indígenas, portanto à existência dos povos indígenas, por meio da edição de um Decreto que estabelece novos procedimentos para o ato de demarcação, em substituição do atual Decreto 1.775/96.

Após inconsistentes, retóricas e absurdas justificativas que desvirtuam e anulam de forma escandalosa o espírito do texto constitucional (Artigos 231 e 232), das leis infraconstitucionais e tratados internacionais assinados pelo Brasil – Convenção 169 da OIT e Declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas – a Minuta de Decreto, vazada por meios impressos de grande circulação, propõe-se claramente a procrastinar ad infinitum, senão enterrar de vez, o direito territorial indígena e a demarcação das terras indígenas, assegurando a prevalência de artimanhas que empurrarão os povos indígenas à remoção, reassentamento ou expulsão, disfarçadas de legalidade, de seus territórios. Tudo com o objetivo de atender vergonhosamente os interesses da bancada ruralista, do agronegócio, a implantação de empreendimentos de infraestrutura e o esbulho e usurpação dos bens naturais preservados milenarmente pelos povos indígenas, numa total negação de seu direito ao usufruto exclusivo previsto na Carta Magna.

A Minuta, reúne para isso, num só instrumento, todas as atrocidades contra o direito territorial dos povos indígenas contidas na PEC 215, nas condicionantes estabelecidas pelo STF estritamente para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol e ressuscitadas pela Portaria 303 da AGU, bem como na equivocada tese do marco temporal adotada pela segunda turma da Suprema Corte a respeito deste direito originário fundamental.

A elaboração de um novo Decreto para a Demarcação das terras indígenas soma-se à já denunciada proposta de Decreto de reestruturação da Funai, que reduzindo orçamento e quadro de servidores, no contexto da PEC 55, e o desmonte das instituições e políticas públicas, vem de encontro com os propósitos da bancada ruralista que, por meio de uma CPI, busca desqualificar e fragilizar o papel do órgão indigenista, desmoralizar os povos indígenas e seus aliados, e impedir também a continuação das demarcações.

A APIB entende que contrariamente aos propósitos alegados de que com este Decreto de novos procedimentos para a demarcação estarão sendo superados os conflitos que envolvem povos indígenas e invasores de seus territórios, o  governo Temer está nada mais do que decretando o agravamento dos conflitos, da violência, da discriminação, do racismo e da criminalização contra os povos indígenas, secularmente  privados de seus direitos mais sagrados à vida, à dignidade, a uma identidade cultural e ao espaço físico e imaterial onde, mesmo com as adversidades, têm resistido secularmente enquanto povos diferenciados.

Pelo visto, em nada adiantam para esse governo as instâncias e mecanismos internacionais de observação e verificação dos direitos humanos, em especial dos direitos dos povos indígenas: a relatoria especial para povos indígenas e o Conselho de Direitos Humanos da ONU, entre outros, que tem alertado para a grave tendência em curso de etnocídio dos povos originários do Brasil.

A APIB e todos os povos e comunidades, organizações e associações que a compõem reafirmam que continuam em pé de luta, e resistirão, até as últimas consequências, contra quaisquer retrocessos em seus direitos que venham a ser propostos ou adotados pelos distintos poderes do Estado Brasileiro.

Pelo direito de viver!

Brasília – DF, 13 de dezembro de 2016.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

 Mobilização Nacional Indígena

Fonte: APIB

Por falta de demarcação de terras e violações de direitos humanos, povo Guarani e Kaiowá protocola petição contra Estado brasileiro na OEA

“Tudo que quero são os ossos e a cabeça do meu filho para poder enterrar ele”.

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Mãe do cacique Nízio Gomes, assassinado em 2011

O pedido emocionado é da mãe do cacique Nízio Gomes, liderança Guarani e Kaiowá, assassinado no dia 18 de novembro de 2011, no acampamento da retomada do Tekoha Guaiviry. Após cinco anos, o corpo de Nízio ainda não foi localizado.

A fala da mãe do Cacique desaparecido aconteceu durante a visita de uma comissão de deputados do Parlamento Europeu e do Parlamento Brasileiro a comunidades indígenas da região, realizada no dia 6 de dezembro. Além de ouvir as denúncias das graves violências sofridas pelos Guarani e Kaiowá, também puderam acompanhar a Assembleia Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, que protocolou online na mesma tarde uma petição à CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A denúncia contra o Estado brasileiro protocolada na CIDH é apresentada pelo Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Fian Internacional, Fian Brasil e Justiça Global ,em representação das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá de Apyka’i, Guaiviry, Ypo’i, Ñhanderu Marangatu e Kurusu Ambá, por violações aos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Protocolo de San Salvador e na Convenção de Belém do Pará.

“Além das mortes, denunciamos a falta completa de demarcação das nossas terras tradicionais. Isso motiva toda uma série de graves violações que geram o genocídio do nosso povo”, explica Eliseu Guarani e Kaiowá.

No Mato Grosso do Sul está a segunda maior população indígena do país e um dos piores índices de terras indígenas demarcadas pelo Estado brasileiro. A população indígena da região enfrenta dois problemas centrais: a morosidade nas demarcações de seus territórios e os violentos ataques de milícias contratadas por fazendeiros da região.

whatsapp-image-2016-12-09-at-15-17-05Na petição, as organizações reforçam que sem o acesso ao território e com os ataques os Guarani e Kaiowá encontram-se em situação de extrema vulnerabilidade para suprir as suas necessidades culturais e socioeconômicas. Nesse sentido, os casos emblemáticos escolhidos confirmam que, uma vez que o direito à vida e ao território são violados, todos os direitos humanos que dependem de tais fatores são também desrespeitados, como o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, saúde, educação, entre outros.

“O fato dos Guarani e Kaiowá não terem acesso a suas terras tradicionais os levam a viverem em condições miseráveis e nós esperamos que o governo brasileiro preste conta junto à OEA de sua omissão e, portanto, sejam obrigados a tomar medidas enérgicas no sentido de demarcar essas terras. Caso a petição seja aceita poderá ser um marco importante na luta de todos os povos indígenas brasileiros”, destaca o assessor sênior da FIAN Internacional, Flávio Valente.

Demarcação de terras

A morosidade na demarcação de terras indígenas no país também foi apontada recentemente pela relatora especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz. “Um refrão recorrente entre os povos indígenas por todo o país era a urgente necessidade de concluir os processos de demarcação de terras, fundamental para todos os seus outros direitos. Povos indígenas do país inteiro repetidamente enfatizaram que, devido à ausência prolongada de uma proteção eficaz do Estado, eles se veem forçados a retomar suas terras para garantir sua sobrevivência. Muitos até declararam que, caso recebam ordens de despejo ou reintegração de posse, não deixarão suas terras e, se necessário, morrerão por isso”, aponta um dos trechos do relatório apresentado em setembro no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Desnutrição

A insegurança alimentar e nutricional do povo Guarani e Kaiowá é outra grave violação de direitos apresentada na petição. Se em todo o país o índice de insegurança alimentar e nutricional em qualquer grau, que mede a dificuldade de acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas, é de 22,6%, em três comunidades Guarani e Kaiowá pesquisadas pela FIAN Brasil tal índice é de 100%. A informação consta no documento “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”.

Violências

O assassinato de Nízio Gomes integra os números alarmantes de violências sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no estado do Mato Grosso do Sul. Esta situação destaca-se hoje como uma das mais flagrantes violações de direitos humanos, que em síntese são protegidos por normas nacionais e internacionais. 

Nos últimos 12 anos foram registrados mais de 400 homicídios de indígenas no estado do Mato Grosso do Sul; o estado concentra, dessa forma, mais de 60% dos casos de assassinatos de indígenas do país.

Panamá

Ainda no início do mês, antes do protocolo da petição, a FIAN Brasil, CIMI e representantes da Aty Guasu estiveram no Panamá para participar do 159º Período de Sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e sensibilizar a própria Comissão da situação de violações de direitos contra os povos Guarani e Kaiowá.

“A petição é mais um instrumento que reforça a luta direta dos povos Guarani e Kaiowá, essa luta que é a grande responsável pela resistência histórica que eles apresentam às grandes sistêmicas violações contra seus direitos e contra suas vidas. Esperamos que esse instrumento comprove também que os Guarani e Kaiowá só partem para uma exigibilidade direta de seus direitos, quando a omissão do Estado brasileiro leva os indígenas brasileiros a lutarem por suas terras e por causa dessa luta são perseguidos, criminalizados, torturados e assassinados. Nós esperamos que a petição pressione o governo brasileiro a pagar sua dívida histórica com os povos indígenas e com os povos Guarani e Kaiowá”, ressalta a Secretária-Geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

CIDH

Mediante a apresentação de uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as pessoas que sofreram violações a seus direitos humanos podem obter ajuda. A Comissão investiga a situação e pode formular recomendações ao Estado responsável para que se restabeleça o gozo dos direitos, para que situações similares não ocorram novamente no futuro e para que os fatos ocorridos sejam investigados e reparados.

Ascom FIAN Brasil (com informações do CIMI)

Estado Brasileiro vai ao Panamá responder por grave situação no Sistema Socioeducativo cearense

As graves violações de direitos humanos no Sistema Socioeducativo cearense serão debatidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), durante seu 159º Período Ordinário de Sessões, que ocorre de 29 de novembro a 7 de dezembro de 2016, no Panamá. Os peticionários[1] CEDECA Ceará, Fórum DCA Ceará e ANCED/Seção DCI Brasil, e representantes do governo brasileiro, participarão de reunião de trabalho na segunda (05), quando deverão apresentar o atual contexto do Socioeducativo no Ceará para a Comissão.

Em 31 de dezembro de 2015, a CIDH solicitou, por meio da Resolução 71/15, a adoção de Medidas Cautelares pelo Estado Brasileiro a favor da vida e da integridade física dos adolescentes internos no Centro Educacional São Miguel, Centro Educacional Dom Bosco, Centro Educacional Patativa do Assaré e aqueles transferidos provisoriamente ao Presídio Militar de Aquiraz. Entre as medidas solicitadas pela Comissão destacam-se a garantia de infraestrutura, pessoal suficiente e idôneo, adequação das condições de higiene, alimentação, educação e tratamento médico, redução do número de detidos e que as medidas adotadas pelo Estado Brasileiro sejam coordenadas com os beneficiários (adolescentes) e seus representantes (organizações da sociedade civil).

As organizações peticionarias, no entanto, constatam a permanência da situação de gravidade, urgência e risco irreparável à integridade física e aos direitos dos adolescentes, bem como um agravamento das violações ocorridas no que tange à ocorrência de tortura, maus tratos, tratamento cruel, desumano e degradante, ausência de atividades educativas, confinamento permanente, utilização do isolamento compulsório como sanção disciplinar, bem como restrição ao acesso à água, à alimentação e a condições de salubridade. Na ocasião da reunião, os peticionários apresentarão uma série de ações e propostas para o Estado necessárias para fazer cumprir a Medida Cautelar, além de solicitar a manutenção e ampliação da mesma para os adolescentes internos nas demais[2] Unidades cearenses, por também expressarem situação de gravidade, urgência e risco de danos irreparáveis para os adolescentes.

