Um dia depois de audiência pública sobre a ameaça de extermínio dos conselhos nacionais, Governo revoga Decreto de participação social

Os Conselhos Nacionais são importantes instrumentos de participação da sociedade civil no controle e implementação de políticas públicas, a situação destes colegiados e a ameaça de sua paralisação e, em alguns casos, sua extinção foram temas de uma audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira, 11 de abril, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM).

Atualmente existem no governo federal cerca de 40 conselhos, além de outros mecanismos de participação da sociedade civil, ligados a diversos Ministérios. Tratar deste assunto, no dia em que o presidente Jair Bolsonaro completava 100 dias de governo atraiu um grande número de parlamentares, assessores e apoiadores do governo, que acompanhavam a audiência pública em clima de torcida organizada.

“Os colegiados de participação da sociedade civil no Executivo enfrentam dificuldades para continuar trabalhando. Alguns, tiveram regras alteradas ou foram extintos. Em outros casos, houveram nomeações questionáveis. Isso vai contra direitos conquistados e temos que combater essas violações. Temos que reagir aos ataques sistemáticos aos direitos humanos”, afirmou o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES).

Presente na audiência pública, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, apresentou a estrutura ministerial e reforçou que os 12 conselhos nacionais, a Comissão de Anistia e mais dois Comitês ligados ao Ministério estão em funcionamento. “Os conselhos e comissões estão parados? Não, isso não é verdade. Estamos no início de um novo governo e todos os nossos conselhos estão funcionando, o único conselho que não está em atividade é o de povos indígenas, que está parado há dois anos”, falou em relação aos conselhos de sua pasta.

A Ministra destacou ainda que cada Conselho “gasta em torno de 100 mil reais” por reunião ordinária, “sem contar as reuniões extraordinárias”. “O Ministério reconhece a importância da sociedade civil e a importância dos conselhos. Os conselhos têm o seu papel e o Ministério está para acompanhar, então, em nosso ministério não se sustenta a afirmação de que os nossos conselhos estão parados”, finalizou.

Participação social é democracia

Em sua apresentação, a procuradora federal dos Direitos dos Cidadãos e vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Deborah Duprat, resgatou o sentido constitucional dos Conselhos, Comitês e Comissões no Poder Executivo . A partir da Constituição de 88, a ideia de Direitos Humanos passa a ser uma categoria para orientar as políticas de Estado e de limite da atuação das políticas de Estado. “Isso significa que as políticas de Estado são orientadas pelos próprios sujeitos implicados e é por isso que vemos tantos conselhos, porque eles vão nortear as políticas públicas e vão ser, por outro lado, agentes de controle dessas políticas. Isso vai configurar a ideia de democracia na Constituição de 88, que não é só o exercício formal do voto”, destacou a Procuradora no início de sua fala.

Para Deborah Duprat, a Medida Provisória 870 que extinguiu o Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi recebida com surpresa. “O Consea é fruto de uma análise de que a fome no Brasil era um fenômeno heterogêneo, resultado de múltiplas causas, e, portanto era importante que viessem vários olhares para permitir ao Governo a compreensão da fome no Brasil nas suas diversas áreas, diversos grupos. O Consea é reconhecido mundialmente, porque através desse mecanismo o Brasil conseguiu sair pela primeira vez, em 2014, do Mapa Mundial da Fome”, apontou a Procuradora, que enumerou ainda outras situações desencadeadas pelo atual Governo em relação aos conselhos, comissões e comitês que causaram estranhamento da PFDC, como a nomeação de militares para a Comissão de Anistia e a não nomeação dos peritos do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, entre outros.

 

Alimentação como direito humano

Representante do Consea na audiência pública, a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, destacou a importância do conselho para a sociedade brasileira, explicou a estrutura do Sisan, da qual o Consea fazia parte. “O Conselho era o elemento do Sisan que garantia a participação social. Quando se extingue o elemento do sistema que é responsável pela participação social, você está tirando toda e qualquer possibilidade de haver participação popular nessa política, por isso vemos com grande preocupação a extinção do Consea”.

 A visão do Consea sobre o conceito de alimentação foi apontado por Burity em sua apresentação. “O Consea defende a alimentação como direito. Quando defendemos isso estamos dizendo que as pessoas que não podem comprar seu alimento tem que receber; quem pode comprar tem que comprar um alimento seguro, saudável que não provoque violações de direitos no processo alimentar, ou seja, que a gente tem que produzir, consumir, comercializar e aproveitar esses alimentos sem provocar novas violações de direitos humanos”.

Para Valéria Burity “no Brasil e no mundo existe um consenso de que a forma como produzimos e consumimos alimentos está impactando o meio ambiente, provocando aquecimento global, disputando de terra, fazendo uso excessivo de água e, ainda assim, não superamos a fome e temos o aumento de sobrepeso e obesidade. Hoje é preciso parar e repensar essa forma de produção e consumo e o Consea trazia reflexões valorosas sobre essa forma de produzir e consumir alimentos”.

Em sua apresentação, Valéria Burity destacou alguns pontos preocupantes com a extinção do Consea:

  • negação da experiência brasileira, modelo para outros países que seguiram modelos semelhantes de políticas de Segurança Alimentar e Nutricional;
  • fragilidade na forma de organização da política de segurança, que agora passa a ser de responsabilidade de uma única Secretaria, quando anteriormente era de responsabilidade de um conjunto de órgãos públicos, o que representa um retrocesso na concepção da SAN;
  • violação não apenas no Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, mas uma violação ao direito à participação social.

Também participaram da audiência pública, a representante do Conselho Nacional de Saúde, Priscilla Viégas, a representante do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBTs, Danielle Brígida, o representante do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Luís Gustavo Magnata.

 

Democracia limitada

A fala da Ministra Damares, direcionada, para a perda orçamentária gerada com os Conselhos, atraiu a atenção da base governista que aproveitou o ensejo para criminalizar a participação e o controle social, alegando que esses espaços desperdiçam recursos públicos. Muitos parlamentares se equivocaram com o conceito de direitos humanos, participação social e democracia, outros compararam a participação social ao direito e exercício do voto como mecanismo garantidor de representação popular.

“Os conselhos são antes de tudo legais, estão previstos na Constituição. Em uma leitura atenta à Constituição da para ver o quanto que essa nossa Carta Política faz menção ao direito de participação, que não se limita à atuação no Congresso, não se limita ao direito de votar. Uma concepção de democracia limitada ao direito de voto e atuação dos parlamentares é uma concepção absolutamente estreita de democracia e de participação”, enfatizou Valéria Burity, em resposta aos parlamentares.

A audiência pública foi proposta pelos deputados federais Patrus Ananias (PT/MG) e Nilto Tatto (PT/SP).  

25 de abril

Uma audiência pública acerca dos impactos da Medida Provisória nº 870/2019 sobre os Direitos Humanos à Alimentação será realizada no dia 25 de abril, às 9h30, no Plenário 9, da Câmara dos Deputados.

Revogação

Um dia depois da audiência pública que debateu a importância da participação social na implementação e monitoramento de políticas públicas, o presidente Jair Bolsonaro, anunciou nesta quinta-feira, 11 de abril, a revogação do Decreto nº 8.243, de 2014, que institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS.

CDHM debate com a sociedade civil a situação dos conselhos e comissões do governo federal

 

Após reportagem do jornal Estado de São Paulo, no dia 3 de março deste ano, que apontava uma possível paralisação e esvaziamento dos conselhos e comissões ligados ao governo federal, a Procuradora Federal dos Direitos Humanos, Deborah Duprat encaminhou ofício a Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, solicitando informações sobre a atual situação desses conselhos.

Esse é o ponto de partida da audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), nesta quarta-feira (10), às 14h, no plenário 9. O debate foi solicitado pelos deputados Patrus Ananias (PT/MG) e Nilto Tatto (PT/SP).

“Os colegiados de participação da sociedade civil no Executivo estão imobilizados, tiveram regras alteradas ou foram extintos, e pastas reavaliam nomeações e funcionamento. Isso vai contra direitos conquistados e temos que combater essas violações. Vamos, juntos, resistir e reagir aos ataques sistemáticos aos direitos humanos”, afirma o presidente da CDHM, Helder Salomão (PT/ES).

Ainda de acordo com a reportagem do Estado de São Paulo, pelo menos onze conselhos, comissões e outros colegiados de participação da sociedade civil no Executivo federal estão paralisados, tiveram regras alteradas ou foram extintos no governo federal. Esses estariam ocorrendo nos ministérios da Agricultura, Cidadania, e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Participação da sociedade civil

Atualmente existem no governo federal cerca de 40 conselhos, além de outros mecanismos de participação da sociedade civil. A maioria foi criada na década de 1990, depois da promulgação da Constituição de 1988. Os mais antigos, como o da Saúde, existem desde a década de 1930. Esses grupos são um canal de acesso da sociedade civil para monitorar e deliberar políticas públicas em áreas como segurança alimentar, produção de alimentos orgânicos, combate à tortura, pessoas idosas ou com deficiência, diversidade religiosa e política indigenista, entre outros temas.

A audiência pública

Devem participar da audiência pública representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos, Conselho Nacional de Saúde, Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT e do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres.

 

Fonte: CDHM

 

Articulação dos Povos Indígenas realiza acampamento em Brasília

 

Num contexto de acirramento das lutas e desmonte de aparelhos importantes para garantia dos direitos dos povos indígenas, como as políticas desenvolvidas pela Fundação Nacional do Índio (Funai), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) convoca as diversas organizações e movimentos populares para participarem do 15° Acampamento Terra Livre.

Previsto para acontecer entre os dias 24 e 26 de abril, em Brasília, o evento pretende ser mais um espaço de articulação ampla, mas também de unidade dos povos na luta contra os retrocessos implementados nesses primeiros meses do governo Bolsonaro.

Na convocatória, a APIB diz que esse momento político é gravíssimo e uma série de ações tem levado, por exemplo, “a extinção do subsistema de saúde indígena, uma conquista histórica e resultado de muitas lutas do movimento indígena”.

Confira o documento:

Prezad@s parent@s,
O ano de 2019 começou num contexto gravíssimo. Logo no primeiro dia após o ato de posse, o presidente Jair Bolsonaro editou a MP 870, cuja medida desmonta a FUNAI, órgão responsável pela política indigenista do Estado brasileiro, transferindo o mesmo, do Ministério da Justiça para o recém criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela Ministra Damares Alves.

Essa mesma medida retirou as atribuições de demarcação de terras indígenas e licenciamento ambiental nas Terras indígenas da FUNAI e entregou para a Secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento – MAPA, sob comando da bancada ruralista. Daí seguiu-se uma série de ataques e invasões articuladas contra as terras indígenas, perseguição e expressão de racismo e intolerância aos nossos povos e nossas vidas.

Por último o anúncio do Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, acirrou ainda mais o desmonte, quando anunciou mudanças no atendimento à saúde indígena, objetivando a municipalização, numa clara intenção de desmontar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), levando a extinção do subsistema de saúde indígena, uma conquista histórica e resultado de muitas lutas do movimento indígena.

É nesse contexto que acontece o 15° Acampamento Terra Livre, que vai exigir de nós reação com sabedoria durante os três dias intensos.

Para o ATL 2019 que já é a principal e a maior Assembleia dos povos indígenas do Brasil, é importante que todas e todos fiquem atentos para as orientações gerais a seguir:
1.  O ATL acontecerá no período de 24 a 26 de abril em Brasília. O local será informado posteriormente.

2.  A chegada será na noite do dia 23 e manhã do dia 24. É importante que todas as delegações calculem bem o tempo de viagem para não chegar antes e nem muito depois.

3.  Todas e todos participantes precisam trazer seu kit acampamento (barraca, colchonete, cobertor, copo, prato, colher e material de higiene pessoal). Este ano não haverá disponibilização destes materiais.

4.  Cada delegação, estado ou região, deverá trazer alimentos não perecíveis e quem puder, traga sua cozinha para preparar sua própria alimentação.

5.  Quem fizer uso de medicamentos de uso diário ou contínuo, trazer a sua medicação completa.

6.  Cada delegação deverá apresentar pessoas para compor equipes de limpeza, segurança e saúde para o bom andamento e segurança de nosso espaço.

7.  Não serão permitidas atividades extra-programação dentro do espaço do ATL, seja para venda, debate, audiências ou comemoração.

8.  Vamos construir junto e zelar de forma compartilhada da nossa mobilização de luta.

9.  A mobilização acontecerá em Brasília, mas orientamos que cada estado e região que puder, realize também mobilizações locais.

Sangue indígena nenhuma gota a mais!

Coordenação Executiva da APIB

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
APOINME – ARPIN SUDESTE – ARPINSUL – COMISSÃO GUARANI YVYRUPA – CONSELHO DO POVO TERENA – ATY GUASU – COIAB

Brasília, 1 de abril de 2019

 

 

Feminismo comunitário: a importância da organização das mulheres indígenas e as conquistas e desafios desde a abordagem feminista

 

Entrevista com Esperanza Tubac

A luta das mulheres contra as desigualdades e as opressões atravessa séculos. São inúmeras as conquistas, mas ainda existe um grande abismo social quando se fala em direitos, como por exemplo, o direito a uma vida sem violências. A luta contínua por direitos torna pujante a organização das mulheres. E é no feminismo, compreendido – sob uma ótica geral – como um movimento social e político de enfrentamento ao patriarcado, base estrutural da sociedade, que as mulheres se organizam para lutar por direitos.

Falar de feminismo não é simplório, até porque não existe apenas um único feminismo, mas feminismos. A partir dessa compreensão, o feminismo deságua em várias especificidades das mulheres na sociedade, assim é com o feminismo camponês popular, feminismo negro, feminismo liberal e várias outras vertentes, como o feminismo comunitário, protagonizado por mulheres indígenas e que parte do princípio da construção de direitos coletivos e não individuais, a partir da comunidade, do seu local de identidade coletiva e ancestral.

Esperanza Tubac esteve no Brasil em julho de 2018, durante a VI Kuñangue Aty Guasu, Grande Assembleia das Mulheres Guarani e Kaiowá, no MS.

O feminismo comunitário teve origem na Bolívia na década de 90, conta com forte componente indígena e tem se ramificado por outros países da América Latina, como a Guatemala. Em entrevista à FIAN Brasil, a integrante da AGIMS – Associação Grupo Integral de Mulheres Sanjuaneras e do Setor de Mulheres da Guatemala, a indígena maia Esperanza Tubac, falou sobre o conceito de feminismo comunitário, a importância da organização das mulheres indígenas e as conquistas e desafios desde a abordagem feminista.

Definido como uma nova e importante abordagem, o feminismo comunitário tem como pressuposto tudo aquilo que permeia a vida das mulheres – natureza, medicina ancestral, cosmovisão e faz um importante paralelo entre as violações que afetam os territórios indígenas e as violações que afetam o (território) corpo das mulheres .

“Parte de tudo o que temos em nossas comunidades, desde o cotidiano, como também enfrentar essa violência que não é apenas do meu corpo-território como também do território, terra, que é a luta contra todas as empresas neoliberais que chegam em nossos povos para nos retirar de nossas terras”, destaca Esperanza.

Outro elemento importante do feminismo comunitário territorial é a cura das mulheres afetadas por violações como um elemento importante para exercer a vida política e para viver em plenitude.

A AGIMS, localizada no município de San Juan Sacatepéquez, é uma associação formada por mulheres que busca construir um país justo e equitativo, com maiores oportunidades e uma vida digna para todas as mulheres, principalmente as indígenas. Segundo Esperanza, as mulheres da Associação se organizam desde 2001, mas só a partir de 2007 que começaram a saber sobre o feminismo, porém sobre uma perspectiva que denomina de “feminismo branco”.

“Não foi um processo fácil. Começamos primeiro a conhecer nossos direitos, foi um processo longo e a partir de 2007 começamos a saber do feminismo, mas do feminismo branco e começamos a fazer essa abordagem de que também as mulheres maias têm um feminismo ancestral comunitário. Então, a partir de 2007 começamos a dar as primeiras ideias do que pensamos, sentimos desde nosso ser de mulheres indígenas”.

Rompendo o silêncio

Mulheres indígenas em marcha contra a violência o dia 25 de novembro de 2018. Foto: Agims

O processo organizativo das mulheres indígenas, sob uma ótica feminista, trouxe diversas conquistas para as mulheres, a principal delas é romper com o silêncio, que acomete diversas mulheres que sofrem violências. “Temos alcançado que as mulheres indígenas rompam o silêncio e que denunciem a violência, a violência física, a violência psicológica e principalmente a violência sexual, que era um tabu que não se falava, que não se discutia e a partir do feminismo ancestral comunitário as mulheres começaram a falar sobre a violência sexual e isso é uma conquista para as mulheres maias”.

O machismo, racismo e a discriminação são apontados por Esperanza como uma das principais barreiras enfrentadas pelas mulheres indígenas.

“O preconceito é a principal barreira, dizem que nossas abordagens não são válidas, que estamos falando “loucuras”, mas não é assim, temos descoberto, por exemplo, que as mulheres agora denunciam. E isso para nós não é uma conquista importante se as instituições não respondem as demandas das mulheres indígenas, porque em meu país a justiça não é feita para os povos indígenas”.

 

Acesso à justiça

Segundo Esperanza, uma das maiores dificuldades das mulheres indígenas da Guatemala é o acesso à justiça em casos de violência. “Guatemala é um país multiétnico, pluricultural e multilingue, quero dizer que existem muitas línguas, e os órgãos estatais não contam com tradutores, então se torna muito difícil para as mulheres denunciarem a violência porque não as compreendem”.

 

“Quando rompem com a violência as mulheres têm mais tempo para fazer outras coisas, como mulheres que agora sabem ler e escrever”

 

Para Esperanza Tubac, a violência interfere no direito à alimentação das mulheres. “As mulheres têm o direito à alimentação afetado, principalmente porque existe muita pobreza em nosso país. Então, o que fazemos enquanto organização é promover projetos produtivos como por exemplo, roças familiares, essas roças nos ajudam a assegurar uma alimentação própria e saudável, através de organizações que nos apoiam. Se uma mulher denuncia violência oferecemos todas as condições para que ela construa sua própria autonomia, porque muitas mulheres não denunciam porque pensam ‘quem agora vai me dar dinheiro para manter a casa’. Existem muitos casos de mulheres que conseguiram sua própria autonomia, mulheres que haviam renunciado a escola e agora voltaram. Quando rompem com a violência as mulheres têm mais tempo para fazer outras coisas, como mulheres que agora sabem ler e escrever.”

De acordo com a publicação “El estado de la seguridad alimentaria y la nutrición en el mundo 2017”, da FAO Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, “existem provas convincentes de que a melhoria da educação das mulheres e a sua situação nas suas casas e comunidades têm impactos positivos diretos na nutrição e segurança alimentar, particularmente na nutrição infantil”.

Segurança alimentar e nutricional

A violência, a dificuldade no acesso à justiça, o racismo e preconceito são algumas das dificuldade enfrentadas pelas mulheres indígenas da Guatemala, mas também de outras partes do mundo. Essas questões estão no escopo da desigualdade de gênero do sistema social, fincado no patriarcado.

Quando se relaciona violência e Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, ressalta-se que o DHANA, a partir de uma perspectiva de direitos humanos das mulheres, enfrenta a questão da desigualdade de gênero em todas as escalas e dimensões de realização social, econômica e cultural do Direito à Alimentação.

“Mais do que o direito da mulher de “não sofrer de fome” ou ter “segurança alimentar e nutricional”, o DHANA implica desfrutar de uma vida digna, na qual a comida não está sujeita a qualquer ameaça ou restrição e desenvolve-se respeitando as decisões autônomas das comunidades ou das mulheres em torno de como controlar seu processo alimentar; isto é, o que produzem, como as trocam, como transformam alimentos, como são consumidos, como os ciclos alimentares são recriados e como tudo isso se desenvolve em harmonia com as culturas, a natureza e os direitos das gerações futuras”, aponta trecho da publicação da FIAN Colômbia sobre Direito à Alimentação e Nutrição Adequadas das Mulheres. Para saber mais sobre o tema, acesse AQUI.

 

Por Valéria Burity e Flávia Quirino

Recém empossado, CNPCT sofre com ameaça de extinção e representantes da sociedade civil alinham estratégias

 

Há menos de 1 ano, em setembro de 2018, o CNPCT – Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais tomava posse em Brasília depois de mais de 2 anos aguardando sua instalação oficial. Agora, o órgão sofre nova ameaça com a possibilidade de extinção dos Conselhos Nacionais com participação da sociedade civil, à exemplo do que aconteceu com o Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, extinto por meio da Medida Provisória 870, no dia 1º de janeiro.

“Nesse primeiro momento estamos tentando firmar o CNPCT como um espaço de fortalecer a democracia. Mas mais do que isso, esse momento de desmonte em várias áreas, em vários espaços, temos tentado fazer nosso papel de sociedade civil que é se posicionar frente às políticas públicas na criação ou implementação. Esse será sempre nosso papel, independente de governo a ou b”, destaca a presidenta do CNPCT, Claudia de Pinho.

O Conselho tem reunião prevista para os dias 10 a 12 de abril e segundo Cláudia este será o momento de fortalecer o espaço com a criação de uma agenda de trabalho para reforçar a importância de diálogo entre sociedade civil e governo na construção e monitoramento de políticas públicas.

A ameaça de extinção dos conselhos, surge como um novo enfrentamento do Povos e Comunidades Tradicionais (PCT’s), somada à violência e criminalização das lutas, aliada à falta de políticas de regularização fundiária e de territórios tradicionais. Esta síntese foi apontada durante uma atividade promovida pela FIAN Brasil, nos dias 25 a 27 de março, em Brasília, junto a um grupo de representantes da Sociedade Civil do CNPCT, que desde janeiro de 2018 se reúne para discutir e elaborar estratégias de incidência política nacional e internacional com o objetivo de fortalecer a sociedade civil do Conselho.

A atividade contou com discussões sobre conceitos e dimensões do DHANA – Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, elaboração de um Plano de Direitos, além de uma apresentação da Declaração dos Povos Campesinos, aprovada pela ONU em dezembro de 2018, e do Tratado de Direitos Humanos e Empresas, também instrumento internacional.

Para a Presidenta do CNPCT, a atividade foi um momento importante de concentração em uma agenda internacional, como a Declaração dos Direitos Campesinos (DDC) e o Tratado de Direitos Humanos e Empresas. “Foi um momento importante para vislumbrarmos outros espaços e tentar encontrar uma saída também para articulação tanto interna, por meio do plano de direitos, quanto externa colocando nossas demandas em instrumentos como o Tratado e se somando inclusive junto a outros movimentos que também vislumbram incidência nesses espaços internacionais”.

Resistência

A elaboração conjunta do Plano de Direitos elencou algumas prioridades, como a incidência política internacional. “A palavra direito nunca se fez tão necessária como neste momento que estamos vivendo. O fato de conseguir sistematizar isso num Plano, coloca um foco estratégico nas nossas ações. Esse Plano vai mostrar que temos capacidade de articular com outros atores, com outros processos e reinventa nossa forma de resistência. Vejo o Plano como um elemento norteador pra gente seguir resistindo e, fundamental para construir estratégias, rever onde a gente realmente cometeu equívocos e quem são os parce

iros pra gente construir essa resistência ao longo dessa caminhada que vai ser com passos curtos, mas passos firmes”, afirmou o geraizeiro Samuel Caetano, representante do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas.

Análise de conjuntura

Ainda na programação, os participantes discutiram uma análise de conjuntura nacional que contou com a presença de Eloy Terena, da Apib- Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Maurício Guetta, do ISA – Instituto Socioambiental, e Kátia Favilla, da Rede Cerrado.

O advogado ISA, Maurício Guetta, pontuou em sua apresentação os aspectos e ameaças que tramitam no Executivo, Legislativo e Judiciário. No Congresso Nacional 5 medidas ameaçam a pauta socioambiental com impacto nos povos e comunidades tradicionais, entre as quais a proposta de diminuição das Unidades de Conservação; liberação de mineração e hidrelétricas em Terras Indígenas, novo estatuto dos Povos Indígenas e, a extinção do Licenciamento Ambiental, que é o principal foco da bancada ruralista.

Para Eloy Terena, assessor jurídico da APIB, o conceito de território tradicional é o que articula e une a pauta dos povos indígenas com os PCT’s. A tese do Marco Temporal utilizada amplamente nos argumentos jurídicos para impedir a demarcação, homologação ou mesmo que permitam a suspensão da homologação é a grande preocupação dos povos indígenas, atualmente. “O movimento indígena passou a olhar para o judiciário como uma arena de conflitos, em que os juízes são atores políticos”, enfatizou. Terena ainda informou que uma das maiores mobilizações do movimento indígena, o Acampamento Terra Livre acontece em Brasília, entre os dias 24 a 26 de abril.

Tendo em vista o cenário nacional e o desmonte das políticas públicas, Kátia Favila, da Rede Cerrado, apontou a necessidade uma maior incidência no âmbito internacional e união entre os movimentos para fortalecimento das lutas e defesa de políticas públicas.

Audiência Pública

 

Na tarde do dia 27, participantes da atividade estiveram na primeira audiência pública aberta de 2019 promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM). O debate reuniu representantes de movimentos sociais e grupos da população, para desenhar um plano de trabalho da Comissão. “Uma das questões que trago para este espaço é que ele seja um espaço de diálogo constante com os povos e comunidades tradicionais. Nós temos enfrentado um processo de criminalização dos movimentos sociais de um modo geral, é um número alarmante de mortes e assassinatos em nossos territórios e isso tem nos fragilizado. Esta criminalização está sendo legalizada pelo Estado brasileiro e isso é muito preocupante para nós”, apontou a presidenta do CNPCT, Claudia de Pinho.

Na audiência pública, que contou com uma diversidade de movimentos sociais, outros temas foram debatidos em torno da regularização das pistas de pouso na Amazônia, a criação de uma subcomissão de defesa dos povos tradicionais de matriz africana e a defesa da legalidade do abate doméstico de animais, a continuidade nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco, reparação aos atingidos por barragens sobre a Emenda Constitucional 95 de que trata do orçamento da União, os Projetos de Lei que flexibilizam a definição de terrorismo e criminalizam movimentos sociais e o rebaixamento do Ministério do Trabalho ao status de secretaria. Os movimentos sociais solicitaram ainda que a CDHM seja facilitadora em diálogos entre o STF e a sociedade civil.

Grupo de trabalho

Participam do grupo de trabalho representantes da sociedade civil dos seguintes povos e comunidades tradicionais: Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais – CONAQ (comunidades quilombolas); Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Tradicionais Extrativistas Costeiros e Marinhos (extrativistas costeiros e marinhos); Coordenação Nacional das Comunidades Tradicionais Caiçaras (caiçaras); Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (geraizeiros); Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras (pantaneiros); Associação dos Retireiros do Araguaia – ARA (retireiros) e Movimento das Catadoras de Mangaba – MCM (catadoras de mangaba).

Projeto

Desde janeiro de 2018, a FIAN Brasil desenvolve um trabalho junto ao CNPCT com o objetivo de enfrentar as violações de direitos humanos relacionadas a Povos e Comunidades Tradicionais  (PCTs) do Brasil, por meio de três objetivos específicos: fortalecer a exigibilidade do DHANA; formação junto às organizações sociais que compõem o Conselho em matéria de direitos humanos e exigibilidade de tais direitos, com consequente incidência política neste sentido; viabilizar o início de monitoramento articulado da sociedade civil em torno do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA) na América Latina. O projeto da FIAN Brasil com o CNPCT conta com o apoio da HEKS/EPER.

Quer saber mais sobre o trabalho da FIAN Brasil junto ao CNPCT, acesse aqui

 

‘CDHM deve garantir o direito constitucional da livre manifestação de organizações e movimentos sociais’ aponta Plataforma Dhesca em audiência pública

A Plataforma Dhesca Brasil participou da primeira audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias – CDHM da Câmara dos Deputados, que reuniu movimentos e organizações sociais a fim de pensar caminhos de atuação da Comissão.

 

No dia 27 de março, aconteceu a primeira audiência pública aberta da CDHM – Comissão de Direitos Humanos e Minorias. O debate que reuniu diversos grupos, movimentos e organizações sociais, servirá de base para a elaboração do plano de trabalho da comissão.

O presidente da CDHM, o deputado Helder Salomão, destacou a importância de se estabelecer uma agenda comum e de se aproximar das instituições comprometidas com os direitos humanos a fim de definir os compromissos e os caminhos da Comissão.  Diante de um plenário cheio, a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, trouxe um alerta sobre o atual cenário político do país.

“O que o governo federal traz é o que chamamos de necropolítica, que é a gestão da vida a partir da morte. Temos um decreto que autoriza a posse de amas e que vai aumentar o feminicídio e, no campo, assassinatos de quilombolas, indígenas e povos tradicionais. Além disso, estimula a violência contra as populações pobres e negros. É a licença para matar”, apontou a procuradora.

A conjuntura de cerceamento e desmonte das estruturas de participação e controle social é uma preocupação. Neste sentido, Darci Frigo, integrante da coordenação da Plataforma de Direitos Humanos, reforçou a importância e a urgência de a Comissão incidir pelo direito constitucional à livre manifestação dos movimentos e organizações da sociedade civil, além de alertar sobre os impactos da Emenda Constitucional 95 nos direitos sociais da população, bem como os prejuízos da reforma trabalhista e da reforma da Previdência e, por fim, sobre a proposta de desvinculação total do orçamento da União.

