Em parceria com o MPPE, FIAN Brasil conduz a “Oficina Direito Humano à Alimentação: Marco Legal, Agrotóxicos e Programa Nacional de Alimentação Escolar”
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio do Núcleo de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (Dhana) Josué de Castro, promove a partir desta terça-feira (29) a Semana de Segurança Alimentar e Nutricional, com atividades presenciais (no Recife/PE) e híbridas, parte reservada ao órgão estadual e outras abertas ao público.
Em parceria com o MPPE a FIAN Brasil conduz, hoje e amanhã, por meio da coordenadora colegiada Mariana Santarelli e da assessora de sistemas alimentares Ladyane Souza, a “Oficina Direito Humano à Alimentação: Marco Legal, Agrotóxicos e Programa Nacional de Alimentação Escolar”.
Com 50 vagas reservadas ao MPPE, a oficina apresenta os marcos legais do Dhana, aprofunda os conhecimentos sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e sobre o uso de agrotóxicos na produção de alimentos. O objetivo é capacitar as/os participantes na identificação de casos de violação do direito à alimentação em seus territórios e que estejam instrumentalizadas/os para conduzir um processo de exigibilidade política, extrajudicial ou judicial.
Confira a programação da Semana de SAN:
🗓️ 29 e 30 de agosto, das 9h às 17h (terça e quarta-feira)
Oficina Direito Humano à Alimentação: Marco Legal, Agrotóxicos e Programa Nacional de Alimentação Escolar
Auditório da Escola Superior do MPPE – Presencial, público interno
🗓️ 31 de agosto, das 9h às 17h (quinta-feira)
Abertura da Exposição de painéis “Josué de Castro”
Hall da Sede do MPPE – Presencial, aberto ao público
🗓️ 1° de setembro, 15h (sexta-feira)
Lançamento Virtual do Painel de acompanhamento dos Comsea municipais de Pernambuco
Virtual, público interno
🗓️ 4 de setembro, 15h (segunda-feira)
Solenidade de celebração do Termo de Cooperação Técnica entre a Fetape e o Núcleo Dhana
Sala de audiência A-19 do Edf. Paulo Cavalcanti – Híbrido, aberto ao público
🗓️ 5 de setembro, das 9h às 13h (terça-feira)
Evento – Atualidade do pensamento de Josué de Castro: a fome como uma questão política
Auditório Ênio Guerra – Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco – Presencial, aberto ao público
🗓️ 6 de setembro, das 11 às 13h (quarta-feira)
Feira Agroecológica
Pátio interno do Edf. Paulo Cavalcanti – Presencial, aberto ao público
FIAN Brasil, com informações do Ministério Público de Pernambuco
A Defensoria Pública da União (DPU) atua na promoção dos direitos humanos fundamentais e isto inclui o direto humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Significa que um dos compromissos da instituição é prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, gratuita, individual ou coletiva, para garantir uma alimentação em quantidade e qualidade suficiente para todas as pessoas por meio, por exemplo, de diálogos com a administração pública e os movimentos sociais.
Para falar sobre essa atuação, o Grupo de Trabalho para a Garantia à Segurança Alimentar e Nutricional (GTSAN) da DPU lançou este ano a cartilha Segurança Alimentar e Nutricional: uma abordagem para a Defensoria Pública, em que trata dos principais conceitos relacionados ao tema; quais são os direitos da população em relação à SAN; contextualiza a situação da fome e da insegurança alimentar e nutricional; apresenta a legislação e as obrigações do Estado brasileiro em relação à temática; e fornece orientações para a garantia de direitos relacionados à SAN.
Parceira da DPU, a FIAN Brasil é uma das fontes citadas na cartilha, disponível nos sites das duas entidades.
Na terça-feira (13), em declaração oficial publicada na página do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, principal entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) no campo dos direitos humanos, o relator especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, expressou preocupação com a aplicação da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso que envolve a disputa possessória de terras entre os indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani e o estado de Santa Catarina, em análise pela Suprema Corte desde 2021, após a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) interpor o Recurso Extraordinário 1017365.
O recurso discute se o 5 de outubro de 1988 – data em que foi promulgada a Constituição brasileira – deve ser adotado como parâmetro para definição da ocupação tradicional da terra por povos indígenas. O julgamento, que estava suspenso, foi retomado na última quarta-feira (7) e voltou a ser adiado após pedido de vista do ministro André Mendonça. Até o momento, são dois votos a favor (ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques) e um voto contra (do relator e ministro Edson Fachin).