Além das organizações peticionarias, a delegação contará com a presença da mãe de um dos adolescentes beneficiários quando da outorga das Medidas Cautelares. O adolescente (nome preservado), foi vítima de tortura em várias Unidades do Sistema por onde passou e, em fevereiro de 2016, depois de seguidos maus tratos e permanência de condições insalubres, fugiu do Centro Educacional Patativa do Assaré. Cerca de uma semana depois, no dia 25/02/2016, foi assassinado aos 17 anos, no bairro onde morava sua família, restando ainda desconhecidas as circunstâncias e autoria do homicídio.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos

A CIDH, criada em 1959, é o órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA) que, juntamente com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, compõe o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIDH). Com atribuições sancionatórias, o Sistema Interamericano tem atribuições de promoção e proteção dos direitos humanos no continente americano.

MAIS INFORMAÇÕES

Comunicado da e Resolução 71/2015 da CIDH resumo da decisão.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos manifesta preocupação com atos de violência no Sistema Socioeducativo cearense em comunicado:http://goo.gl/xYT5w3

Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprova decisão cautelar contra o Brasil por violações no Socioeducativo cearense:http://goo.gl/g5aSfW

________________________________

[1] Em março de 2015, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECA Ceará), o Fórum Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA Ceará) e a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED/Seção DCI Brasil), apresentaram Petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos denunciando gravíssimas violações de direitos humanos nas Unidades cearenses.

[2] Ampliação das Medidas Cautelares para contemplar o Centro Educacional São Francisco e Centro Educacional do Passaré, ambos provisoriamente desativados à época da outorga da Medida em 31 de dezembro de 2015, e para o Centro Educacional Canindezinho e Centro Educacional Cardeal Aloísio Lorcshaider.

Carta pela formação de frentes parlamentares de segurança alimentar e nutricional

image-1As entidades presentes no Seminário Nacional sobre o Direito Humano à Alimentação, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e pela Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional da Câmara dos Deputados em 30 de novembro e 1° de dezembro de 2016, estimulam a criação de frentes parlamentares estaduais e municipais com foco na segurança alimentar e nutricional. Leia.

O direito humano à alimentação adequada está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e, desde 2010, está expresso como direito fundamental no artigo 6° da Constituição da República.

De acordo com a ONU, o direito à alimentação adequada realiza-se quando a pessoa tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. Esse direito é ligado à dignidade inerente à pessoa humana e é indispensável para a realização de outros direitos humanos. Ele é também inseparável da justiça social, requerendo a adoção de políticas socioeconômicas e ambientais, orientadas para a erradicação da fome, da pobreza e para a realização dos direitos humanos para todos.

O direito humano à alimentação adequada está relacionado a um modelo de desenvolvimento inclusivo, socialmente justo, ambientalmente responsável e sustentável e que respeite as culturas locais, a pluralidade de modos de vida e a biodiversidade.

O Brasil conquistou nos últimos anos diversos avanços em indicadores de segurança alimentar e nutricional, com o ápice na saída do mapa da fome. Isso foi resultado da criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e de políticas públicas de reforma agrária, acesso à terra, à saúde, à educação e ao alimento; políticas que incentivaram a agricultura familiar e camponesa, a agroecologia, a garantia territorial dos povos e comunidades tradicionais e o fortalecimento da participação social dos territórios rurais e dos diferentes segmentos sociais.

Hoje esses avanços, que ainda são insuficientes, estão ameaçados pelo desmonte do Estado brasileiro promovido pelo grupo que se apoderou do governo. Além dos retrocessos em curso, há problemas persistentes: a concentração fundiária, o modelo de desenvolvimento centrado na monocultura e no interesse de corporações transnacionais, o uso de agrotóxicos, a crescente liberação dos transgênicos, a irresponsabilidade ambiental, a desvalorização de alimentos tradicionais e regionais, a ausência de regulação de produtos ultraprocessados não saudáveis e suas agressivas estratégias de marketing, bem como a presença de “desertos alimentares” – regiões que não possuem oferta acessível de alimentos variados, frescos e livres de veneno.

A atuação organizada de parlamentares engajados na efetividade do direito humano à alimentação é importantíssima, seja pela necessidade de produção normativa, seja pelo papel de fiscalização que o poder legislativo exerce. A formação de frentes parlamentares é um importante mecanismo de catalisação desses esforços em torno da proteção e da promoção de direitos.

A grande maioria das assembleias legislativas e câmaras de vereadores, porém, ainda não conta com frentes parlamentares de segurança alimentar e nutricional. Frentes parlamentares nos estados e municípios são espaços de diálogo com a sociedade e de organizar temáticas e demandas que devem ser regulamentadas localmente. Além disso, têm o papel de monitorar a implantação do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e de contribuir na elaboração e efetivação dos respectivos planos estaduais e municipais.

Nesse sentido, as entidades presentes no Seminário Nacional sobre o Direito Humano à Alimentação, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e pela Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional da Câmara dos Deputados em 30 de novembro e 1° de dezembro de 2016, estimulam a criação de frentes parlamentares estaduais e municipais com foco na segurança alimentar e nutricional, criando uma rede de resistência para evitar retrocessos e para lutar por avanços no campo dos direitos humanos econômicos, sociais, ambientais e culturais.

 

Brasília, 1° de dezembro de 2016.

 

Agentes de Pastoral Negros do Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

Associação Brasileira de Agroecologia

Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão

Associação Rede de Pesquisadores e Extensionistas em Segurança Alimentar e Nutricional

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Centro Nordestino de Medicina Popular

Comissão Permanente de Presidentes Estaduais de CONSEAS

Confederação Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ

Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Conselho Federal de Nutricionistas

Conselho Indigenista Missionário

Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil

FIAN – Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar

Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo

Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana – FONSANPOTMA

Greenpeace

Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Professor Kitoko

Grupo de Trabalho Educação do Movimento Slow Food Brasil

Movimento Camponês Popular

Movimento dos Pequenos Agricultores

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Rede Nacional de Colegiados Territoriais

Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz

Via Campesina

Relatório internacional aponta preocupação com povo Guarani-Kaiowá

Um estudo feito pela Foodfirst Information and Action Network (FIAN) em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) constatou que o grau de insegurança alimentar de três comunidades da etnia Guarani-Kaiowá que habitam o Mato Grosso do Sul está em 100%. Para se ter uma ideia, no estado, por exemplo, esse índice é de 18,2% e, no caso da população brasileira em geral, a insegurança é de 22,6%.

A pesquisa é a versão em português da 8ª edição do “Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição”, e foi lançada nesta quarta (16) pela FIAN, organização que reúne internacionalmente diversos movimentos sociais e entidades, em Brasília (DF). Com periodicidade anual, a publicação monitora o cenário da segurança alimentar em diversas partes do mundo.

Os pesquisadores apontam que a falta de proteção e promoção da identidade cultural indígena é um fator preponderante no processo de ameaça a outros direitos, o que impacta no acesso à alimentação e à nutrição adequadas.

“O dado mais grave que identificamos é a desnutrição crônica, que afeta crianças menores de 5 anos. A média das comunidades avaliadas foi de 42%, o que significa que as crianças não estão crescendo como deveriam. Esse mesmo índice é de 26% para crianças indígenas no país, de modo geral, e de 6% para crianças não indígenas”, acrescenta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

O estudo teve início em 2013 e verificou a situação de cerca de 400 pessoas (96 domicílios) nas três comunidades analisadas.

Demarcações

O monitoramento feito pela FIAN assinala ainda a questão territorial como um ponto central do aspecto alimentar e nutricional das comunidades. A ocupação geopolítica dos espaços, em especial com o fenômeno da colonização agropecuária, resultou, historicamente, em um processo acentuado de violação de direitos.

O Mato Grosso do Sul, por exemplo, tem a segunda maior população indígena do país e amarga um dos piores índices de reconhecimento territorial, com apenas 1,8% de áreas indígenas demarcadas.

“No processo de exploração econômica, os Guarani-Kaiowá foram tirados de suas terras e confinados em reservas. Um relatório feito pela Comissão Nacional da Verdade [CNV] identificou que isso resultou de um processo de liberação das áreas para o poder econômico do estado. Essas reservas foram feitas sem qualquer respeito à identidade cultural deles. Há, nesse processo, todo um contexto de conflito de terras, violência e discriminação que dificulta o acesso à alimentação adequada”, analisa Burity.

Ela acrescenta ainda que o cenário de violações é diretamente responsável pelo índice de suicídios, que chega a um caso por semana entre as comunidades da etnia, segundo dados do Cimi. “Esse é mais um indicador da grave situação que afeta os Guarani-Kaiowá”, afirmou a secretária-geral.

As três comunidades contempladas no estudo têm casos de lideranças que foram assassinadas no processo de luta pela terra.

“Elas vivem cercadas pela monocultura e pelo agronegócio, num ambiente de muita hostilidade. (…) Sofrem ações judiciais de despejo, ataques militares ilegais e outras violências, num verdadeiro processo de massacre”, destacou Burity.

Sociologia e meio ambiente

Para os movimentos da causa agrária, a situação da etnia Guarani-Kaiowá e dos povos do campo em geral está diretamente associada ao caráter social da terra.

“Trata-se de uma questão de olhar para o território além dos seus aspectos produtivos ou além do espaço da terra em si, porque é algo maior do que a visão da terra como espaço de produção de comida. Os povos sentem uma necessidade de recuperar o processo histórico de enraizamento das comunidades no seu território tradicional, de acordo com sua cultura. O debate em relação aos Guarani-Kaiowá passa diretamente por isso. É a reivindicação do papel sociológico da terra”, analisa Cléber Folgado, membro do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida.

Ao retratar as questões políticas atuais e o relatório deste ano, o representante da FIAN Internacional que esteve no lançamento, Flávio Valente, inseriu o contexto da luta pela terra no processo global de avanço conservador.

“O Brasil está passando por uma crise terrível. A magnitude do que está ocorrendo é do nível de um genocídio, uma agressão bárbara. Mas é preciso assinalar que não é só aqui. Há uma ofensiva global, com desdobramentos na Europa, nos Estados Unidos, na Ásia, na África e aqui. Precisamos trabalhar muito e unificar as agendas pra superar este momento difícil”, afirmou Valente.

por Cristiane Sampaio/ Brasil de Fato

CNDH elege organizações da sociedade civil para próximo biênio

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizou nesta quinta-feira (10) o Encontro Nacional que elegeu organizações da sociedade civil para o biênio 2016-2018.

Ao todo, 34 organizações foram habilitadas a participar do processo eleitoral, sendo que 32 votaram. Foram escolhidas 9 organizações titulares e 9 suplentes.

O conselheiro Darci Frigo, representante da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil no CNDH, faz um balanço positivo do mandato que está se encerrando. “Apesar das grandes dificuldades institucionais, de transição no âmbito da Secretaria e do Ministério de Direitos Humanos  e também na conjuntura política com o advento do golpe, o Conselho conseguiu ter posturas bastante firmes na defesa, promoção e garantia dos direitos humanos no país, sem se confundir com uma grande ONG, com o parlamento e o Governo, tendo seu espaço próprio, buscando garantir sua autonomia”, destaca.

Ainda segundo Frigo, “o processo conseguiu reunir um conjunto de organizações representativas das redes e movimentos sociais que cada vez mais colocam os direitos humanos em suas pautas e eleger um conjunto de organizações que são representativas de diferentes segmentos que pode continuar uma atuação firme para que o Conselho de fato seja o grande guardião dos direitos humanos no país”.