De encaminhamentos foram sugeridos debates acerca de diversos temas do campo dos direitos humanos, tais como a regularização das pistas de pouso na Amazônia, a criação de uma subcomissão de defesa dos povos tradicionais de matriz africana, a continuidade nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco, a reparação aos atingidos por barragens, a desvinculação do orçamento da União, os Projetos de Lei que flexibilizam a definição de terrorismo e criminalizam movimentos sociais e o rebaixamento do Ministério do Trabalho ao status de secretaria. Os movimentos ressaltaram ainda que a cabe à CDHM o papel de facilitar diálogos entre o STF e a sociedade civil.

Além da Plataforma de Direitos Humanos, estiveram presentes  Educafro, Movimento dos Trabalhadores 13 de Outubro, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento Social de Luta, Fesabra Sindical, Intervozes, Justiça Global, Conselho dos Povos e Comunidades Tradicionais, Associação das Etnias Ciganas, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Instituto Americano das Cultura Índias do Brasil, Associação Nacional dos Anistiados Políticos, Conselho Federal de Psicologia, Associação dos Perseguidos Políticos Militares, Comunidade Baha’I, Funai, Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, Conselho Indigenista Missionário, Aldeia Taquari, Anamatra, Instituto Comtemplo, Tupinambás do Sul da Bahia, Advocacy da Conectas Direitos Humanos, Sindicato dos Servidores Públicos da União e Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Os deputados Helder Salomão (PT/ES), Paulo Teixeira (PT/SP), Elvino Bonh Gass (PT/RS0, Padre João (PT/MG), Patrus Ananias (PT/MG), Erika Kokay (PT/DF), Talíria Petrone (PSOL/RJ) e Bira do Bindaré (PSB-MA) também compuseram a audiência pública.

Fonte: Plataforma Dhesca

Mais de 2 bilhões de pessoas no mundo são privadas do direito à água

 

O acesso à água e ao saneamento é reconhecido internacionalmente como um direito humano. Ainda assim, mais de 2 bilhões de pessoas não dispõem dos serviços mais básicos.

 

O último Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, intitulado “Não deixar ninguém para trás”, explora os sinais de exclusão e investiga formas de superar as desigualdades.

O documento foi lançado nesta terça-feira (19), em Genebra, na Suíça, durante a 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, antes do Dia Mundial da Água, celebrado anualmente no em 22 de março.

Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que reconheceu “o direito à água potável segura e limpa e ao saneamento como um direito humano” e, em 2015, o direito humano ao saneamento foi reconhecido de forma explícita como um direito distinto.

Esses direitos obrigam os Estados a agirem rumo à obtenção do acesso universal à água e ao saneamento para todos, sem discriminação, ao mesmo tempo em que devem dar prioridade às pessoas mais necessitadas.

O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 da Agenda 2030 também visa garantir a gestão sustentável e o acesso à água e ao saneamento para todos até 2030.

Porém, apesar dos progressos significativos obtidos nos últimos 15 anos, esse objetivo é inalcançável para grande parte da população mundial.

Em 2015, três entre dez pessoas (2,1 bilhões) não tinham acesso à água potável segura, e 4,5 bilhões de pessoas, ou seis entre dez, não tinham instalações sanitárias geridas de forma segura. O mundo ainda está fora do caminho para alcançar esse importante objetivo.

“O acesso à água é um direito vital para a dignidade de todos os seres humanos”, declarou a diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Audrey Azoulay. “Ainda assim, bilhões de pessoas continuam sendo privadas desse direito”.

“A nova edição do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos mostra que a determinação coletiva para avançar, bem como esforços para incluir aqueles que foram deixados para trás no processo de tomada de decisões, são fatores que podem transformar esse direito em realidade”.

“Os números falam por si. Como mostra o relatório, se a degradação do meio ambiente natural e a pressão insustentável sobre os recursos hídricos mundiais continuarem a ocorrer nas taxas atuais, 45% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e 40% da produção mundial de grãos estarão em risco até 2050”, disse Gilbert F. Houngbo, diretor da ONU Água e presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).

“As populações pobres e marginalizadas serão afetadas de forma desproporcional, aumentando ainda mais as desigualdades crescentes (…). O relatório de 2019 fornece evidências da necessidade de se adaptar as abordagens, tanto nas políticas quanto na prática, para tratar das causas da exclusão e da desigualdade”, concluiu.

Grandes disparidades entre ricos e pobres

Esses dados escondem disparidades significativas. Em escala mundial, metade das pessoas que bebem água retirada de fontes não seguras vivem na África. Na África Subsaariana, apenas 24% da população têm acesso à água potável segura, e 28% têm instalações sanitárias básicas que não são compartilhadas com outras residências.

Discrepâncias importantes quanto ao acesso existem até mesmo dentro dos países, de forma clara entre pessoas ricas e pobres. Em áreas urbanas, as pessoas desfavorecidas que vivem em acomodações improvisadas sem água corrente muitas vezes pagam de dez a 20 vezes mais do que seus vizinhos em bairros mais ricos por uma água de qualidade similar ou inferior comprada de vendedores ou de caminhões-pipa.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT), todos os anos, divulga os dados sobre conflitos por água no Brasil. Clique aqui e confira as informações.

O direito à água, como explicam os autores do relatório, não pode ser separado de outros direitos humanos. Na verdade, aqueles que são marginalizados ou discriminados por causa de seu gênero, idade, status socioeconômico, ou por sua identidade étnica, religiosa ou linguística, também têm maior probabilidade de ter um acesso limitado a água e saneamento adequados.

Quase metade das pessoas que bebem água retirada de fontes desprotegidas vivem na África Subsaariana, onde o encargo da coleta recai principalmente sobre as mulheres e meninas, muitas das quais gastam mais de 30 minutos em cada viagem para buscar água. Sem água e saneamento seguros e acessíveis, essas pessoas provavelmente enfrentarão múltiplos desafios, incluindo saúde e condições de vida precárias, desnutrição e falta de oportunidades de educação e emprego.

Refugiados são especialmente vulneráveis

Os refugiados e pessoas deslocadas internamente com frequência enfrentam sérios obstáculos para ter acesso ao fornecimento de água e a serviços sanitários, e a quantidade de pessoas nessas situações é mais alta do que nunca.

Em 2017, conflitos e perseguições forçaram 68,5 milhões de pessoas a fugirem de seus lares. Além disso, uma média anual de 25,3 milhões são forçadas a migrar por causa de desastres naturais, o dobro de pessoas na mesma situação no início da década de 1970 – espera-se que esse número aumente ainda mais devido à mudança climática.

São necessárias políticas inclusivas para se alcançar o ODS 6. Elas também são necessárias para neutralizar conflitos entre diferentes usuários da água. Em um contexto de demanda crescente (1% de crescimento anual desde a década de 1980), o relatório observa um aumento significativo dos conflitos relacionados à água: 94 de 2000 até 2009, e 263 de 2010 até 2018.

O documento também demonstra que investir em fornecimento de água e saneamento faz sentido em termos econômicos. O retorno do investimento é alto em geral e também no caso específico das pessoas vulneráveis e desfavorecidas, especialmente quando são considerados benefícios mais amplos, como saúde e produtividade. O fator multiplicador para o retorno do investimento foi estimado mundialmente em 2 para a água potável, e em 5,5 para o saneamento.

Coordenado e publicado pelo Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP) da UNESCO, o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos é o resultado de uma colaboração entre 32 entidades das Nações Unidas e dos 41 parceiros internacionais que compõem a ONU Água. O relatório é publicado todos os anos no Dia Mundial da Água.

 

Via CPT  – Fonte: ONU Brasil | Imagem: João Zinclar

A realidade e a atualidade dos direitos humanos no Brasil foi tema de reunião no Palácio das Nações Unidas, em Genebra

 

Evento paralelo sobre a situação dos direitos humanos no Brasil aconteceu no Palácio das Nações Unidas em Genebra e contou com participação de pelo menos 50 representantes de organizações brasileiras e internacionais.

A atividade foi organizada a partir de uma mesa de debates coordenada pela Conectas Direitos Humanas com participação: da Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, Associação dos Indígenas Tupinambás/ BA; Terra de Direitos; ABGLT, Artigo 19.

A agenda tratou de vários temas sobre a realidade e a atualidade dos direitos humanos no Brasil, com especial atenção para ações que vêm sendo realizadas pelo atual governo, tais como: a MP 870, que ataca frontalmente o direito e a liberdade de organização e associação, tema este visto como uma grande ameaça no país neste momento.

Junto com este tema também está posto o processo de paralisação e extinção de espaços de participação social que são fundamentais para a consecução de políticas e o monitoramento destas políticas, como é o caso, por exemplo da extinção do CONSEA.

Temas como o avanço da violência contra os defensores/as de DH, contra as mulheres, contra a população LGBT, contra os povos e comunidades tradicionais e indígenas, o avanço das milícias nas periferias e também no campo.

A representante da comunidade indígena Tupinambá da Serra do Padeiro/Ba, fez um relato muito forte sobre a situação de ameaça que vive toda sua comunidade e as lideranças do seu povo.

Além de outros temas tratados pelos parceiros brasileiros a Articulação chamou a atenção para a proposta de Reforma da Previdência apresentada ao congresso pelo governo Bolsonaro, manifestando que os pontos centrais e críticos da proposta vão na linha da destruição da proposta de seguridade social prevista pela Constituição Federal de 1988. Para a Articulação:

“A proposta de reforma do governo inaugura uma nova forma de previdência que não é de seguridade, mas de seguro social, numa perspectiva de capitalização e não de direitos. Esta proposta ataca profundamente os mais pobres pois se soma à reforma trabalhista já aprovada que flexibiliza e precariza de modo profundo as relações de trabalho”.

A agenda foi muito positiva porque marca o primeiro evento internacional no âmbito da ONU, onde a sociedade civil brasileira pode levar informações de forma conjunta e ampla sobre como está vendo a atuação em matéria de direitos humanos do atual governo.

A proposta é que possamos intensificar este tipo de eventos, ao menos semestralmente entre parceiros brasileiros, para que possamos também manter a comunidade internacional informada sobre o andamento da agenda de direitos humanos no Brasil, dando visibilidade sobretudo aos retrocessos em matéria de políticas, de legislação e de situações de violações pelas quais as povos, comunidades, grupos e defensores/as de direitos humanos sofrem cotidianamente.

Relato de Enéias da Rosa — Secretário Executivo da Articulação para o Monitoramento dos DHs no Brasil e presidente da FIAN Brasil

Fonte: PAD

Entidades se reúnem com Michelle Bachelet no Conselho de Direitos Humanos da ONU

A Plataforma Dhesca Brasil e outras entidades se reuniram com Michelle Bachelet, alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a fim de discutir a situação dos direitos humanos no Brasil. Jair Bolsonaro assumiu a presidência do país há  dois meses e o campo dos direitos humanos já sente o ataque das diversas medidas adotadas pelo novo governo.

O encontro aconteceu na 40ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra.

As organizações apresentaram um panorama brasileiro e uma série de denúncias para a alta-comissária, que aguarda mais informações da sociedade civil . Foram abordados temas referentes ao ambiente nocivo que está se constituindo em relação aos direitos humanos no país, o que dificulta a atuação das entidades e defensores deste campo.

O desmonte da Constituição Federal por meio da adoção de medidas de austeridade, como a Emenda Constitucional 95 — que estabeleceu o congelamento de investimentos por  20 anos —, e, mais recentemente, a proposição do Ministro da Economia para a desvinculação de despesas garantidas pela carta constitucional, também foi pauta da reunião. Além disso, o grupo criticou a Reforma da Previdência apresentada pelo atual governo: um verdadeiro ataque, principalmente, a mulheres, pobres e camponesas.

Organizações participam de encontro com Delegação da União Europeia

A Delegação da União Europeia no Brasil realizou uma reunião com cerca de 60 parceiros e organizações que possuem projetos apoiados pela entidade, no dia 08 de fevereiro, em Brasília. O encontro foi proposto pela Abong e pela Plataforma do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) para pensar a atuação estratégica na atual conjuntura de retrocesso e criminalização das organizações da sociedade civil e movimentos sociais.

Fonte: Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil

Nota Pública em repúdio ao cerceamento da liberdade de associação imposto pela medida provisória 870

 

Em sua 44ª Reunião Plenária, realizada nos dias 6 e 7 de fevereiro, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) aprovou Nota Pública “em repúdio ao cerceamento da liberdade de associação imposto pela Medida Provisória 870”.

A Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019 (MP 870/2019), editada para estabelecer a organização básica dos órgãos do Executivo Federal, confere à Secretaria de Governo da Presidência da República a competência para “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional” (Artigo 5, II).

Por meio da nota, o Conselho manifesta preocupação com a medida, apoia o questionamento de sua constitucionalidade, e faz um chamamento público para que o texto seja retificado durante sua apreciação nos próximos dias pelo Congresso Nacional.

Para o CNDH, essa inovação é abusiva, atribui a estruturas ligadas à Presidência da República o papel de cerceamento da liberdade de associação, e “chama a atenção pelo seu sentido num regime democrático e por sua inconstitucionalidade”.

Acesse aqui a nota na íntegra: http://bit.ly/2MV4vKq

 

Obesidade, desnutrição e mudança climática representam desafio global

As epidemias simultâneas de obesidade e desnutrição, além das mudanças climáticas em todo o mundo, constituem a maior ameaça global à saúde humana e à do planeta e que deverão ser enfrentadas neste século.

É o que aponta um relatório publicado na conceituada revista médico-científica The Lancet, que defende que governos comecem a tratar dessa tripla pandemia como um problema único.

No periódico, os pesquisadores utilizam o termo “sindemia global” para definir as três pandemias que representam múltiplas doenças que interagem entre si, produzem sequelas complexas e compartilham atores-sociais comuns.

Outro destaque do estudo é o fato de que, historicamente, a obesidade esteve isolada dos desafios globais e agora passa a ser conectada com as questões climáticas e a desnutrição, demonstrando a urgência e a atenção necessárias para que sejam criadas soluções comuns para esses três desafios.

“Comportamentos individuais são fortemente influenciados por ambientes obesogênicos que promovem a insegurança alimentar e a emissão de gás carbônico”, diz um trecho do relatório.

Para Ana Paula Bortoletto, nutricionista e pesquisadora do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) que participou das discussões durante o lançamento do relatório, na Tailândia, o documento representa a determinação de um novo paradigma para a atuação e a articulação da sociedade civil a nível internacional para a discussão e o manejo da sindemia.

“Tanto no Idec quanto na Aliança, trabalhamos pela prevenção do excesso de peso e de doenças associadas com foco na melhoria dos sistemas e ambientes alimentares. O reconhecimento da associação entre as pandemias é de extrema importância para pautar o nosso trabalho, no sentido de lutar por políticas públicas mais eficazes e que abordem o problema de maneira global”, destaca.

Soluções conjuntas

De acordo com o estudo, entre as principais soluções para atuar nas três epidemias globais simultaneamente está um maior monitoramento e exposição das atividades políticas corporativas das indústrias e a elaboração de um tratado global sobre sistemas alimentares, semelhante ao que resultou no avanço das políticas públicas de redução do consumo de tabaco em todo o mundo.

“O relatório aponta de forma contundente a interferência das indústrias transnacionais de alimentos como grande responsável pela inércia política de governos que são coibidos ou pressionados a colocarem os interesses comerciais acima dos interesses da saúde pública”, destaca Bortoletto.

Fonte: Aliança pela Alimentação Saudável

Contra a extinção do Consea, FIAN Internacional e FIAN Brasil acionam sistemas internacionais de direitos humanos

 

A FIAN Internacional e a FIAN Brasil enviaram petições à Relatora de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA) e aos mecanismos de proteção de direitos humanos das Nações Unidas (ONU) informando sobre a extinção do Consea e requerendo medidas para reverter o seu fechamento.

Nos documentos, as organizações destacam a importância do Conselho para a soberania e a segurança alimentar e nutricional no país, além de argumentar que a medida do governo brasileiro configura descumprimento de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

“A extinção do CONSEA significa descumprimento das obrigações relativas ao Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) previstas no Comentário Geral nº 12 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, especialmente da obrigação de respeitar, isto é, não fazer nada que viole o DHANA e a obrigação de promover, ou seja, adotar ações concretas para que as pessoas possam exercer o seu direito à alimentação”, destaca trecho do documento.

Criado em 2006, o Consea foi extinto com a Medida Provisória 870, publicada no Diário Oficial da União no dia 1º de janeiro de 2019. O Conselho era um espaço institucional para o controle social e participação da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, com vistas a promover a realização do Direito Humano à Alimentação Adequadas.

Petição online

A FIAN Internacional – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas iniciou no dia 14 de janeiro uma petição online para coleta de assinaturas contra a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

A petição já conta com mais de 30 mil assinaturas. Assine aqui!

PFDC defende inconstitucionalidade de MP que criou monitoramento governamental de organizações sociais no Brasil

O conteúdo da medida provisória 870/2019, editada no dia 1º de janeiro pelo governo federal, viola princípios constitucionais. Esse é o posicionamento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF), diante da norma que instituiu como uma das funções da Secretaria de Governo da Presidência da República “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” a atuação de organizações da sociedade civil no Brasil.

O argumento pela inconstitucionalidade do art. 5º, inciso II, da MP 870/2019 foi encaminhado em Nota Técnica ao Congresso Nacional, como subsídio à análise dos parlamentares que votarão a MP. A PFDC enviou ainda, nesta quarta-feira (30), representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitando que seja analisada a possibilidade de se apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação pedindo a inconstitucionalidade desse trecho da MP.

De acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a norma editada no dia 1º de janeiro infringe, direta e expressamente, os dispositivos do artigo 5º da Constituição Federal. O texto constitucional registra que a criação de associações sociais no Brasil independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal no funcionamento dessas instituições.

“A participação social é um imperativo constitucional que tem em conta o fortalecimento do regime democrático e da democracia participativa, além de orientar políticas públicas para que se desenvolvam em um ambiente de pluralismo e diversidade, assim como para assegurar o controle da gestão pública”, esclarece a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.

Ao destacar os direitos à liberdade de associação, de representação e de organização social, a PFDC elenca uma série de conformações coletivas já presentes no texto da Constituição de 88. “Para ficar apenas com os mais óbvios: liberdade sindical (art. 8º), direito à greve (art. 9º), iniciativa popular de lei (art. 61), ação popular (art. 5º) e o próprio Conselho da República (art. 89)”.

A Procuradoria destaca que o texto constitucional brasileiro não traz novidade no que se refere ao reconhecimento da participação social como direito do cidadão. “A maior parte dos países da região dispõe de leis nacionais que estabelecem a organização da participação institucional. A participação política também é garantida por instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e vigentes nessas nações, previstos inclusive no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos”.

No Brasil, os registros do processo constituinte que levou à Constituição de 1988 revelam a razão dessa escolha. “Trata-se de um documento que distribui fartamente direitos, que propõe-se a reorganizar os espaços sociais e a reorientar as relações entre as pessoas, atento sempre ao diverso e ao plural. Ele só foi possível porque os constituintes reconheceram a importância da participação social, e esta permitiu que direitos ignorados, histórias suprimidas e vozes sufocadas fossem publicamente discutidos e reconhecidos”.

Controle de licitude de ONGs já conta com legislação
A Procuradoria dos Direitos do Cidadão esclarece que o conjunto de normas existente no ordenamento jurídico brasileiro já satisfaz, com folga, o controle das organizações da sociedade civil no que diz respeito à verificação da licitude de suas atividades e à gestão de recursos públicos. Entre as legislações que trazem esse amparo estão a Lei de Improbidade Administrativa (8.429/2002), a Lei Anticorrupção (12.845/2013) e a própria Lei 13.019/2014, que surge no contexto do programa do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil.

Para o órgão do Ministério Público Federal, portanto, ao tratar de “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” essas instituições, o texto da MP 870 excede, em muito, as possibilidades de intervenção estatal nas organizações sociais em atuação no território nacional. “Não há liberdade de associação quando o poder público intervém na sua administração ou funcionamento”, pontua o texto.

Experiência em outros países
No documento encaminhado ao Congresso Nacional e à procuradora-geral da República, a PFDC destaca que democracias consolidadas tratam o princípio da não interferência estatal nessas atividades como condição necessária para que as pessoas se lancem livremente a projetos coletivos lícitos, com a segurança de que eles serão autoadministrados. Não por acaso, recentemente a Comissão Europeia de Direitos Humanos chegou a notificar formalmente a Hungria por desconformidade de sua legislação sobre organizações sociais com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

A lei húngara introduziu novas obrigações para certas categorias de ONGs, estabelecendo que aquelas que recebem um determinado volume de recursos internacionais informassem às autoridades o valor do montante, sob pena de sanções. A Comissão Europeia entendeu haver ofensa ao direito de associação, que assegura que essas instituições acessem recursos lícitos para a consecução dos seus propósitos – com a garantia da privacidade desses dados.

 

Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Fonte: Assessoria de Comunicação e Informação Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)

Reformas econômicas devem garantir defesa dos direitos humanos, diz relator da ONU

 

Os direitos humanos devem ser um componente integral da formulação de políticas para garantir que reformas econômicas ajudem as sociedades a avançar, em vez de criar obstáculos para a vida das pessoas, disse nesta segunda-feira (21) um especialista independente nomeado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.

O argentino Juan Pablo Bohoslavsky, especialista independente sobre dívida externa e direitos humanos, publicou os “Princípios Orientadores sobre Avaliação de Impactos de Reformas Econômicas nos Direitos Humanos” para auxiliar Estados, instituições financeiras internacionais e sociedade civil a garantir que os direitos humanos sejam incorporados nas políticas econômicas. Os princípios serão apresentados em 28 de fevereiro ao Conselho de Direitos Humanos.

“O objetivo dos Princípios Orientadores é que Estados não se afastem de suas obrigações com os direitos humanos na formulação de políticas econômicas, até mesmo em momentos de crise”, disse Bohoslavsky.

“Quaisquer medidas de políticas econômicas – seja austeridade fiscal, ajuste de reformas estruturais, privatização de serviços públicos, desregulamentação dos mercados financeiros, ou mudança em impostos – possuem consequências ligadas aos direitos humanos”, declarou.

“Governos em todos os níveis – incluindo governos locais e subnacionais – devem levar adequadamente em conta suas obrigações com os direitos humanos quando projetam e formulam reformas econômicas. Avaliações de impacto aos direitos humanos são essenciais para este processo”, disse.

“Em especial, tais avaliações devem prestar atenção especial aos possíveis e cumulativos impactos de medidas econômicas sobre grupos e indivíduos específicos, como mulheres e pessoas com deficiência”, destacou.

Bohoslavsky acrescentou que os Princípios Orientadores deixam claro que instituições financeiras internacionais, credores e doadores não devem fechar os olhos para o impacto em direitos humanos de seus empréstimos ou concessões.

“Em especial, instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, têm obrigação de garantir que suas condicionalidades de empréstimos, assessorias e propostas para reformas econômicas não prejudiquem obrigações de direitos humanos do Estado tomador de empréstimo”, disse Bohoslavsky, que pediu anteriormente para o FMI realizar avaliações de impactos de direitos humanos.

Fonte: ONU Brasil

Foto: ONU/ Jean-Marc Ferré

Povos Livres, Territórios em Luta: CNDH aprova relatório sobre direito de povos e comunidades tradicionais

Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) publica a íntegra do Relatório sobre os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, intitulado “Povos Livres, Territórios em Luta”. O documento foi aprovado em Plenário durante a 43ª Reunião Ordinária do CNDH, ocorrida nos dias 10 e 11 de dezembro, com a presença de conselheiras e conselheiros dos dois biênios (2016-2018 e 2018-2020).

Durante a reunião, houve ainda a transição para o novo mandato, a definição de participação em comissões permanentes e do calendário das próximas reuniões, além da aprovação de nota contra o fechamento da EBC – Empresa Brasil de Comunicação.

O relatório aprovado é fruto do trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho dos Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais instituído pelo Conselho. Seu objetivo foi levantar casos de violações de direitos humanos contra povos e comunidades tradicionais, priorizando os que seriam foco de missões do CNDH com vistas a gerar recomendações para garantia dos direitos dessas populações.

Missões

Ao longo de 2018, foram realizadas quatro missões que buscaram a diversidade de locais e de segmentos. A primeira missão ocorreu no município de Santo Antônio do Descoberto (GO), entorno do Distrito Federal, com enfoque na atuação de parteiras, benzedeiras e raizeiras. Em seguida, foi realizada missão com os extrativistas costeiros e marinhos da Reserva Extrativista de Canavieiras (RESEX Canavieiras), em Canavieiras (BA). A terceira missão envolveu as comunidades tradicionais de pantaneiras e pantaneiros em Cáceres (MT) e Corumbá (MS). Por fim, ocorreu a missão com as comunidades tradicionais do norte de Minas Gerais.

Constatadas as violações, o Relatório do CNDH propõe Recomendações destinadas a instituições responsáveis pela proteção e promoção de direitos humanos, bem como o encaminhamento de representações, de acordo com as prerrogativas constitucionais, as quais reconhecem ao conjunto dos povos e comunidades tradicionais como sujeitos de direitos da Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho e Decreto 6.040/2007, além dos direitos de Povos Indígenas (Artigos 231 e 232 da Constituição Federal) e das Comunidades Quilombolas (Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal).

Compuseram o Grupo de Trabalho Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais do CNDH três representantes do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN-Brasil), Ministério Público Federal (MPF); Defensoria Pública da União (DPU), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Conselho Federal de Psicologia (CFP), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).

Acesse aqui a íntegra do Relatório sobre os Direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais – Povos Livres, Territórios em Luta.

Assembleia Geral da ONU adota a Declaração dos Direitos dos Camponeses

Nesta segunda-feira, 17 de dezembro de 2018, a 73ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU 73), em Nova Iorque, adotou a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham nas Áreas Rurais. Agora que a Declaração é um instrumento legal internacional, a Via Campesina (LVC) e seus aliados se mobilizarão para apoiar os processos de implementação regionais e nacionais.

A votação representa o acúmulo de um processo histórico para as comunidades rurais. Com 121 votos a favor, 8 votos contra e 54 abstenções, o fórum da AGNU representando 193 Estados-membros, inaugurou um novo capítulo promissor na luta pelos direitos dos camponeses e outras comunidades rurais em todo o mundo. O processo de 17 anos, iniciado pelo movimento camponês internacional a Via Campesina, apoiado por numerosos movimentos sociais e organizações afins, como FIAN e CETIM, tem sido uma grande fonte de inspiração e fortaleceu as comunidades camponesas em todas as regiões do mundo.

2018 foi decisivo para o processo da Declaração:

  • Genebra: em abril, após 6 anos de negociações, o 5º Grupo de Trabalho Intergovernamental Aberto do Conselho de Direitos Humanos (CDH) concluiu os debates sobre o conteúdo, finalizando o texto. Em setembro, o HRC (39ª Sessão) aprovou a Declaração por maioria de votos.
  • Roma: em outubro, durante o 45ª Fórum do Comitê Global de Segurança Alimentar, a Via Campesina, juntamente com o Mecanismo da Sociedade Civil e com o apoio de vários países e instituições da ONU, organizou um evento político promovendo a Declaração no âmbito do Década para a Agricultura Familiar.
  • Nova York: em novembro, a Declaração chegou ao processo da Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU). No dia 19, ainda de novembro, a Declaração foi votada e aprovada por uma ampla maioria pela Terceira Comissão da Assembleia Geral da ONU, responsável pelos assuntos sociais, humanitários e culturais. Por fim, o voto da Assembleia Geral da AGNU a partir desta terça-feira (17/12/2018) concluiu o processo de adoção. Uma nova etapa se seguirá, uma etapa de implementação, transformando as aspirações da Via Campesina em soluções para as lutas cotidianas da sociedade rural!

“Esta Declaração é uma ferramenta importante que deve garantir e concretizar os direitos dos camponeses e outros trabalhadores nas áreas rurais. Pedimos que todos os Estados implementem a Declaração de maneira consciente e transparente, garantindo aos camponeses e às comunidades rurais o acesso e o controle sobre a terra, as sementes dos camponeses, a água e outros recursos naturais. Como camponeses, precisamos da proteção e do respeito pelos nossos valores e do nosso papel na sociedade para alcançar a soberania alimentar ”, disse Elizabeth Mpofu, agricultora camponesa do Zimbábue e coordenadora geral da Via Campesina.

Como camponeses em todo o mundo, vamos nos mobilizar e nos uniremos em nossos respectivos países para pressionar pelo estabelecimento de políticas e estratégias que contribuam para o reconhecimento, fiscalização e a prestação de contas. As violações de nossos direitos por meio de grilagem de terras, despejos forçados, discriminação de gênero, falta de proteção social, fracasso de políticas de desenvolvimento rural e criminalização podem agora, com o reconhecimento internacional formal desta Declaração, ser abordadas com maior peso legal e político.

Os direitos dos camponeses são direitos humanos!

Globalize a luta! Globalize a esperança!