Na declaração, Calí Tzay destaca que o julgamento do Marco Temporal “pode determinar o curso de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país”, por isto solicita ao STF que não aplique a tese mencionada no caso e decida “de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas”. A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais, lembra o relator.
O relator especial também disse estar preocupado com a aprovação do Projeto de Lei 490/07 no dia 30 de maio pela Câmara dos Deputados. Também enfatizou que, se a tese do Marco Temporal for aprovada pelo Senado, “todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta” o que segundo Calí Tzay agrava a situação ao “prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação, expondo os povos indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças de seus direitos sociais e culturais”.
FIAN Brasil
Leia íntegra da declaração (tradução livre)
“O Marco Temporal limita o reconhecimento das terras ancestrais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A tese do Marco Temporal teria sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da comunidade Guayaroka do povo indígena Guarani Kaiowá. Ela foi questionada em inúmeras ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, particularmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas de direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura.
O julgamento pode determinar o curso de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a tese mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
Estou muito preocupado com a aprovação, no dia 30 de maio, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a tese do Marco Temporal.
Se a tese do Marco Temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 terras indígenas sob ameaça direta. É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, agravando a situação ao prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expondo os povos indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças de seus direitos sociais e culturais.
A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais. Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja alinhada com as normas internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos povos indígenas do Brasil.
A decisão precisa garantir reparações históricas para os povos indígenas e evitar a perpetuação de mais injustiças. Peço ao Senado Federal que rejeite o projeto pendente.
Exorto o governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os povos indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”
Tese político-jurídica é inconstitucional e ameaça os direitos dos povos indígenas no Brasil
Nesta quarta-feira, 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a legalidade do Marco Temporal, uma tese político-jurídica inconstitucional segundo a qual os povos indígenas no Brasil só teriam direito às terras sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Porém, é sempre importante lembrar: a história dos povos indígenas não começou em 1988.
Sobre o assunto, no final de maio a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh) reiterou a preocupação com o possível reconhecimento jurídico do Marco Temporal pelo STF. Em comunicado à imprensa, a Cidh reafirma que a aplicação dessa tese contraria os padrões universais e interamericanos de direitos humanos, colocando em risco a própria existência dos povos originários no país.
“No contexto da possível apreciação dessa tese pelo STF, agendada para o dia 7 de junho, e seu nocivo efeito sobre todos os casos de demarcação de terras ancestrais já concluídos e futuros, a CIDH reafirma que sua aplicação contraria disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, destaca o comunicado.
Em paralelo, a Câmara dos Deputados tenta acelerar o plano de tornar a aplicação do Marco Temporal um mecanismo legal. Para se ter uma ideia, no último dia 30 e em regime de urgência, deputadas e deputados aprovaram o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que dentre outros assuntos transfere do Poder Executivo para o Poder Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas. Foram 283 votos a favor e 155 votos contra.
Dentre os parlamentares que votaram a favor estão os membros da bancada ruralista e do agronegócio, que querem a utilização da tese como critério para todos os trâmites que envolvem terras indígenas e, desta forma, inviabilizar a demarcação dos territórios originários que ainda não tiveram seus processos finalizados.
No dia da votação, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou nota em que classificou a aprovação do Marco Temporal pelos parlamentares federais como um “genocídio legislado”. “O PL 490 representa um genocídio legislado porque afeta diretamente povos indígenas isolados, autorizando o acesso deliberado em territórios onde vivem povos que ainda não tiveram nenhum contato com a sociedade, nem mesmo com outros povos indígenas, cabendo ao Estado brasileiro atuar também pela proteção dos territórios onde vivem estes povos”, diz o documento.
Também em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) destacou que ao determinar a aplicação “da nociva e inconstitucional tese do Marco Temporal, o PL inviabiliza as demarcações dos territórios indígenas, legaliza o genocídio contra os povos em isolamento voluntário ao permitir o contato com esses povos, flexibiliza o usufruto exclusivo dos territórios para a exploração de terceiros e extingue o direito de consulta aos povos segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.
Para se tornar lei o texto precisa ser analisado e votado pelo Senado Federal, ainda sem data definida.