A Plataforma Dhesca reúne mais de 40 organizações de direitos humanos de todo o país e foi reeleita para mais um mandato. “O saldo da eleição foi positivo, a Plataforma recebeu um apoio bastante significativo e como rede vai continuar procurando tanto fortalecer a atuação da sociedade civil no Conselho, criar espaços como a plenária nacional, onde de forma plural a gente possa reunir o conjunto das organizações de direitos humanos do país”, conclui Frigo.

Organizações filiadas à Plataforma Dhesca também foram eleitas ou reeleitas para o próximo mandato: Conselho Indigenista Missionário – CIMI, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Justiça Global e Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR. O Conselho Federal de Psicologia integra a rede por meio de sua Comissão de Direitos Humanos.

Conheça todas as organizações da sociedade civil que irão compor o CNDH no mandato 2016-2018:

Titulares

1. Conselho Indigenista Missionário – CIMI
2. Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
3. Central Única dos Trabalhadores – CUT
4. Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
5. Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT
6. Justiça Global
7. Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL Brasil
8. Conselho Federal de Psicologia – CFP
9. Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR

Suplentes

1. União Brasileira de Mulheres – UBM
2. Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
3. Central de Trabalhadores do Brasil – CTB
4. Movimento Nacional da População de Rua – MNPR
5. Coletivo Nacional de Juventude Negra – Enegrecer
6. Associação Nacional dos Atingidos por Barragens – ANAB
7. Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
8. Associação Direitos Humanos em Rede – Conectas Direitos Humanos
9. Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED

Fonte: Plataforma Dhesca

RPU: Situação dos Direitos Humanos no Brasil será avaliada pela ONU

Em 2017, o Brasil será submetido pela terceira vez à Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Este é um mecanismo pelo qual os Estados-membros da ONU são avaliados por seus pares quanto à situação de proteção aos direitos humanos no país.

O processo de avaliação da RPU toma por base três tipos de documentações distintas. O primeiro é o relatório produzido pelo país em avaliação, no qual o Estado aponta a situação dos direitos humanos no contexto atual, sobretudo desde a última rodada de avaliação a qual foi submetido. O segundo é a documentação produzida pelos órgãos e mecanismos especiais das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos naquele Estado. O terceiro rol de documentos consiste em compilações preparadas pelas Nações Unidas a partir dos relatórios-sombra enviados pela sociedade civil sobre o Estado em avaliação.

É, portanto, de grande importância a contribuição de organizações, coletivos, redes e movimentos da sociedade civil no processo de Revisão Periódica Universal ao qual o Brasil irá se submeter. O trabalho e as análises feitas por essas entidades são fundamentais para a efetiva caracterização do contexto de violações de direitos humanos que ocorre no Brasil, sendo fundamentais para embasar as recomendações que os demais Estados-Membros farão ao Brasil, com o objetivo de aumentar o grau de proteção existente no país.

Com o propósito de incidir no próximo período de Revisão Periódica Universal, a Justiça Global enviou, durante o mês de outubro, cinco relatórios-sombra ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Os documentos foram escritos em parceria com diversas organizações e redes, e abordam a crítica situação de violação de direitos humanos hoje no país, em quatro temas distintos: Justiça Juvenil, Sistema Prisional, Direitos Indígenas e Defensores de Direitos Humanos. Os relatórios também trazem recomendações ao Estado Brasileiro, como forma de embasar a atuação dos Estados-Membros da ONU que estarão encarregados de formular as suas próprias recomendações ao Brasil. Para acessar todas as recomendações e documentos clique AQUI.

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A seguir, as recomendações enviadas sobre o tema de Direitos Indígenas, e acesse os documentos na íntegra:

Recomendações enviadas pelo Conselho Indigenista Missionário – CIMI, FIAN Brasil, JUSTIÇA GLOBAL e Associação dos Juízes pela Democracia.

Acesse o documento na íntegra

1. O Estado Brasileiro deve pôr fim à morosidade administrativa dos processos de demarcação das terras indígenas, fator que impede a realização dos demais direitos humanos de tais povos e é o fator principal na relação do aumento da criminalização e violência contra os povos indígenas de todo o país.

2. O Estado Brasileiro deve focar na efetiva investigação e punição dos culpados pelos violentos ataques a que têm sido submetidos os povos indígenas no país, bem como na proteção direta aos indígenas, quando se mostrem necessários.

3. As invasões de Terras Indígenas já demarcadas, bem como a retirada de bens comuns de tais territórios (a exemplo de madeira e minerais) demonstram a omissão do Estado Brasileiro, que deve oferecer proteção direta, imediata e real aos povos indígenas e às terras indígenas, sempre que se apresentar risco e tendo em vista a natureza destas invasões.

4. Assegurar aos povos indígenas o direito de participarem de todos os processos judiciais em curso e futuros, que possam impactar seus direitos, particularmente o concernente ao direito à terra, ao território e recursos tradicionais.

5. Assegurar que órgão próprio do Estado/Judiciário (CNJ) estabeleça metas de atuação para todo o Brasil, priorizando os processos que tratam dos povos indígenas, especialmente os referentes às demarcações de terras, tendo em vista, o evidente retardo na prestação jurisdicional.

6. Assegurar que todos os operadores do Sistema de Justiça, especialmente os magistrados, sejam capacitados a atuar na temática de direitos humanos dos povos indígenas, levando-se em conta a normativa internacional e regional, realizando capacitação permanente, através da Escola do Poder Judiciário, campanhas do CNJ, e outras vias e, especialmente, para que a aplicação do direito seja compatível com o regramento de proteção aos povos indígenas.

7. Recomendar que sejam realizadas campanhas, no mínimo anuais, de informação e esclarecimento à população do país, sobre os povos indígenas, com a participação deles, como contra cultura ao clima de ódio que se instaura e para combater o racismo estrutural e estruturante do Estado Brasileiro.

Recomendações enviadas pelas articulações Associação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, RCA – Rede de Cooperação Amazônica e Plataforma de Direitos Humanos – DHesca Brasil.

Acesse o documento na íntegra


Aceitação de normas internacionais

1. Ratificar a Convenção de Minamata e incluir o levantamento de dados específicos sobre os efeitos adversos do mercúrio para a saúde indígena e o meio ambiente das terras indígenas.

2. Manter diálogos com países fronteiriços para evitar a contaminação por mercúrio nos rios da bacia amazônica.

Cooperação com outros mecanismos internacionais e instituições

3. Implementar as recomendações da Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas e estabelecer mecanismos de monitoramento com a participação dos povos indígenas e da sociedade civil.

4. Elaborar um Plano Nacional de Ação para a implementação e monitoramento dos compromissos relativos ao resultado da Conferência Mundial sobre Direitos Indígenas em diálogo com os povos indígenas, Fundação Nacional do Índio, Conselho Nacional de Direitos Humanos e com o Conselho Nacional de Política Indigenista.

Cooperação inter-estatal e assistência para o desenvolvimento

5. Compartilhar boas práticas e dialogar com países vizinhos para a implementação de ações e políticas de proteção de ações transfronteiriças de promoção e defesa dos direitos indígenas com especial atenção para a situação de povos indígenas isolados e de recente contato.

6. Garantir a participação indígena, por meio de suas organizações representativas, nos espaços bilaterais de negociação do Brasil com os países de fronteira.

Estrutura Constitucional e Legislativa

7. Garantir a manutenção e o fortalecimento dos direitos constitucionais indígenas respeitando os padrões internacionais de proteção dos direitos humanos.

8. Não revogar atos e normativas de reconhecimento de direitos territoriais indígenas.

9. Garantir que eventual regulamentação dos processos de consulta não restrinja o exercício do direito, nem seja contrária aos princípios de pluralidade e autonomia dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais.

10. Garantir que a discussão sobre a regulamentação ou normatização do direito de consulta aos povos indígenas seja dialogada e devidamente consultada, priorizando a orientação à administração para gerar melhores condições para a efetiva implementação do direito, e de modo a respeitar a autonomia dos povos indígenas e quilombolas, inclusive quanto a seus protocolos de consulta quando for o caso.

Instituições e políticas públicas

11. Incluir a temática indígena nos relatórios de direitos humanos em diálogo com o Conselho Nacional de Política Indigenista e o Conselho Nacional de Direitos Humanos.

12. Incentivar e e fortalecer a atuação do Conselho Nacional de Política Indigenista e do Conselho Nacional de Direitos Humanos, garantindo a participação de representantes indígenas para monitorar, avaliar e aprimorar políticas que garantam o cumprimento das obrigações de direitos humanos e observando as especificidades dos povos indígenas.

13. Priorizar o fortalecimento das ações e do órgão indigenista federal (FUNAI) e do Ministério Público Federal (MPF) para a promoção e defesa dos direitos humanos dos povos indígenas com especial atenção para os direitos territoriais e para a autonomia dos povos indígenas e sua colaboração no monitoramento nacional e internacional de direitos humanos.

14. Garantir condições institucionais e adotar medidas urgentes e programas específicos contínuos para a proteção aos defensores de direitos humanos indígenas, com especial atenção para a situação dos defensores de direitos humanos em estados que não integraram ao Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.

15. Avançar para a superação de posturas tutelares e coloniais do Estado com relação aos povos indígenas por meio da implementação de planos nacionais e ações que visem a proteção de direitos e a a adequação de política sociais, econômicas e ambientais de modo a fazer respeitar as línguas, culturas e modos de vidas diferenciados dos povos indígenas.

16. Estabelecer mecanismos e cooperações para produzir regularmente dados, estatísticas e análises específicas sobre as realidades e os contextos de vulnerabilidade dos povos indígenas nas diferentes regiões do país.

17. Ampliar o conhecimento das diferentes instituições de governo sobre direitos indígenas e adotar medidas que reconheçam e garantam os direitos indígenas no contexto de grandes empreendimentos e exploração de recursos naturais.

18. Implementar as recomendações do Conselho Nacional de Direitos Humanos, particularmente relacionadas à situação de violação de direitos humanos no caso da UHE Belo Monte/PA, da Barragem de Saramago em Mariana/MG e dos povos indígenas da região sul do Brasil/RS, SC e PR.

Educação em Direitos Humanos

19. Oferecer treinamentos sistemáticos a juízes, promotores e defensores sobre direitos indígenas, inclusive sobre direitos territoriais, direito à convivência familiar e comunitária e sobre a implementação do direito de participação, consulta, autonomia e desenvolvimento.

20. Implementar campanhas de educação e conscientização contra o racismo e a discriminação e sobre os direitos dos povos indígenas e adotar legislações específicas de proteção desses direitos alinhadas com as proteções internacionais de direitos humanos.

21. Promover ações de aproximação e aprofundamento do conhecimento de Ministros e Juízes sobre os direitos específicos dos povos indígenas e as proteções de direitos humanos considerando os contextos locais e regionais.

22. Garantir orientações nacionais sobre direitos indígenas para a educação em direitos humanos nas escolas e repartições públicas buscando participação e cooperação com organizações e povos indígenas.

Não-discriminação

23. Atender às recomendações da OIT para dar continuidade aos esforços de garantir plena igualdade de oportunidade e tratamento para mulheres, afro-descendentes e pessoas indígenas, bem como combater e punir a discriminação.