 

Por Comunicação da Via Campesina Internacional

Tradução Livre: Adilvane Spezia | MPA e Rede Soberania

Foto: Nick Papakyriazis

Dois anos após a aprovação de Teto dos Gastos, entidades alertam para o risco de colapso das políticas sociais no país

Coalizão de sociedade civil faz apelo aos novos parlamentares do Congresso Nacional e ao  Supremo Tribunal Federal pela revogação da Emenda Constitucional 95

Na semana em que a Emenda Constitucional 95, conhecida como Teto dos Gastos, completa dois anos (15/12), organizações de sociedade civil, conselhos nacionais de direitos, movimentos sociais, instituições acadêmicas chamam a atenção do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e da sociedade para a urgência da revogação da Emenda Constitucional 95. As entidades denunciam a piora acelerada das condições de vida da população, o aumento da fome, o crescimento da mortalidade infantil, a falta de remédios em postos de saúde e hospitais, a inviabilização do Plano Nacional de Educação e de outras políticas públicas, entre outros graves retrocessos.

A Iniciativa intersetorial é promovida pela Coalizão Antiausteridade e pela Revogação da Emenda Constitucional 95 – articulação impulsionada pela Plataforma DHESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) e lançada, em março de 2018, no Fórum Social Mundial – responsável pela Campanha Direitos Valem Mais . Comprometida com a democratização do debate sobre política econômica, a Campanha visa somar forças políticas pela: revogação da Emenda Constitucional 95; retomada dos investimentos públicos em políticas sociais, culturais e ambientais; e por uma ampla reforma tributária progressiva no país.

EC 95: a destruição de um país
Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 estabeleceu a redução do gasto público em educação, saúde, assistência social e em outras políticas sociais por vinte anos, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra. A EC 95 é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam sua revogação imediata pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.

Estudos da Plataforma DHESCA; do Inesc/Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais; e do IPEA, entre muitos outros, vêm demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos.

Em agosto deste ano, sete Relatores da ONU lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.

No mês passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos realizou, depois de mais de duas décadas, uma visita ao Brasil para averiguar a situação dos direitos humanos. O relatório preliminar da CIDH manifestou grande preocupação com o fato do país ter uma política fiscal que desconhece “o princípio de progressividade e não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e ambientais”.

Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento equivocado de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.

Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem a desigualdade e são motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, considerada uma medida anticíclica.

Apelo ao STF e aos Novos Parlamentares
A Coalizão de entidades solicita ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se posicione urgentemente pela inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 95 e reivindica que o Tribunal realize em 2019 um ciclo de audiências públicas que contribua para ampliar e qualificar o debate sobre os impactos da Emenda nas condições de vida da população, em especial, da população mais pobre. A articulação também faz um apelo público aos parlamentares que assumirão o Congresso Nacional em 2019: que priorizem medidas legislativas que revoguem a Emenda Constitucional 95 (EC95).

Fonte: Plataforma Dhesca

Foto destaque: Visita da CIDH na aldeia Guyraroka, no municipio da Caarapó, com índios Guarani Kaiowá.
Foto: Christian Brada | Farpa | CIDH

Segurança alimentar torna real o direito à dignidade humana, proclamado há 70 anos, diz conselheira

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados realizou nesta quarta-feira, 12, uma audiência pública em comemoração aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelos 30 anos da Constituição Federal de 1988. A professora piauiense Maria de Lourdes Rocha Lima Nunes (“Lourdinha”), integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos, participou do evento, quando também representou o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do qual faz parte.

“O Consea atua para defender e promover um dos direitos mais básicos e essenciais, a alimentação. Direito esse que se expressa na riqueza do nosso patrimônio alimentar, em práticas sustentáveis de produção, nas feiras de produtores, na comida de verdade no nosso prato”, disse Maria de Lourdes durante sua fala na audiência pública, ao ler uma mensagem da presidenta do conselho, Elisabetta Recine.

Lourdinha acrescentou que “falar de direitos humanos é falar da dignidade da pessoa humana. E é a alimentação adequada e saudável, incluindo o acesso à agua, que torna a dignidade humana uma realidade”. O encontro contou com a presença de diversos parlamentares e de representantes de entidades que atuam no acompanhamento da execução e na formulação de políticas públicas, como o Conselho Comunitário de Segurança Indígena e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Mensagem

Na mensagem lida por Lourdinha, a presidenta do Consea lembrou que a Declaração dos Direitos Humanos, proclamada em dezembro de 1948, em Paris, foi uma resposta às atrocidade cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. “Celebrar os 70 anos desta conquista tão essencial da humanidade, que foi concebida à luz de uma das experiências mais traumáticas da história, é também manter sempre viva a lembrança de que nós podemos construir as maiores maravilhas, mas também os piores horrores”, destacou Elisabetta Recine.

Elisabetta afirmou ainda ser inadmissível que ainda haja, em 2018, pessoas que passem fome no planeta. “É inadmissível que sejam produzidos alimentos que gerem degradação ambiental, relações sociais e econômicas injustas, que o alimento possa nos adoecer. Todas estas situações são violações ao direito humano à alimentação adequada e saudável “, observou a presidenta.

Já os representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados recordaram que a Declaração Universal inspirou, no decorrer desses 70 anos, a elaboração de numerosas constituições nacionais, inclusive a do Brasil. Alertaram, todavia, que princípios constitucionais e direitos humanos são construções permanentes que, em face das dinâmicas históricas, adquirem novas configurações e propõem novos desafios, cabendo a todos os cidadãos o dever de valorizar e trazer sempre para o cotidiano do país a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988.

Fonte: Ascom\Consea

Foto: Ivana Diniz/ Consea

Leonardo Boff, ex-ministros e sociedade civil fazem evento sobre os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 30 anos da Constituição Federal

“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

Princípios constitucionais e direitos humanos são uma construção permanente. Na passagem dos anos, das transformações sociais, políticas ou econômicas adquirem novas configurações e propõem novos desafios.

No ano de 2018 são comemorados os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 30 da promulgação da Constituição Federal de 1988. Dois documentos fundamentais que convidam à uma reflexão sobre a situação atual dos direitos humanos expressos em suas páginas.

“Hoje, os padrões de convivência entre cidadãos, classes sociais e o Estado nacional estão fundamentados nesses dois documentos. Porém, tais princípios vêm sendo relativizados por interesses políticos sectários e práticas de intolerância”, pondera Luiz Couto (PT/PB), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM).

Para marcar essas datas e debater alianças e estratégias na defesa dos direitos estabelecidos pela Constituição e inspirados na Declaração Universal, a CDHM promove uma audiência pública, na próxima quarta-feira (12), às 14h, no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados.

A audiência pública

Participam do encontro Leonardo Boff, teólogo e escritor; Nilmário Miranda, primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos; Paulo Vannuchi, ex-ministro de Estado dos Direitos Humanos; José Geraldo de Souza Júnior, doutor em Direito da UNB; Fabiana Severo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos; Deise Benedito, especialista em Relações Raciais, Gênero, Raça e Direitos Humanos, Política Criminal e Penitenciária; Antônia Francisca, coordenadora Nacional do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra; Eduardo Nunes de Queiroz, defensorNacional de Direitos Humanos, da Defensoria Pública da União; Maria  Lima Nunes, secretária-executiva do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Domingos Sávio Dresch da Silveira , procurador Federal dos Direitos do Cidadão Substituto (MPF), a ex-ministra  Secretaria de Direitos Humanos Maria do Rosário (PT/RS) e Luiza Erundina (PSOL/SP), presidente da Subcomissão Parlamentar Memória, Verdade e Justiça.

Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos mais significativos documentos produzidos pela Humanidade e definiu os parâmetros para uma cultura de paz e de respeito.  

“A proposta de um evento alusivo aos dois documentos fundamentais surgiu com a relação entre ambos. A Declaração Universal inspirou ao longo desses 70 anos a elaboração de numerosas constituições nacionais, inclusive a do Brasil. Nossa Constituição Federal, especialmente o artigo quinto e parte das Disposições Transitórias, além de estatutos, leis e programas governamentais criados no decorrer desses 30 anos, tiveram como referência os enunciados da Declaração Universal”, explica Luiz Couto.

Também devem participar da audiência pública estudantes de universidades do Distrito Federal. O encontro é aberto ao público e será transmitido ao vivo pelos canais oficiais da TV Câmara, Youtube e pelo Facebook da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.

Ainda na audiência pública, estarão disponíveis para o público os livros de Leonardo Boff, “Brasil, concluir a refundação ou prolongar a dependência?” e  “Reflexões de um velho teólogo e pensador”, e de Nilmário Miranda, “Histórias dentro da história”.

 

Fonte: Pedro Calvi/CDHM

 

Nota em solidariedade às famílias de Orlando e Rodrigo, do MST – Paraíba

No Dia Internacional de Direitos Humanos, 10 de dezembro, quando se comemora 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), as entidades que compõem a Plataforma de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais manifestam solidariedade às famílias de José Bernardo da Silva, conhecido como Orlando Bernardo, e Rodrigo Celestino, ambos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) assassinados na noite do sábado, 8 de dezembro de 2018, no Acampamento Dom José Maria Pires, localizado no município de Alhandra, Paraíba .

Ações covardes e criminosas como o assassinato de Orlando e Rodrigo, as quais repudiamos e contra as quais nos levantamos contundentemente, são formas de conter as lutas sociais pela vida e por direitos. Esses crimes, inaceitáveis em qualquer situação, são ainda mais graves em um contexto pós eleitoral marcado pela violência e pela promessa de contenção a qualquer ato de contestação e resistência ao poder político, pela adoção de medidas de ajuste fiscal que aumentam as desigualdades do país e que geram desmonte de órgãos e políticas públicas para garantia de direitos e, ainda, ante o recrudescimento de ações de violência e criminalização contra os movimentos sociais. Um forte de símbolo desse processo de criminalização são os projetos de leis, em tramite hoje no Congresso Nacional, que visam ampliar condutas consideradas terroristas e derrubar a salvaguarda que hoje protege os movimentos de serem enquadrados nesta lei. Movimentos sociais não são inimigos domésticos, são atores fundamentais para qualquer país que se pretenda democrático.

Exigimos que as autoridades competentes investiguem e punam estes crimes que ocorreram contra os militantes do MST do estado da Paraíba, demonstrando, assim, que a luta por justiça é também um direito e que ninguém pode ser perseguido, preso, torturado ou morto, por insistir que se faça valer o conteúdo de Declaração Universal de Direitos Humanos, documento que decorre de lutas históricas, forjado por sangue e coragem e instituído há 70 anos por líderes mundiais.

 

Fonte: Plataforma Dhesca Brasil

CIDH conclui visita ao Brasil

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) fez uma visita in loco ao Brasil, que ocorreu de 5 a 12 novembro de 2018, em função de convite formulado pelo Estado brasileiro realizado em 29 de novembro de 2017. No início de 2018, a Comissão e o Estado brasileiro acordaram a data da presente visita, cujo objetivo foi o de observar a situação dos direitos humanos no país. A outra visita in loco que a CIDH fez ao Brasil foi em 1995.

A delegação que realizou a visita in loco ao Brasil foi chefiada pela Presidenta, Comissária Margarette May Macaulay, e integrada pela Primeira Vice-Presidenta, Comissária Esmeralda Arosemena de Troitiño; Comissário Francisco Eguiguren Praeli; Comissário Joel Hernández García; e pela Comissária Antonia Urrejola Noguera, Relatora para o Brasil. Adicionalmente, integraram a delegação: a Secretária Executiva Adjunta, María Claudia Pulido; a Chefe de Gabinete da Secretaria Executiva, Marisol Blanchard Vera; o Relator Especial para a Liberdade de Expressão, Edison Lanza; a Relatora Especial para os Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DESCA), Soledad García Muñoz; e especialistas da Secretaria Executiva da CIDH.

A Comissão Interamericana manteve reuniões com autoridades nacionais, tais como o Ministério dos Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal, o Ministério das Relações Exteriores, o Conselho Nacional de Direitos Humanos, a Procuradoria-Geral da República e membros de Ministérios Públicos estaduais, a Defensoria Pública da União e Defensorias Estaduais e outras autoridades de diferentes poderes municipais e estaduais; bem como com representantes e organizações da sociedade civil, movimentos sociais, defensores e defensoras dos direitos humanos, afrodescendentes, quilombolas, povos indígenas, trabalhadores rurais, pessoas em situação de pobreza e sem-teto, líderes de movimentos de defesa dos direitos de diversos grupos em situação de discriminação histórica, familiares de policiais assassinados, líderes do movimento LGBTI, moradores de favelas, entre outros. Além disso, a CIDH reuniu-se com organizações internacionais do Sistema das Nações Unidas e representantes do corpo diplomático.

A Comissão também coletou centenas de depoimentos de vítimas de violações de direitos humanos e seus famíliares, e analisou milhares de documentos, leis, projetos de lei e outras informações. A Comissão fez visitas de observação a várias localidades nos estados da Bahia, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo e Roraima, bem como à capital, Brasília. Além disso, visitou instituições do Estado, incluindo centros de detenção; centro de acolhimento e cuidados para migrantes e refugiados na fronteira com a Venezuela; a zona de uso de drogas conhecida como “Cracolândia”, em São Paulo, e um centro sócio-educativo de crianças e adolescentes, entre outros. Também visitou quilombos e territórios de comunidades indígenas. Durante a visita, a CIDH assinou acordos de cooperação com o Ministério Público Federal e com o Conselho Nacional do Ministério Público. A Comissão salienta o importante papel que pode desempenhar órgãos autônomos do sistema da justiça na defesa dos direitos humanos, tais como Ministérios Públicos Estaduais e o Ministério Público Federal, as Defensorias Públicas Estaduais e a Defensoria Pública Federal.

A Comissão agradece ao Governo e às autoridades federais e estaduais, bem como ao povo brasileiro, por todo o apoio e facilidades proporcionados durante a visita. Agradece, ainda, as informações fornecidas pelo Estado, que se traduzem em um diálogo construtivo e franco, bem como as informações recebidas de organizações da sociedade civil, defensores e defensoras de direitos humanos e organizações internacionais. A Comissão valoriza e aprecia os esforços envidados pelas vítimas de violações de direitos humanos e seus familiares para apresentar testemunhos, denúncias e comunicações.

1. Vinte e três anos atrás, em 1995, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos visitou o Brasil pela primeira vez, o país contava poucos anos da promulgação de sua Constituição Federal e de sua redemocratização. Esta foi a primeira e única vez que a CIDH esteve no Brasil até este momento. E nestes 23 anos, o Brasil, que é um país diverso e com realidades culturais, sociais, e econômicas muito contrastantes, se tornou ainda mais complexo.

2. A CIDH, apesar desse longo período desde a primeira missão ao país, vem acompanhando permanentemente a situação brasileira por meio da análise de documentos, visitas de Relatores, casos, petições e medidas cautelares, da realização de audiências e dos inúmeros canais de comunicação, escuta, denúncia e construção de diálogos de vítimas, familiares, organizacoes da sociedade civil, movimentos sociais e representantes do Estado com o sistema interamericano de Direitos Humanos.

3. Retornar ao Brasil em um momento crucial é parte de uma trajetória que não começa nem termina agora. Estamos acompanhando e continuaremos seguindo de perto o futuro das instituições brasileiras e de sua sociedade em direção a uma perspectiva completa de desenvolvimento do país, onde os direitos humanos são peça fundamental.

4. Esta semana em que os membros da Comissão estiveram circulando por diferentes regiões brasileiras nos deu um retrato do momento atual do país. Observadores brasileiros participaram desse exercício. Um retrato que será detalhado ao longo dos próximos meses de trabalho; e que conta com a colaboração de governos locais, de órgãos federais, de organizações da sociedade civil e de pessoas, protagonistas isoladas de causas ou testemunhas de sofrimentos e de lutas pela superação de injustiças e desigualdades.

5. E como o país se mostra neste momento de sua história? Apesar de alguns avanços, encontramos um país incapaz de abordar e de resolver suas principais dívidas históricas com a cidadania: o problema estrutural da desigualdade e discriminações profundas, das quais se destacam a discriminação racial e a social.

6. Desigualdade e discriminação são fatores decisivos e causas de um quadro geral crítico para os direitos humanos no país.

7. O desenho legal-institucional do Estado Brasileiro necessita ser reformado e fortalecido, com determinação, para superar estes graves problemas estruturais.

8. Em matéria de capacidade estatal, por exemplo, a CIDH expressa profunda preocupação que as recentes medidas de austeridade fiscal implementadas no Brasil possam significar o fim de políticas sociais e a redução das expectativas de melhores condições de vida da grande maioria da população.

9. A exclusão social, a falta de acesso à justiça, a fragilidade de serviços públicos são todos limitantes das condições de desenvolvimento do país e da situação crítica de acesso aos direitos humanos para a maior parte da população. Para millhões de pessoas, isso significa a impossibilidade de realizar direitos fundamentais, econômicos, sociais, culturais e ambientais, a redução de perspectivas de vida, que implicam muitas vezes, na trágica perda da própria vida.

10. A CIDH reitera, como já apontado recentemente a esse propósito, o princípio de progressividade e de não regressividade em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, segundo o estabelecido no artigo 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

11. Este princípio não é apenas uma chamada de atenção a um preceito convencional de valor legal para o Brasil. É acima de tudo necessário que a consciência da sociedade brasileira e internacional de que as mais graves violações aos direitos humanos observadas no país, tais como a ampliação da violência no campo e na cidade, o aumento de assassinatos de defensores dos Direitos Humanos, especialmente os defensores da terrra e do meio-ambiente, as agressões crescentes aos defensores de direitos humanos das minorias, bem como o risco do retorno do país ao mapa da fome mundial, afetam tragicamente a todos. Essas violações afetam de maneira particularmente grave, violenta e diferenciada os grupos economicamente marginalizados e mais vulneráveis, como as comunidades das favelas ou trabalhadores do campo, e aos grupos historicamente discriminados como as comunidades indígenas, afrodescendentes, comunidade LGBTI e pessoas encarceradas. Em um país desigual, isso significa uma maioria numérica, porém excluída das perspectivas que seriam possíveis a uma das dez maiores economias do mundo.

12. A CIDH chama a atenção para o grave contexto de violações aos direitos humanos das mulheres negras e da juventude pobre da periferia. São os pobres e os afrodescendentes aqueles que seguem sendo desproporcionalmente as principais vítimas de violações aos direitos humanos no Brasil. Estes são mortos às dezenas e milhares, sem investigação, julgamento, punição ou reparação adequados.

13. Neste contexto, a CIDH recorda também a obrigação estatal de assegurar às vítimas de racismo, de discriminação racial e formas conexas de intolerância um tratamento equitativo e não discriminatório, a igualdade de acesso ao sistema de justiça, processos ágeis e eficazes e uma reparação integral no âmbito civil ou penal.

14. Desde a última visita a CIDH ao Brasil observamos um importante, contínuo e crescente processo de fortalecimento institucional em matéria de direitos humanos para atender a esta situação de maneira estruturada e progressiva. Durante os anos que se passaram, elogiamos cada passo institucional, como a criação de uma Secretaria de Direitos Humanos em 1997, o fortalecimento do papel do Ministério Público para a defesa da cidadania, a ampliação e autonomia das defensorias públicas, o surgimento das procuradorias e varas judiciais especializadas em diferentes temáticas de direitos humanos e delegacias especializadas em defesa de minorias. Nos diferentes estados e no nível federal, destacamos a instalação de comitês nacionais e estaduais de defesa de distintas áreas dos direitos humanos, a implantação de políticas sociais paradigmáticas e, principalmente, a ampliação de espaços de participação da sociedade civil na gestão pública, possibilitando o controle social da administração. É necessário destacar, adicionalmente, medidas transversais que tematizaram dívidas históricas, como as políticas de ação afirmativa consubstanciadas em cotas raciais que impactaram diretamente no perfil social, econômico e étnico-racial das universidades brasileiras e um horizonte novo de mobilidade social.

15. Graças aos avanços em matéria de direitos humanos, o Brasil sempre se constituiu como um país de referência e exemplar sobre como as políticas de direitos humanos se aperfeiçoaram através de distintos governos, mantendo-se em linha institucional como compromisso de Estado, consistente com a sua Constituição Política. Essa continuidade e maturidade crescente é chave para o desenvolvimento nacional.

16. Neste ponto, a CIDH tristemente identificou uma redução da intensidade dessa dinâmica, com o congelamento do processo progressivo de fortalecimento institucional na área de direitos humanos. Em muitos casos, lamentavelmente se observam retrocessos significativos na implementação de programas, políticas públicas e na garantia de orçamentos em áreas essenciais.

17. A CIDH observa em todas as oportunidades que a existência de espaços da sociedade civil na formulação, gestão e fiscalização dos programas e políticas públicas em matéria de direitos humanos e em outras áreas sensíveis é um elemento fundamental. Temos observado sua redução e enfraquecimento na trajetória institucional recente, com a suspensão de processos de consultas públicas e conferências nacionais participativas. A Comissão espera que se trate de uma situação conjuntural e que isso seja ajustado prontamente. A CIDH recorda que a participação social é uma importante ferramenta para a garantia de direitos e para o fortalecimento da democracia e das políticas públicas, bem como para a realização do controle social das ações governamentais. A Comissão recorda, ainda, que a participação nas decisões governamentais é um direito das cidadãs e dos cidadãos, e que deve ser garantido pelo Estado.

18. A CIDH quer chamar a atenção para algumas situações urgentes que exigem das autoridades nacionais e da sociedade em seu conjunto a devida visibilidade, atenção e solução urgente:

a. as violações de direitos reiteradas contra as populações indígenas, que sofrem frequentes episódios de violências e desatendimento por serviços públicos, além de enfrentarem dificuldades e obstáculos crescentes para a demarcação de suas terras e dificuldades apresentadas pela tese do marco temporal.

A Comissão denuncia, particularmente, a situação da Comunidade Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul que sobrevive em um ambiente marcado por violência por parte de milícias armadas, violações do direito ao território tradicional e as denúncias recebidas de separação das mães e crianças indígenas. A comunidade indígena Muratu em Paquiçamba/Pará, que está sofrendo o impacto ambiental da construção da Usina de Belo Monte. Também a comunidade indígena da Aldeia de Açaizal em Santarém/Pará que está submetida a práticas de coerção, ameaças e tentatvas de intimidações por exercer o direito de defender seus direitos. A esse respeito, a CIDH deseja registrar publicamente que não só recebeu denúncias sobre essas práticas, como também foi alvo direto de intimidação na localidade. Situação semelhante foi observada também em Roraima, com um quadro complexo envolvendo indígenas de povos como os Warao, originários da Venezuela, em um contexto que combina características de migrações forçadas com a a circunstância agravante de viver nas ruas.

b. as violências sofridas pela população quilombola, os ataques ao seu direito à terra, o preconceito étnico-racial e o acesso precarizado à cidadania.

A Comissão denuncia que 3 comunidades do Quilombo de Alcântara, no Maranhão, foram afetadas pela desapropriação de suas terras devido ao não reconhecimento de seu território tradicional. Na Bahia, os povos do Quilombo Rio dos Macacos enfrentam restrições ao acesso à água e vivem em condições de vida extremamente precárias e insalubres e são vítimas de assassinatos e violência sexual. Por sua vez, na comunidade de Quilombo de Pitanga dos Palmares fomos informados de atos de violência e discriminação como, por exemplo, o assassinato do seu líder comunitário, que permanece impune.

c. a violência no campo que afeta trabalhadores rurais que lutam pelo direito à terra, e as condições de trabalho a que muitos desses trabalhadores são submetidos, por vezes extenuantes, trabalhando em situações análogas à escravidão. Além disso, é alarmante a insegurança que atinge a muitos em razão do uso indiscriminado e sem a devida proteção de substâncias químicas como agrotóxicos e outros defensivos que afetam sua saúde e colocam em risco suas vidas.

Em Marabá, no Pará, a CIDH encontrou um assentamento de trabalhadores rurais afetados pela violência policial em processos de despejo de terras. Nesta semana, em Minas Gerais, existe um risco iminente de despejo de 450 famílias que viveram há 20 anos no acampamento de Quilombo Campo Grande, sem um planejamento abrangente que garanta a proteção integral de suas vidas.

d. A exclusão social da população em situação de rua e sem-teto, que sofre os impactos da estigmatização de suas lutas nos centros urbanos ao mesmo tempo em que lidam com políticas públicas insuficientes para atender suas demandas.

A CIDH visitou a ocupação de Vila Nova Palestina, em São Paulo, que continua lutando pela regularização do assentamento. A luta do movimento é afetada pela desprestígio e estigmatização de suas reivindicações e riscos de regressão. Relatam, ainda, que quando há remoção de pessoas sem-teto, não são apresentadas estratégias ou alternativas para garantir o direito à moradia dessa população. Em Coroadinho/Maranhão, a CIDH visitou um dos bairros mais pobres do país, sujeito à marginalização social e ao abandono do Estado para atender às suas necessidades básicas. A CIDH quer aproveitar e reconhecer o papel das mulheres desta comunidade que agem para impedir o agravamento da situação social. Em São Paulo, a Comissão recebeu denúncias de comunidades de populações de rua que estão profundamente vulneráveis, sofrem abusos policiais, maus-tratos e, principalmente, a ausência de uma perspectiva de um projeto de vida digna, com acesso mínimo aos serviços públicos básicos. O ambiente de desumanização enfrentado pelos moradores da Cracolândia em São Paulo deve servir de alerta prioritário e requer uma resposta diferenciada por parte das autoridades estaduais.

Durante a visita, a CIDH teve a oportunidade de reunir-se com a sociedade civil, movimentos e população em situação de rua no Espaço Sociocultural Centro de Inclusão Social pela Arte, Cultura, Trabalho e Educação. A CIDH enfatiza a importância deste centro como espaço para o desenvolvimento cultural, social e profissional das pessoas em situação de rua e incentiva as autoridades a avançar na gestão da cessão do espaço para o movimento.

e. A população carcerária, a quem o cerceamento da liberdade se soma à privação de direitos, como o acesso à saúde, a condições dignas de higiene, a receber visitas íntimas em situações adequadas.

No Maranhão, o Complexo Penitenciario de Pedrinhas, monitorado por medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ocorreu um número alarmante de mortes por violência. A partir dessa trágica experiência, as autoridades estaduais tomaram medidas decisivas. Saudamos que, dias após a visita da CIDH e seguindo sua recomendação, as autoridades penitenciárias tenham iniciado a demolição de uma galeria de isolamento que se encontrava em situação precária. No Rio de Janeiro, dentro do Complexo Penitenciário de Bangu – a situação do Instituto Plácido Carvalho, Nelson Hungria e Jorge Santanna merecem atenção. O presidio Jorge Santana está em condições extremas de operação. A Comissão Interamericana denuncia este lugar como uma das piores prisões de toda a América. Em Roraima, a Comissão encontrou dentro do Centro Penitenciário Agrícola Monte Cristo, detidos sem o direito mínimo à alimentação e sujeitos a doenças graves, há literalmente quatro dias. O Centro Socioeducativo Dom Bosco, no Rio de Janeiro, vive um desvio integral de sua finalidade institucional, face à ausência de atividades socioeducativas e características claras de um verdadeiro presídio.

f. A violência institucional e a impunidade continua sendo uma fragilidade brasileira.

Mães que perderam filhos devido à violência social denunciaram de maneira dramática a situação de um padrão de assassinatos dirigidos a jovens negros da periferia. De acordo com os testemunhos de vítimas recebidas pela Comissão, há um padrão de ação das forças de segurança que gerou situações de execuções extrajudiciais sistemáticas, principalmente de jovens negros e pobres no Brasil.

A CIDH quer deixar registrada a situação de insegurança no trabalho que afetam os profissionais de segurança, tais como policiais civis e agentes penitenciários que merecem ser uma prioridade para as autoridades brasileiras. A Comissão também alerta para o dever de proteção e atenção às famílias de profissionais da polícia assassinados no contexto da violência em todo o Brasil. A CIDH reuniu-se, especialmente, com as mães e familiares de policiais mortos no Rio de Janeiro e denuncia violações de seu direito à justiça, reparação integral e investigação adequada e punição dos responsáveis pelas mortes. Os direitos humanos valem para todos.

Também registramos a situação crítica de impunidade que, em São Paulo, afeta os direitos do movimento das Mães de Maio que permanecem sem resposta satisfatória para a investigação do assassinato em massa de centenas de pessoas em um curto período de tempo, que ocorreu em maio de 2006.

O desastre ambiental de Mariana, por causa de sua dimensão e impacto não pode continuar no quadro de insuficiência de investigações que, ademais, impedem a devida atenção e reparação de todas as pessoas afetadas. Ainda não há uma resposta satisfatória sobre a responsabilidade pela tragédia que afetou as vidas de 242 jovens e mais de 600 feridos na Boate Kiss em Santa Maria/Rio Grande do Sul. A matança de Cabula, em Salvador/Bahia, também não pode ficar sem uma resposta oficial.