Aporte jurídico
Ao manifestar preocupação com a aprovação do PL 490/2007, a FIAN Brasil relata que a justificativa das deputadas e deputados para a aprovação da normativa foi fundamentada na aplicação da tese do Marco Temporal, em 2009, durante julgamento do caso Raposa Serra do Sol. “Embora os direitos territoriais das comunidades indígenas daquela localidade tenham sido resguardados, a decisão dos ministros do STF gerou muitos conflitos”, explica o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski.
A tese político-jurídica foi utilizada para anular processos administrativos de demarcação, a exemplo de áreas pertencentes aos Guarani e Kaiowá, e vem sendo questionada pelos povos indígenas em muitas ocasiões.
Cupsinski explica que as organizações indígenas, apoiadas por indigenistas, defensores de direitos humanos e ambientalistas, argumentam que o Marco Temporal “desconsidera os direitos dos povos originários sobre aquelas áreas de onde foram violentamente retirados, especialmente durante os anos da ditadura militar, momento em que os direitos humanos foram violados”. O assessor de direitos humanos esclarece que a Constituição brasileira seguiu a tese jurídica do “indigenato”, que consiste no direito inato e congênito dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas.
Por estas razões e com o intuito de pacificar as disputas sobre os direitos indígenas, a Suprema Corte brasileira reconheceu a repercussão geral da matéria, no Recurso Extraordinário 1017365 SC, pautado para julgamento nesta quarta-feira, 7 de junho. O caso envolve a disputa possessória entre os indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani e o estado de Santa Catarina e chegou até o Supremo Tribunal Federal através de um recurso manejado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Um dos pontos do documento afirma que o direito humano à alimentação foi incorporado ao artigo 6º da Constituição Federal de 1988 como direito fundamental social, por meio da Emenda Constitucional 64/2010. Para Adelar Cupsinski, a decisão do Estado brasileiro “rompeu com o paradigma assistencialista destinado à alimentação, ao reconhecê-la enquanto direito fundamental, assumindo a responsabilidade em adotar estratégias para efetivar a segurança alimentar e nutricional”.
O direito fundamental à alimentação também está implícito no artigo 194, o qual determina ações públicas para a garantia dos direitos relativos à saúde, previdência social e assistência social, assim como no artigo 196, que eleva a saúde à condição de “direito de todos e dever do Estado”.
Sobre o assunto, o assessor de direitos humanos destaca que “este direito ainda precisa ser lido em consonância com o multiculturalismo reconhecido pela Constituição Federal de 1988. O multiculturalismo se expressa pelo dever que o texto constitucional incumbiu ao Estado de proteger o patrimônio histórico e cultural dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Por estas razões, o Estado brasileiro precisa assegurar os direitos territoriais dos povos indígenas, nos termos da Constituição Federal de 1988 e dos tratados internacionais de que participa”, conclui Cupsinski.
Quer saber mais sobre o Marco Temporal?
No livro O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: Enunciados Jurídicos, vários textos abordam o Dhana do ponto de vista dos povos indígenas. Especialmente dois enunciados trazem elementos para o debate atual: “Terra e território como elementos centrais para a garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais”, de Olivier De Schutter, Valéria Burity e Felipe Bley Folly (p. 87); e “O direito constitucional à retomada de terras indígenas originárias” (p. 99), de Eloy Terena e Roberta Amanajás.
A questão também é tratada no episódio 4 do podcast baseado no livro.
Em 2017, a FIAN Brasil e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançaram a campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”, na qual indígenas e organizações parceiras explicam o Marco Temporal, falam de sua inconstitucionalidade e comentam as ameaças da tese às garantias constitucionais dos povos indígenas. São cinco episódios curtinhos que você pode escutar aqui.
FIAN Brasil participa de duas atividades relacionadas à missão oficial de Alice Wairimu Nderitu
Entre 1º e 12 de maio, a subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, esteve pela primeira vez em missão oficial no Brasil para apurar casos de violência cometidos contra povos indígenas, quilombolas e outras populações em situação de risco no país.
No dia 4 de maio, em Brasília, Nderitu conversou com representantes do poder público, da sociedade civil, de comunidades indígenas e da comunidade internacional em uma mesa de diálogos organizada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Na ocasião, o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski, entregou à subsecretária-geral documento acerca do trabalho da FIAN Brasil com os indígenas Guarani e Kaiowá.