24. Combater a desigualdade no acesso de pessoas indígenas a empregos e condições de trabalhos, especialmente com relação à contratação de professores e outros profissionais indígenas nas diferentes áreas, de acordo com a realidade local.

25. Criar programas específicos para incentivar empresas e órgãos públicos a contratar mulheres, afrodescendentes e indígenas.

26. Garantir políticas públicas e o atendimento de qualidade aos povos indígenas no acesso a todos os seus direitos econômicos, sociais e culturais, independentemente da situação de regularização fundiária de seus territórios.

Discriminação Racial

27. Implementar sanções administrativas, políticas, civis e criminais a parlamentares ou figuras públicas que cometam atos de discriminação e racismo contra indígenas.

28. Adotar medidas contínuas para prevenir e punir discursos e ações racistas por parte de autoridades públicas contra povos indígenas, com especial atenção para as regiões Sul, Centro-Oeste e Nordeste do país.

29. Investigar e punir sistematicamente os casos de racismos e de violências fundada em racismo praticados contra pessoas e comunidades indígenas.

30. Atuar junto a autoridades estaduais e municipais para o enfrentamento do racismo e da discriminação contra povos indígenas em localidades que já apresentaram casos emblemáticos de racismo.

Direito à vida, execuções, desaparecimentos forçados, tortura e tratamentos cruéis e degradantes

31. Adotar medidas integradas entre governos estaduais e federal para garantir maior responsabilização para prevenir mortes e homicídios com especial atenção para a situação no campo e dos povos indígenas.

32. Adotar medidas urgentes e efetivas em nível federal e estadual para conter a ação de grupos armados ou milícias que atacam comunidades indígenas, com especial atenção para a situação no Mato Grosso do Sul, Paraná e Bahia.

33. Adotar medidas para prevenir e combater a tortura nos níveis estadual e federal e adotar medidas de reparação e retração pelas comprovadas violências e torturas cometidas pelo Estado contra pessoas e povos indígenas.

34. Investigar e punir casos de mortes de lideranças indígenas em contexto de disputa territorial.
Adotar medidas específicas para combater a impunidade em casos de agressão e morte de pessoas indígenas.

Justiça e impunidade

35. Criar mecanismos para recebimento de denúncias e condução de investigações imparciais de casos de prisões arbitrárias, atos de racismo e mortes de indígenas resultando na efetiva responsabilização de agentes públicos envolvidos.

36. Dar seguimento e consequências aos processos de busca da verdade e da justiça de transição envolvendo violações de direitos cometidas contra pessoas e povos indígenas e adotar medidas para prevenir, reparar e compensar violações de direitos humanos cometidas contra pessoas e povos indígenas, implementando as recomendações da Comissão Nacional da Verdade.

37. Adotar medidas para reparar e compensar violações de direitos humanos contra os povos indígenas Guarani, Cinta Larga, Waimiri-Atroari,Tapayuna, Yanomami, Xetá, Panará, Parakanã, Xavante de Marãiwatsédé, Araweté e Arara, tal como identificadas pela Comissão Nacional da Verdade.

38. Adotar medidas urgentes para prevenir, punir e reparar ataques violentos e ou racistas contra comunidades indígenas, com especial atenção para os estados da Bahia, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

39. Responsabilizar administrativa, civil e criminalmente os agentes de Estado que deliberadamente ou sem justificativa retraem os procedimentos de demarcação de terras indígenas.

Violações de direitos humanos por agentes de Estado

40. Apurar a responsabilidade administrativa, civil e criminal de agentes públicos envolvidos em ações e omissões que violam direitos humanos dos povos indígenas, inclusive colocando comunidades indígenas em situação de vulnerabilidade extrema.

Condições das prisões

41. Identificar a situação da população carcerária indígena no país e adotar medidas que garantam condições adequadas de detenção; o devido processo legal; e a defesa de pessoas e comunidades indígenas, inclusive com a garantia de representantes indígenas em júris criminais.

42. Monitorar a situação de criminalização e encarceramento de lideranças indígenas no contexto de luta por direitos territoriais.

43. Aplicar penas alternativas a réus indígenas e regimes especiais de cumprimento de pena nos termos da lei e de modo a considerar a organização social, os usos e os costumes dos povos indígenas.

Proibição da escravidão e tráfico de pessoas

44. Estabelecer a cooperação nacional entre atores relevantes, bem como a cooperação internacional, a fim de combater tanto o tráfico interno e internacional quanto a exploração sexual de mulheres e crianças com especial atenção para a situação de pessoas indígenas e na faixa de fronteira.

45. Investigar, punir e adotar campanhas para prevenir casos e situações de escravidão praticada contra pessoas indígenas.

46. Criar órgãos ou mecanismos específicos nos órgãos já existentes para a fiscalização, prevenção e combate à exploração do trabalho, turismo sexual e tráfico de pessoas indígenas, especialmente em zonas rurais e regiões de fronteira.

Administração da Justiça e acesso à justiça

47. Facilitar o acesso à justiça dos povos indígenas na defesa de seus direitos individuais e coletivos adotando medidas específicas para o atendimento em áreas rurais inclusive garantindo o uso das línguas indígenas.

48. Assegurar a atuação de Defensores Públicos Federais na defesa de pessoas e comunidades indígenas e particularmente para a garantia do devido processo legal em casos criminais envolvendo pessoas indígenas.

49. Garantir a disponibilidade de defensores públicos federais a fim de reforçar as garantias do devido processo legal para povos indígenas em processos envolvendo direitos territoriais e outros direitos humanos.

50. Avaliar a situação e adotar medidas para garantir o acesso à Justiça aos povos indígenas promovendo ações de conscientização de operadores de direito sobre as especificidades dos povos indígenas.

51. Democratizar o poder judiciário garantindo o acesso dos povos indígenas às carreiras jurídicas por meio de ações afirmativas.

52. Revogar a Portaria nº. 303 e subsequentes da AGU e retomar os processos de demarcação de terras indígenas com a devida defesa dos direitos indígenas pelas Procuradorias Federais Especializadas da Funai.

53. Adotar medidas para impedir a criminalização e encarceramento de lideranças indígenas.

54. Revisar a legislação que ampara o uso de recursos como a suspensão de liminar e antecipação de tutela comprometendo a aplicação do direito de consulta dos povos indígenas nas decisões administrativas que os afetam.

55. Reconhecer, reparar e indenizar as violações de direitos humanos dos povos indígenas decorrentes da ação, atraso ou omissão do Estado, inclusive do sistema de justiça, relacionados à proteção de direitos territoriais indígenas.

56. Reconhecer sistemas de justiça e de resolução de conflitos próprios dos povos indígenas quando existentes.

Liberdade de opinião e expressão. Liberdade de associação, crença e religião

57. Destinar recursos para e implementar ações de prevenção de práticas de racismo e discriminação racial contra povos indígenas.

58. Estabelecer procedimentos oportunos e proporcionais para garantir o direito de resposta e a liberdade de opinião e expressão dos povos indígenas junto aos meios de comunicação.

59. Garantir direito de uso das línguas indígenas em espaços públicos ou privados, como forma de liberdade de expressão dos povos indígenas.

60. Além de ampliar as ações de registro e documentação de línguas indígenas, desenvolver mecanismos e ações para fortalecer e proteger as línguas indígenas contra o risco de perda ou extinção.

61. Respeitar e proteger o uso da língua indígena nas escolas indígenas.

62. Garantir o acesso dos povos indígenas aos recursos naturais necessários às suas práticas espirituais, religiosas e culturais.

63. Demarcar e proteger as terras indígenas e lugares sagrados necessários a suas práticas espirituais, religiosas e culturais.

Direitos relacionados à identidade, nacionalidade e documentação civil

64. Dar continuidade às ações e políticas para garantir o direito de documentação básica de pessoas indígenas, garantindo-se o uso de nomes indígenas de acordo com seus costumes e tradições.

65. Garantir o direito de registro de nascimento de crianças indígenas que nascem em terras indígenas e o registro tardio de nascimento de adultos indígenas.

Direito de participação na vida pública e direito de voto

66. Adotar políticas de ação afirmativa para ampliar a representação indígena, inclusive de mulheres indígenas, nos poderes executivo, legislativo e judiciário em todos os níveis da federação.

67. Garantir a participação efetiva de representantes dos povos indígenas nos espaços colegiados de consulta e deliberação do poder executivo em todos os níveis de governo.

Direitos econômicos, sociais e culturais

68. Demonstrar avanços no programa de reforma agrária e aos processos de demarcação de terras indígenas em todo o país e com especial atenção às regiões centro-sul e nordeste do país.

69. Evitar sobreposições de assentamentos de reforma agrária e demarcação de terras indígenas de forma a prevenir conflitos no campo.

70. Coordenar os processos de reconhecimento de direitos territoriais e demarcação de terras indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais de modo a evitar conflitos no campo.

71. Garantir os direitos econômicos sociais e culturais dos povos indígenas por meio da implementação de políticas públicas de proteção territorial, e de respeito e fortalecimento socio-cultural e ambiental nas terras indígenas.

Direito a um padrão de vida adequado

72. Aplicar indicadores social e culturalmente adequados para aprimorar políticas de redução da pobreza voltadas a povos indígenas, garantindo o acesso dos povos às terras indígenas e protegendo-os de intimidações, ameaças, mortes e despejos.

73. Garantir a adequação cultural de programas sociais, como o Bolsa família, contemplando a participação dos povos indígenas na sua formulação, execução e avaliação.

74. Reconhecer e valorizar modos de vidas indígenas na concepção de programas de inclusão social.

75. Continuar os esforços para demarcar as terras indígenas e eliminar as vulnerabilidades de povos indígenas em situação de extrema pobreza.

Direito à alimentação e moradia adequados

76. Adotar medidas urgentes para a garantia da segurança alimentar dos povos indígenas com particular atenção para os casos de insegurança alimentar causados pela falta de demarcação de terras indígenas.

77. Adotar medidas urgentes para a garantia da segurança alimentar dos povos indígenas em terras demarcadas mas sem condições adequadas de sustentação física e cultural.

78. Adotar medidas urgentes para a garantia da segurança alimentar dos povos indígenas afetados e pela expansão de monoculturas no entorno de terras indígenas, inclusive com envenenamento se águas, solos e ar.
79. Reduzir os índices de mortalidade e desnutrição infantil indígena e a disparidade entre os índices da população indígena e não-indígena.

80. Garantir o direito à moradia culturalmente adequada para a população indígena que mora nas áreas urbanas e garantir que os programas de habitação popular urbana contemplem as especificidades dos povos indígenas.

81. Garantir condições de moradia adequada a povos indígenas com especial atenção à situação de vulnerabilidade de comunidades indígenas em acampamentos aguardando a demarcação de terras indígenas.

82. Acelerar os processos de demarcação de terras indígenas de comunidades que se encontram em situação de vulnerabilidade devido à falta de acesso ao direito de moradia adequada.

Direito à saúde

83. Garantir efetivamente serviços de saúde gratuitos, de qualidade, específicos e diferenciados para povos indígenas por meio do Sub-sistema de Saúde Indígena, fortalecendo a Secretaria Especial de Saúde.