Não é demais lembrar que o Estado brasileiro ainda está pendente de cumprimento integral das senteças da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o caso Gomes Lund e para o caso Herzog, vinculado aos graves crimes do passado ditatorial. A recente anulação da sentença que estabelecia sanções contra os responsáveis pelo Massacre do Carandiru, aguardando apelação, constitui um grave retrocesso no combate à impunidade para as sérias violações aos direitos humanos no Brasil. Além disso, as indenizações ainda não foram pagas a todas as vítimas e familiares.

g. A discriminação e o preconceito recorrentes, difusos e dirigidos com intensidade para a população trans em instituições como a família, a escola, as instituições de saúde, o trabalho e a igreja, dentre outras. Em particular, destacamos os diversos discursos repressivos que atacam as bandeiras das pessoas trans e de toda a comunidade LGBTI ferindo seus direitos e sua cidadania.

h. Os constantes ataques a defensores de Direitos Humanos em seu ambiente de atuação e os riscos de enfraquecimento de estruturas e programas ameaçados em função disso; os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes demonstram claramente esse desafio estrutural, expondo a resistência à inclusão de pessoas historicamente marginalizadas nas estruturas de participação política e social. A CIDH considera que é imperativo concluir as investigações, punir os responsáveis e evitar que permaneçam impunes. Além do exposto e para garantir a reparação integral desses fatos, a CIDH considera necessário que a memória da vítima e de sua família seja respeitada de acordo com os valores defendidos por Marielle Franco.

i. As violações de direitos e discursos de ódio que atingem imigrantes internacionais e refugiados no Brasil. Em regiões de entradas de fluxos migratórios recentes, especialmente em contextos de chegadas concentradas. A CIDH visitou grupos de migrantes e solicitantes de refúgio venezuelanos em Roraima e constatou a incidência de fatores de risco e violações a direitos fundamentais, em especial envolvendo migrantes em situação de rua, em situação que dificulta e impede maior inclusão social e que é constantemente agravada por episódios de xenofobia na região.

j. Os ataques à liberdade de expressão, que atinge a imprensa, professores e organizações sociais.

19. O cenário que esses casos revelam não deve ofuscar um registro fundamental dos passos consistentes já dados pelo Brasil. Queremos registrar um conjunto de boas práticas e avanços do Estado brasileiro em matéria de Direitos Humanos em anos recentes em diversas áreas temáticas:

a. Mencionamos a implantação e consolidação das audiências de custódia, em articulação entre poderes executivo e judiciário, em nível federal e estadual, concretizando uma garantia fundamental já prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos.

b. Igualmente digna de nota é a sanção da Nova Lei de Migração brasileira (Lei 13.445) que permitiu uma modernização do regime migratório e de nacionalidade, instala mecanismos inovadores de redução da apatridia e formaliza em nível legal a boa prática brasileira da acolhida humanitária em contextos de fluxos migratórios.

c. Em relação ao Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, a Comissão foi informada pelo Ministério dos Direitos Humanos que tal programa foi reforçado financeiramente em nível federal com um orçamento até o final de 2019, além da quase triplicação do orçamento das redes estaduais do programa.

d. A substituição em prisão domiciliar para mulheres anteriormente cumprindo prisão provisória gestantes, mães ou que tenham sob sua guarda crianças ou pessoas com deficiência.

e. Destaque-se igualmente, no contexto de acirradas discussões sobre garantias e liberdades civis no Brasil, dentre elas a liberdade de expressão e opinião, recente decisão do STF referendando decisão liminar dada por ministra daquela corte garantindo a liberdade de manifestação e opinião que embasa a liberdade de cátedra nas Universidades brasileiras.

20. Mencionamos esse acervo de boas práticas a fim de que elas iluminem os caminhos e respostas possíveis aos desafios que se avolumam para o Estado e a Sociedade brasileiros.

21. Dentre esses desafios, registramos que além das violações estruturais e das dívidas históricas não resolvidas, deve-se somar uma percepção sobre o contexto imediato no qual a visita se efetivou. Nesse contexto atual dos Direitos Humanos observamos algumas constatações, possíveis tendências e riscos que exigirão uma atenção da comunidade nacional, regional e internacional:

a. Observarmos o alarmante crescimento de um ambiente de discursos que distorcem, desprestigiam e estigmatizam o papel e a função dos direitos humanos para a sociedade. Observamos também a recorrência de discursos de intolerância e ódio que estão afetando as liberdades de expressão, manifestação, reunião e associação das comunidades LGBTI, das mulheres, dos afrodescendentes, das religiões de matriz afro-descendentes, dos povos indígenas, dos trabalhadores rurais, de movimentos sociais de trabalhadores e de sem teto, do jornalismo independente, de parte da comunidade universitária e acadêmica, entre outros. A Comissão considera preocupante o fato de que uma perspectiva de gênero seja pejorativamente referida como “ideologia de gênero”. As autoridades estatais devem dar o exemplo e têm o dever de promover campanhas promocionais sobre os Direitos Humanos para desconstruir as mensagens demagógicas de que os direitos humanos existem para atender a violadores de direitos humanos ou de que sejam parte de agendas ideológicas ou partidárias. É importante sempre recordar que em sua genealogia histórica os direitos humanos nascem para defender as liberdades públicas, individuais e coletivas, e são resultado de lutas sociais históricas. Em seu sentido existencial, os direitos humanos pertencem e dirigem-se a todos indistintamente. Sua negação ou sua redução ao interesse de uma parcela da população em oposição à totalidade das pessoas visa apenas legitimar violações.

b. Particularmente, o discurso de tolerância zero ou mãos duras na importante luta contra a criminalidade e o crime organizado podem fortalecer concepções incompatíveis com standards internacionais de que os fins podem justificar os meios em matéria de segurança pública. Os padrões adequados de segurança cidadã exigem denunciar, processar e sancionar quaisquer abusos do poder de polícia. A experiência demonstra que a exacerbação destes discursos fortalece o risco do aumento de execuções extrajudiciais. Durante a semana da visita ao Brasil, identificamos um episódio que deve ser investigado de maneira rigorosa pelas autoridades brasileiras que resultou na morte de 11 membros de um grupo criminoso que teria participado em um assalto à uma agência bancária em Santana do Ipanema pela Polícia Civil de Alagoas. Não houve nenhum agente policial ferido. A CIDH alerta para a possibilidade de execuções extrajudiciais e espera que sejam esclarecidas as circunstâncias de maneira célere e diligente. A CIDH recomendou ao Estado brasileiro ampliar os mecanismos de controle da atividade policial para assegurar que atuem no marco do respeito ao uso proporcional da força.

c. Também alertamos para a possibilidade e risco de se criminalizar os movimentos sociais por meio da ampliação das figuras penais referentes na Lei antiterrorismo. Sobre este tema, a CIDH tem afirmado para distintos países da região que que as leis antiterrorismo não devem ser usadas para criminalizar o direito de manifestação e associação.

d. Tem sido crescente nos últimos anos o número de assassinatos de defensores e defensoras de DH. As estatísticas comprovam que aumentam a cada ano o número absolutos de defensores executados devido ao exercício de seu papel de ativistas. Interromper essas mortes deve ser prioritário para o governo brasileiro. Nesse intuito, a CIDH recomendou o fortalecimento do Mecanismo Nacional de Proteção aos Direitos Humanos, das unidades da PFDC e da Defensoria pública.

22. Por tais motivos, as razões estruturais históricas e o contexto atual que vive o Brasil estão refletidos nos fatos registrados durante toda a visita a CIDH, que escutou uma voz uníssona de parte de lideranças sociais, intelectuais, acadêmicas e também de alguns atores estatais vinculados sobre uma fundamentada e exemplificada preocupação com o futuro da agenda de direitos humanos no Brasil.

23. Toda a comunidade internacional tem acompanhado nos últimos anos de maneira muito atenta a luta empreendida pela sociedade brasileira contra a impunidade em matéria de corrupção, ressaltando que a busca por uma sociedade ética também integra a plena realização dos Direitos Humanos. Vinculado a esse tema, A CIDH se manifestou sobre a relação entre corrupção e direitos humanos em fevereiro deste ano por meio de sua Resolução 01/18, justamente por entendermos que cada ato de corrupção corresponde a uma violação aos direitos humanos. A CIDH espera que a mesma mobilização institucional e indignação social que permitiu ao Brasil se mover adiante na importante luta contra a impunidade nos atos de corrupção possa mover e influenciar positivamente a capacidade institucional de superar a impunidade em matéria das graves violações aos direitos humanos no país.

24. Gostaríamos de destacar, falando diretamente a todas as defensoras e a todos os defensores de direitos humanos atuantes no Brasil, aos movimentos sociais, aos veículos de imprensa, jornalistas, professores, trabalhadores rurais, a cada pessoa que luta pelo avanço da cidadania, das garantias, liberdades e direitos neste país: A luta pelos Direitos Humanos tem se tornado debate central definidor da qualidade de vida e do bem estar de povos ao redor do mundo. O acirramento dessa luta em tempos recentes tem atingido pessoas em toda parte, provocado vítimas e gerado um número maior e modalidades novas de ameaças. Nos mais diversos lugares, tentado silenciar redações de jornais, impedir práticas culturais e artísticas, destruir templos e lugares de culto, corromper e subornar, obstaculizar o devido processo legal, afastar cidadãos e cidadãs dos benefícios do Estado Democrático de Direito e atacar a fibra do tecido social, pelo medo, pelo terror e pela violência.

25. Só a democracia, o caminhar progressivo dos direitos, o respeito à diversidade e os esforços de inclusão social podem dar resposta a esses desafios. Nossa visita é, portanto, ponto de partida, relançamento de processo contínuo da relação institucional com a sociedade e as instituições brasileiras. Já estamos acompanhando, de perto, cada passo tomado nessa encruzilhada dos Direitos Humanos no Brasil, pela sua importância regional, seu histórico de avanços e pelos riscos que, em todo o mundo, incidem sobre as instituições democráticas. O relatório e demais documentos que apresentamos nessa ocasião são um passo, convidando essas instituições e pessoas para um longo engajamento e um diálogo construtivo ao longo dos próximos anos.

26. Já nos dirigindo para a conclusão, expressamos profunda preocupação com a situação dos direitos humanos no Brasil e seu futuro. Anunciamos que a Comissão Interamericana acompanhará de maneira prioritária a evolução do presente quadro dos Direitos Humanos no Brasil no próximo período. Relembramos que no âmbito de nosso mandato, cabe à CIDH observar e defender os Direitos Humanos segundo a Declaração e a Convenção Americana de DH. Ao Brasil, que soberanamente ratificou e aderiu a esse sistema legal internacional, cabe a obrigação internacional de implementar as decisões e recomendações do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.

 

Por CIDH

Plataforma Dhesca Brasil é reeleita no Conselho Nacional dos Direitos Humanos

A eleição do Conselho Nacional dos Direitos Humanos acontece a cada dois anos e teve um total de 78 candidaturas e 18 representantes eleitos, entre 9 titulares e 9 suplentes.

No dia 13 de novembro, aconteceu o Encontro Nacional do Conselho Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) para eleger os representantes que comporão o Conselho no biênio 2018-2020.  A cada dois anos, o evento reúne organizações da sociedade civil de abrangência nacional e que realizam atividades ligadas aos direitos humanos.

O CNDH tem um total de 22 membros. Deste número, 11 são da sociedade civil: nove representantes eleitos, um da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público dos estados e da União. Os outros 11 são representantes do Poder Público.

A Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil integrará novamente o Conselho Nacional de Direitos Humanos, neste próximo biênio, juntamente com organizações como a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), o Movimento Negro Unificado, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, entre outras.

Entre as atribuições do CNDH estão a promoção e a defesa dos direitos humanos mediante ações preventivas, protetivas, reparadoras e sancionadoras das condutas e situações de ameaça ou violação dos direitos humanos.

Confira abaixo a lista das entidades eleitas. As nove entidades mais votadas ocuparão as vagas titulares, acompanhas de nove suplentes:

1. UNISOL – Central de Cooperativas e empreendimentos solidários
2. Movimento Negro Unificado – MNU
3. União Brasileira de Mulheres- UBM
4. Central Única dos Trabalhadores – CUT
5. Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil
6. Associação Nacional dos Atingidos por Barragens – ANAB
7. Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
8. Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
9. Conselho Federal de Psicologia
10. ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos
11. CONECTAS – Direitos Humanos
12. Associação Nacional do Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED.
13. Fundação Luterana de Diaconia
14. Movimento Nacional da População em Situação de Rua
15. Centro Popular de Formação da Juventude
16. Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME)
17. Setor de Direitos Humanos do MST
18. União Nacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

Fonte: Plataforma Dhesca

“Pela Democracia e contra a fome”: em manifesto organizações denunciam graves violações de direitos

Em razão ao Dia Mundial da Alimentação, celebrado em 16 de outubro, mais de 30 organizações, movimentos populares e sociais, assinam o Manifesto Pela Democracia e Contra a Fome que denuncia as graves violações de direitos que afetam duas dimensões do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil: o direito de não sofrer fome e o direito de nos alimentarmos com base em processos e sistemas alimentares adequados, sustentáveis e saudáveis.

Em relação à primeira dimensão, o direito de não sofrer fome, o Manifesto destaca que nas últimas décadas, “dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza, em razão, dentre outros fatores, da adoção de programas de proteção social e da valorização do salário mínimo, que de um lado garantiram direitos e de outro aqueceram a economia do país”, destaca um dos trechos do documento.

No Manifesto as organizações destacam que o governo de Michel Temer adotou medidas que intensificam a violação de direitos sociais e, consequentemente, a realização do DHAA, como o aumento do desemprego, desvalorização do salário mínimo, desmonte de órgãos como Incra e Funai, cortes orçamentários em programas sociais como Água para Todos e o PAA – Programa de Aquisição de Alimentos. “Houve ainda retrocessos na concepção de como se garantir o direito à alimentação, com o aumento da influência política das indústrias que produzem que apresentam alimentos ultraprocessados e adotam práticas e políticas contrárias à realização desse direito. Não engolimos essa!”.

Muitos desses retrocessos são atribuídos à política de austeridade econômica, que agravou a crise do país e cuja maior expressão é a Emenda Constitucional (EC) 95, chamada de Novo Regime Fiscal, que congela, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público, em um momento de crescimento da população.

O Manifesto também reforça a importância da democracia para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequadas. “Reforçamos que a democracia é pressuposto para a garantia do direito humano à alimentação adequada, por isso exigimos o compromisso dos/as agentes políticos de hoje e os e as que serão futuramente eleitos/as com o Estado Democrático de Direito, com nossos direitos fundamentais e com o apoio a sistemas alimentares sustentáveis que sejam ferramentas para alcançarmos mais igualdade social, de gênero e justiça ambiental, que garantam a produção e o consumo de comida de verdade, comida que sabemos de onde vem, comida que nutre, comida com sabor, tradição e cultura, comida que traz saúde e vida, para o nosso corpo, para nosso planeta”.

Entre as organizações que assinam o Manifesto estão Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Via Campesina, Fian Brasil, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar e Nutricional.

Leia o Manifesto na íntegra abaixo:

 

Pela Democracia e contra a fome
16 de outubro – Dia Mundial da Alimentação

O lema do Dia Mundial da Alimentação 2018 anunciado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) é “Nossas ações são nosso futuro. Um mundo #fomezero para 2030 é possível”. A proposta é convocar a sociedade mundial para realizar ações que possam combater a fome e desenvolver modelos agrícolas mais saudáveis e sustentáveis.

As entidades que assinam esse manifesto respondem a esse chamado para denunciar as graves violações de direitos que, na atual conjuntura política, afetam as duas dimensões do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil: o direito de não sofrer fome e o direito de se alimentar com alimentos produzidos com justiça ambiental e social, que gerem saúde, com respeito à cultura e às especificidades de cada indivíduo e grupo, de forma emancipada, informada e permanente.

Em relação à primeira dimensão, o direito de não sofrer fome, destacamos que nas últimas décadas, no Brasil, dezenas de milhões de pessoas saíram da pobreza, em razão, dentre outros fatores, da adoção de programas de proteção social e da valorização do salário mínimo, que de um lado garantiram direitos e de outro aqueceram a economia do país. Entre 2001 e 2012, a renda dos 20% mais pobres cresceu três vezes mais do que a renda dos 20% mais ricos. Apesar das causas estruturantes da desigualdade persistirem nesse período, especialmente em razão do modelo de desenvolvimento e do modelo de produção e consumo de alimentos adotado no país, os fatores anteriormente citados, acesso à renda e políticas públicas, foram determinantes para diminuir a pobreza e para que o país reduzisse significativamente o número de pessoas sofrendo de fome. Por registrar, em 2014, um número menor do que 5% da população afetada pela insegurança alimentar e nutricional grave, o Brasil saiu do Mapa da Fome e foi mundialmente reconhecido como referência por esta e outras conquistas, como a redução da mortalidade infantil. Apesar disso, ressaltamos que alguns grupos como povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, mulheres negras, entre outros, continuavam apresentando os indicadores mais altos de insegurança alimentar e nutricional.

Desde que o governo Michel Temer assumiu o poder vêm sendo adotadas diversas medidas que intensificam a violação de direitos sociais e, consequentemente, a realização do DHAA. As ações afetam justamente os pilares que garantiram o combate à fome e à pobreza: houve aumento do desemprego – há 13,2 milhões de desempregados no Brasil, além de 4,8 milhões de desalentados – pessoas que desistiram de procurar trabalho, os resultados preliminares do novo Censo Agropecuário revelam que foram eliminados, desde 2006, cerca 1,5 milhão de empregos nos estabelecimentos agropecuários; o salário mínimo foi desvalorizado e reduzido seu poder de compra; Houve o desmonte de órgãos públicos como FUNAI e INCRA; os programas sociais que foram implementados no Brasil vêm sofrendo graves cortes orçamentários, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (67%) e do Programa Água para Todos (94%) . |Houve ainda retrocessos na concepção de como se garantir o direito à alimentação, com o aumento da influência política das indústrias que produzem que apresentam alimentos ultraprocessados e adotam práticas e políticas contrárias à realização desse direito. Não engolimos essa!

Muitos desses retrocessos são atribuídos à política de austeridade econômica, que agravou a crise do país e cuja maior expressão é a Emenda Constitucional (EC) 95, chamada de Novo
Regime Fiscal, que congela, durante 20 anos, as despesas primárias do orçamento público, em um momento de crescimento da população. Análises da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) Contínua 2017 revelam que retrocedemos, em 02, mais de 10 anos em indicadores sociais de extrema pobreza, alcançando 11,8 milhões de brasileiros. Como o fenômeno da fome, como já denunciava Josué de Castro, mantém estreita relação com pobreza e extrema pobreza, alertamos, com grande angústia e preocupação, para a volta do Brasil ao Mapa da Fome. Para além da fome,
há outros impactos que estão sendo associados aos retrocessos que estamos vivendo. A mortalidade infantil, em 2016, depois de décadas de queda, apresentou um aumento de 4,8% em relação a 2015.

Quanto à segunda dimensão do direito à alimentação, se intensifica um modelo de desenvolvimento, e de produção e de consumo de alimentos, que levam à precificação, à financeirização e à concentração de terra e a um maior uso de agrotóxicos – de acordo com o novo Censo Agropecuário do total de 5.072.152 propriedades rurais metade delas têm 10 hectares ou menos, representando 2,28% da área total destinada a estabelecimentos agropecuários, de outro lado, cerca de 1% abrangem 47,52% de todas as terras utilizadas para a agropecuária e aumentou em 20,4%, entre 2006 e 2017, o número de propriedades rurais que usam agrotóxicos. Estes modelos também negam o direito às sementes crioulas, geram disputas e conflitos por água e por terra, nos concedendo o triste título de campeões em assassinatos de defensores e defensoras de territórios tradicionais. Este processo também resulta em desmatamento descontrolado, e deixa evidente a incapacidade do Estado de regular grandes (e poucas) empresas que atuam e dominam as diferentes esferas do sistema alimentar, que expõem as pessoas a produtos ultraprocessados, nos conduzindo à má nutrição, à obesidade e às doenças crônicas não transmissíveis, que tem levado à morte milhões de pessoas.

Quando se nega o acesso a sementes crioulas, ou quando se deixar circular livremente produtos ultraprocessados, são os corpos das pessoas que vão exibir, as diversas violações de direitos que enfrentamos no Brasil e no mundo. Nossos corpos, assim como nosso planeta, já dão mostras que não podemos seguir assim e um grande números de pesquisas evidenciam isso. No contexto de graves violações de direitos, o aumento do uso da violência e da criminalização é o instrumento para conter lutar por direitos.

A população brasileira vem reagindo e denunciado essas violações de direitos: recentemente 07 representantes de movimentos populares fizeram 26 dias de greve de fome com o propósito de denunciar o quadro grave de violações de direitos que está afetando a vida de milhões de pessoas e a própria democracia brasileira. A Caravana do Semiárido, uma iniciativa da Articulação Semiárido (ASA), juntamente com a Frente Brasil Popular e Via Campesina, também denunciaram o aumento da pobreza e da fome, chamando a atenção da sociedade brasileira e das autoridades sobre este fenômeno que viola direitos garantidos na Constituição Federal. A Coalizão Anti-austeridade tem denunciado todos os retrocessos causados pela política de austeridade e muitos conselhos, a exemplo do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, também vêm denunciando os retrocessos que, dentre outros efeitos, condenam pessoas empobrecidas à fome.

Reforçamos o grito contra a exclusão, a fome e a morte. Não vamos aceitar qualquer ação ou omissão que nos leve ao sofrimento e à negação da vida. Reforçamos que a democracia é pressuposto para a garantia do direito humano à alimentação adequada, por isso exigimos o compromisso dos/as agentes políticos de hoje e os e as que serão futuramente eleitos/as com o Estado Democrático de Direito, com nossos direitos fundamentais e com o apoio a sistemas alimentares sustentáveis que sejam ferramentas para alcançarmos mais igualdade social, de gênero e justiça ambiental, que garantam a produção e o consumo de comida de verdade, comida que sabemos de onde vem, comida que nutre, comida com sabor, tradição e cultura, comida que traz saúde e vida, para o nosso corpo, para nosso planeta. Comida é direito, é patrimônio e é cultura e a nossa fome é também por justiça, democracia e direitos.

Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Via Campesina
Fian Brasil
Pesacre
Movimento Camponês Popular
Núcleo Interdisciplinar de Prevenção de Doenças Crônicas na Infância – Pró- Reitoria
Extensão UFRGS
Banquetaço
Observatório da Alimentação Saudável e Sustentável – ObASS
Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos
Núcleo de Pesquisa de Nutrição em Produção de Refeições-UFSC
Naturinga Orgânicos
Movimento agora Brasil
Slow Food Brasil
Ação Da Cidadania SP
Rede Paulista de Controle Social da Tuberculose
PET – Nutrição UFSC
ABRA-Associação Brasileira de Reforma Agrária
MUDA – Movimento Urbano de Agroecologia
APAER – Associação Paulista de Extensão Rural
Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida
Rede de Mulheres Negras para Segurança Alimentar e Nutricional
Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional
FASE- Solidariedade e Educação
Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional- GESAN
Abrasco
O Joio e o Trigo
CEDAC – Centro de Ação Comunitária
MPS – Mov. Pró-Saneamento e Meio Ambiente – São João de Meriti / RJ
Coletivo SAN-RJ
Centro Ecológico
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Grupo de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Rede Brota Cerrado de Cultura e Agroecologia

Baixe o Manifesto Aqui!

 

(Crédito foto destaque: Marcia Foletto / Agencia O Globo)

Relatório Cimi: violência contra os povos indígenas no Brasil tem aumento sistêmico e contínuo

O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Cimi, constata aumento em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados; apropriação das terras indígenas é um dos principais vetores da violência

Houve um aumento no número de casos em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).Em três tipos de violência foram registrados a mesma quantidade de casos que no ano anterior; e apenas em dois tipos de violência houve menos casos registrados que em 2016. No entanto, estes dois dados são parciais e podem ser maiores, conforme reconhece a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

As informações sistematizadas evidenciam que continua dramática a quantidade de registros de suicídio (128 casos), assassinato (110 casos), mortalidade na infância (702 casos) e das violações relacionadas ao direito à terra tradicional e à proteção delas.

“Esta edição do Relatório explicita uma realidade de absoluta insegurança jurídica no que tange aos direitos individuais e coletivos dos povos indígenas no país. Para piorar, os Três Poderes do Estado têm sido cúmplices da pressão sobre o território, que pretende permitir a exploração de seus recursos naturais, e resulta em violência nas aldeias”, explica Roberto Liebgott, coordenador do Regional Sul do Cimi e um dos organizadores da publicação.

Ele complementa sua avaliação: “além disso, especialmente a bancada ruralista tem atuado no sentido de garantir todas as condições para que um novo processo de esbulho das terras tradicionais seja consolidado no país. Ou seja, através do estrangulamento das terras indígenas por diversos vetores, o que se pretende, de fato, é usurpar as terras dos povos originários deste país”.

Contra o patrimônio

Neste sentido, chama atenção o consolidado aumento nos três tipos de “violência contra o patrimônio”, que formam o primeiro capítulo do Relatório: omissão e morosidade na regularização de terras (847 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (20 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (96 casos registrados).

Observa-se um significativo aumento no que concerne às invasões; ao roubo de bens naturais, como madeira e minérios; caça e pesca ilegais; contaminação do solo e da água por agrotóxicos; e incêndios, dentre outras ações criminosas. No ano anterior, 2016, haviam sido registrados 59 casos – houve, portanto, um aumento de 62% em 2017.

Além da violação dos direitos dos povos em relação ao usufruto exclusivo do seu território e dos bens nele contidos, estes crimes são agravados pelo fato de, recorrentemente, junto com eles também ocorrer intimidações, ameaças e, muitas vezes, ações físicas violentas contra os indígenas, como ataques às comunidades.

Este é o caso do povo Karipuna, em Rondônia. Quase extintos na época dos primeiros contatos com a sociedade não indígena, nos anos de 1970, os Karipuna não podem caminhar livremente pelo seu território, homologado em 1998. Além do aprofundamento da invasão da Terra Indígena Karipuna desde 2015 para o roubo de madeira, a grilagem e o loteamento são outros crimes que vêm sendo, insistentemente, denunciados pelo povo aos órgãos do Estado brasileiro e até mesmo na Organização das Nações Unidas (ONU).

O Cimi constatou que o governo do presidente Michel Temer não homologou nenhuma terra indígena em 2017. Este fato o coloca como o presidente com o pior desempenho neste quesito, ultrapassando em muito Dilma Rousseff – que era quem, com média anual de 5,25 homologações, ocupava a pior posição entre os presidentes do Brasil desde a retomada da democracia, em 1985. No ano passado, o Ministério da Justiça assinou apenas duas Portarias Declaratórias e a Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou seis terras como sendo de ocupação tradicional indígena.

Das 1.306 terras reivindicadas pelos povos indígenas no Brasil, um total de 847 terras (o que representa 64%) apresenta alguma pendência do Estado para a finalização do processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 847, um volume de 537 terras (63%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Considerando que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil até 1993, fica evidente uma completa omissão do Executivo no cumprimento desta sua obrigação constitucional.

Em abril de 2017, os Akroá-Gamella foram severamente atacados no Maranhão. Foto: Ana Mendes
Em abril de 2017, os Akroá-Gamella foram severamente atacados no Maranhão. Foto: Ana Mendes

Contra a pessoa

Em relação à “violência contra a pessoa”, houve um agravamento da situação registrada em sete dos nove tipos avaliados: tentativa de assassinato (27 casos), homicídio culposo (19 casos), ameaça de morte (14), ameaças várias (18), lesões corporais dolosas (12), racismo e discriminação étnico cultural (18) e violência sexual (16). Em relação ao abuso de poder, houve o registro de 8 casos, mesma quantidade de 2016.

Em 2017 foram registrados 110 casos de assassinato de indígenas, oito a menos que os registrados em 2016. Cabe ressaltar que a própria Sesai reconhece que este dado é parcial, já que ainda pode receber a notificação de novos assassinatos. Desse modo, fica evidente que a situação real em relação ao assassinato de indígenas pode ser ainda mais grave.

Os três estados que tiveram o maior número de assassinatos registrados foram Roraima (33), Amazonas (28) e Mato Grosso do Sul (17). Estes dados fornecidos pela Sesai sobre “óbitos resultados de agressões” não permitem análises mais aprofundadas, já que não há informações sobre a faixa etária e o povo das vítimas e nem as circunstâncias destes assassinatos.

Dentre os casos de violência contra a pessoa, destacamos o massacre ocorrido contra o povo Akroá-Gamella, no Maranhão, no dia 30 de abril de 2017, quando um grupo de aproximadamente 200 pessoas atacou severamente a comunidade indígena que vem, desde 2015, retomando áreas de seu território tradicional. No ataque, 22 Gamella foram feridos, sendo que dois deles foram baleados e outros dois tiveram suas mãos decepadas. Os outros Gamella sofreram severos golpes de facão, pedradas e pauladas.

Apesar do ataque ter sido convocado através de um programa em uma rádio local e de carros de som nas ruas de municípios no entorno da área de ocupação dos Akroá-Gamella, os órgãos do Estado nada fizeram para evitar esta ação violenta. Indígenas afirmam que policiais teriam, inclusive, assistido a violência e culpado os Gamella pela situação.

Devido ao processo de intensificação da luta pela terra ancestral, as lideranças deste povo vêm sendo ameaçadas e criminalizadas e a comunidade como um todo tem sido hostilizada e sofrido violências físicas e simbólicas em diversos lugares, como hospitais, onde não recebem atendimentos médicos, e escolas; além de terem suas lavouras incendiadas, dentre outras ações preconceituosas.