Fruto de parceria com o Conselho Indigenista Missionário no Mato Grosso do Sul e pesquisadoras/es de referência, a publicação apresenta, entre outros temas, uma pesquisa* socioeconômica e de análise da situação de (in)segurança alimentar e nutricional, realizada em 2013, nas comunidades Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá.
Nas visitas de campo, sempre recebida por lideranças indígenas, Nderitu conheceu, entre outros, o povo Yanomami (RR) e os Guarani e Kaiowá que vivem na retomada do Tekoha Guapo’y, município de Amambai (MS).
Em relato preliminar, a sub subsecretária-geral declarou ter se sentido chocada com a extrema pobreza dos Guarani e Kaiowá. Destacou que as terras indígenas na região ainda não foram demarcadas e têm sido alvo de disputas, principalmente com grandes agricultores, em todo o MS. “A maioria dos indígenas foi expulsa de suas terras tradicionais, na maior parte dos casos de forma violenta. Alguns vivem às margens das rodovias em condições degradantes e desumanas, sem bens e serviços básicos, como água potável, alimentação, saúde e educação para os filhos. Eles são discriminados no acesso a serviços básicos”.
Desde 2005, após denúncia da morte de crianças indígenas por desnutrição, a FIAN Brasil acompanha sistematicamente as comunidades Guarani e Kaiowá. Para a secretária geral da FIAN Brasil, Nayara Côrtes, a triste situação ainda ocorre. “Em pleno 2023, voltam a circular fotos de crianças Guarani e Kaiowá desnutridas, que noticiam a morte de ao menos uma criança em razão da violação de um dos direitos mais básicos, do qual a vida depende: o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”. A declaração foi feita durante encontro com Nderitu no MS, a convite do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Para saber mais sobre a missão, sugerimos a leitura das matérias produzidas pela Agência Brasil e pelo Cimi. Veja também as primeiras considerações de Alice Wairimu Nderitu sobre a visita de campo.
Em 2021, a FIAN Brasil produziu uma nota técnica, com apoio de profissionais com ampla experiência de trabalho junto aos Guarani e Kaiowá, onde o diagnóstico apontou muitos problemas nos programas de assistência emergencial à alimentação e entraves relacionados a programas de transferência de renda que impactam na segurança alimentar nas aldeias, bem como problemas com a documentação civil.
Atualmente, a FIAN Brasil e a FIAN Internacional, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, e com um grupo de pesquisadores/as de referência no tema, vem realizando uma nova pesquisa, visando traçar os primeiros pontos para a atualização da pesquisa realizada em 2013 sobre as condições socioeconômica nutricional e de segurança alimentar e nutricional das três comunidades pesquisadas, acrescentando ao estudo duas comunidades – Apyka’i e Nhanderu Marangatu.
A análise das informações deve ser feita sob a perspectiva dos Direitos Humanos, em especial sob a ótica do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Porém, os estudos já realizados apontam para a falta de terra como um ponto central a ser resolvido pelo Estado brasileiro.
Brejo dos Crioulos, no norte de Minas Gerais, conseguiu a titulação parcial de seu território duas décadas depois de reivindicar o reconhecimento como comunidade quilombola. A luta dos moradores e moradoras contou por oito anos com apoio sistemático da FIAN Brasil, ao lado de entidades e movimentos que atuam na região.
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou no dia 21 a documentação que titula 2.292 hectares da área – dos 17.302 reivindicados e já reconhecidos como de tradicional ocupação – em cerimônia com a presença da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, entre outros ministros. O evento marcou o lançamento do programa Aquilomba Brasil e de mais seis medidas pela igualdade racial. O governo estima que 214 mil famílias e mais de 1 milhão de pessoas no Brasil sejam quilombolas.
“É alguma coisa, né?”, comenta o presidente da Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos, Francisco Cordeiro Barbosa, o Ticão. “Foi mais um ato político, uma prestação de contas. Para mostrar que o governo está fazendo e vai fazer.”
Situada nos municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, Brejo dos Crioulos foi a primeira comunidade quilombola reconhecida no governo Dilma Rousseff. O decreto presidencial, de setembro de 2011, desapropriava terras em favor da comunidade. “Foi uma vitória importantíssima da mobilização coletiva, mas se passaram anos sem novos avanços”, comenta a ex-coordenadora de acompanhamento de casos da FIAN Jônia Rodrigues de Lima.