84. Indígena e o Sistema Único de Saúde para o atendimento de média e alta complexidade de pessoas indígenas e ampliar a cobertura de vacinas na população indígena.

85. Reduzir mortalidade infantil e materna promovendo medidas de assistência médica pré-natal e no momento do parto que sejam social e culturalmente adequadas às mulheres indígenas, sem a imposição da realização de cirurgias cesarianas.

86. Demonstrar avanços no sentido de reconhecer, valorizar e incorporar as práticas e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas nos processos de atendimento médico e de saúde e avançar na implementação de saneamento básico em terras indígenas considerando as especificidades culturais dos povos.

87. Desenvolver um programa específico para atendimento à saúde de mulheres indígenas considerando suas especificidades culturais.

88. Fortalecer a Secretaria Especial de Saúde Indígena e adotar medidas para garantir a participação indígena autônoma no mecanismo de controle social das políticas de saúde indígena sem interferências política partidária.

89. Garantir o acesso à saúde de indígenas nas cidades e em seus territórios, independente da situação fundiária em que se encontre.

90. Adotar programas de formação de indígenas em ciências da saúde para atuar dentro de seus territórios.

Direito à educação

91. Respeitar os modos de vidas e os projetos político-pedagógicos dos povos indígenas.

92. Garantir o cumprimento da legislação nacional de educação escolar indígena por meio da implementação efetiva dos territórios etnoeducacionais; monitoramento e controle social dos recursos aplicados na educação escolar indígena; e contratação de professores indígenas por meio de concursos diferenciados.

93. Adotar medidas administrativas e legislativas para garantir direitos trabalhistas e isonomia salarial para professores indígenas.

94. Demonstrar avanços na oferta de matrículas no ensino médio bilíngue e intercultural nas escolas das aldeias indígenas.

95. Demonstrar avanços nos programas e projetos de elaboração e publicação de materiais didáticos bilíngues, valorizando as línguas, culturas e conhecimentos tradicionais dos povos indígenas.

96. Adotar medidas urgentes para oferecer e adequar estruturas físicas para o funcionamento das escolas nas aldeias indígenas.

Discriminação e violência contra mulheres

97. Adotar medidas legais e práticas para eliminar a violência e discriminação contra mulheres indígenas, particularmente em contexto de luta por direitos territoriais, bem como de empreendimentos e grandes obras que impactam os territórios.

98. Adotar mecanismo específico para receber denúncias e adotar providências céleres para prevenir, apurar e reverter casos de discriminação racial e violência praticada contra povos indígenas.

99. Assegurar políticas de acesso dos povos indígenas, especialmente das mulheres indígenas, a serviços de saúde, educação, emprego, moradia e assistência social.

Direitos das Crianças

100. Garantir nas políticas públicas e planos nacionais as especificidades relacionadas à de jovens e crianças indígenas de modo a não reforçar estereótipos e preconceitos contra os povos indígenas, mas efetivamente proteger seus direitos, observando-se o respeito às formas de organização social dos povos indígenas.

101. Impedir a retirada de crianças indígenas do convívio familiar e comunitário fundadas em discriminação racial, étnica e socioeconômica.

Direitos dos Povos Indígenas

102. Estabelecer procedimentos necessários para a administração pública de modo a garantir a implementação e o monitoramento do direito dos povos indígenas serem consultados nos termos da Convenção 169 da OIT.

103. Garantir a proteção e promoção dos direitos indígenas, especialmente com relação a suas terras, territórios tradicionais e recursos naturais; e direito de serem consultados.

104. Consultar os povos indígenas e quilombolas sobre quaisquer medidas que visem regulamentar o direito de consulta garantindo o reconhecimento dos protocolos de consultas de povos indígenas sem impor restrições ao direito de consulta e consentimento previstos na Convenção 169 da OIT.

105. Garantir a adequada consulta e a plena participar!ao dos povos indígenas em todas as medidas legislativas e administrativas que os afetem, particularmente para prevenir retrocessos na defesa e promoção dos direitos humanos dos povos indígenas.

106. Respeitar e garantir, inclusive com previsão de alocação orçamentária, processos indígenas de elaboração autônoma de protocolos de participação, consulta e consentimento conforme as formas de organização social dos povos indígenas e das comunidades tradicionais.

107. Assegurar a participação efetiva e qualificada dos povos e organizações indígenas na formulação, implementação e avaliação de políticas ou medidas mitigatórias ou compensatórias relacionadas a empreendimentos que impactam seus territórios.

108. Atualizar os limites das terras indígenas delimitadas antes de 1988 e que não atendem às prescrições constitucionais, submetendo-as a novos procedimentos demarcatórios.

109. Garantir que os povos indígenas possam defender sem discriminação seus direitos territoriais e de consulta relacionados a obras e projetos de desenvolvimento que afetem seus territórios, recursos naturais e formas de organização social.

110. Concluir os processos de demarcação pendentes, em especial aqueles relacionados aos Guaranii, Kaiowá, Terena, Kaingang , Pataxó e Tupinambá, como forma de solucionar graves conflitos que assolam esses povos.

111. Dar mais atenção, em todos os níveis da administração, à promoção dos direitos dos povos indígenas e evitar retrocessos, especialmente garantindo a demarcação de terras indígenas nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.

Defensores de Direitos Humanos

112. Avaliar e fortalecer o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos com especial atenção para o atendimento de defensores de direitos humanos indígenas.

113. Aprimorar a proteção de defensores de direitos humanos indígenas, especialmente lideranças indígenas que lutam por direitos de suas comunidades e investigar as causas do aumento do número de casos de ameaças, violências e mortes de lideranças indígenas nos últimos 04 anos.

114. Adotar medidas em nível federal que sejam protetivas e eficazes para as comunidades em situação de conflito e para as lideranças indígenas ameaçadas.

115. Tomar medidas necessárias e específicas para garantir a integridade física de lideranças indígenas especialmente no contexto de defesa de seus direitos coletivos.

Meio Ambiente

116. Proteger as terras e territórios indígenas contra o desmatamento e a degradação ambiental e reconhecer a contínua proteção dos povos indígenas ao meio ambiente.

117. Garantir dotação orçamentária para implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental enquanto política de Estado.

118. Respeitar o direitos dos povos indígenas de dizer não sobre medidas administrativas e legislativas que os afetem.

119. Garantir que os processos de implementação do direito à consulta a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais acerca de obras e projetos de desenvolvimento que os afetem diretamente seja considerado em todas as etapas de tomada de decisão pública desde o planejamento, o licenciamento, a execução e o monitoramento das obras.

120. Reconhecer, reparar, compensar e indenizar casos de violações de direitos socioambientais decorrentes da não-realização, do atraso ou de outros vícios relacionados à implementação de processos de consultas efetivamente livres, prévias e informadas.

121. Adotar medidas de maneira consultada para efetivamente proteger as terras indígenas e as áreas sagradas contra a exploração de recursos naturais e degradação ambiental.

122. Proteger as terras indígenas dos efeitos negativos das mudanças climáticas, reconhecer e fortalecer os conhecimentos indígenas sobre seu meio ambiente e para o combate ao aquecimento global.

123. Respeitar os direitos e os interesses dos povos indígenas protegidos constitucional e internacionalmente e consultá-los em temas relacionados a suas terras, autonomia, línguas, meio ambiente e projetos de desenvolvimento.

124. Fortalecer as legislações nacionais sobre meio ambiente considerando os direitos humanos dos povos indígenas com especial atenção para o direito ao ambiente saudável, direito à saúde e à consulta livre, prévia e informada.

125. Avançar no reconhecimento e na proteção de terras indígenas como áreas ambientalmente protegidas e significativas para a preservação da sociobiodiversidade e do desenvolvimento sustentável.

126. Promover estudos e levantamentos sobre as formas que os povos indígenas estão se adaptando às mudanças climáticas e apoiar suas iniciativas.

Direito ao Desenvolvimento, Direitos Humanos e Empresas

127. Implementar as recomendações do Grupo de Trabalho de Empresas e Direitos Humanos com relação à proteção de direitos territoriais, ambientais e de consulta e autonomia dos povos indígenas.

128. Monitorar o impacto e adotar medidas para reverter ou compensar danos ambientais e situações de violações de direitos humanos dos povos indígenas por particulares, empresas e empreendimentos.

129. Garantir a participação e o reconhecimento da contribuição dos povos indígenas na construção de uma nova matriz e perspectiva de desenvolvimento econômico, social, político e cultural do país.

130. Respeitar a autonomia dos povos indígenas na definição de seus planos de desenvolvimento de acordo com seus modos de vida e visões de mundo.

Fonte: Plataforma Dhesca

Nota da FIAN Brasil sobre recente decisão judicial que proíbe a entrada de alimentos em escola ocupada do DF

A FIAN Brasil manifesta por meio desta nota seu repúdio à decisão de 30 de Outubro de 2016 do Poder Judiciário do Distrito Federal e Territórios, referente ao Processo nº 2016.01.3.011286-6, que determina a desocupação do Centro de Ensino Asa Branca de Taguatinga. Na citada decisão o magistrado Alex Costa de Oliveira autoriza o uso dos mais diversos meios para a desocupação, incluindo o impedimento da entrada de alimentos na escola, bem como o corte dos fornecimentos de água, energia elétrica e gás, e “o uso de instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono”.

Em nossa visão a decisão atenta diretamente contra diversos direitos humanos consolidados na legislação nacional e internacional, dentre eles o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). Isto se dá pela explícita autorização para o impedimento, com o uso de força policial, da entrada de alimentos na citada ocupação, bem como pelo corte de serviços essenciais que garantem direitos humanos correlatos, como a água.

A FIAN Brasil lembra que o Direito Humano à Alimentação é previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e em diversos outros instrumentos legais internacionais em vigor e ratificados pelo Brasil – todos eles com força de norma constitucional, conforme determinação expressa do art. 5º, § 3º de nossa Constituição Federal. Tal direito humano, assim como todos os demais, é inalienável a todos os seres humanos, não podendo ser limitado devido a quaisquer razões, incluindo as políticas. Neste sentido e para além da legislação internacional, o art. 6º caput da Constituição Federal, bem como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346/2006) e outros instrumentos normativos internos também garantem como responsabilidade do Estado Brasileiro o respeito, a proteção, a promoção e a provisão do Direito Humano à Alimentação de todos/as os/as cidadãos/ãs.

Sendo assim, a FIAN Brasil entende que a citada decisão não só criminaliza os/as estudantes em suas lutas sociais, como também atenta contra o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas de tais estudantes, impedindo diretamente processos de exigibilidade de direitos humanos.

Brasília, 01 de Novembro de 2016.

Plataforma Dhesca debate conjuntura e estratégias da rede e elege nova coordenação

Representantes de organizações filiadas à Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil e de entidades parceiras se reuniram em Brasília nos dias 27 e 28 de outubro para a 6ª Assembleia Geral Ordinária da rede. Foram dois dias de ricos debates sobre a conjuntura nacional e de deliberações sobre as estratégias para os próximos dois anos. Entre os participantes também esteve a Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca, Erika Yamada.