Mais de 10 mil hectares de floresta já foram destruídos na Terra Indígena Karipuna, onde lotes são vendidos e ameaçam sobrevivência do povo. Mapa: Greenpeace Brasil
Mais de 10 mil hectares de floresta já foram destruídos na Terra Indígena Karipuna, onde lotes são vendidos e ameaçam sobrevivência do povo. Mapa: Greenpeace Brasil

Omissão do poder público

Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi também obteve da Sesai dados parciais de suicídio e mortalidade indígena na infância. Dos 128 casos de suicídio registrados pela Sesai em 2017 em todo o país (22 a mais que em 2016), os estados que apresentaram as maiores ocorrências foram Amazonas (54 casos) e Mato Grosso do Sul (31 casos).

Em relação à mortalidade de crianças de 0 a 5 anos, dos 702 casos registrados, 236 ocorreram no Amazonas, 107 no Mato Grosso e 103 em Roraima. Cabe ressaltar que, assim como os dados de assassinato, as informações da Sesai sobre os registros relativos a suicídio e mortalidade na infância são parciais e estão sujeitas a atualizações. Ou seja, estes dados podem ser ainda mais graves.

Os registros do Cimi em relação à desassistência na área de saúde (42) e desassistência geral (42) em 2017 tiveram a mesma quantidade de casos que em 2016. Já em relação à morte por desassistência à saúde (8 casos), disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (10 casos) e desassistência na área de educação escolar indígena (41 casos) houve um aumento dos registros.

O Relatório do Cimi traz ainda análises sobre a atual conjuntura política e sobre alguns temas específicos, como a ameaça ao futuro dos povos isolados (que evitam contato com a sociedade não indígena); a inconstitucionalidade do Parecer 001, da Advocacia-Geral da União – que, assim como o Marco Temporal, fundamenta as novas formas de esbulho possessório; o orçamento das políticas indigenistas; e a necessidade do Estado implementar reparações para os povos indígenas que sofreram, e continuam a sofrer, violência e violação de seus direitos, como é o caso dos Karipuna.

Em seu artigo de apresentação do Relatório, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, avalia que: “com Temer no comando do Executivo federal, os agressores se sentiram mais seguros para cometer seus crimes. A invasão e o esbulho possessório alastraram-se como pólvora sobre os territórios e ameaçam a sobrevivência de muitos povos, inclusive os isolados. Está claro que o Brasil foi tomado de assalto, feito refém de interesses privados da elite agrária, ‘agraciada’ com novas ‘capitanias hereditárias’, que são distribuídas em troca da morte dos povos que habitam os territórios”.

 

Ascom CIMI

Entrevista: Flávio Valente detalha sobre o papel dos fundos de pensão na especulação de terras na região do Matopiba

Lançado no Brasil em meados de agosto, o relatório “Os Custos Ambientais e Humanos do Negócio de Terras descreve e analisa os impactos ambientais e sobre os direitos humanos causados pela expansão do agronegócio e pela especulação de terras na região Norte/Nordeste do Brasil, conhecida como Matopiba.

A região que engloba áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia “tem sido vítima de uma expansão agressiva do agronegócio, em particular de monoculturas de soja, que trazem consigo a expropriação de comunidades rurais e destruição ambiental”, é o que aponta o assessor sênior da FIAN Internacional, Flávio Valente, um dos responsáveis pela publicação.

Um dos apontamentos do documento é o processo de transformação da terra em um bem financeiro. “Agentes financeiros (como bancos, empresas de corretagem, seguradoras, fundos de pensão, fundos de investimento, agências de investimento e fundos de capital de risco), estão, cada vez mais, vendo a terra como uma boa opção de investimento. Esses agentes financeiros canalizam seus fundos para a compra de terras e para atividades relativas ao uso da terra, de forma a diversificar seus investimentos, aumentar os lucros e diminuir os riscos”, aponta Flávio Valente.

A pesquisa verificou que o fundo de pensão dos EUA, TIAA, possui quase 300 mil hectares de terra no Brasil, por volta de um terço dessas terras estão nos estados da região do Matopiba. A maior parte dessas terras é administrada por dois fundos dedicados às terras agrícolas, os TIAA-CREF Global Agriculture LLC I e II (TCGA I e II), que somados valem US$ 5 bilhões. A maior parte dos que investem no TCGA I e II são investidores institucionais, fundos de pensão em particular. Dentre eles estão o Ärzteversorgung Westfalen-Lippe (ÄVWL) da Alemanha, que investiu US$ 100 milhões no TCGA I, o ABP da Holanda, que investiu US$ 200 milhões no TCGA II, e o segundo Fundo de Pensão Nacional Sueco (AP2), que investiu um total de US$ 1,2 bilhões no TCGA I e II. O TIAA e esses outros fundos se apresentam como investidores “responsáveis” e são parte de vários esquemas de responsabilidade social corporativa (CSR).

Nesta entrevista, Flávio Valente detalha ainda mais sobre o papel dos fundos de pensão na especulação de terras na região do Matopiba e nas consequências desta ação para a população local.

FIAN Brasil – O Relatório Matopiba aponta que os fundos de pensão internacionais estão entre os principais grupos envolvidos neste contexto de financeirização da terra e apropriações de terras, no papel de grandes agentes financeiros, na região do Matopiba. De que forma esses fundos são atraídos para a região?

Flávio Valente – Os fundos são atraídos pra região do Matopiba porque existe todo um incentivo do governo estadual e federal a esse tipo de investimento, com isenção de impostos, construção de estradas para que possam escoar seus produtos e além do mais, as terras são de baixo custo. Pois geralmente, é uma terra que grande parte dela foi grilada, ou seja, o custo é na realidade zero e o que o grileiro tira é lucro, não paga nada pra ninguém. É uma terra de alta qualidade de fronteira agrícola com toda capacidade de escoamento.

FIAN Brasil – Como esses fundos internacionais conseguem adquirir tantas terras e assim burlar a legislação brasileira?

Flávio Valente – Esses fundos de pensão operam por meio de complexas redes de investimentos, de forma a contornar as medidas previstas na lei brasileira que limitam a propriedade de terras por empresas estrangeiras e continuam negando que estejam cometendo qualquer irregularidade, dizem que fazem tudo dentro dos parâmetros estabelecidos. O que precisa ser feito agora com base neste Relatório é aumentar a pressão e denunciar efetivamente o grau de violência que está sendo cometido contra as populações e atribuir a responsabilidade aos fundos, diretamente, dizendo que são responsáveis sim ao que está acontecendo no Brasil em termos de destruição da natureza, sofrimento e destruição da capacidade humana. É um momento crítico na história dessas populações e é preciso denunciar isto.

FIAN Brasil – Internacionalmente, o Relatório Matopiba foi lançado no início de julho. Já é possível destacar algum reflexo deste documento nos países de origem dos fundos de pensão?

Flávio Valente – É pouco tempo para termos uma ideia do que pode acontecer com base nesse segundo Relatório, temos a impressão que se desmontou alguns mitos, entre eles de que o desenvolvimento sustentável poderia ser feito de maneira a não causar prejuízos a ninguém. O que fica evidente é que não existe uma situação totalmente neutra, sempre há prejuízos para alguns setores sociais e benefícios para outros. Por exemplo, os fundos, tanto o dos Estados Unidos, quanto os da Europa dizem que não causam nenhum desmatamento e nós documentamos que existe desmatamento nas terras que eles compraram, além disso, eles não têm ações de preservação de biodiversidade. Com esse Relatório começamos a apontar essas contradições e diminuir a legitimidade destes fundos de investimentos em seus países de origem.

FIAN Brasil – Os Estados tem obrigação de respeitar, proteger e realizar os direitos humanos além de suas fronteiras. Como lidar com essa situação de violação de direitos? Existe algum mecanismo que garanta a punição de estados que violem os Direitos Humanos em outros países?

Flávio Valente – Os Estados têm obrigação de respeitar, realizar e proteger os Direitos Humanos além de suas fronteiras. Como lidar com essa situação é um grande desafio, porque devido à correlação de forças internacional nesse momento, os países ricos não se sentem obrigados a fazer essa regulação de suas multinacionais em outros países, porque a correlação de forças é extremamente favorável a eles neste momento. Temos que mudar essa maré, transformar esse investimento aqui em um ônus muito grande para que revejam essa posição. Isso só será possível se conseguirmos avançar por meio de um apoio direto a estruturação dos movimentos nacionais, a articulação das agendas entre esses diferentes movimentos e numa ação de incidência comum forçando os governos a sentar para discutir estes problemas. Quando o povo coloca na rua a sua pauta é que a maré muda e é esse o sentido do que está acontecendo no Matopiba.

FIAN Brasil – Quais os principais impactos ambientais e sociais provocados pela especulação de terras na região?

Flávio Valente – Os impactos ambientais e sociais causados por esse tipo de especulação de terras são enormes, primeiro, impedem que as populações tradicionais tenham a reprodução saudável e sustentável de suas atividades econômicas, sociais e políticas, impedem que as comunidades convivam com o cerrado como faziam antes, isso faz com que elas acabem tendo seu modo de vida inviabilizado, porque já não tem condições de sobreviver sem a parte que foi tirada pela grilagem. A segunda questão, é que a exploração das fazendas como está sendo feita pelo agronegócio utiliza uma quantidade enorme de agrotóxicos que contamina o ambiente, o lençol freático, os rios, elimina a biodiversidade e causa problemas aos pequenos agricultores, pois acabam sofrendo os impactos da utilização excessiva de pesticidas por exemplo, e isso leva a pestes diferentes que não conseguem ser tratadas sem a forma química. A outra questão é o desmatamento que leva a perda da capacidade do Cerrado de recarregar os seus aquíferos, levando a uma diminuição da água disponível, principalmente para as bacias hidrográficas isso afeta a Bacia Amazônica, do São Francisco e bacias de outros rios da região. Não é por acaso que mais de 130 rios já desapareceram. Outro impacto é a questão da biodiversidade, na região já se aponta o desaparecimento de espécies vegetais e animais e isso é irreversível para um bioma como o Cerrado.

FIAN Brasil – Como isso impacta e interfere no direito humano à alimentação e à nutrição adequadas das comunidades locais?

Flávio Valente – Na medida em que as populações tradicionais que vivem na região estão sendo impedidas de fazer sua produção e as áreas que tem para produzir são contaminadas com agrotóxicos ou mesmo com o assoreamento dos rios isso vai dificultando ainda mais a sobrevivência destas populações, isso leva com que progressivamente não tenham mais condições nem de produzir alimento e nem de comprar alimento, porque não tem recursos para isso, lembrando que essas populações também não tem acesso à água, estrada e tem ainda que arcar com todo o ônus da escoar sua produção, o que é totalmente diferente do que acontece com as empresas. Ou seja, nesta situação existe uma incidência muito forte sobre o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas dessas comunidades tanto do ponto de vista da quantidade, como do ponto de vista da qualidade dos alimentos, seja em termos de diversidade ou em termos de contaminação.

Foto de José Cícero da Silva/A. Pública

FIAN Brasil – Diante deste cenário, que medidas devem ser tomadas pelo governo brasileiro e instituições internacionais para assegurar os Direitos Humanos das comunidades?

Flávio Valente A Fian Internacional e suas parceiras internacionais e nacionais não tem ilusão de que esse governo fará as mudanças necessárias para garantir o DHANA das populações tradicionais no Matopiba, isso porque eles não têm nem a vontade política e nem o compromisso, estão comprometidos com o agronegócio e com a expansão da utilização de veneno. Então a saída é apelar para os organismos internacionais como o Comitê de Direitos Humanos da ONU, por intermédio de seus relatores. Hoje dependemos de uma forte aliança internacional, entre essas entidades e os movimentos sociais para fazer pressão sob todos os governos e fundos de pensão. Para que as mudanças aconteçam a única maneira é envergonhar o Brasil diante da comunidade internacional cobrando a sua coerência em relação a esse tema.

 

 

Ascom FIAN Brasil/ Foto destaque: Caravana Matopiba – setembro de 2017 – Crédito: Cristiane Machado

Sociedade civil e parlamentares exigem que Governo do Brasil se posicione pela aprovação da Declaração dos Direitos dos Camponeses(as) na ONU

Em nota pública divulgada nesta quarta-feira (19/09) mais de 70 organizações, associações, movimentos sociais e parlamentares exigem que o Governo brasileiro se posicione pela aprovação da Declaração sobre os direitos dos camponeses, camponesas e outras pessoas que trabalham em áreas rurais. A Declaração está em discussão na 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que ocorre entre os dias 10 a 28 de setembro, em Genebra, na Suíça.

Em seu conteúdo, a nota denuncia a violência que de maneira sistemática afeta os direitos de trabalhadoras e trabalhadores do campo, de povos e de comunidades tradicionais do Brasil e afirma que a Declaração em discussão “apresenta avanços em temas centrais para a defesa dos direitos dos camponeses e camponesas por superar lacunas que existiam no marco legal internacional e sistematizar direitos que estavam esparsos em diferentes instrumentos”.

Este posicionamento público surge como uma reação à posição do Governo Brasileiro que, conforme já denunciado pela Via Campesina,  propôs estender o prazo para votação da Declaração, sem argumentos fortes e de forma contrária ao histórico de participação do Brasil na construção deste instrumento de direitos humanos.

Entre as organizações que assinam a Nota Pública estão a Via Campesina Brasil, Fian Brasil e Fian Internacional, sociedade civil do Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), Terra de Direitos, Associação Brasileira de Reforma Agrária, Justiça Global, Plataforma de Direitos Humanos DHESCA Brasil e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).

LEIA A NOTA PÚBLICA AQUI!

Recomendações

Em abril deste ano, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) se manifestaram favoráveis à aprovação da Declaração.

O Consea, por meio de Ofício, solicitou ao ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, o apoio para a aprovação da Declaração. No documento, o Conselho ressaltou que a “segurança alimentar e nutricional de camponeses, camponesas e pessoas que trabalham em áreas rurais e a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada mantêm estreita relação com a garantia de seu direito territorial e patrimonial”.

Já o CNDH enviou uma recomendação pela aprovação do documento ao grupo de trabalho responsável pela elaboração da Declaração sobre os Direitos dos camponeses.

Nota Técnica

Também em abril, a FIAN Brasil elaborou uma Nota Técnica reiterando a importância da aprovação da Declaração e analisando alguns dos seus artigos, entre estes: Direito de consulta livre, prévia e informada; Direitos das mulheres camponesas e outras mulheres que trabalham em áreas rurais; Segurança e soberania alimentar; Defensores e defensoras de Direitos Humanos; Direito humano à terra e reforma agrária e Direito à água.

Ascom FIAN Brasil/ Crédito foto: Léo Lima

Sociedade civil brasileira denunciará violações a direitos humanos em evento da ONU na Suíça

Na próxima sexta-feira (14/9), organizações da sociedade civil brasileira denunciarão, em evento paralelo à 39ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça), os retrocessos relativos à garantia de direitos humanos no Brasil e a seletividade, os privilégios e a captura corporativa e ideológica do Sistema de Justiça.

Durante o evento – proposto pela Terra de Direitos, Plataforma Dhesca Brasil e Conselho Indigenista Missionário com apoio da Justiça Global e da Fian Brasil – será apresentado o quadro agudo de violações de direitos humanos à luz da política de desmonte baseada em uma perspectiva de austeridade e de ruptura do Estado Democrático de Direito pelo qual passa o Brasil.

O objetivo da atividade é expor à comunidade internacional dados relativos ao desmonte de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais – resultado de uma política de austeridade sem paralelo no mundo.
“A opção por uma política de austeridade em relação a investimentos sociais, ao passo que que mantém o pagamento de juros, leva à estagnação da economia, aumenta o desemprego, diminui arrecadação de impostos, privatiza bens públicos, concentra a renda, destrói setores produtivos da economia nacional e viola de forma ampla e extremamente perversa os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobre”, afirma Darci Frigo, que representará a Plataforma Dhesca Brasil e a organização Terra de Direitos no evento.

Justiça seletiva e caso Lula

Para os organizadores, o Sistema de Justiça se coloca, nesse contexto, como elemento estrutural e estruturante em relação à política de retrocessos. “Em tempos de austeridade, em que um quarto da população vive com menos de R$ 387 por mês e a pobreza extrema já atinge mais de 14 milhões de pessoas, os brasileiros pagam por um dos sistemas judiciários mais caros do mundo: as despesas do Poder Judiciário no Brasil equivalem a 1,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse sistema consome apenas 0,35% do PIB da Alemanha, ou 0,2% do PIB da França”, afirmam no documento de divulgação do evento.

A seletividade da Justiça, que envolve a criminalização de lideranças de movimentos sociais e de protestos legítimos, também será objeto de denúncia.  É também o caso de Luiz Inácio Lula da Silva, condenado sem provas e preso de forma contrária ao que estabelece a Constituição desde 7 de abril em Curitiba, Paraná. Em 17 de agosto, o Comitê de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas pediu ao Estado brasileiro que “tome todas as medidas necessárias” para que Lula possa exercer seus direitos políticos enquanto estiver preso e não tenha sua candidatura à Presidência barrada até que todos os recursos tenham sido esgotados. No último dia 10, o Comitê reiterou seu posicionamento favorável à manutenção dos direitos como candidato.

“Em muitos casos de violações de Direitos Humanos denunciadas internacionalmente, o cumprimento das decisões e recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Organização das Nações Unidas é fundamental. Assim, o desrespeito à decisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas é um gravíssimo precedente que pode enfraquecer ainda mais a garantia dos Direitos Humanos no Brasil. Espera se que o STF reconheça o caráter vinculante e obrigatório da decisão e, por conseguinte, a implemente”, finaliza Frigo.

Direitos Humanos no Brasil: retrocessos sociais, austeridade, Sistema de Justiça e criminalização (Evento paralelo à 39a Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU)
Data: 14/9
Horário: 16h às 17h30
Local: Sala XXIII do Palais des Nations, Avenue de la Paix, 1211, Genebra

Especialista da ONU menciona impactos da Emenda do “Teto dos Gastos” na vida das mulheres brasileiras

Documento foi apresentado à Assembleia Geral das Nações Unidas e destaca a crescente vulnerabilidade das mulheres brasileiras como resultado da fragilização das políticas públicas

Em recente relatório apresentado à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o especialista independente  sobre dívida externa e direitos humanos, Juan Pablo Bohoslavsky, destacou impactos da implementação da Emenda Constitucional 95/2016 para a vida das mulheres brasileiras.

A Emenda conhecida como “Lei do Teto” e “PEC da Morte” (a matéria tramitou inicialmente como Propostas de Emenda 241/55) determina o congelamento do orçamento público por vinte anos para áreas como saúde e educação, condicionado apenas à variação da inflação anual.  Os impactos de quase dois anos de implementação já são sentidos, em especial, por mulheres, crianças e a população negra. De 2016 a 2017, o número de pessoas em situação de extrema pobreza no país passou de 13,34 milhões para 14,83 milhões, o que significa aumento de 11,2% (Dados Pnad Contínua/IBGE). Ou seja, em um ano mais 1,5 milhão de pessoas passaram a viver com até R$ 136 mensais, linha de corte adotada pelo Banco Mundial para países em desenvolvimento.

O corte de gastos prejudica potencialmente as mulheres: de 2014 a 2017 o aumento do desemprego entre as mulheres brancas cresceu 73%. Já entre as mulheres negras quase dobrou: houve um acréscimo em 96% na taxa de mulheres negras desempregas neste período. A verba destinada à políticas públicas voltadas para a promoção da autonomia e o combate à violência sofrida por mulheres foi reduzida de R$ 147 milhões em 2014 para R$ 24 milhões em 2018, ou seja, uma queda de 83% – o que significa quase a paralisação das ações para a àrea. (Dados Estudo Austeridade e retrocesso: impactos sociais da política fiscal no Brasil).

“No Brasil, a Emenda Constitucional nº 95, que congelou gastos públicos por 20 anos, fez que não fossem construídos novos abrigos para mulheres desde 2017. O Brasil atualmente tem uma das taxas mais altas de feminicídio do mundo e tem experimentado, recentemente, um aumento significativo na violência contra as mulheres”, aponta um trecho do relatório do especialista da ONU  no documento apresentado à Assembleia Geral

A citação faz referência à precarização do atendimento das “Casas das Mulheres Brasileiras” – espaço físico que disponibiliza o fornecimento combinado de serviços especializados para vítimas de violência: acolhimento e triagem, apoio psicossocial, delegacia, Juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, promoção de autonomia econômica, cuidado das crianças, alojamento de passagem e central de transportes. A proposta inicial da Casa da Mulher Brasileira , lançada em 2013 como parte do “Programa Mulher, Viver sem Violência” e coordenada pela Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, com participação dos municípios, previa a construção de unidades nas 25 capitais do país. No momento, apenas três casas operam – Campo Grande (MS), Curitiba (PR) e São Luis (MA) – , ainda com execução bem abaixo da meta. Em 2017, primeiro ano de vigência da Emenda 95, nenhuma unidade foi construída. (Dados Oxfam/Inesc)

Em paralelo, houve crescimento nos registros de casos de feminicídio – assassinatos de mulheres cometidos em razão do gênero. O Anuário da Segurança Pública 2017 apontou que houve aumento em 6,1% de homicídios registrados de mulheres no ano passado, em relação à 2016. Na contramão deste cenário, houve redução em 15% no mesmo ano no número de serviços especializados dirigidos à mulheres vítimas de violência. (Dados Inesc/Oxfam)

Escuta à sociedade
No primeiro semestre de 2018, Juan Pablo Bohoslavsky realizou escuta aos diferentes movimentos populares, organizações sociais e pesquisadores diversas áreas sociais e da macroeconomia sobre os impactos nos direitos humanos pela adoção de uma política econômica de cortes sociais. O relatório recém apresentado à ONU atenta para estas contribuições. Uma nova escuta foi realizada no dia 09 de agosto, em São Paulo, entre o especialista e organizações, com participação da Plataforma Dhesca, Terra de Direitos, Ação Educativa,  Instituto de Estudos Socioeconômicos, Fian Brasil e demais organizações.

A atividade tratou-se de um diálogo informal. Em março deste ano, o governo brasileiro suspendeu a visita oficial de Juan Pablo ao país para análise dos impactos da política econômica austera em áreas como saúde e educação, com o argumento de que a transição de cargo ocupado pela ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, então demitida pelo presidente Michel Temer (MDB), demandava ajustes internos. “Lamento que minha visita ao Brasil tenha sido recentemente cancelada pelo governo”, declarou Juan Pablo naquele momento. Passados cinco meses da suspensão, o governo brasileiro ainda não ofereceu novas datas de visita para o Organismo internacional.

 

Fonte: Plataforma Dhesca

Entidades de várias áreas sociais cobram de candidatos Revogação da Emenda do Teto dos Gastos Sociais

Com ato em Brasília e audiências com autoridades públicas, mais de oitenta entidades lançam amanhã (5/9) documento político que alerta para o colapso das políticas sociais e para o acirramento das desigualdades no país.

Na Semana que o Brasil celebra o dia da Independência do país, organizações de sociedade civil, conselhos nacionais de direitos, instituições acadêmicas, entidades sindicais e movimentos sociais lançam amanhã (5/9) documento político cobrando posicionamento das candidatas e dos candidatos aos Poderes Executivo e Legislativo sobre a revogação da Emenda Constitucional 95 (EC 95). O documento denuncia a piora acelerada das condições de vida da população, chamando a atenção para o aumento da fome e para o crescimento da mortalidade infantil, entre outros graves retrocessos.

A Iniciativa intersetorial é promovida pela Coalizão Antiausteridade e pela Revogação da Emenda Constitucional 95 – articulação impulsionada pela Plataforma DHESCA (Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais) e lançada em março de 2018 no Fórum Social Mundial – responsável pela Campanha Direitos Valem Mais, Não aos Cortes Sociais (www.direitosvalemmais.org.br). Comprometida com a democratização do debate sobre política econômica, a Campanha visa somar forças políticas pela: revogação da Emenda Constitucional 95, retomada dos investimentos públicos em políticas sociais, culturais e ambientais; e por uma ampla reforma tributária progressiva no país.

EC 95: a destruição de um país

Aprovada em dezembro de 2016, a Emenda Constitucional (EC) 95 estabelece a redução do gasto público em educação, saúde, assistência social e em outras políticas sociais por vinte anos, aprofundando a miséria, acentuando as desigualdades sociais do país e, em especial, comprometendo ainda mais as condições de sobrevivência da população, sobretudo da população pobre e negra. A EC 95 é objeto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5633, 5643, 5655, 5658, 5715 e 5743 que solicitam sua revogação imediata pelo Supremo Tribunal Federal. Todas essas ADIs foram distribuídas à Ministra Rosa Weber.

Estudos da Plataforma DHESCA, do Inesc/Oxfam/Centro para os Direitos Econômicos e Sociais, e do IPEA, entre muitos outros, vem demonstrando o profundo impacto da Emenda em várias áreas sociais, acarretando grandes retrocessos na garantia de direitos, dos quais o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro representa mais um triste capítulo.

Em agosto deste ano, sete Relatores da ONU[1] lançaram pronunciamento internacional conjunto denunciando os efeitos sociais da Emenda Constitucional 95 e o fato do Brasil ser o único país do mundo a ter constitucionalizado a austeridade como política econômica de longo prazo.

Criticada no país e internacionalmente como extremamente ineficaz e destruidora das condições de vida da população, inclusive por organismos internacionais conservadores como o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica de austeridade tem como base o entendimento equivocado de que há somente um caminho para um país sair da crise econômica: cortar gastos sociais, atacar direitos constitucionais e privatizar bens públicos.

Esse caminho cria um círculo vicioso que desaquece a economia, aumenta o desemprego, diminui a arrecadação de impostos, concentra a renda ainda mais na mão de poucos, destrói setores produtivos da economia nacional e viola – de forma ampla e extremamente perversa – os direitos humanos da população, com impacto terrível nos setores mais pobres. Ao contrário: os investimentos sociais diminuem a desigualdade e são motor de desenvolvimento econômico com justiça social. Por isso, em vários países, mesmo em períodos de crise, há aumento desse investimento, que é considerado uma medida anticíclica.

 Mobilização Nacional

Amanhã, a Campanha Direitos Valem Mais lança o documento político e uma carta compromisso às candidatas e aos candidatos para que tornem pública sua adesão à proposta de revogação imediata da EC 95, retomada dos investimentos sociais no país e ampla reforma tributária progressiva. Também estão previstas audiências de representantes da Coalizão Antiausteridade no Ministério Público Federal, no STF e na Representação das Agências da ONU no Brasil. Às 13h30, será realizado um cortejo fúnebre próximo à Estátua da Justiça, na Esplanada do Ministério, que abordará o crescimento da mortalidade infantil no Brasil.

A Campanha também lançará amanhã um conjunto de materiais de comunicação estimulando a população a votar somente em candidatas e candidatos aos Poderes Executivo e Legislativo comprometidos com a revogação da EC 95 e com as demais propostas da Coalizão. Um das estratégias da Campanha é estimular rodas de conversa pelo país sobre a crise econômica e sobre a importância do voto em candidaturas comprometidas com a revogação da EC 95 e com a mudança da economia.

[1] Os relatores que assinaram o Pronunciamento conjunto foram: Juan Pablo Bohoslavsky, especialista em dívida externa e direitos humanos; Léo Heller, relator especial sobre os direitos humanos à água e ao esgoto sanitário; Ivana Radacic, presidente do grupo de trabalho sobre discriminação contra a mulher na lei e na prática; Hilal Elver, relatora especial para o direito humano  à alimentação; Leilani Farha, especialista em direito à habitação adequada; Dalnius Puras, relator para o direito humano à saúde; e Boly Barry, relatora para o direito à educação. A íntegra do Pronunciamento dos Relatores da ONU está disponível em:http://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2018/08/OL-BRA-4-2018.pdf

Nota da Plataforma Dhesca sobre a destruição do Museu Nacional e a responsabilidade do Estado brasileiro

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil lamenta profundamente o incêndio de grandes proporções que atingiu o Museu Nacional na noite deste domingo (03). O dano é incalculável.

Vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o museu que já figurou como um dos maiores de história natural e de antropologia das Américas e completou 200 anos em 2018, continha um acervo de 20 milhões de itens. Apenas uma parte foi retirada antes do fogo rapidamente se alastrar. A instituição não dispunha de um sistema de prevenção de incêndio.

O local que já foi residência de um imperador e dois reis acolhia o fóssil humano mais antigo já encontrado nas Américas e a maior biblioteca de ciências naturais do Brasil, entre outras riquezas de valor incomensurável para a educação, a ciência, a cultura, e o patrimônio nacional.

A pressão do setor financeiro, do mercado e dos meios privados de comunicação pela adoção de medidas neoliberais tem crescido desde 2013 e exposto as universidades públicas a um contexto de alta vulnerabilidade. A adoção de políticas econômicas de austeridade, expressa com mais força pela Emenda Constitucional 95/2016, que impõe fortes restrições ao uso do recurso público para políticas sociais, é gerador deste caos. O Ministério da Cultura corre risco de se tornar inviável em poucos anos: o orçamento do MinC em 2018 é o menos da metade do autorizado em 2014, ano ainda com baixo orçamento, e ainda resiste pela luta de coletivos de defesa da cultura e servidores comprometidos.

A Dhesca Brasil, integrante da Coalizão Anti-austeridade e pela Revogação da Emenda Constitucional 95, defende a imediata revogação desta perversa medida que impõe como projeto político para o país a desresponsabilização do Estado pela vida da população brasileira. Em pouco mais de um ano de implementação da EC 95 mais de um milhão de meio de pessoas foram incluídas na faixa da extrema pobreza. Agora, com o incêndio anunciado do patrimônio cultural e científico que é o Museu, é a educação e a história que são violentadas.