Ticão lembra que havia no perímetro 74 proprietários individuais, entre quilombolas e não quilombolas. Ele conta que as 13 maiores fazendas foram desapropriadas, mas restam as médias e pequenas. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] nos deu a o contrato de concessão de direito real de uso, o CCDRU, delas, e agora o título de duas das fazendas”, explica. “Mas a titulação coletiva e definitiva do território só vamos ter quando terminarem as desintrusões.”
Por meio do CCDRU a administração pública transfere a um particular ou grupo o direito real de usar um imóvel rural de sua propriedade. A desintrusão consiste na retirada daqueles/as que não pertencem àquela coletividade, com indenização (quando se conclui pela boa-fé da ocupação) ou sem. Muitas contestações arrastam-se na Justiça. “Vejo que o governo vai terminar o serviço”, diz o líder comunitário.
Atuação da FIAN
Jônia Rodrigues recorda que a FIAN começou a acompanhar o caso ativamente em 2008 a pedido de organizações com base na região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), além do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea-MG) e da Rede de Educação Cidadã (Recid).
“Tivemos um papel na articulação entre esses atores e contribuímos para levar a situação a instâncias federais e internacionais”, conta. “Conseguimos, por exemplo, que o José Carlos [de Oliveira Neto], o Véio, então presidente da associação quilombola, fosse ouvido na Comissão Interamericana de Direitos Humanos [Cidh]. E que o relator nacional de Direito Humano à Alimentação Adequada, Clovis Zimmermann, visitasse o território para documentar sua realidade.”
Para o cofundador da FIAN Brasil Irio Conti, é um dos casos exitosos que mostram os resultados do acompanhamento de lutas pela terra: “São casos que se estendem ao longo de anos, mas que ao final representam uma conquista muito importante daquela população”. Ele cita a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (em Roraima) como área contínua, em 2009, como outra vitória que teve contribuição relevante da organização, da qual foi o primeiro presidente (2000-2004).
A FIAN Brasil participou, nos dias 14 a 16, do seminário “Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente”. As discussões buscaram contribuir para o aprimoramento e a aprovação do Projeto de Lei (PL) 572/22, que institui a Lei Marco Nacional de Direitos Humanos e Empresas no Brasil.
O evento, com participação do ministro Silvio Almeida e da jurista Deborah Duprat, reuniu representantes de diversas organizações civis e pesquisadores/as. Foi organizado por entidades e movimentos que integram a campanha “Essa Terra Tem Lei – Direito Para os Povos e Obrigações para as Empresas” – Oxfam Brasil, Amigos da Terra Brasil, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fundação Friedrich Ebert (FES), Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
“Para nós, participar é reafirmar a primazia do direito humano, incluindo o da alimentação, sobre a atividade empresarial.”, comenta o assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos “A organização das cadeias de valor globais sem atenção devida aos direitos humanos conforma sistemas alimentares desiguais, nos quais o Dhana [direito humano à alimentação e à nutrição adequadas] e outros direitos são negados.”
“O PL 572 propõe regras vinculantes – não apenas voluntárias – para as empresas, em diálogo com discussões globais como aquela de que participamos em torno do tratado sobre o assunto em Genebra”, acrescenta Vasconcelos.
Questão de Estado
Na mesa de abertura, Silvio Almeida afirmou que seu ministério vai criar um grupo de trabalho com as pastas da área econômica para incluir o tema na Política Nacional de Direitos Humanos. “Nossa luta é para que a questão dos direitos humanos e empresas seja uma política do Estado brasileiro, para que possa ser disseminada por toda a atividade econômica e empresarial brasileira”, disse. Também
O evento divulgou uma cartilha sobre a proposta, que aborda também a arquitetura da impunidade corporativa no Brasil. Foram realizadas, ainda, mesas sobre a atual legislação brasileira e sobre marcos normativos vinculantes no mundo.
Documento apontando perigos do trigo HB4 à soberania alimentar, à saúde, à biodiversidade e à economia do país foi protocolado junto ao governo federal e a órgãos da Justiça. Organizações reivindicam audiência com ministérios e denunciam que aprovação do trigo transgênico foi feita sem análises de riscos
Foi enviado ao Presidente do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), o Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Rui Costa, um ofício reivindicando o cancelamento da liberação do cultivo de trigo transgênico HB4 e a importação de farinha de trigo transgênico HB4. Assinado por um coletivo de organizações, redes e movimentos sociais, o documento, protocolado nesta segunda-feira (20), reúne informações sobre ilegalidades e violações no processo de aprovação do produto geneticamente modificado, além de perigos à saúde, à biodiversidade, à economia e à soberania alimentar, já que o trigo faz parte da base da alimentação da população brasileira. O texto também foi entregue a outros 10 Ministérios que compõem o CNBS, ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.