A mesa de abertura apresentou um panorama da conjuntura nacional e os desafios para a defesa dos direitos humanos no país. Na avaliação de Leandro Scalabrin, coordenador da Plataforma Dhesca e representante do Movimento dos Atingidos Por Barragens – MAB, vivenciamos o final de um ciclo que tinha uma política de conciliação de classe, e que o novo cenário apresenta um quadro em que as correntezas contrárias têm atuado de forma mais intensa. “Atualmente o Brasil vive um estado de exceção, uma ditadura constitucional. Neste cenário qual o ideário aglutinador? Nenhum direito a menos!”, concluiu Leandro.

A Subprocuradora-geral da República e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Dr.ª Deborah Duprat, destacou a atuação da Procuradoria na defesa dos direitos constitucionais e dos direitos humanos. Dentre as ameaças aos direitos destacou o fato em que um conjunto de produtores rurais chegou a fazer um leilão com o objetivo de arrecadar recursos para contratação de milícia armada para atacar indígenas, e que isso tem sido replicado nacionalmente. Por outro lado, fez menção à recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que rejeitou o enquadramento de movimentos sociais na lei de organização criminosa, ressalvando que os movimentos não podem ser criminalizados. “O momento é de atuar em rede. Temos que perceber as dinâmicas de atuação em uma luta comum, reconhecendo as nossas diferenças. Este é um momento de judicializar a disputa e questionar a perda de direitos”, avaliou.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Padre João Carlos Siqueira, falou sobre o cenário de retrocessos na Câmara. Segundo ele, projetos que tramitavam há anos agora ganham força e estão sendo retomados, numa estratégia que significa retirar direitos e deixar morrer por inanição políticas de direitos humanos. “Nunca iremos avançar sem ir além do executivo e legislativo. É preciso enfrentar o debate junto com o judiciário e também setores do Ministério Público que têm atuado a serviço da retirada de direitos”, afirmou Pe. João.

Márcio Barreto, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, destacou a criminalização contra movimentos sociais e defensores de direitos humanos. “O processo de criminalização não vem apenas das forças repressivas. Nunca houve na história uma composição congresso tão conservador. Este ofensiva tem sido homologada pelo judiciário, inclusive por ministros que foram nomeados com apoio dos movimentos sociais”, afirmou. Para Márcio, o desafio é a luta por mais direitos e mais democracia, lutar nas ruas, apoiar os movimentos estudantis.

Desafios da Rede

As reflexões  feitas a partir do diálogo realizado na mesa de abertura permearam os debates durante todo o evento. A conjuntura política nacional exige da Plataforma Dhesca Brasil e de suas filiadas ações que respondam ao quadro de graves violações de direitos humanos no país, combinadas com o fortalecimento do campo das organizações que atuam na defesa dos direitos humanos, na luta por mais direitos e mais democracia.

Neste contexto, o papel das Relatorias em Direitos Humanos – criadas em 2002 com o desafio de diagnosticar, relatar e recomendar soluções para violações apontadas pela sociedade civil – segue sendo fundamental. Para o próximo período a assembleia propôs as seguintes agendas prioritárias: genocídio da juventude negra, temáticas ligadas ao Direito à Cidade, criminalização dos movimentos sociais, acesso à justiça, privação de liberdade e os temas que já vinham sendo abordados no último ano pelas Relatorias – Povos Indígenas e Laicidade do Estado, com recortes transversais de gênero e raça e modelo de desenvolvimento.

Além de manter o formato de Relatorias temáticas com mandato definido, como já acontece desde que foram criadas, o projeto poderá contar com um Grupo de Relatoras/es que atuem em demandas emergenciais – como no caso recente das ocupações de escolas, onde tem acontecido flagrantes de violações de direitos. Isto possibilitará maior velocidade de resposta à conjuntura e ao contexto, dando às Relatorias mais flexibilidade a agilidade. A metodologia de trabalho das próximas Relatorias será debatida num seminário de avaliação e planejamento.

Outro ponto importante discutido foi a necessidade de busca por mais adesões da Campanha Mais Direitos Mais Democracia. Criada a partir de um amplo debate realizado pela Plataforma Dhesca e Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil e respectivos movimentos e organizações filiadas e parceiras, a campanha tem como objetivo fazer uma disputa de valores no campo dos direitos humanos e da garantia e ampliação da democracia no Brasil. Ela é fruto da necessidade de se combater a perda de direitos conquistados, que vem sendo promovida pela soma das parcelas de políticos ligados à chamada bancada conservadora e fundamentalista.

Adesão de novas organizações e eleição da nova Coordenação

Além de discutir as estratégias e ações políticas para os próximos anos, a assembleia elegeu a nova Coordenação Colegiada para um mandato de dois anos. As organizações eleitas foram: Ação Educativa, Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Geledés – Instituto da Mulher Negra, Intervozes Coletivo Brasil de Comunicação, Justiça Global, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e Terra de Direitos.

Foram aprovadas, ainda, a adesão de duas novas entidades à rede: o Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos – IDDH e o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Além destas, duas outras organizações manifestaram seu interesse em integrar a Plataforma e encaminharão as solicitações de adesão, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente – Cedeca Ceará e a Via Campesina.

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Fonte: Plataforma Dhesca

Corte no Orçamento da Funai está em choque com princípio da vedação ao retrocesso social

Documento recentemente lançado pela Fian Brasil – O Direito Humano à Alimentação Adequada e Nutrição do Povo Guarani e Kaiowá – traz dados alarmantes sobre a situação de insegurança alimentar e nutricional deste povo. Em três comunidades pesquisadas o índice de insegurança alimentar era de 100% contra a média de 26,6% da população brasileira. O estudo atribuiu as precárias condições de vida que enfrentam os Guarani e Kaiowá, dentre outros fatores, à falta de respeito à sua cultura, à falta de demarcação de seus territórios, à violência a que estão submetidos e à falta ou inadequação de políticas públicas específicas para estes povos. Situações graves de violações de direitos como essas podem se agravar não só para os Guarani e Kaiowá, mas para todos os povos indígenas do Brasil.

Michel Temer apresentou ao Congresso Nacional a menor proposta de orçamento para a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) dos últimos 10 anos, com o teto de 110 milhões de reais para despesas discricionárias da instituição. Há 09 anos havia sido aprovado um valor de 120,4 milhões de reais. Como destacou o Secretário Executivo do CIMI, se levarmos em consideração a inflação acumulada do período, estamos falando de 60,88% de perda orçamentária. Em 2013 o orçamento aprovado foi de R$ 194 milhões.

Se mesmo com investimento em programas sociais e com maior orçamento para ações que mantém estreita conexão com direito humano à alimentação e Nutrição adequada os povos indígenas estavam sofrendo graves violações de todos os seus direitos, a proposta de corte no orçamento, sem que haja qualquer justificativa devidamente fundamentada para essa redução no Orçamento da FUNAI, já é em si um grave retrocesso que viola direitos humanos e representa o absoluto desrespeito aos compromissos internacionais e nacionais assumidos pelo Estado Brasileiro.

A propósito, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por outros motivos, já afirmou que, de acordo com o Protocolo de San Salvador, ratificado pelo Brasil em 1996, é proibido ao Estado qualquer retrocesso de direitos econômicos, sociais e culturais (direitos como terra, educação, saúde, alimentação e nutrição, entre outros). A CIDH sugeriu que cortes em programas sociais anunciados pelo governo interino poderiam configurar infração ao referido Protocolo.

Isso porque, em relação aos direitos humanos, os Estado devem obedecer ao Princípio da Vedação do Retrocesso Social, que remonta à década de 1970, quando se discutiu na Alemanha, em razão de crise econômica, restrições a “benefícios” sociais (Continentino, 2015) . O Princípio foi conceituado como cláusula de “proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (…), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo” (Canotilho, 2006) . [1]

Alguns tribunais vem flexibilizando a adoção deste princípio, fenômeno chamado de “jurisprudência da crise”, isto é, passaram a admitir que crises econômicas justificam a involução de direitos. Mas ainda se reconhece que, mesmo em períodos de contingências, este princípio está atrelado à democracia econômica e social e impõe limites aos legisladores e demais agentes públicos (Continentino, 2015).

Nesse sentindo, um dos instrumentos que expõe de maneira mais elucidativa o princípio de vedação de retrocesso social é o Comentário Geral (CG) nº 3 do Comitê de Direitos Econômicos e Sociais da ONU, documento que descreve as obrigações que os estados assumem quando ratificam o Pacto de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC), 164 países, em todo mundo,ratificaram ou aderiram a este tratado, o que inclui o Brasil.

Este CG afirma que o artigo 2.1 do PIDESC contém um mandato de progressividade para a plena realização de direitos nele inscritos, a qual apresenta uma dimensão positiva e outra negativa. A positiva impõe a obrigação de adotar medidas de respeito, proteção, promoção e provimento dos direitos previstos no Pacto. A negativa impõe aos Estados a obrigação de se abster de adotar medidas que impliquem retrocesso aos progressos alcançados em relação a esses direitos (Defensoria Del Pueblo de Colômbia, 2009) . [2]

De outro lado, o parágrafo 9 do CG nº 3 determina que os Estados devem demonstrar que estão fazendo uso do máximo dos recursos disponíveis de que disponham para garantir direitos humanos e, ainda, que eventuais retrocessos devem ser plenamente justificados no contexto da totalidade dos direitos previstos no pacto. Portanto, havendo alguma circunstância concreta que exija a involução do processo de implementação de direitos, é imperativo demonstrar que a medida atende ao princípio da proporcionalidade, isto é, é necessária, é a mais efetiva e é a menos prejudicial para os titulares de direito (Continentino, 2015).

Nesse sentido, o Princípio de Vedação ao Retrocesso, assim como a abordagem de direitos humanos, são importantes argumentos políticos para enfrentar os grandes retrocessos que estão sendo impostos ao Povo Brasileiro e, nesse momento com a redução do orçamento da FUNAI, mais uma vez aos povos indígenas.

Historicamente as lutas sociais têm provocado o reconhecimento de direitos nos instrumentos legais da superestrutura da nossa sociedade, isto é em diversas normas nacionais e internacionais de proteção de direitos humanos e promoção de políticas públicas, esse reconhecimento pode e deve retroalimentar essas mesmas lutas, em um ciclo contra hegemônico de construção e exigibilidade de direitos.

Valéria Burity é mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (2005). Advogada. Secretária Geral da Fian Brasil.


[1] Canotilho, Gomes (1998). Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina

[2] Defensoria Del Pueblo de Colômbia (2006). El Derecho a la Alimentación en La Constitución, La Jurisprudencia y los Instrumentos Internacionales. Serie Desc. Bogotá, D. C

 

Publicado, originalmente, no site Justificando.

Conselho de Direitos Humanos da ONU faz recomendações ao Estado brasileiro para superar violações contra os direitos dos povos indígenas

Durante a 33ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) em Genebra, a Relatora Especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou o relatório da missão ao Brasil com conclusões e recomendações visando à superação do quadro de violações dos direitos humanos dos povos indígenas.

A relatora identificou situações de não cumprimento de obrigações internacionais de direitos humanos tomando por base: visitas às aldeias indígenas Guarani-Kaiowá, Tupinambá e Juruna; conversas com lideranças indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e de organizações regionais e locais de pelo menos 13 estados da federação e organizações da sociedade civil, dentre elas a Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil; e reuniões com representantes do Ministério Público Federal e autoridades dos três poderes, incluindo o Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e Ministros de Estado.