Foi o Estado brasileiro e o mercado financeiro que destruíram o Museu Nacional e devem ser responsabilizados.

Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil.
03 de setembro de 2018.

Violências contra povos Guarani e Kaiowá são debatidas em audiência pública em Dourados

“A violência vem de toda parte, do jornal local, do governo local, do governo Temer, da sociedade em geral”. A fala é da indígena Jaqueline Gonçalves ao comentar as violações sofridas pelos povos Guarani e Kaiowá, durante a audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira, 29 de agosto, no auditório do Ministério Público Federal em Dourados (MS), que discutiu o impacto de atividades empresariais nos povos indígenas.

O tema da audiência faz parte de uma pesquisa realizada pela Repórter Brasil, com o apoio da FIAN Internacional, que analisou os impactos de empresas do agronegócio, principalmente multinacionais, ligadas à indústria da soja e da carne nos povos indígenas Guarani e Kaiowá.

“O sistema jurídico internacional não permite, atualmente, que as empresas multinacionais sejam devidamente responsabilizadas por violações de direitos. Isso precisa mudar”, destacou o assessor sênior da FIAN Internacional, Flávio Valente.

A pesquisa aponta que o agronegócio de grãos, no caso a soja, é um dos principais fatores de pressão sobre comunidades guaranis no Mato Grosso do Sul. “São comuns relatos sobre disputa por terras com sojicultores, contaminação de cursos d’água por pesticidas, danos à saúde, mortandade de animais, prejuízos às roças causados pela fumigação aérea de herbicidas, e tráfego de caminhões pesados nas áreas das aldeias”, destaca trecho do documento.

De acordo com a pesquisa, a Coamo, maior cooperativa agroindustrial do país, “mantem entre seus cooperados diversos fazendeiros que possuem terras inseridas em áreas reivindicadas por indígenas”. A Coamo exporta para mais de 20 países e possui entre “seus clientes no estrangeiro, a Amaggi International, subsidiária da trading brasileira Amaggi – que tem entre seus sócios o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi –, a trading belga Vanden Avenne Commodities, o conglomerado Cofco Group, maior processador de alimentos da China, e a japonesa Zen-Noh , uma das maiores organizações de cooperativas do mundo”. Além destas, companhias dos Estados Unidos e Holanda prestam serviços à Coamo no exterior, entre estas a norte-americana Cargill, que em 2017 “levou os grãos da cooperativa a portos localizados na Alemanha, Estados Unidos, França e Holanda”.

Almudena Abascal, da FIAN Alemanha, falou sobre o Tratado Vinculante sobre Direitos Humanos e Empresas que está em discussão no Conselho de Direitos Humanos da ONU. “Existe um processo ocorrendo em nível internacional para aumentar as responsabilidades de empresas por violações de direitos humanos, e isso não vai parar”.

Almudena Abascal

A audiência pública foi organizada pela Aty Guasu, MPF, CIMI, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas, Repórter Brasil e Heks/Eper.

Missão

A audiência pública foi uma das atividades da Missão Guarani e Kaiowá realizada pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Repórter Brasil e Heks/Eper, que entre os dias 22 a 29 de agosto percorreu a região para avaliar a situação de violações de direitos humanos  sofridas por estes povos.

 

Ascom FIAN Brasil

 

Audiência pública discute impactos do agronegócio nos povos Guarani e Kaiowá nesta quarta, em Dourados (MS)

O impacto de atividades empresariais nos povos indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul será tema de uma audiência pública que acontece na quarta-feira (29/08), às 14 horas, no auditório do Ministério Público Federal em Dourados.

A audiência pública tem como objetivo discutir os impactos de empresas do agronegócio ligadas à indústria da soja e da carne nos povos indígenas Guarani e Kaiowá. O tema da audiência faz parte de uma pesquisa realizada pela Repórter Brasil, com o apoio da FIAN Internacional, que analisou casos que retratam essa relação.

“O tema foi escolhido diante do histórico de violência vivenciado pelo povo guarani no Brasil, em especial no Mato Grosso do Sul, muitas vezes em episódios protagonizados pelo próprio aparato estatal. O Estado é um grande produtor de grãos, cana-de-açúcar e gado – atividades que têm se expandido nas cercanias ou mesmo dentro de terras já demarcadas ou reivindicadas pelas comunidades indígenas”, destaca trecho da pesquisa que será apresentada na audiência.

A audiência pública é organizada pela Aty Guasu, MPF, CIMI, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas, Repórter Brasil e Heks/Eper.

Missão

A audiência pública integra a programação da Missão Guarani e Kaiowá realizada pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Repórter Brasil e Heks/Eper, que entre os dias 22 a 29 de agosto percorrem a região para avaliar a situação de violações de direitos humanos  sofridas por estes povos.

Ascom Fian/Brasil

 

Ativistas estão há três semanas em greve de fome para denunciar a ruptura democrática, o desrespeito à constituição, o desmonte de políticas públicas e a volta do Brasil ao “mapa da fome”

Sete trabalhadores e trabalhadoras que vem dos quatro cantos do país firmam pé em Brasília, nestes dias de instabilidade política e social. Desde o dia 31 de julho estão em Greve de Fome, pedindo por justiça no Supremo Tribunal Federal. O ato denuncia a situação caótica em que os artífices do golpe – que derrubou a presidenta Dilma Rousseff sem crime e condenou o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva sem provas -, colocaram o país. Parlamento, mídia, capital financeiro e setores da justiça são responsabilizados pelos grevistas pela situação de crise econômica, caos político e total descrédito das instituições jurídicas frente a opinião pública.

Fome contra a fome

Homem de fé e luta, Frei Sérgio Görgen, 62 anos, gaúcho, é dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Relembra com indignação os tempos em que era quase uma rotina sepultar crianças que morriam vítimas da desnutrição. “Não podemos admitir que um país como o Brasil corra o risco de retornar ao mapa da fome”. Para ele, os Ministros do STF precisam voltar a ter algum tipo de conexão com a população brasileira. No mesmo sentido se manifesta Rafaela Alves, militante e poeta, através de versos: A situação está extrema / Para onde vai a nação? / Com epidemias, desemprego / Sem saúde, educação / Políticas Sociais extintas / Resta abandono destruição. / Contra negros, jovens, mulheres / A violência só alimenta / Os preços desenfreados / O povo já não aguenta / A mídia segue mentindo / Nossas redes a enfrenta”.

Completando 68 anos em meio à Greve de Fome, Gegê Gonzaga, paraibano radicado em São Paulo, representa a Central dos Movimentos Populares (CMP), tendo uma vida inteira dedicada à luta social: “A resposta precisa começar de baixo pra cima e não de cima para baixo, somente assim o pobre, o trabalhador, o negro, o indígena, o camponês vão ter espaço de representação”. Já a avó-coragem, Zonália Santos, 48 anos, assentada da reforma agraria em Rondônia, não exitou deixar sua a rotina junto dos filhos e netos para agregar a força e a garra da mulher sem-terra na Greve de Fome. “Nós não estamos aqui nos manifestando apenas pelo direito do presidente Lula em ter um julgamento justo, nós estamos manifestando nossa contrariedade com a volta da fome, da miséria da exploração”.

Justiça para quem?

O pernambucano Amorim, 58 anos, dirigente do MST e da Via Campesina, diz que o ato reafirma sua opção política e coloca em destaque denúncias que tem sido ignoradas pelo poder judiciário, que tem se mostrado subserviente ao grande capital. De baixa estatura, o ativista torna-se um gigante quando pega o microfone para se manifestar. “Passar fome nesta greve é uma opção militante, colocamos nossas vidas aqui para que se possa evitar que milhões de brasileiros e brasileiras passem fome por não ter comida na mesa, passem fome por não ter opção”, afirmou. Também militante do MST, Vilmar Pacífico, 60 anos, veio do Paraná e trouxe consigo sentimentos contraditórios ao seu sobrenome, mostrando a indignação de um povo que enfrenta diariamente a pressão e a agressão por parte das forças do estado. “A justiça deveria servir ao povo, deveria ser o lugar onde pudéssemos nos socorrer, mas a verdade que temos observado a cada dia é que ela também está se prestando ao serviço do capital e virando as costas para aqueles a quem deveria cuidar”.

Por fim, Leonardo Soares, 22 anos, agregado ao grupo em 6 de agosto. Traz o vigor característico do seu movimento, o Levante Popular da Juventude. “Essa greve de fome tem a função de fomentar a participação e a organização do povo”, explicou, acrescentando ainda que a luta que empreendem é por uma causa justa, que aglutina o povo e propõe a organização como ferramenta principal na disputa que se configura no atual processo.

Risco iminente à saúde

Deflagrada no dia 31 de julho, a greve de fome já atinge três semanas sem que nenhum dos grevistas tivesse acesso a qualquer tipo de alimentação. A ingestão que aceitam é apenas de água e soro de reidratação. A equipe de saúde mantém-se em alerta 24 horas por dia, e registra em prontuários a evolução do quadro de cada grevista. Sintomas como dores musculares e cefaleia são constantes, acompanhados pontualmente por queda da pressão arterial, queda da temperatura corporal, desidratação e hipoglicemia. Um dos médicos responsáveis pelo acompanhamento, Ronald Wolff relata a experiência de já ter acompanhado outras três greves de fome, destacando que o período prolongado sem alimentação acarreta riscos severos e imprevisíveis para os sete. Porém, se por um lado os médicos acenam com a possibilidade de interrupção do ato, os grevistas não cogitam essa possibilidade e reafirmam diariamente que seguirão até “as últimas consequências”.

Pauta de reivindicações

Os grevistas são unânimes em apontar que recai sobre os Ministros do STF a responsabilidade pelo agravamento das condições de saúde de cada um deles. Até o momento foram atendidos pela ministra presidente, Carmen Lúcia (que ouviu um dos grevistas), pelo ministro Lewandovski, que recebeu a todos, e pelos funcionários do ministro Gilmar Mendes. Aguardam para os próximos dias a possibilidade de audiências com os demais. Entre os atos públicos realizados estão celebrações inter-religiosas realizadas duas vezes em frente ao prédio onde mora o ministro Edson Fachin, que recebeu ainda ação dos integrantes do Levante Popular da juventude, que estenderam uma faixa na sua via de acesso ao prédio.

O manifesto apresentado pelos grevistas indica que a “opção por esse gesto extremo de luta decorre da situação extrema na qual se encontra nossa Nação, com a fome e as epidemias retornando e o desemprego desgraçando a vida de nosso povo”. Segundo os grevistas, sua decisão é motivada pela dor e o sofrimento dos brasileiros e brasileiras, porém têm consciência de que o poder Judiciário viola a Constituição e impede o povo de escolher pelo voto, soberanamente, o seu Presidente e o futuro do país.

Denúncia, defesa e apelo

Por meio do seu manifesto, os grevistas denunciam a volta da fome, o sofrimento dos mais pobres, o aumento da violência, o abandono de setores públicos essenciais como a saúde e a educação, a volta das epidemias e da mortalidade de crianças. Também expressam sua denúncia frente a volta da carestia, o aumento do preço de produtos básicos (como gás de cozinha, comida e combustíveis). As tentativas de aniquilamento da soberania nacional, através da entrega ao capital estrangeiro de recursos naturais importantes (Amazônia, terras cultiváveis, petróleo, energia, biodiversidade, água e minérios) também estão contempladas, assim como as ações criminosas de privatização do patrimônio público representado pelas empresas estatais essenciais à geração de emprego e ao bem-estar do povo. “Nos indignamos e não aceitamos o sacrifício anunciado de duas gerações: as crianças e os jovens”, expressa o documento.

Por meio do texto, tornado público no dia 31 de julho, quando grevistas e imprensa presente foram agredidos pela polícia judiciária e por seguranças privados que prestam serviço ao STF, reafirmam a defesa do direito do povo escolher livremente – pelo voto – seu próprio destino, elegendo à Presidência o candidato de sua preferência. Defendem a volta da plenitude da democracia e a vigência integral dos direitos fundamentais presentes na Constituição Federal, “hoje negada e pisoteada”. Por fim, apelam aos ministros e ministras do Supremo Tribunal Federal pelo fim das condenações sem crime, das prisões ilegais sem amparo na Constituição e pela libertação imediata do ex-Presidente Lula, para que possa ser votado pelo povo brasileiro.

Responsabilidades

– A situação de desespero do povo tem muitas causas – explica Jaime Amorim. “Neste momento, entretanto, os agentes diretos pelo massacre, pela injustiça e pela destruição da Constituição, têm nome e sobrenome: são donos da rede globo, os promotores e juízes que estão nos tribunais em Curitiba e Porto Alegre”, acrescenta, fazendo menção aos irmãos Marinho, o promotor Deltan Dallagnol, o juiz federal e primeira instância Sérgio Moro e os desembargadores da 8ª turma do Tribunal Regional Federal – João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luis dos Santos Laus -, bem como o presidente daquela casa, Carlos Eduardo Tompson Flores Lenz, por qualquer intercorrência que venha a acontecer com a saúde dos grevistas.

Frei Sérgio por sua vez destacou atenção aos ministros do STF que votaram contra a constituição e desestruturaram o direito básico da presunção da inocência, permitindo que pessoas inocentes sejam encarceradas sem direito a um julgamento justo e acesso à todas as instâncias de defesa previstas na carta magna brasileira. “Apelamos aos ministros Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Alexandre de Moraes para que respeitem a Constituição, garantam o retorno à normalidade democrática, anulem a condenação sem crime do presidente Lula, reponham o direito à presunção de inocência e o direito do povo de escolher seu presidente de forma livre e democrática”. Para Görgen, estes são também responsáveis caso algo grave aconteça aos que estão em greve de fome.

– Essa é uma escolha livre e consciente, onde optamos por passar fome para evitar que nosso povo volte a passar fome por imposição -, acrescenta Gegê Gonzaga. “Tomamos a decisão de iniciar esta Greve de Fome e estamos dispostos a ir até as últimas consequências”, acrescenta. Para o grupo, as decisões dos ministros são condicionantes para o encerramento da greve, atendendo aos clamores da maioria do povo brasileiro.

– Acreditamos no povo brasileiro, nas possibilidades de nossa Nação e temos a firme esperança de que vamos superar este momento grave de nossa história para inaugurar uma nova fase de justiça e fraternidade na vida das brasileiras e dos brasileiros -, finaliza Rafaela Alves.

ADCs podem ser decisivas

Existem pelo menos três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) no Supremo Tribunal Federal (STF). As ações questionam a jurisprudência da Corte sobre a execução provisória da pena (prisão) após a condenação em segunda instância. Para o STF, um condenado em segundo grau deve já começar a cumprir pena antes do término do trânsito em julgado, o que fere a Constituição Federal. Os grevistas têm reiterado que caso a ministra presidente Carmen Lúcia coloque as ADCs em pauta – o que já poderia ter feito há bastante tempo – poderão considerar a hipótese de encerrar a greve. Foi com essa jurisprudência que o STF negou ao ex-presidente Lula, pedidos de habeas corpus preventivos – o que permitiu que sua pena começasse a ser executada antes do término do trânsito em julgado, cerceando a presunção de inocência ao maior líder popular do país, bem como a dezenas de milhares de outros homens e mulheres que podem estar presos indevidamente em decorrência deste entendimento. Caso o STF julgue as Ações Declaratórias e mude seu entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância, Lula deverá ser libertado.

Decisão da ONU

Os grevistas de fome também estão atentos para outro fator que poderá dar uma guinada à situação. Trata-se da concessão de liminar emitida pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), acolhendo pedido da defesa do ex-presidente Lula, determinando ao Estado Brasileiro que “tome todas as medidas necessárias para permitir que o autor [Lula] desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão como candidato nas eleições presidenciais de 2018, incluindo acesso apropriado à imprensa e a membros de seu partido político” e, também, para “não impedir que o autor [Lula] concorra nas eleições presidenciais de 2018 até que todos os recursos pendentes de revisão contra sua condenação sejam completados em um procedimento justo e que a condenação seja final”.

A decisão reconhece a existência de violação ao artigo 25 do Pacto de Direitos Civis da ONU e a ocorrência de danos irreparáveis a Lula na tentativa de impedi-lo de concorrer nas eleições presidenciais ou de negar-lhe acesso irrestrito à imprensa ou a membros de sua coligação política durante a campanha. Por meio do Decreto Legislativo 311 o Brasil incorporou ao ordenamento jurídico pátrio o Protocolo Facultativo que reconhece a jurisdição do Comitê de Direitos Humanos da ONU e a obrigatoriedade de suas decisões.

Os advogados Valeska Teixeira Zanin Martins e Cristiano Zanin Martins – responsáveis pela defesa do ex-presidente – expressaram em nota que “diante dessa “nova decisão, nenhum órgão do Estado Brasileiro poderá apresentar qualquer obstáculo para que o ex-Presidente Lula possa concorrer nas eleições presidenciais de 2018 até a existência de decisão transitada em julgado em um processo justo, assim como será necessário franquear a ele acesso irrestrito à imprensa e aos membros de sua coligação política durante a campanha”.

Informações para imprensa:

(61) 999 964 391 (49) 99160 5897 – Adi | MPA
(11) 948 172 567 – Neudi | MAB

 

CNDH divulga relatório de missão sobre direito à alimentação em penitenciária feminina do DF

O Conselho Nacional dos Direitos Humanos realizou em março de 2018 uma missão à Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia. A partir de denúncias feitas pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), a missão teve como foco o direito à alimentação de detentas gestantes, lactantes e com filhos e filhas. Na incursão, o Conselho identificou uma série de violações, que resultaram em um relatório, aprovado na última reunião do pleno do colegiado, realizada no dia oito de agosto.

Foram verificadas as condições gerais de distribuição e consumo da alimentação e da água potável; as condições de gestação, parto e pós-parto (direitos sexuais e reprodutivos); a permanência ou não das crianças na unidade, dentre outros procedimentos.

Entre as conclusões, o grupo observou que a decisão do STF, que determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para mulheres grávidas e mães de crianças com até 12 anos, não vinha sendo cumprida. Além disso, as detentas não têm acesso adequado à água potável, são oferecidos alimentos em condições de higiene duvidosas, as refeições são monótonas e incompletas em termos de uma alimentação adequada e saudável, principalmente para gestantes e lactantes. Também foi identificada a inexistência de local apropriado para a realização das refeições, sendo as custodiadas submetidas a situações degradantes para se alimentar.

Quanto à alimentação dos bebês residentes na unidade prisional, foi identificado atraso na entrega da comida, além disso, a alimentação complementar não é feita de forma correta. Os bebês recebem sopa (oferecida pela empresa terceirizada prestadora de serviços de alimentação) ou alimentos trazidos pela família. Ao contrário do que é indicado pelo Ministério da Saúde, as mães são orientadas a iniciar a introdução alimentar antes dos seis meses de idade, pois com essa idade eles são retirados das mães.

A missão, que foi composta apenas por mulheres, contou ainda com a participação de representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Ministério da Saúde, Ministério dos Direitos Humanos e Fian Brasil, que integram a Comissão Permanente sobre Direito Humano à Alimentação Adequada do colegiado.

Para Fabiana Severo, Presidenta do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e Defensora Pública da União, as violações não estão apenas no cárcere. “Elas começam na decisão do encarceramento, na forma como o sistema de justiça reforça um ciclo de exclusão que atinge não só essas mulheres, mas também seus filhos e filhas. As penas são absolutamente desproporcionais aos delitos”.  Fabiana observou ainda que das mulheres entrevistadas, quase todas eram negras, que, grávidas ou com filhos, viviam num contexto de vulnerabilidade social. “O encarceramento faz parte de um ciclo de violações estruturais na vida dessas mulheres, já que a maioria delas não teve acesso a políticas públicas primárias, como moradia digna, educação, saúde e justiça”.

A presidenta do CNDH avalia ainda como dramática a separação das mães lactantes dos seus bebês aos seis meses. “Aos cinco meses já se retira a amamentação exclusiva e se introduz alimentos, para acelerar a separação. Algumas, que não têm apoio familiar, nem sabem para onde vão os bebês, que são entregues a abrigos ou destinados para adoção. E perdem esse vínculo definitivamente”, relata.

O Conselho decidiu, portanto, encaminhar recomendações a diferentes órgãos públicos responsáveis por garantir o direito à alimentação adequada, bem como os demais direitos humanos dessas mulheres e seus filhos e filhas.

Dentre as recomendações, está a de encaminhamento aos órgãos competentes dos casos em que for adequada a substituição de prisões preventivas por prisões domiciliares, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus (HC 143641). Deve-se também ser garantida, nas hipóteses de separação entre e mães e filhos/as, nos casos em que não caiba a prisão domiciliar, que o procedimento seja acompanhado pelos órgãos de proteção de direitos humanos e de assistência social e psicológica, sendo devidamente respeitados os direitos humanos das custodiadas, bem como o princípio do melhor interesse da criança.

Histórico da missão

O caso foi apresentado à Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada do CNDH em 2017, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Na denúncia, o Mecanismo identificava a alimentação como um provável vetor de tortura na Penitenciária.

“Percebemos que a alimentação das mulheres lactantes era severamente reduzida. Isso, na opinião das próprias mulheres, tinha o propósito de reduzir a produção do leite para que as crianças fossem afastadas de suas mães”, relata Luz Arinda, então perita do Mecanismo, que relatou também diversas outras violações ao direito à alimentação adequada, como falta de acesso à água potável e à alimentação de qualidade em várias porções ao dia.

Também foram identificadas, à época, violações aos direitos sexuais e reprodutivos que impactam no direito à amamentação, como partos desassistidos, partos de mulheres algemadas, e condições violadoras no pós-parto. “Se uma mulher pare em condições de violência, é pouco provável que ela consiga amamentar essa criança”, frisa Luz Arinda, que também participou da missão.

Deise Benedito, uma das peritas do MNPCT que participou da missão, ressalta que a ausência de políticas públicas é determinante para o quadro de violações a que essas mulheres são submetidas, e aponta o racismo como componente que acentua a vulnerabilidade de mulheres negras a práticas de tortura e maus tratos. “A cor da pele define o grau de sofrimento que será imposto a essas mulheres na prisão”, declara.

No início deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus coletivo que determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para mulheres grávidas e mães de crianças com até 12 anos. A medida vale para mulheres que não tenham cometido crimes violentos contra os próprios filhos ou que sejam responsáveis por pessoas com deficiência. À época foram dados 60 dias para os tribunais cumprirem integralmente a decisão.

 

Acesse na íntegra o Relatório sobre Direito Humano à Alimentação Adequada na penitenciária feminina do Distrito Federal

 

Fonte: Assessoria de Comunicação do CNDH

Relatório sobre o Matopiba aponta impactos ambientais e sociais da financeirização de terras

Os impactos da financeirização de terras na região do Matopiba são tema do relatório “Os Custos Ambientais e Humanos do Negócio de Terras”, que será lançado nesta quarta-feira, 15, durante a Conferência de Abertura do I Seminário sobre Estrangeirização de Terras e Segurança Alimentar e Nutricional, na Biblioteca Central da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife.

O Relatório, que será apresentado pelo assessor sênior da Fian Internacional, Flávio Valente, descreve e analisa os impactos ambientais e sobre os direitos humanos causados pela expansão do agronegócio e pela especulação de terras na região Norte/Nordeste do Brasil, conhecida como Matopiba, que engloba áreas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

“A região tem sido vítima de uma expansão agressiva do agronegócio, em particular de monoculturas de soja, que trazem consigo a expropriação de comunidades rurais e destruição ambiental. A expansão do agronegócio e a crescente especulação de terras têm sido alimentados por fundos vindos de agentes financeiros internacionais, em particular de fundos de pensão dos EUA, Coreia do Sul, Reino Unido, Alemanha, Luxemburgo, Suécia e Holanda”, destaca Flávio Valente.

O Relatório “Os Custos Ambientais e Humanos do Negócio de Terras” é fruto de duas missões de investigação realizadas em setembro de 2017 e janeiro de 2018. A primeira missão documentou as consequências das apropriações de terras para as comunidades no Estado do Piauí e reuniu-se com autoridades do governo brasileiro. A segunda missão ocorreu na Europa e concentrou-se no envolvimento de fundos de pensão da Holanda, Alemanha e Suécia na expansão do agronegócio e nas apropriações de terras na região.

Fundos de investimentos internacionais

Um dos apontamentos do documento é o processo de transformação da terra em um bem financeiro. “Agentes financeiros (como bancos, empresas de corretagem, seguradoras, fundos de pensão, fundos de investimento, agências de investimento e fundos de capital de risco), estão, cada vez mais, vendo a terra como uma boa opção de investimento. Esses agentes financeiros canalizam seus fundos para a compra de terras e para atividades relativas ao uso da terra, de forma a diversificar seus investimentos, aumentar os lucros e diminuir os riscos”, aponta Flávio Valente.

O Relatório evidencia que as monoculturas de soja começaram a adentrar na região do Matopiba no início dos anos 2000 e estão se expandindo desde então. “Devido à crise financeira de 2007/2008, o negócio com terras se tornou mais rentável que a produção agrícola. Isso levou à criação de empresas relacionadas à terra que não se envolviam diretamente com a produção, mas se dedicavam completamente à aquisição, venda, arrendamento e/ou administração de terras. A falsificação de títulos de propriedade é uma das características desse negócio. Pois é uma forma de oficializar (ou ao menos simular) a propriedade de terras adquiridas ilegalmente. Os agentes que atuam na região são apoiados por agentes financeiros internacionais que investem grandes quantias no negócio de terras, o que alimenta o atual processo de especulação e consequentemente termina e determina a expulsão violenta da população”.

A pesquisa verificou que o fundo de pensão dos EUA, TIAA, possui quase 300 mil hectares de terra no Brasil, por volta de um terço dessas terras estão nos estados da região do Matopiba. A maior parte dessas terras é administrada por dois fundos dedicados às terras agrícolas, os TIAA-CREF Global Agriculture LLC I e II (TCGA I e II), que somados valem US$ 5 bilhões. A maior parte dos que investem no TCGA I e II são investidores institucionais, fundos de pensão em particular. Dentre eles estão o Ärzteversorgung Westfalen-Lippe (ÄVWL) da Alemanha, que investiu US$ 100 milhões no TCGA I, o ABP da Holanda, que investiu US$ 200 milhões no TCGA II, e o segundo Fundo de Pensão Nacional Sueco (AP2), que investiu um total de US$ 1,2 bilhões no TCGA I e II. O TIAA e esses outros fundos se apresentam como investidores “responsáveis” e são parte de vários esquemas de responsabilidade social corporativa (CSR).

“Esses fundos de pensão operam por meio de complexas redes de investimentos, de forma a contornar as medidas previstas na lei brasileira que limitam a propriedade de terras por empresas estrangeiras”, denuncia Valente.

As violações dos direitos humanos e a destruição ambiental

A missão internacional de investigação de setembro de 2017 documentou os impactos sociais e ambientais causados pela expansão do agronegócio e pela especulação de terras na região do Matopiba em 7 comunidades no sul do Piauí. Os resultados mostraram que a população local sofre com as graves consequências do desmatamento, da perda da biodiversidade e da contaminação generalizada do solo, da água e do gado por agrotóxicos.

Caravana Matopiba – setembro de 2017/ Crédito: Cristiane Machado

“Além disso, o uso de violência contra líderes comunitários está aumentando, assim como as disputas por água, que são agravadas pelas mudanças nos padrões de chuva devido à degradação ambiental. A população local está perdendo suas terras, o que causa a destruição de seus meios de subsistência, rupturas nas comunidades e insegurança alimentar e nutricional. Em muitos casos as pessoas se veem forçadas a migrar para as favelas nas grandes capitais.”, aponta Flávio Valente.

O documento ressalta que o Estado brasileiro – a nível federal, estadual e municipal – violou suas obrigações relativas aos direitos humanos ao promover o avanço do agronegócio na região, ao não proteger a população local das ações dos grileiros locais, das empresas do agronegócio e dos investidores, e ao não estabelecer uma prestação de contas. “Não respeitou e protegeu o direito coletivo à terra da população local e as maneiras específicas com que eles utilizam e administram seus territórios”, comenta Flávio Valente.

Para ter acesso ao documento, clique aqui.

A versão original do relatório, em inglês, foi lançada no dia 4 de julho na Europa.

Caravana

Caravana Matopiba – setembro de 2017/ Crédito: Rosilene Miliotti / FASE

Organizada por FIAN Brasil, FIAN Internacional, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, a Caravana Matopiba verificou in loco, entre os dias 6 e 11 de setembro de 2017, os indícios de grilagem de terras por empresas nacionais e estrangeiras e as consequentes violações de direitos humanos decorrentes dessas grilagens. A Caravana foi composta por 34 organizações brasileiras e internacionais, que percorreram milhares de quilômetros no sul do Piauí e do Maranhão visitando comunidades impactadas pelo avanço recente do agronegócio na região.

 

Ascom FIAN Brasil

Foto destaque: Rosilene Miliotti / FASE

 

Seminário discute impactos de austeridade em direitos humanos

Nesta quinta-feira, 9, às 18h, será realizado no Auditório 100-A da PUC-SP, o Seminário Impacto de Medidas de Austeridade em Direitos Humanos, que discutirá sobre o impactos de medidas de austeridade nos direitos humanos e na vida das pessoas, tendo em vista ações de governos visando cortar gastos de áreas fundamentais para a sociedade, como saúde e educação.

A atividade contará com a participação de Juan Pablo Bohoslavsky, perito independente da ONU sobre dívida externa e direitos humanos. A FIAN Brasil participa do Seminário representada pela secretária geral, Valéria Burity, que também representará o Consea.

Também participam da discussão o vice-presidente do CNDH, Darci Frigo; Carmen Silva, da Frente De Luta Por Moradia (FLM); Grazielle C. David, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc); Pedro Rossi, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Denise Carreira, da Plataforma Dhesca Brasil e da Ação Educativa; Elaini C. G. Silva, da PUC-SP e Camila Lissa Asano, da Conectas Direitos Humanos e também conselheira do CNDH.

Com informações do CNDH

No STF, Caravana Semiárido denuncia a inconstitucionalidade da fome

Desde o dia 27 de julho, Mirtes Silva Pinto, Leonercio da Silva e Jamilton Santos Magalhães deixaram as suas atividades como agricultores e agricultoras familiares e líderes comunitários no Ceará, Pernambuco e Bahia, respectivamente, para se tornarem porta-voz de uma situação iminente no Semiárido: a volta da fome. Depois de percorrer 4,5 mil quilômetros, cortando as regiões Nordeste, Sudeste e Sul, eles e mais 99 pessoas que fazem a Caravana Semiárido contra a Fome chegam na capital federal para denunciar ao Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da negação do direito à alimentação e cobrar uma posição do poder judicial que faça valer os direitos constitucionais.

A Caravana, organizada pela Articulação Semiárido (ASA), Via Campesina, Contag e Frente Brasil Popular protocolou nesta Corte, no dia 6 de agosto, um documento de 16 páginas que reúne dados e análises sobre os impactos das medidas de “austeridade e antidemocráticas” adotadas pelo governo Michel Temer. O documento recebeu a colaboração da FIAN Brasil e do Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos.

Segundo Naidison Baptista, membro da Coordenação Executiva da ASA e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea Nacional), “a Constituicão brasileira garante, através da EC [Emenda Constitucional] 64 no artigo 6º, o direito à alimentação como um dos direitos básicos dos cidadãos. Deste modo, as medidas restritivas tomadas pelo Governo Federal, tais como cortes no Bolsa Família, cortes radicais no PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e no Programa Cisternas, e a EC 95, que restringe os gastos sociais por 20 anos, violam este direito e são insconstitucionais”.

A carta-denúncia apresenta 4 eixos:

1. “Direito Humano à Alimentação Adequada – Lacunas, avanços e retrocessos da Constituição de 1988 aos nossos dias”, que faz um embasamento deste direito em tratados internacionais e evidencia as conquistas de marcos legais e institucionais construídos no Brasil na última década com a participação ativa da sociedade civil organizada;

2. “Violações de Direitos Humanos e retrocessos sociais em razão da política de Austeridade”, que pontua todos os mecanismos de violação dos direitos adotados pelo governo Temer e Congresso Federal, citando em primeiro lugar a EC 95, conhecida como a PEC da Morte;

3. “Alternativas menos restritivas de direitos”, que apresenta outras formas de diminuir a crise interna produzindo justiça social e trata das reformas estruturais tão necessárias ao Brasil como a Reforma Tributária;

4. “A Posição de Órgãos dos Sistemas Internacionais, Regionais e Nacionais de Proteção de Direitos Humanos sobre Crises Econômicas e Adoção de Políticas de Austeridade”, que já começa assim: “A política econômica não pode ser fator de violação de direitos e, da mesma forma, uma crise econômica não autoriza um Estado a violar ou agravar violações de direitos, permissão dessa natureza seria completa inversão dos pactos políticos internacionais, bem como de todos os valores que inspiraram o Poder Constituinte e que estão inscritos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988”.

A parte final do documento, intitulada Pedidos da Caravana ao Supremo Tribunal Federal, reúne três recomendações aos ministros: 1. Que permaneçam atentos aos graves retrocessos em curso no Brasil para que possam fazer valer os direitos previstos na Constituição Federal, especialmente, o direito à liberdade, à alimentação, à água, ao meio ambiente e à vida; 2. Que sejam consideradas procedentes as ações diretas de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional 95 em trâmite no STF; 3. Que se posicionem contra qualquer ato de criminalização dos movimentos sociais na sua luta por direitos.

Denúncia ao STF – A Carta da Caravana Semiárido contra a Fome é o segundo manifesto encaminhado a este Tribunal denunciando a situação de miséria de milhares de famílias brasileiras. Leia na íntegra. No final de julho (31), um manifesto foi protocolado no STF pelas organizações dos grevistas (MST, MPA e CMP) alertando para as inúmeras violações de direitos básicos que brasileiros e brasileiras enfrentam devido a retirada dos pobres do orçamento da União e a destruição das políticas públicas e medidas de proteção social.

 

Fonte: Assessoria de Comunicação ASA

Conselho Nacional dos Direitos Humanos identifica violações de direitos na Penitenciária Feminina do Distrito Federal

Em missão realizada nesta quinta (1° de março), que teve como foco o direito à alimentação de mulheres gestantes, lactantes e com filhos e filhas, foram identificadas violações de direitos que vão desde superlotação e quantidade significativa de presas provisórias, a comida estragada e falta de acesso à alimentação adequada

Inaugurando o mês de março, mês da mulher, e com o objetivo de monitorar o cumprimento da Resolução n° 9/2017, que trata do direito à alimentação adequada de mulheres e adolescentes em privação de liberdade, em especial gestantes, lactantes e com filhos e filhas, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos realizou visita, na tarde desta quinta-feira (1°), à Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia.

Por meio de vistorias e conversas com dirigentes, responsáveis técnicos e com as próprias mulheres privadas de liberdade da penitenciária, a missão identificou violações de direitos que vão desde superlotação e quantidade significativa de presas provisórias, a comida estragada, não refrigerada, e falta de acesso à alimentação adequada.

“As violações não estão apenas no cárcere. Elas começam na decisão do encarceramento, na forma como o sistema de justiça reforça um ciclo de exclusão que atinge não só essas mulheres, mas também seus filhos e filhas”, afirma Fabiana Severo, presidenta do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e representante da Defensoria Pública da União (DPU) no colegiado, que coordenou a missão. “As penas são absolutamente desproporcionais aos delitos”, completa Fabiana.

A missão, composta apenas por mulheres, contou ainda com a participação de representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Ministério da Saúde, Ministério dos Direitos Humanos e Fian Brasil, que integram a Comissão Permanente sobre Direito Humano à Alimentação Adequada do colegiado.

Foram verificadas as condições gerais de distribuição e consumo da alimentação e da água potável; as condições de gestação, parto e pós-parto (direitos sexuais e reprodutivos); a permanência ou não das crianças na unidade, dentre outros procedimentos.

“Das mulheres entrevistadas, quase todas eram negras, que, grávidas ou com filhos, viviam num contexto de extrema vulnerabilidade social. O encarceramento faz parte de um ciclo de violações estruturais na vida dessas mulheres, já que a maioria delas não teve acesso a políticas públicas primárias, como moradia digna, educação, saúde e justiça”, acrescenta a presidenta do CNDH.

Deise Benedito, uma das peritas do MNPCT que participou da missão, ressalta que a ausência de políticas públicas é determinante para o quadro de violações a que essas mulheres são submetidas, e aponta o racismo como componente que acentua a vulnerabilidade de mulheres negras a práticas de tortura e maus tratos. “A cor da pele define o grau de sofrimento que será imposto a essas mulheres na prisão”, declara.

Valéria Burity, representante da Fian Brasil na missão, observa que algumas presas confessaram ter medo de passar fome, diante da distribuição de comida estragada, e que a privação de liberdade também impacta a qualidade da alimentação das famílias. “Muitas mulheres compravam e preparavam a comida das suas famílias antes de estarem na prisão. Elas estando presas, isso não acontece, o que impacta diretamente na garantia do direito à alimentação adequada dessas famílias”, completa.

Fabiana Severo destaca, ainda, a situação dramática da separação das mães lactantes dos seus bebês aos seis meses. “Aos quatro meses já se retira a amamentação exclusiva e se introduz alimentos, para facilitar a separação. Algumas, que não têm apoio familiar, nem sabem para onde vão os bebês, que são entregues a abrigos ou destinados para adoção. E perdem esse vínculo definitivamente”, relata.

Um dos desdobramentos imediatos da missão será a articulação com a Defensoria Pública do Distrito Federal para a tomada de providências em situações emergenciais identificadas durante a missão, no que diz respeito à sua esfera de atuação.

Histórico da missão

A proposta foi apresentada à Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada do CNDH em 2017, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Após visita à Colmeia em 2015, o MNPCT identificou que a alimentação seria um provável vetor de tortura na Penitenciária.

“Percebemos que a alimentação das mulheres lactantes era severamente reduzida. Isso, na opinião das próprias mulheres, tinha o propósito de reduzir a produção do leite para que as crianças fossem afastadas de suas mães”, relata Luz Arinda, perita do Mecanismo, que relatou também diversas outras violações ao direito à alimentação adequada, como falta de acesso à água potável e à alimentação de qualidade em várias porções ao dia.

Também foram identificadas, à época, violações aos direitos sexuais e reprodutivos que impactam no direito à amamentação, como partos desassistidos, partos de mulheres algemadas, e condições violadoras no pós-parto. “Se uma mulher pare em condições de violência, é pouco provável que ela consiga amamentar essa criança”, frisa Luz Arinda, que também participou da missão.

Para a perita, a missão possui grande importância na prevenção à tortura, e diz a essas mulheres e crianças privadas de liberdade que elas têm direitos e são dignas de atenção. “Em pleno mês de março, e nesse contexto de pensar penas alternativas à privação de liberdade de mulheres gestante e com filhos, uma visita desse porte do Conselho Nacional dos Direitos Humanos é fundamental para a garantia de direitos, dignidade e reconhecimento a este grupo que geralmente é invisibilizado”, ressalta.

Habeas corpus e mudança de paradigma

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus coletivo que determina a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para mulheres grávidas e mães de crianças com até 12 anos. A medida vale para mulheres que não tenham cometido crimes violentos contra os próprios filhos ou sejam responsáveis por pessoas com deficiência. Os tribunais terão um prazo de 60 dias para cumprir integralmente a decisão.

De acordo com a presidenta do CNDH, a decisão representa uma quebra de paradigma na forma como a Justiça brasileira vinha aplicando o direito penal em relação aos direitos das mulheres em situação de privação de liberdade, em especial as gestantes e com filhos pequenos.

“Existia muita resistência por parte da Justiça de aplicação da lei que garante o direito de medidas alternativas ao encarceramento. Essa decisão representa um avanço na efetivação dos direitos já consagrados de mulheres em situação de privação de liberdade, e também um avanço em relação à efetivação dos direitos das próprias crianças”, destaca Fabiana.

Para a presidenta do CNDH, o encarceramento de mulheres gestantes, lactantes e com filhos pequenos é por si só uma violação dos direitos humanos, e as medidas alternativas ao encarceramento devem ser aplicadas como medida de prevenção à tortura.

“O direito estabelece o dever de aplicação da Lei no melhor interesse da criança, e a nossa prática até então de punitivismo acabava atingindo não só as mulheres, mas também as crianças, de uma forma ilegal, inconstitucional e absolutamente desproporcional”, finaliza a presidenta, ressaltando que a medida garante o reconhecimento desses direitos beneficiando não apenas as mulheres e as crianças, mas também toda a estrutura familiar ao redor.

Foto: Reprodução de Internet

Sociedade civil brasileira repudia o cancelamento da visita ao Brasil do Especialista Independente da ONU

Mais de 25 entidades assinam nota pública de repúdio ao cancelamento da visita do Especialista Independente da ONU para dívida externa, finanças e direitos humanos ao Brasil. Agendada há quase um ano para o próximo dia 18 de março, a vinda de Juan Pablo Bohoslavsky foi cancelada pelo governo brasileiro, que alegou que o adiamento está relacionado à troca no Ministério dos Direitos Humanos. Bohoslavsky viria ao país para avaliar impactos dos cortes promovidos por Michel Temer nas áreas sociais, como educação e saúde.

“Diante disto, tememos que o cancelamento desta visita possa ser apenas outro exemplo das medidas autoritárias impostas pelo governo, que não consideram os efeitos colaterais nefastos para os direitos humanos, em especial neste cenário de violações”, aponta o documento divulgado nesta sexta-feira (2).

Leia a nota completa:

NOTA PÚBLICA: Sociedade civil brasileira repudia o cancelamento da visita ao Brasil do Especialista Independente da ONU para dívida externa, finanças e direitos humanos pelo governo brasileiro

A sociedade civil brasileira abaixo assinada expressa sua profunda consternação e insatisfação com a decisão do governo brasileiro de cancelar, no último minuto, a visita oficial ao Brasil do Especialista Independente da ONU sobre dívida externa, finanças e direitos humanos, Sr. Juan Pablo Bohoslavsky, agendada há quase um ano e planejada para ocorrer nos próximos dias. O motivo alegado de troca de Ministro dos Direitos Humanos para o cancelamento é pouco verossímil. Uma coalizão de 60 organizações e movimentos sociais têm trabalhado há meses para mobilizar as partes interessadas locais e preparar informações em primeira mão para contribuir com essa missão.

As medidas de austeridade têm afetado severamente o usufruto dos direitos humanos no Brasil. Promulgada no final de 2016, a Emenda Constitucional nº. 95 congelou por 20 anos as despesas com políticas públicas, sendo chamada de “pacote de austeridade mais severo do mundo” pelo Relator Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos. Esta alteração aprofunda a concentração de renda no país e exacerba as restrições ao financiamento dos direitos sociais.  Verificou-se, entre 2015 e 2017:

  1. a)  O corte de 70% do financiamento de programas de aquisição de alimentos e de segurança alimentar e nutricional, que foram essenciais para saída do Brasil do Mapa da Fome, resultou em redução de 83% de agricultores familiares beneficiários, em especial aqueles em regiões mais pobres do norte do país. Além de deixar milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar.
  1. b) O corte de 55% do financiamento de  políticas para as mulheres, resultando em redução de 15% da rede de serviços especializados para vítimas de violência de gênero.
  1. c) Encolhimento da dotação orçamentária federal de 17% para a saúde e 19% para a educação.
  1. d) A taxa de desemprego permanece elevada, em 12,2% em janeiro de 2018, atingindo 12,7 milhões de pessoas; sendo que em 2014, antes da adoção de medidas de austeridade, estava em seu nível mais baixo, 6,4%.

Neste contexto, é primordial o material que o Sr. Juan Pablo Bohoslavsky está desenvolvendo sobre “princípios orientadores para avaliar os impactos nos direitos humanos das políticas de reforma econômica”. As visitas aos países que implementam essas políticas são uma ferramenta-chave disponível ao Especialista para avaliar esses impactos sobre a vida dos povos. Essa era a razão fundamental para a visita ao Brasil nesse momento: conhecer o cenário brasileiro, emitir recomendações e fortalecer a elaboração dos princípios.

Em resposta aos problemas sociais causados pela política de austeridade, o governo brasileiro tem orientado sua política para o aumento do Estado penal, aumento do encarceramento em massa, criminalização das populações pobres e negras e dos movimentos sociais, o que se agrava neste momento com a intervenção federal militar no Estado do Rio de Janeiro.

As ações do governo também estão alinhadas a interesses privatistas e eleitorais, que nesta conjuntura, pela inexistência de diálogo, comprometem a democracia. Diante disto, tememos que o cancelamento desta visita possa ser apenas outro exemplo das medidas autoritárias impostas pelo governo, que não consideram os efeitos colaterais nefastos para os direitos humanos, em especial neste cenário de violações.

Demandamos ao governo brasileiro, em respeito aos mecanismos de proteção internacional, que reconsidere sua decisão de adiar a visita e garanta a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível.

Finalmente, chamamos a atenção para uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade tramitando atualmente perante o Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da EC 95[1].

Estamos confiantes de que serão julgados considerando o que dita o Direito Internacional dos Direitos Humanos, incluindo os princípios de proibição do retrocesso social e de não discriminação.

Assinam:

Plataforma Dhesca
Coalizão anti austeridade e pela revogação da EC95
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Conectas Direitos Humanos
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Terra de Direitos
Justiça Global
Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL Brasil
Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES
Brigadas Populares
Comissão Pastoral da Terra
Rede de Cooperação Amazônica – RC
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Plataforma Política Social
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES
Dom da Terra Afro LGBTI
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR
FIAN Brasil
Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Cfemea

[1] As ADIs são: nº. 5715 (proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT), nº. 5734 (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE), nº. 5633 (proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe), nº. 5643 (proposta pela Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal – Fenasepe); nº. 5658 (proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT), nº. 5680 (proposta pelo Partido Socialismo e Solidariedade – PSOL)

Nota Pública: No Cerrado piauiense, comunidades sofrem violências e perdem seus territórios

As entidades que compõem a Articulação dos Povos Impactados pelo Matopiba e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, apoiadas por movimentos e organizações nacionais e internacionais, vêm novamente a público denunciar o alarmante aumento da violência e de violações de direitos às comunidades do Cerrado no Piauí, presentes na região de implementação do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA MATOPIBA).

Desde o ano passado, as comunidades tradicionais dos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués e Bom Jesus vivem sob fortes ameaças e diversos tipos de violência. Grupos armados têm ameaçado lideranças e moradores/as de comunidades em luta contra megaempreendimentos do agronegócio na região.

Em setembro de 2017, por exemplo, entidades que subscrevem esta Nota já haviam denunciado as ameaças de morte sofridas pelo senhor Adaildo Alves da Silva, que vive sob a tensão de perder sua terra, ocupada há anos, no município de Gilbués. Em dezembro, funcionários de empresas agrícolas da região visitaram as comunidades, e questionaram sobre a Caravana Internacional do Matopiba, realizada no mês de setembro na região. Já na semana passada, Adaildo e membros da Comunidade Salto foram abordados por dois homens armados que, de acordo com os próprios trabalhadores, estavam a serviço do suposto proprietário da fazenda, Bauer Souto Santos.

Pressionada pelo Ministério Público Estadual e Federal, a Polícia Civil foi até a Comunidade Salto para averiguar as ameaças, porém não efetuou nenhuma prisão e se negou a procurar pelos pistoleiros. A investigação não saiu do lugar. No próprio ato de registrar um Boletim de Ocorrência fica evidente o total descaso da polícia em relação a violência enfrentada pelas comunidades, pois os membros das comunidades muitas vezes se deparam com dificuldades para registrar as denúncias.

A expansão do agronegócio no Cerrado do Piauí é caracterizada por investimentos financeiros de Fundos de Pensão estrangeiros, como o TIAA-Cref (dos Estados Unidos), o que tem propiciado grande especulação imobiliária por terras griladas por empresários e fazendeiros. Mas são nesses pedaços de chão, como na Comunidade Salto, que homens e mulheres vivem há anos, e utilizam dos “baixões” e das Chapadas para plantar e criar seus animais. Espaços de vida que foram sendo tomados à força pelos “projeteiros”, como são denominados os grileiros pelas comunidades.

Para verificar e denunciar as violações de direitos e violências sofridas pelas comunidades rurais da região sul do Piauí, em setembro de 2017 a Caravana Internacional do Matopiba (composta por membros de entidades e movimentos sociais brasileiros e internacionais, pesquisadores e jornalistas) percorreu estas áreas ao longo de onze dias. Como desdobramento dessa ação, representantes de organizações brasileiras, como Comissão Pastoral da Terra (CPT), FIAN, e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, visitaram países da Europa e os Estados Unidos para publicizar estas situações encontradas pela Caravana no Piauí. Denúncias foram apresentadas, por exemplo, a representantes de governos europeus e ao Parlamento Europeu. Nos EUA, ocorreu um seminário sobre a problemática na Universidade de Nova York. E o Relatório sobre a Caravana Internacional do Matopiba será lançado ainda neste semestre.

Além da investida estrangeira no Piauí, a Regularização Fundiária Estadual, proposta na Lei 6709/2017, agrava mais essa situação conflituosa, pois desconsidera o território onde as comunidades vivem, e privilegia o título individual e a regularização em primeiro momento das terras invadias pelos fazendeiros e empresas. Lembramos que esse processo de regularização é financiado pelo Banco Mundial.

Os povos e comunidades piauienses, bem como as organizações e movimentos sociais que os acompanham, têm realizado inúmeras denúncias nacionais e internacionais, todavia, percebe-se que a ausência do Estado brasileiro na prevenção e resolução dos conflitos agrários contribui para o aumento da violência e para a legitimação das ações criminosas de fazendeiros e empresas.

Diante deste cenário, manifestamos nossa solidariedade e apoio às comunidades ameaçadas e em luta na defesa de seus territórios. Exigimos ações imediatas das autoridades públicas para impedir mais mortes anunciadas de camponeses e camponesas. Exigimos ainda que a Vara Agrária do Piauí, o Instituto de Terras do Piauí (Interpi) e o Núcleo de Regularização Fundiária da Corregedoria Geral da Justiça do Piauí revisem a Lei 6.709/2017 e que esse processo revisional conte com ampla participação das comunidades impactadas, como está garantido na Convenção 169 da OIT, e a garantia primeira da destinação das terras às comunidades, que há anos vivem e convivem com estes territórios.

Brasília, 22 de fevereiro de 2018.

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Public Note: In the Cerrado of Piaui, Brazil, communities suffer violations and lose their land

The entities that make up the Articulation of the Populations Impacted by Matopiba and the National Campaign in Defense of the Cerrado, supported by national and international movements and organizations, are once again publicly denouncing the alarming increase in violence and violations of rights of the communities in the Cerrado in Piauí, part of the region where the federal government is implementing its Matopiba Agricultural Development Plan (MATOPIBA PDA).

Since last year, traditional communities in the municipalities of Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués and Bom Jesus have been living under strong threats and various types of violence. Armed groups have threatened leadership and community dwellers struggling against large agribusiness ventures in the region.

In September 2017, for example, entities that subscribe to this note had already denounced the death threats suffered by Mr. Adaildo Alves da Silva, who is being pressured to leave the land he has occupied for years, in the municipality of Gilbués. In December, officials from the region’s agricultural companies visited the communities and questioned them about the Matopiba International Caravan held in September in the region. Last week, Adaildo and members of the Morro D’água community were approached by two armed men who, according to the workers themselves, were in the service of the alleged owner of the farm, Bauer Souto Santos.

Pressed by the State and Federal Public Prosecutor’s Office, the Civil Police went to the Salto Community to investigate the threats, but did not make any arrests and refused to look for the gunmen. The investigation did not advance in any way. In the very act of recording an Occurrence Bulletin, the police’s total lack of awareness of the violence faced by the communities was evident, making it difficult for community members to record their complaints.

The expansion of agribusiness in the Cerrado do Piauí is funded by financial investments of foreign pension funds, such as TIAA, from the United States, which has speculated in real estate acquired illegally by entrepreneurs and farmers. But it is on these pieces of ground, like the Salto Community, that men and women have lived for years, and they use the lowlands and the bluffs to plant and raise their animals – spaces of life that have been taken by force by the “projectors”, as the land grabbers are called by the communities.

In order to verify and denounce violations of human rights and violence suffered by rural communities in the southern region of Piauí, the Matopiba International Caravan (composed of members of Brazilian and international organizations and movements, researchers and journalists) visited affected communities over eleven days in September 2017. After the caravan representatives of Brazilian organizations, such as the Pastoral Land Commission (CPT), FIAN, and the Social Network of Justice and Human Rights, visited countries in Europe and the United States to publicize the situations encountered by the Caravan in Piauí. Complaints have been made, for example, to representatives of European governments and the European Parliament. In the USA, a seminar on the problem at New York University took place. And the Matopiba International Caravan Report will be released later this semester.

In addition to increasing foreign investment in Piauí, the Land State Regularization, proposed in Law 6709/2017, further aggravates this conflictive situation, since it disregards the territory where the communities live, and privileges individual titles and the regularization of land soon after being invaded by farmers and companies. We remind you that this regularization process is financed by the World Bank.

The peoples and communities of Piaui, as well as the organizations and social movements that accompany them, have made innumerable national and international denunciations, however, it is noticed that the absence of the Brazilian State in the prevention and resolution of agrarian conflicts contributes to the increase of violence and to legitimize the criminal actions of farmers and companies.

Given this scenario, we express our solidarity and support to threatened communities struggling to defend their territories. We demand immediate actions by public authorities to prevent further announced deaths of peasants. We also demand that the Agrarian Branch of Piauí, the Institute of Land of Piauí (Interpi) and the Nucleus of Land Regularization of the General Corregedoria of Justice of Piauí review Law 6,709 / 2017. This review process should have wide participation of impacted communities, as guaranteed by the ILO Convention 169, as well as guarantee that land be allocated to the communities that have lived in these territories for many years.

Brasília, February 22, 2018.

Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR/BA)

ActionAid Brasil

Associação Agroecológica Tijupá

Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA/TO)

Cáritas Brasileira

Cáritas Regional Piauí

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)

Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC)

Coletivo Acadêmico de Educação do Campo/PI

Escola de Formação Paulo de Tarso

Federação da Agricultura Familiar do Piauí (FAF-PI)

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí (FETAG-PI)

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)

FIAN Internacional

FIAN Brasil

Grassroots International

Grupo de Estudos sobre Geografia, Território e Sociedades, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFMA)

Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP) do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ)

Grupo de Pesquisa ReExisTerra – Resistências e Reexistencias na Terra (NAEA/UFPA)

Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)

Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)

Maryknoll Office for Global Concerns

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC)

Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo (GWATÁ/UEG)

Obras Kolping/PI

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Redessan)

Serviço Pastoral do Migrante (SPM)

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* Crédito imagem: Caravana Internacional do Matopiba – Piauí Set.2017

Há um ano conselheiras e conselheiros aguardam a posse no CNPCT

Sem a instalação do Conselho Nacional, Povos e Comunidades Tradicionais  perdem ainda mais direitos

Se no último ano os retrocessos e as perdas de direitos têm acentuado desigualdades no país, os impactos destas medidas para povos e comunidades tradicionais têm sido ainda mais danosos. A violência e criminalização das lutas, aliada à falta de políticas de regularização fundiária e de territórios tradicionais têm fragilizado estes povos que precisam ter garantido o direito à terra e território, como condição necessária para sua sobrevivência, assim como a manutenção da sua identidade e valores culturais.

Em relação a estes povos, no que diz respeito à participação, um dos principais problemas enfrentados é a não efetivação do  Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). Instituído pelo Decreto 8.750 de maio de 2016 – uma das últimas ações do governo da Presidenta Dilma Rousseff – o Conselho é um órgão de caráter consultivo e seus conselheiros e conselheiras são eleitos por meio de edital público. O processo eleitoral aconteceu ainda no ano de 2016, porém o resultado deste só foi divulgado em fevereiro de 2017. Apesar da nomeação em 14 julho de 2017, conselheiras e conselheiros eleitos aguardam há quase um ano a instalação para que possam dar continuidade aos trabalhos inicialmente realizados pela Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (transformada, posteriormente em Conselho).

Entre as principais atribuições do CNPCT estão coordenar e acompanhar a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040/07.  A Política foi elaborada tendo como principal objetivo a promoção do desenvolvimento sustentável desses grupos com ênfase no reconhecimento, no fortalecimento e na garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, respeitando e valorizando suas identidades, formas de organização e instituições.

“O CNPCT é uma conquista dos povos e comunidades tradicionais, uma luta de muitos anos, é um espaço de Estado e não um espaço de governo, mas que precisa muito de vontade política para que ele de fato se efetive e continuamos nessa luta pela sua efetivação. Temos atuado, mas sem reuniões ordinárias para deliberar algumas coisas no coletivo e isso é muito ruim politicamente, porque resulta em muitas perdas coletivas”, ressalta a conselheira Cláudia de Pinho, da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.

Sem posse

A relação com as organizações da sociedade civil eleitas para compor o Conselho foi divulgada pelo Ministério de Desenvolvimento Social em fevereiro de 2017. O resultado da eleição foi divulgado no Diário Oficial da União no dia 3 de fevereiro de 2017.

São 33 organizações e movimentos sociais que aguardam a posse no CNPCT, além de 15 membros do Governo Federal. Importante instrumento para promover o desenvolvimento sustentável, reconhecer e garantir direitos de povos e comunidades tradicionais, em maio de 2017, o governo federal, por meio do Decreto 782 transferiu a estrutura do CNPCT, que até então integrava o Ministério de Desenvolvimento Social, para o Ministério dos Direitos Humanos.

“Passamos por todo o processo de composição do CNPCT, mas não saiu a posse e no meio do processo a Secretaria Executiva que estava conduzindo esse processo no MDS passa para o Ministério de Direitos Humanos, mas até agora nada de previsão, inclusive fizemos uma carta para a Ministra solicitando a posse dos Conselheiros, o funcionamento da Secretaria Executiva, entre outras. Apesar da SDH ter nos recebido, até agora não temos nada de efetivação. Precisamos dar continuidade às atividades e obrigações do Conselho”, conta Claudia de Pinho.