Victoria ressaltou que o Estado brasileiro já foi líder mundial no tema da demarcação de terras indígenas, mas deixou nos últimos oitos anos – desde a última visita da ONU ao Brasil – um legado marcado por profundas ameaças de retrocessos à proteção de direitos destes povos.

Visita da relatora da ONU a comunidade Guarani e Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Foto: Ruy Sposati/Cimi
Visita da relatora da ONU a comunidade Guarani e Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Foto: Ruy Sposati/Cimi

A Relatora destacou casos emblemáticos que indicam como as violações sistemáticas de direitos podem levar a situações que se assemelham ao genocídio. Ela apontou particular preocupação com a falta de adequada mitigação de impactos de grandes empreendimentos como o da Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte e a inobservância do direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado como no caso das UHEs na bacia do rio Tapajós e do Projeto de hidrelétrica São Luiz do Tapajós. A situação de insegurança, violência e discriminação associada à luta pela terra dos povos indígenas nos estados do Mato Grosso do Sul, Bahia, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul também foi destacada por apontar os elementos estruturantes da violação dos direitos humanos dos povos indígenas no Brasil.

O documento cita que “a concentração de poder econômico e político nas mãos de um pequeno segmento da sociedade brasileira contribuiu historicamente para a exploração de terras e recursos dos povos indígenas, sem consideração com seus direitos ou bem-estar. Durante sua visita, a Relatora Especial repetidamente ouviu relatos de que ganhos políticos e econômicos individuais têm contribuído para o racismo institucional, para a violação de direitos dos povos indígenas e para os conflitos, inclusive no contexto de decisões relativas a megaprojetos e exploração de recursos naturais em terras indígenas”.

No caso dos estados do sul, o Conselho Nacional de Direitos Humanos produziu um relatório detalhado reportando casos de racismo, discriminação e de violação de diversos outros direitos fundamentais. O relatório nacional também apresenta recomendações aos órgãos públicos e foi entregue à Relatora da ONU.

Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, durante sua visita aos Tupinambá, na Bahia. foto: Renato Santana/Cimi
Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, durante sua visita aos Tupinambá, na Bahia. foto: Renato Santana/Cimi

A indígena Sonia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib, participou da Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU e falou sobre contexto das violações no país. “Nossa situação piorou. Nossos direitos não são respeitados. Temos denunciado numerosos casos de violações relacionados com a falta de demarcação de nossas terras, de criminalização, prisão e assassinato de líderes indígenas assim como dos impactos provocados pelos megaprojetos, entre outras atividades ilegais de exploração de madeira e mineração. Esperamos um compromisso concreto do Brasil para implementação das recomendações da Relatora Especial. Seguimos nossa luta por tempos melhores, por uma sociedade justa, plural e verdadeiramente democrática”, enfatizou Sonia.

Recomendações

Corroborando as denúncias feitas por organizações indígenas e indigenistas ao longo dos anos, especialmente na última década, a Relatora da ONU recomenda ao Estado Brasileiro:

  • Enfrentar a violência e discriminação contra os povos indígenas;
  • Fortalecimento de instituições públicas como a FUNAI;
  • Capacitação de autoridades públicas, inclusive altas autoridades do poder Executivo e juízes de primeiro grau, considerando sua inapropriada aplicação de doutrinas que negam direitos;
  • Redobrar esforços na demarcação e proteção de terras;
  • Alocar recursos para melhorar o acesso à justiça;
  • Garantir significativa participação e consulta prévia, livre, informada e de boa-fé dos povos indígenas com relação a grandes ou impactantes projetos de desenvolvimento e respeitar protocolos indígenas próprios para consulta e consentimento com relação a assuntos de desenvolvimento;
  • E assegurar, de maneira participativa, estudos de impacto e compensações para os danos causados.

O tema da demarcação é uma das preocupações centrais trazidas no relatório. A paralisação das demarcações tem implicado no acirramento dos conflitos rurais. Perseguição, ameaças e execução de indígenas assumiram proporções singularmente perigosas para a própria sobrevivência destas comunidades. A finalização de processos de demarcação pendentes no Ministério da Justiça, em especial aqueles impactados por projetos desenvolvimentista no Brasil, está entre as recomendações da Relatora da ONU.

O judiciário brasileiro também é analisado. A Relatora recomenda a formação e capacitação de juízes de primeiro grau “considerando sua inapropriada aplicação de doutrinas que negam direitos”. Sugere, ainda processos de reconciliação do Estado com os povos indígenas e a verdade como por meio de um Inquérito Nacional para averiguar as denúncias de violação dos direitos dos povos indígenas, “bem como promover conscientização, reconhecer erros do Estado e oferecer reparação para violações de direitos humanos”.

Em reunião com a Missão Brasileira na ONU, os representantes indígenas e da sociedade civil apresentaram suas preocupações à Embaixadora Regina Dunlop. A APIB e Plataforma Dhesca explicaram aos representantes do Ministério das Relações Exteriores a importância de se colocar o relatório em discussão na pauta do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), de modo a garantir consequências concretas às recomendações da ONU.

Além de representações indígenas e de organizações indigenistas brasileiras, a Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca e Expert da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, Drª Erika Yamada, também esteve na apresentação do relatório. Erika manifestou à Embaixadora seu entendimento de que casos emblemáticos como da terra indígena Raposa Serra do Sol e da UHE São Luiz Tapajós precisam ser analisados e divulgados com cautela, posto que, apesar de terminarem com resultados favoráveis a algumas demandas dos povos indígenas diretamente interessados, acabam gerando precedentes que violam direitos dos povos indígenas de modo geral. No caso Raposa Serra do Sol, as condicionantes impostas pelo STF passam a alterar a proteção de direito originário dos povos indígenas sobre suas terras em todo o Brasil. No caso Tapajós, em que pese o arquivamento do empreendimento, o Governo segue negando o direito de consulta ao não reconhecer os protocolos próprios dos Munduruku.

Resposta do Governo brasileiro

Em resposta ao relatório apresentado pela relatora da ONU o Estado brasileiro se manifestou afirmando que, no que tange às demarcações, “entre a visita do Relator Especial James Anaya, em agosto de 2008, e de Victoria Tauli-Corpuz em março de 2016, 35 novas terras indígenas foram demarcadas pelo Decreto Presidencial, cobrindo uma área de 9,1 milhões de hectares, uma superfície combinada aproximadamente equivalente ao de Portugal. No mesmo período, Portarias Ministeriais foram emitidas para 47 terras indígenas adicionais com uma área total de 2,9 milhões de hectares.”

O governo brasileiro apresenta uma série de informações relativas à educação indígena, desenvolvimento sustentável, acesso à justiça e outros. Os comentários trazidos pelo Estado brasileiro, quando espelhados à realidade vivenciada pelos povos indígenas, apresentam um conjunto de inconsistências nas mais diversas esferas. Um exemplo disso é a afirmação de que a incorporação do Ministério das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos pelo Ministério da Justiça e Cidadania é parte de uma “reforma notável” e significa “um desenvolvimento positivo para os povos indígenas, uma vez que reúne em uma única instituição várias funções-chave do governo”. Tal fusão demonstra, a bem da verdade, a falta de prioridade com as questões relacionadas aos direitos humanos e, particularmente, aos povos indígenas.

Para Erika Yamada, o recebimento pelo Brasil das recomendações da Relatora da ONU no Conselho de Direitos Humanos indica que o relatório pode ser um importante instrumento de defesa dos direitos indígenas no país. “Apesar de não abordar os temas mais polêmicos em plenária, o Governo brasileiro contestou alguns pontos do relatório em documento por escrito. Nesse documento o Brasil apresentou o que chamou de avanços que não foram aprofundados pela Relatora, como a realização da I Conferência Nacional de Política Indigenista, a criação do Conselho Nacional de mesmo nome e da promissora implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental (PNGATI). No entanto, segue demonstrando entendimento equivocado com relação ao direito de consulta livre prévio e informado ao afirmar que teria sido realizada consulta com o povo Munduruku no caso do projeto UHE São Luiz do Tapajós. Além disso, afirma que e as medidas de mitigação da UHE Belo Monte foram adequadas e tempestivas, relevando o fato de que, por exemplo, a homologação da terra indígena Cachoeira Seca se deu apenas em 2016, apesar de 30 anos de conflito e de ser uma condição prévia ao empreendimento”, avaliou.

* Por Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca Brasil e Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB

Fonte: Plataforma Dhesca

Carta de Brasília – Pela afirmação e garantia dos Direitos Humanos e em defesa da Democracia

Mais de 140 redes, movimento sociais, organizações, militantes e defensoras/es dos Direitos Humanos já aderiram ao manifesto

A Carta de Brasília Pela Afirmação e Garantia de Direitos Humanos e em Defesa da Democracia (abaixo e aqui), construída a partir dos debates realizados na plenária que aconteceu no dia 20 de maio, também foi encaminhada para organismos e organizações internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA).

O documento, que traz algumas das pautas e desafios para os direitos humanos na atual conjuntura política, foi traduzido para o espanhol (aqui) e inglês (aqui).

A Carta continua aberta a novas adesões, que devem ser encaminhadas para [email protected] (última atualização: 27.06.2016).

Defensoras/es reunidas/os em BH aderem à carta

Defensores de Direitos Humanos dos mais diversos cantos do país que se reuniram no dia 3 de junho em Belo Horizonte (MG) produziram um documento com os principais pontos debatidos no encontro e declarando apoio à Carta de Brasília. O documento está disponível aqui.

CARTA DE BRASÍLIA
Pela afirmação e garantia dos Direitos Humanos
e em defesa da Democracia

A instauração pelo parlamento brasileiro – com apoio dos setores mais conservadores da sociedade (empresariado, ruralistas, grupos fundamentalistas religiosos e mídia tradicional) – do processo de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff criou um cenário de instabilidade política e institucional que traz graves ameaças à democracia e à garantia dos direitos humanos.

É fato que este contexto de ameaças vem se acirrando ao longo dos últimos anos – já se evidenciava de forma contundente em 2010 quando os mesmos grupos se insurgiram contra o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) –, mas tem encontrado resistência de setores organizados da sociedade civil brasileira que defendem, de forma intransigente, a afirmação dos direitos.