Na carta, enviada à ministra Luislinda Dias de Valois em outubro de 2017, além de explicitar o processo de mobilização e articulação construído para a instituição do Conselho, as organizações e movimentos sociais de povos e comunidades tradicionais pedem agilidade na efetivação do órgão como: posse dos Conselheiros; transferência do orçamento referente ao Conselho que se encontra disponível no MDS para o MDH; transferência da estrutura da Secretaria do CNPCT que se encontra no MDS para o MDH; criação de uma coordenação para a Política dos Povos e Comunidades Tradicionais na estrutura da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

“Diante do exposto manifestamos que não aceitamos a desculpa da crise política que o país atravessa para se fazerem acordos e que a toque de caixa retirem nossos direitos e nossas conquistas nas lutas históricas em busca da visibilidade política e efetivação de políticas públicas que refletem o nosso modo de ser e existir neste país. Repudiamos qualquer retrocesso que viole os direitos de Povos e Comunidades Tradicionais e contamos com a vosso apoio”, destaca trecho da carta.

Direito ao território e à alimentação

Em atividade de formação sobre a Declaração dos Direitos Campesinos, realizada com a FIAN Brasil, nos dias 15 e 16 de janeiro, representantes do Grupo de Trabalho sobre Direitos Campesinos do CNPCT, apontaram a ausênica de posse de conselheiras e conselheiros como um dos principais problemas de povos e comunidades tradicionais do país.

Além da falta de efetivação do CNPCT, o grupo apontou ainda como problemas enfrentados pelos povos e comunidades tradicionais o fim do PAA e PNAE; a sobreposição dos territórios tradicionais com Unidades de Conservação; o não reconhecimento dos territórios tradicionais; a privatização dos recursos naturais; o desrespeito aos marcos legais e tratados nacionais e internacionais; a perda de políticas públicas e desmonte do Estado; o aumento da violência contra as mulheres e jovens PCT; o uso de agrotóxicos; os impactos causados por grandes empreendimentos, entre outros.

“Todas as políticas que vêm das perdas de direitos tem um impacto muito grande porque nossos territórios não estão regularizados. A maioria das demandas está relacionada à questão da regularização fundiária dos territórios tradicionais e isso impacta diretamente na segurança alimentar, porque para muitos povos além da auto afirmação da sua identidade e território, existe uma auto afirmação ligada à sua alimentação e muitas vezes essa alimentação está disponível na sua forma de estar no território e, sem o território, isso fica fragilizado, vulnerável”, aponta Claudia de Pinho.

De acordo com dados do último IBGE é possível perceber que a insegurança alimentar é mais presente em comunidades rurais, onde predominantemente se encontram os PCT’s. Enquanto na cidade o grau de segurança alimentar é de 79,5%, em comunidades rurais o dado cai para 64,5% (IBGE/2013). “Acrescentando a estes dados o quesito racial, em comunidades negras rurais (quilombolas, por exemplo) o grau de segurança alimentar cai para 58%. Essas informações indicam a necessidade urgente de políticas públicas que reconheçam a especial vulnerabilidade dos PCT’s no Brasil. A instalação imediata do CNPCT não é apenas uma obrigação legal do Estado brasileiro, mas uma medida que visa garantir os direitos humanos”, destaca a assessora de Direitos Humanos da FIAN Brasil, Luana Natielle Basílio.

 

(Foto destaque: Leo Lima)

Relatório identifica violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil

Um relatório que identifica as principais violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil e apresenta recomendações com propostas de ações para prevenção, defesa e reparação desses direitos violados. Esta é a essência do “Relatório final – Violações de direitos humanos das comunidades quilombolas no Brasil”, aprovado pelo CNDH no dia 6 de dezembro.

O relatório, produzido pelo Grupo de Trabalho Direitos dos Povos e Comunidades Quilombolas do CNDH, resulta de visitas in loco a três territórios quilombolas do país, com o objetivo de verificar os fatores de violações de direitos humanos nas áreas e realizar reuniões com autoridades responsáveis pela titulação e pela garantia de políticas públicas no território: Brejo dos Crioulos (MG); Alcântara (MA) e Santarém (PA).

“Os casos relativos a esses territórios foram considerados emblemáticos porque representam uma diversidade de situações de violação de direitos comuns às comunidades quilombolas do país. Assim, as missões proporcionaram a elaboração de um quadro geral sobre a problemática e o embasamento para recomendações em nível nacional”, explica o documento. A FIAN Brasil integrou a comissão que visitou as comunidades e elaborou o relatório.

Acesse aqui o relatório na íntegra.

Fonte: CNDH

Audiência debate impactos negativos do Teto de Gastos aos direitos humanos no Brasil

O Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, corre o risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência, em sua maioria negras e jovens, desprotegidas. Esses são alguns dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completa nesta semana um ano de vigência.

Os dados fazem parte de estudo produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), que será lançado nesta quinta-feira (14/12) durante audiência pública a ser realizada na Câmara dos Deputados, às 9h30, para discutir os impactos negativos do Teto dos Gastos sobre os direitos humanos da população brasileira.

O estudo mostra que a austeridade no Brasil, além de seletiva, desrespeita a Constituição ao mesmo tempo em que coloca em risco décadas de progresso socioeconômico. Também constam no documento propostas de alternativas ao novo regime fiscal.

A audiência pública é desdobramento da relatoria especial sobre as consequências da política de austeridade e congelamento do investimento público lançada em outubro pela Plataforma Dhesca Brasil – rede formada por 40 organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos. A relatoria investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.

Entre as principais recomendações apontadas no relatório, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas e a realização de uma consulta junto à população sobre as emendas constitucionais 95 (teto de gastos) e 93 (desvinculação das receitas da União).

Segundo Denise Carreira, coordenadora da relatoria especial da Plataforma Dhesca, a ideia é promover formas de engajamento da população em relação ao tema em diferentes espaços, por meio de uma consulta popular e a realização de rodas de conversa, entre outras ações.

Organizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara em parceria com Oxfam Brasil, Inesc, Conectas Direitos Humanos e Plataforma Dhesca, a audiência pública terá a participação de economistas, parlamentares, representantes de movimentos sociais, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e Anistia Internacional Brasil.

Serviço

Data: 14/12/2017

Horário: 9h30

Local: Plenário 14- Câmara dos Deputados

 

Fonte: Plataforma Dhesca

CDNH aprova Resolução sobre DHANA para mulheres e adolescentes em privação de liberdade

O CNDH aprovou, em sua 33ª Reunião Ordinária, realizada no dia 6 de dezembro, a Resolução n° 9/2017, que trata do Direito Humano à Alimentação Adequada de mulheres e adolescentes em privação de liberdade, em especial gestantes, lactantes e com filhos e filhas. A Resolução é um dos encaminhamentos da Comissão Permanente de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas do CNDH, da qual a FIAN Brasil faz parte.

Para o colegiado, qualquer imposição de fome e sede às mulheres e adolescentes em Privação de Liberdade, sobretudo a título de punição ou como forma de condicionar comportamentos, é considerada tortura, por isso, o colegiado defende a aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade como medida de prevenção à tortura.

Na impossibilidade de aplicação de medidas alternativas, o documento do colegiado recomenda que o Estado garanta, dentre outros itens, o direito à amamentação de livre demanda, sem restrição de tempo e em local apropriado; a criação de condições e ambientes que permitam às mulheres e adolescentes alimentar e/ou amamentar seus filhos e filhas; a oferta de alimentos adequados e saudáveis para as crianças menores de 2 anos, respeitando as quantidades, a qualidade e a consistência conforme diretrizes e princípios estabelecidos no Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, do Ministério da Saúde; e atenção especial ao direito das mulheres e adolescentes vivendo com HIV ou AIDS de alimentar seus filhos e filhas, garantindo o vínculo e respeito à alimentação adequada.

CNDH também recomenda que mulheres e adolescentes em privação de liberdade sejam consultadas sobre o interesse em amamentar e/ou alimentar seu filho e filha, respeitando a opção da mãe e, havendo o seu interesse, garantir orientação e apoio para o Aleitamento Materno e alimentação adequada. Também é reforçada a recomendação de não utilização de algema durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto, durante o trabalho de parto e pós-parto; além de tratamento médico e psicológico em caso de abortos, espontâneos ou não.

Confira aqui a Resolução na íntegra.

Fonte: CNDH

 

 

Prato do Dia #5: O desmaio de fome e a despolitização da austeridade

“Quando a gente percebeu que era fome, eu saí de perto para chorar. O rapaz do Samu me olhou com uma cara de ‘que realidade é essa?’. E eu disse que é sempre assim. Eu tenho dois alunos que todos os dias reclamam de fome”. (Ana Carolina Costa, professora do 2º Ano Fundamental da Escola Classe 8, Cruzeiro/DF)


Uma criança desmaiou de fome dentro de uma escola do Distrito Federal (DF). Além de escandaloso, o caso ocorrido no dia 13 de novembro é também emblemático para caracterizar o Brasil em que vivemos atualmente.

A criança, um estudante de 8 anos de idade, desmaiou de fome na Escola Classe 8, localizada a meros 11 km da Esplanada dos Ministérios, centro do poder político nacional. O governo do DF, responsável pela instituição de ensino, chegou a afirmar em forçosa nota que a criança não teria desmaiado, mas que estava meramente “molinha”. Despolitizando completamente a situação, o governador Rollemberg declarou em seguida que não se tratava de uma questão de competência da escola, mas sim da família da criança.

Analisando o caso, três fatores sobressaem:

  1. a situação de pobreza em que se encontra a família da criança;
  2. a falta de escolas na região em que essa família vive, somado ao grande deslocamento até outra instituição de ensino;
  3. a falta de alimentação adequada na escola em questão.

Não é preciso muito para confirmar que os fatores acima são puramente políticos. Ex-catadora de materiais recicláveis, a mãe da criança está desempregada e cria sozinha seis crianças; recebe o valor mensal de R$ 946 de programas de assistência social, mas reclama que os custos de vida são muito altos – para efeitos de comparação, uma cesta básica de alimentos no DF custa atualmente cerca de R$ 400. A família foi beneficiada com um apartamento do Minha Casa, Minha Vida no ano passado, contudo na localidade onde o empreendimento foi construído (Paranoá Parque) não há escolas, hospitais ou outros equipamentos públicos, muito menos empregos.

Os fatos são confirmados pelas declarações do governo distrital, que promete construir uma escola na região nos próximos anos. Enquanto isso, 250 estudantes da região são transportados 30 km todos os dias para a Escola Classe 8 do Cruzeiro, localizada do outro lado do DF. Tal escola, por sua vez, oferece como lanche somente biscoito e suco no meio da tarde, situação escandalosa na unidade da federação com maior renda per capita do país. Ainda, não há almoço para aquelas crianças que precisam sair de casa por volta de 11h da manhã para chegar a tempo da aula, no início da tarde.

A análise do caso comprova o que a FIAN vem defendendo há tempo: deve-se pensar a alimentação e a nutrição de uma maneira que seja holística e centrada na realização deste e de outros direitos humanos; políticas públicas, portanto, devem ser construídas com base nessa visão. É responsabilidade do Estado brasileiro, em última análise, garantir a existência e funcionamento adequado de creches, escolas e outros equipamentos públicos. Assim como é responsabilidade estatal garantir o direito à educação, onde se inclui o fornecimento de merendas adequadas e saudáveis, especialmente quando se trata de crianças em situação de vulnerabilidade social.

Para tudo isso, e muito mais, o Estado precisa de recursos financeiros. Contudo, o contexto de políticas de austeridade em que fomos (forçosa e golpeadamente) colocados nos empurra no sentido contrário: a Emenda Constitucional 95 congelou os gastos com políticas sociais, como aquelas que fariam a diferença neste caso, pelos próximos 20 anos. Análise da FIAN Brasil com outras organizações, baseada em estudo do IPEA, indica que em poucos anos o orçamento de alguns ministérios não conseguirá cobrir sequer as políticas públicas mais básicas consagradas na Constituição Federal, como o Benefício de Prestação Continuada.

Nesse cenário, é sintomático que governantes tentem despolitizar assuntos como a alimentação, a exemplo do que fez o governador do DF: para eles e para boa parte do grande capital que os financia, é interessante que a opinião pública não ligue os pontos entre austeridade, diminuição dos recursos para políticas sociais e aumento da pobreza, miséria e fome, entre outros. Tal prática corre junto com os discursos sobre um menor papel do Estado e uma maior responsabilização do indivíduo – questões que vão pautar o cenário eleitoral em 2018.

O resultado de tudo isso são desmaio(s) de fome, aumento do desemprego, da pobreza e da violência, como já indicado por vários estudos. Resta à população, em conjunto com a sociedade civil progressista, repolitizar estas e tantas outras questões.

Por Lucas Prates, assessor de direitos humanos da FIAN Brasil

Encontro Nacional de Direitos Humanos reivindica unidade de ação

Construir uma agenda democrática para os direitos humanos no Brasil em meio ao cenário de agudizada supressão de garantias e liberdades é o objetivo central do Encontro Nacional de Direitos Humanos (ENDH), que teve início nesta quarta-feira (8), na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDHLP) do Senado e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o ENDH reúne até esta quinta (9) representantes de organizações sociais e do poder público de todo o país para refletir e debater temas ligados aos direitos humanos, tendo como marcos de referência os três planos nacionais da área, as onze conferências nacionais já realizadas e as novas pautas de direitos.

Durante a mesa de abertura do Encontro, foram reforçados a necessidade de identificação de pontos comuns a todos os grupos, com vistas a evitar a ampliação dos retrocessos em curso no país, e o empreendimento de ações fortalecidas por meio da unidade.

Para o deputado federal Paulão (PT/AL), presidente CDHM da Câmara, é fundamental construir uma agenda de lutas que possa servir de referência tanto para os movimentos sociais quanto para o serviço público. Segundo ele, conquistas históricas vêm sendo banidas por decretos e outras medidas antidemocráticas, como a autorização do STF para o aviltamento dos direitos humanos fundamentais no Enem.

“Nesse momento sombrio de destruição, temos o dever de nos mobilizar para, pelo menos, resgatar o que foi perdido. Somente nossa unidade na ação, por meio de uma plataforma comum, poderá nos fazer avançar. Que todos nós possamos dar pelo menos parte de nossos esforços em torno de uma agenda mínima comum para uma resistência mais vigorosa ao espectro do Estado de exceção que caminha entre nós”.

A senadora Regina Sousa (PT/PI), presidente da CDHLP do Senado, também mencionou retrocessos vigentes, como a portaria que torna mais restritas as definições de trabalho escravo e a reforma trabalhista, e afirmou a necessidade de tronar concretas as propostas oriundas do encontro. “A gente precisa ir além da audiência, ter uma força tarefa para fazer coisas mais concretas e enfrentar essas pessoas que estão construindo esse país pra eles”, defendeu.

CNDH e revogação da EC 95

As ações de resistência do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em relação aos retrocessos em curso – como as reformas trabalhista e da previdência e a ampliação da violência em territórios rurais e urbanos – foram elencadas pelo presidente da instância, Darci Frigo. Ele também destacou a instauração, inédita,,por parte do colegiado, de uma Comissão de Apuração de Condutas e Situações Contrárias aos Direitos Humanos do Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, por sua atuação contrária ao processo de erradicação do trabalho escravo no país.

Como proposta de ação concreta e unitária para o próximo período, Frigo propôs a realização de uma consulta popular sobre a revogação da Emenda Constitucional 95,  que congela por 20 anos investimentos públicos com educação, saúde e assistência social no Brasil. “Haverá luz depois desse processo de escuridão. Precisamos trabalhar para unificar nossa agenda política e articular forças para que resistamos. Não há possibilidade de avançarmos se não garantirmos um ambiente democrático verdadeiro e substantivo”, asseverou.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão e integrante do CNDH, Deborah Duprat, lembrou do processo constituinte e do momento de inauguração de um regime de direitos em comparação com a quadratura atual. “Esse momento nos mostra que nenhuma vitória pode ser considerada definitiva. O que vivemos agora é um momento em que os privilégios tentam se sobrepor aos direitos. Não é fortuito que tenhamos incidência maior das forças atacando pessoas pobres e negras nas periferias, que a violência no campo tenha atingido níveis jamais vistos. Não temos um direito violado, mas todos os conquistados em 1988”.

O atual secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais, ex-ministro dos Direitos Humanos e primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Nilmário Miranda, sinalizou apoio à ideia de construção de um referendo revogatório e resgatou a história de fundação da Comissão, em 1995 – ressaltando que, à época, o compromisso com os direitos humanos eram uma pauta considerada por todo o espectro político partidário. “Hoje, não podemos contar com quem vinha aqui antes. Esse Congresso é, em sua maioria, inimigo dos direitos humanos e da democracia. Enquanto tivermos congresso como esse, só poderemos resistir.Temos condições de reconstruir uma grande frente, mas vai passar opor 2018”, finalizou.

A mesa de abertura do ENDH também foi composta por Zélia Amador de Deus, professora da Universidade Federal do Pará, ativista do movimento negro e cofundadora da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos; Luciano Mariz Maia, vice-Procurador Geral da República; Everaldo Patriota, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Anginaldo Vieira, Defensor Nacional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, além de deputados e senadores.

Relatoria Especial da Plataforma Dhesca

Durante a abertura do Encontro, a representante da Plataforma Dhesca Juliane Cintra apresentou, por meio de um vídeo de animação, a relatoria especial realizada pela rede que investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.

Entre as principais recomendações apontadas no relatório e apresentadas por Cintra, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas, a realização de um referendo nacional sobre as emendas constitucionais 95 e 93 (desvinculação das receitas da União), a criação de um Comitê Nacional de Emergência para atuar junto às pessoas vulneráveis e a implementação de uma Reforma Tributária progressiva que contribua para a redução das desigualdades. “O Estado de exceção violou muitos direitos, e é momento de pensar em como nos engajamos em frentes amplas para apontar para outros horizontes possíveis de atuação”, completou.

Fotos: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Votação da ADI quilombola prossegue com voto de constitucionalidade parcial de Toffoli

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomaram, na tarde desta quinta-feira (9/11), a ação que questiona o decreto presidencial sobre regulamentação fundiária das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 foi ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras de quilombolas.

Já haviam votado o relator, ministro Cezar Peluso (atualmente aposentado), que em 2012 julgou procedente a ação, e a ministra Rosa Weber, que votou pela improcedência da ADI. O ministro Dias Toffoli, que estava com o voto-vista, proferiu seu voto hoje, após ausência em duas votações anteriores – que as inviabilizaram.

Toffoli, em seu voto, rememorou o processo constitucional de construção do Decreto 4.887, apresentando divergências em relação aos questionamentos contidos na ADI – especialmente no que se refere à autonomia legislativa e autodeclaração. “A autodefinição é elemento importante para reconhecimento de grupo étnico”, afirmou.

Por fim, o ministro julgou pela constitucionalidade parcial do Decreto, por considerar que somente devem ser titularizadas áreas que estavam ocupadas por remanescentes de quilombos em outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) salvo no caso de esbulho ou ato ilícito que suspenda a posse. Na visão das entidades, a tese do Marco Temporal é uma ameaça às comunidades quilombolas.

“O efeito prático do voto do ministro Dias Toffoli é a inviabilização da titulação das terras quilombolas. Pelo entendimento do ministro, só seria passível de titular a terra efetivamente ocupada em 1988, situação que inviabiliza por completo a sobrevivência digna das comunidades quilombolas, por sua própria cultura. Apesar de refutar o conceito colonial de quilombo, o ministro limita o direito à terra dos quilombolas como sempre fizeram os escravocratas. Os negros e negras não teriam direito à liberdade que só o acesso à terra viabiliza. Continua a abolição formal e inconclusa da escravidão”, afirma Fernando Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos.

A sessão foi encerrada após o pedido de vistas do ministro Edson Fachin, que ressaltou a relevância do tema.

Fonte: Terra de Direitos

Prato do Dia #4: Programa “Alimento para todos” – uma ideologia farinácea

Quando vemos cenas de crianças subnutridas na África, apelando para que se faça alguma coisa para ajudá-las, a mensagem ideológica subjacente é algo como: “Não pense, não politize, esqueça as verdadeiras causas da pobreza, apenas aja, dê dinheiro, assim você não terá de pensar…” Slavoj Zizek, Vivendo no fim dos tempos

O prefeito de São Paulo, João Doria, lançou, no dia 8 de outubro, o programa “Alimento para Todos”. Segundo informações da Prefeitura, o programa foi criado para combater o desperdício de alimentos por meio do aproveitamento de produtos próximos à data de vencimento e que não seriam comercializados. Esses alimentos seriam processados por meio de um processo de liofilização, transformados em um “granulado” e  distribuídos para “a população carente da capital paulista”. A imprensa nacional também ressaltou que empresas envolvidas no programa Alimento para Todos terão acesso a diversos incentivos fiscais.

Percebe-se, portanto, que é com uma espécie de ração para as pessoas empobrecidas e com dinheiro para as empresas que a Prefeitura da cidade mais rica do Brasil quer “enfrentar a fome”. A proposta foi duramente criticada por pesquisadores/as, por organizações da sociedade civil que atuam nessa área, pelo Conselho Regional de Nutricionistas (3ª região) e pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Em nota, o Consea ressalta a importância dos princípios do direito humano à alimentação adequada já previstos em lei e reafirma que este direito é garantido com “comida de verdade”.

Doria respondeu às críticas e a emenda saiu pior que o soneto: “o Brasil tem de colocar ideologia e partidarismo nas coisas. Aquilo (a ração) foi desenvolvido por cientistas”, disse o prefeito. A resposta de Doria vai no sentido de afirmar que não há ideologia no programa “Alimento para todos”; que a ciência (supostamente neutra) lhe confere legitimidade. Contudo, trata-se exatamente do contrário: há uma forte ideologia neste programa da Prefeitura de São Paulo. E essa ideologia é a de que a fome se resolve com falsas soluções tal como a ração, que as verdadeiras causas da fome (pobreza e concentração de renda, por exemplo) não devem ser questionadas e que nutrição se promove com “nutricionismo” – isto é, apoiando ações empresariais lucrativas que visam a distribuição e o consumo de alimentos ultraprocessados, em vez de se garantir alimentos saudáveis e adequados, produzidos de maneira sustentável.

Todo o processo alimentar é permeado por decisões políticas: o que se come, como o alimento é produzido, por quem, como é distribuído dentre a sociedade, etc. Sendo assim, o caso do programa “Alimento para Todos” é emblemático no sentido da necessidade urgente de se politizar o debate público de temas como alimentação e nutrição.

Hoje, dia 16 de outubro, é o Dia Mundial da Alimentação. Um rápido olhar na legislação internacional indica como o citado Programa viola o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a alimentação é considerada como parte de um padrão de vida adequado e, com o passar dos anos, foi cada vez mais reconhecida como direito humano, especialmente a partir do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966. Nas últimas décadas muitos países, dentre eles o Brasil, afirmaram o direito à alimentação em suas constituições e leis. O Comitê da ONU para os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais interpretou em seu Comentário Geral Nº 12 (CG Nº 12) os fundamentos do direito à alimentação. Em seu parágrafo 6º, o CG Nº 12 define o que é o direito à alimentação adequada, afirmando expressamente que “o direito à alimentação não deverá […] ser interpretado em um sentido estrito ou restritivo, que o equaciona em termos de um pacote mínimo de calorias, proteínas e outros nutrientes específicos”.

Também em seu último relatório, o ex-Relator da ONU para o direito alimentação, Olivier de Schutter, ressaltou que o combate à fome passa pela necessidade fundamental de se reconstruir os sistemas alimentares contemporâneos, fortalecendo a agricultura familiar e modos de produção, abastecimento e consumo tais como a agroecologia. Para o ex-relator, tal reconstrução é urgente, assim como a realização de reformas políticas nas áreas de agricultura, saúde, educação, proteção social, entre outras.

O dia de hoje é de grande relevância, pois afirmar a alimentação como direito humano tem a intenção política de afirmar como se deve interpretar e garantir esse direito. Implica também em reconhecer que alimento não é a mesma coisa que produto comestível – que não é ração e que não é mercadoria. O dia de hoje é para dizermos que sem soberania, sem igualdade social, ambiental, de gênero, de raça e de etnia, sem trabalho, sem democracia, não temos direitos. O que queremos no nosso prato é dignidade, comida de verdade e diversidade. Esse é o prato pelo qual se luta todo dia.

 

Valéria Burity, Secretária Geral da FIAN Brasil

Lucas Prates, Assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil

 

Nota da sociedade civil sobre a Revisão Periódica Universal do Brasil na ONU

As organizações da sociedade civil brasileira presentes no processo de Revisão Periódica Universal do Brasil nas Nações Unidas (ONU) manifestam sua posição sobre o processo e sobre os resultados. Esta é terceira avaliação da situação dos direitos humanos no Brasil. No dia 21 de setembro, durante a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o Estado brasileiro aceitou 242 e tomou nota de quatro, das 246 recomendações feitas por 103 países.

As organizações entendem que a aceitação das recomendações é uma demonstração da necessidade de avançar na realização dos direitos humanos no Brasil. Contudo, questionam sobre o real compromisso do governo brasileiro perante a ONU e à sociedade nacional com relação à implementação. Recomendações adotadas nos dois ciclos avaliativos anteriores ainda não foram efetivadas, dentre elas por exemplo as demarcações de terras indígenas Guarani e Kaiowá. Frente à crise política, o rompimento democrático e as graves medidas de austeridade econômica que atingem a toda a população e, particularmente, os mais pobres e vulneráveis torna-se inviável transformar os compromissos anunciados em ação.

As organizações manifestam profundo desacordo com a intervenção do Estado brasileiro na sessão do Conselho por não corresponder à realidade. O governo se recusa a reconhecer o cenário de graves violações de direitos humanos no Brasil e os inúmeros desafios para o futuro. Para a missão brasileira na ONU todos os retrocessos em direitos trabalhistas, as reduções nos gastos sociais e o ajuste fiscal não comprometem as políticas para a realização dos direitos humanos no Brasil. Para as organizações, tais reformas e cortes orçamentários aprofundarão as desigualdades e as violações.

O futuro anunciado pelo governo é de que 2018 será de retomada de um “ciclo virtuoso de crescimento”, porém é muito difícil de acreditar que as recomendações feitas no RPU tenham condições de efetivação se forem mantidas medidas como a Emenda Constitucional nº 95/2016, a realização da Reforma da Previdência e a proposta de orçamento público federal para 2018 que diminui drasticamente os recursos públicos para áreas fundamentais. O orçamento 2018 proposto pelo governo corta em áreas como o direito à cidade (moradia, saneamento, mobilidade), que terá 86% menos recursos que em 2017; a assistência social, que terá 98% a menos; a ciência e tecnologia, que terá 27% a menos; o meio ambiente, que terá 18% a menos; a promoção da igualdade racial, que terá 74% a menos e a garantia dos direitos das mulheres, que terá 34% a menos. E mais, mesmo com a possibilidade do Brasil voltar ao Mapa da Fome, há redução prevista para o Bolsa Família em 11%, e de 85% para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e para a implantação do Programa de cisternas no semiárido, projeto recém premiado na ONU. Aprofundando o quadro de violações dos direitos dos povos indígenas, em 2018 a Funai sofrerá um corte de mais de 90%, comparado a 2013.

Durante o período de consideração das recomendações pelo Estado brasileiro, entre maio e agosto, houve uma consulta pública online e foi realizada uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados com a presença do Ministério dos Direitos Humanos e do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, é incerto o quanto o governo brasileiro levou em consideração esses processos durante a tomada de decisão em relação às recomendações recebidas no âmbito da RPU e, apesar do compromisso feito pelo MDH, até o momento não foi divulgado o resultado da consulta pública. Infelizmente, o governo brasileiro também não divulgou publicamente a resposta enviada às Nações Unidas no dia do seu envio, cabendo somente à ONU a publicação em seu site, em inglês, da resposta enviada pelo Brasil, o que acabou por restringir o amplo acesso dessa resposta pela sociedade brasileira. Por isso, a sociedade civil considera insatisfatório o processo de informação, consulta e participação social. O diálogo propagado pelo governo foi limitado e, ademais, conselhos de participação e controle social existentes não foram envolvidos no processo. Em Genebra, a missão diplomática apenas cumpriu formalidades.

Por tudo isso, a sociedade civil brasileira que acompanhou o processo do RPU sai deste momento com uma certeza: somente fazendo respeitar os mecanismos democráticos é que o governo poderá engajar-se efetivamente na agenda de promoção e proteção dos direitos humanos. Até lá o Brasil segue sendo um país extremamente desigual, violento e que discrimina e marginaliza amplos segmentos que conformam a sociedade.

Não aceitamos que os mais pobres paguem as contas dos custos do ajuste estrutural. Não aceitamos retrocessos em direitos humanos. Nenhum direito a menos. Todos os direitos para todas as pessoas. Demarcações já. Mais direitos, mais democracia.

Genebra, 22 de setembro de 2017.

 

Assinam a nota:

Anistia Internacional Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Conectas Direitos Humanos

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Grande Assembleia dos Guarani-Kaiowa (Aty Guasu)

Instituto Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH)

Justiça Global

Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

Observatório Nacional das Políticas de Aids (ABIA)

Plataforma de Direitos Humanos (DhESCA Brasil)

Rede de Cooperação Amazônica (RCA)

Rede Internacional pelo Direito Humano à Alimentação (FIAN Brasil e FIAN Internacional)

Rede Internacional de Direitos Humanos (RIDH)