Diante da complexidade da conjuntura atual e da agenda de retrocessos que vem se desenhando pelo grupo que tomou o poder de forma ilegítima, militantes e representantes de redes, movimentos e organizações reunidas/os em Brasília-DF para debater o fortalecimento do campo e da agenda popular de direitos humanos vêm por meio desta carta manifestar seu posicionamento:

  • Consideramos ilegítimo o governo do atual presidente interino Michel Temer (PMDB) por reconhecer que sua ascensão foi proveniente de um golpe articulado pelos setores derrotados nas eleições presidenciais de 2014, com ampla adesão de parte do judiciário, do empresariado e da mídia;
  • Contra o desmonte das garantias constitucionais como o voto. A democracia brasileira sofreu um ataque frontal com a admissão de um processo de impeachment declaradamente político contra uma presidente democraticamente eleita pela maioria do eleitorado brasileiro;
  • Contra o desmonte das políticas de universalização de direitos fundamentais consolidados na Constituição de 1988 (saúde, educação, moradia, entre outros) que vem sendo sinalizado pelo governo já nesta primeira semana de mandato interino;
  • Contra um ajuste fiscal que onera principalmente a classe trabalhadora e contra o desmonte de políticas que garantem direitos sociais, entre elas o Programa Minha Casa Minha Vida, o Programa Bolsa Família, SUS, FIES, PROUNI, PRONATEC;
  • Contra a criminalização dos movimentos sociais e das/dos defensoras/es de direitos humanos e pela preservação da garantia constitucional do direito à livre expressão e manifestação política;
  • Contra as ameaças aos direitos das mulheres e aos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, e ao desmonte das políticas públicas nestas áreas, bem como daquelas que visam mitigar o racismo, a discriminação e o genocídio da juventude negra;
  • Contra a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, que demonstra o descaso do governo interino para com a garantia dos Direitos Humanos, ferindo o princípio do não retrocesso expresso no Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil;
  • Pela garantia da titulação dos territórios de povos indígenas e quilombolas;
  • Em repúdio às violações do direito à comunicação e à liberdade de expressão, expressas pelo governo interino por meio de ações como o fim o Ministério das Comunicações e pela ingerência sobre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) com demissões e proposta de desmonte;
  • Em defesa do princípio constitucional da laicidade do Estado, que vem sendo sistematicamente violado em razão de interferências de cunho religioso nas esferas públicas e, em particular, no poder legislativo;
  • Por nenhum direito a menos, em defesa da Democracia e contra o golpe parlamentar, judicial e midiático em curso no país!

Brasília, 20 de maio de 2016

Assinam este manifesto:

Entidades:

  • Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT
  • Ação Educativa Assessoria Pesquisa e Informação
  • Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade – AFES
  • Agência de Mobilização Social – MOBILIS
  • ANDI Comunicação e Direitos
  • Associação Brasileira de Homeopatia Popular (ABHP)
  • Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT
  • Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO Núcleo RN
  • Associação Brasileira de Saúde Popular – ABRASP/ BIO SAÚDE
  • Associação Sócio Cultural e Ambiental fé e vida- Cáceres/MT
  • Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
  • Articulação de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB
  • Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil
  • Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG
  • Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR-BA
  • Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED
  • Cáritas Brasileira
  • Centro Burnier Fé e Justiça
  • Centro da Mulher 8 de Março
  • Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA)
  • Centro de Cultura Luiz Freire
  • Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza – CDVHS
  • Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Sapopemba (CEDECA)
  • Centro de Direitos Humanos de Sapopemba – CDHS
  • Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennes
  • Centro de Educação e Assessoramento Popular – CEAP
  • Centro de Promoção da Cidadania de Defesa dos Direitos Humanos Pé. Josimo
  • Centro de Referência em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio Grande – FURG
  • Centro de Sustentabilidade das Pastorais Sociais e Organismos da CNBB – CENSUS
  • Centro Feminista de Estudos e Assessoria – CFEMEA
  • Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
  • Centro Popular de Formação da Juventude – Vida e Juventude
  • Coletivo Feminino Plural
  • Coletivo Nacional de Juventude Negra – Enegrecer
  • Coletivo Pedra no Sapato
  • Comissão Brasileira Justiça e Paz – CBJP/CNBB
  • Comissão de Direitos Humanos da Diocese Anglicana do Paraná – DAPAR
  • Comissão de Incidência Pública da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
  • Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
  • Comissão Pastoral da Terra
  • Comitê Popular do Rio Paraguai – MT
  • Comitê Pró Democracia
  • Comitê Popular na Defesa da Democracia do Vale do Aço MG
  • Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do RN – CONSEC
  • Conselho Indigenista Missionário – CIMI
  • Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
  • Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB
  • Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
  • Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE
  • Criola
  • Encontro Nova Consciência
  • Escola de Formação Quilombo dos Palmares – Recife/PE
  • Fian Brasil
  • Fórum de Direitos Humanos e da Terra- MT
  • Fórum de Mulheres Negras de Mato Grosso – FMN/MT
  • Fórum de Mulheres da Paraíba
  • Fórum de Mulheres de Imperatriz
  • Fórum Ecumênico ACT Brasil
  • Frente Ampla pelos Direitos das Crianças e Adolescentes no Brasil
  • Frente Ampla por Direitos e Liberdades – RS
  • Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno
  • Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves
  • Fundação Grupo Esquel Brasil
  • Fundação Luterana de Diaconia – FLD
  • Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares – GAJOP
  • Geledés Instituto da Mulher Negra
  • Grupo de Estudos Merleau-Ponty e Educação (GEMPO/PPGE/UFMT)
  • Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação (GPMSE/UFMT)
  • Grupo Mulher Maravilha-PE
  • Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte (GPEA)
  • Grupo Raízes de Cáceres-MT
  • Grupo Tortura Nunca Mais – BA
  • Instituto Brasil Central – IBRACE
  • Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE
  • Instituto Caracol/MT
  • Instituto de Capacitação, Assessoria e Projetos – ICAP
  • Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
  • Instituto Pólis
  • Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
  • IPÊS
  • Iser Assessoria
  • Justiça Global
  • KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço
  • Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II – LAEDH
  • Mães Pela Igualdade
  • Marcha Mundial do Clima
  • Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR
  • Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
  • Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
  • Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos – NDH/UFG
  • Observatório da População Infanto-juvenil em Contextos de Violência – OBIJUV/UFRN
  • PAD Articulação e Diálogo Internacional
  • Pastoral Carcerária Nacional – CNBB
  • Pastoral da Juventude do Meio Popular do Brasil
  • Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil
  • Programa de Pós-graduação Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos – PPGIDH/UFG
  • Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos
  • Rede Mandacaru Brasil
  • Rede Mato-Grossense de Educação Ambiental REMTEA
  • Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde – RENAFRO
  • Rede Social de Justiça e Direitos Humanos
  • Relatoria de Direitos Humanos e Estado Laico
  • Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia – SINFRAJUPE
  • Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
  • Sociedade Paraense de Direitos Humanos – SDDH
  • SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia
  • Terra de Direitos
  • Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos
  • Tod Tomorrow – militantes Direitos Humanos
  • URI Brasília
  • Vida Brasil
  • Visão Mundial

Pessoas:

  • Alex Reinecke de Alverga – Professor da UFRN
  • Ana Maria A. Lana, professora universitária
  • Ana Penido – Subsecretária de Participação Social da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Ana Rosa Abreu – Educadora em Direitos Humanos
  • Ana Valeska Duarte, advogada e militante dos direitos humanos
  • Bete Mendes – Atriz
  • Biel Rocha – Secretário-adjunto de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Bruno Gomes Monteiro – Jornalista e militante de Direitos Humanos
  • Carmen Bascaran – CDVDH/CB
  • Carmen Hein de Campos, Universidade de Vila Velha/ES
  • Celamar Maione, jornalista Pós-Graduada em Filosofia e Direitos Humanos
  • Cesar Cruz, estagiário de Psicologia, feminista, militante LGBT, trabalhador da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo
  • Clara Evangelista – INCRA/ABRA
  • Claudia Schemes Doutora em História na Universidade Feevale
  • Cláudia Versiani, professora da PUC Rio
  • Cristiano Silveira – Deputado Estadual (PT-MG)
  • Dario de Negreiros – Militante dos Direitos Humanos
  • Dom Francisco de Assis da Silva – Primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
  • Douglas Miranda – Coordenador de Políticas de Diversidade Sexual da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Durval Angelo – Deputado Estadual (PT-MG)
  • Erika Kokay – Deputada Federal (PT-DF)
  • Fabiana Rabelo dos Santos – Coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos de Juiz de Fora e Território Mata – MG
  • Fábio Balestro Floriano – advogado e professor universitário
  • Fabrícia Carvalho da Silva – Secretária Executiva do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos
  • Francisco Gonçalves da Conceição – Secretário de Direitos Humanos e Participação Popular do Estado do Maranhão
  • Geraldo Reis – Secretário de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social da Bahia
  • Gildázio Santos – Movimento Nacional de Direitos Humanos/ MG
  • Gilnei J. O. da Silva, Idhesca/MNDH-RS
  • Givanildo M. da Silva (Giva), militante de defesa dos Direitos Humanos e de Movimento Popular
  • Iara Martins Icó Sousa – Assessoria de Planejamento e Gestão  – Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social
  • Ir. Leonora Brunetto – Imaculado Coração de Maria
  • Ivanilda Figueiredo – Relatora de Direitos Humanos e Estado Laico
  • Jô Gamba – Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
  • José Carlos Moreira da Silva Filho – Professor no Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais da PUC-RS e vice-presidente da Comissão de Anistia
  • Josimar Rocha Fernandes
  • Juliana Moura Bueno – Chefa de gabinete da SDH/PR
  • Larissa Amorim – Subsecretária de Políticas Para as Mulheres da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Leonardo Nader – Subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Letícia da Penha – Secretária-Adjunta de Direitos Humanos e Cidadania de Contagem-MG
  • Lier Pires Ferreira – PPGCPRI/UCAM, Ibmec/RJ e CP2
  • Lucia Dal Pont Sirtoli – Reverenda IEAB
  • Luisa Stern, mulher transexual, advogada e militante dos Direitos Humanos
  • Maria Cristina Lima – cientista social – Especialista em Direitos Humanos
  • Maria do Rosário Nunes – Deputada Federal (PT-RS) e ex-ministra de Estado de Direitos Humanos
  • Maria Luiza FC Bierrenbach, membro da Comissão Justiça e Paz/SP
  • Marina Lacerda, advogada popular e mestre em direito constitucional
  • Márcio Marques de Araújo – Secretário executivo da Comissão de Direitos Humanos de Minorias da Câmara dos Deputados
  • Marília Cândido – Assessora de Comunicação Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Marleide Rocha – Membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
  • Nadine Borges – Coordenadora de Relações Externas da UFRJ
  • Naudal Alves Gomes, bispo anglicano, Diocese Anglicana do Paraná
  • Nayla Cunha, psicóloga, feminista, militante LGBT, trabalhadora da Assistência Social
  • Nilma Lino Gomes – Ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos
  • Nilmário Miranda – Secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais
  • Omo Orixa Fernandes Olufa – Babalorixa
  • Padre João – Deputado Federal (PT-MG)
  • Padre Luiz Couto – Deputado Federal (PT-PB)
  • Paulo Abrão – Ex-secretário Nacional de Justiça
  • Paulo Pimenta – Deputado Federal (PT-RS)
  • Pedro Wilson – Secretário Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas de Goiânia
  • Perly Cipriano – Ativista dos Direitos Humanos/ ES
  • Rafael Schincariol – professor visitante na Unifesp e militante dos Direitos Humanos
  • Rita Sipahi – Advogada e  militante dos Direitos Humanos
  • Renato Simões – Militante dos Direitos Humanos
  • Reverendo Luiz Carlos Gabas – Igreja Episcopal Anglicana do Brasil / Centro de Direitos Humanos de Cascavel/PR
  • Ricardo Barbosa de Lima (UFG)
  • Roberta S.Bussamra- professora de Filosofia
  • Sergio Bragatte, advogado
  • Talles Lopes – Fora do Eixo
  • Tatiane Duarte – Doutoranda em Antropologia Social – UnB
  • Veet Vivarta
  • Wellington Melo Lima, Consultor em Qualidade, militante LGBT, Feminista e Filiado à RAiZ – Movimento Cidadanista

 

Fonte: Plataforma Dhesca