A aprovação do plantio do trigo transgênico no Brasil ocorreu, no último 1º de março, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância responsável pela liberação de organismos geneticamente modificados. As organizações denunciam que a decisão foi tomada sem que houvesse análises técnicas e debates públicos suficientes. Diante da situação, as entidades requerem audiência com as ministras e os ministros que compõem o Conselho e cobram a suspenção dos efeitos da decisão da CTNBio. Reforçam ainda que, muito além de uma questão técnica, a aprovação de biotecnologias no país deve necessariamente incluir a participação de diferentes setores da sociedade.
Ilegalidades e perigos à biodiversidade
As organizações que assinam o ofício – entre elas, a FIAN Brasil – denunciam que as liberações da importação da farinha e do cultivo do trigo transgênico HB4 violam a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005 e o Protocolo de Cartagena, um dos instrumentos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O Brasil aderiu ao tratado internacional, mas a Argentina não. Portanto, o processo para a aprovação do produto transgênico no país vizinho deveria se adequar às exigências da legislação brasileira, que são mais rígidas. A decisão tomada pela CTNBio, ainda composta por membros indicados por ministérios do governo de Jair Bolsonaro (PL), surpreendeu, em especial, por se basear em um processo anterior, de 2021, aberto exclusivamente, como afirmava a própria Comissão, para a importação da farinha de trigo transgênica da Argentina, e não para o cultivo do trigo HB4 em território brasileiro.
“A Lei de Biossegurança brasileira estabelece, por exemplo, procedimentos e estudos diferentes para as distintas finalidades de uso, ou seja, as avaliações sobre o consumo ou plantio do trigo transgênicos deveriam ser feitas de forma separada. Trata-se de uma ilegalidade que já faz com que a decisão possa ser anulada”, explica Larissa Packer, da organização internacional Grain.
A única audiência sobre o trigo transgênico realizada até hoje pela CTNBio trouxe informações consideradas inconsistentes pelas entidades. O HB4, por exemplo, é modificado para tolerar o glufosinato de amônio, que é altamente tóxico e poderá chegar à mesa da população na forma de pães, massas, pizzas, bolos, salgados, biscoitos, entre outros alimentos de consumo massivo. Ainda assim, não foram ouvidos especialistas em defesa dos direitos de consumidores e consumidoras.
“O processo apresenta informações inconsistentes e até falas equivocadas em audiência pública sobre a farinha de trigo transgênica, o que viola o princípio da legalidade, transparência, participação social e publicidade. Nesta audiência também não houve participação de representantes dos consumidores, o que é indicado na legislação”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante do o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Naiara Bittencourt.
Além disso, o representante da empresa argentina demandante da liberação do produto no Brasil chegou a desvincular o cultivo do trigo transgênico do referido agrotóxico. Curiosamente, a própria Bioceres recomendava em seu site a quantidade mínima do herbicida para seu plantio: dois litros por hectares.
Outra preocupação se refere à ausência de estudos nos diferentes biomas do país, o que impede a avaliação sobre o desempenho agronômico do trigo geneticamente modificado, assim como a previsão de riscos ao meio ambiente. Não se comprovou, por exemplo, a efetividade de seu desempenho em áreas de seca, um dos principais argumentos do lobby favorável ao trigo transgênico. “Não houve pesquisas de campo e análises sobre possíveis efeitos adversos à biodiversidade. A eterna promessa envolvendo mais produtividade com menos oferta de água nunca se cumpriu com a soja ou o milho transgênico. Vai se cumprir com o trigo?”, questiona o agrônomo Leonardo Melgarejo, que também integra o Grupo de Trabalho da ANA.
Fome e comida mais cara
As organizações também contestam à ideia de que o trigo transgênico seria necessário no combate à fome, problema que atinge pelo menos 33 milhões de pessoas no Brasil, como aponta pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN). Defendem que a introdução do produto no Brasil poderia custar alto economicamente, já que estaria atrelada ao pagamento de royalties às empresas titulares da biotecnologia transgênica. Apesar de ser uma empresa argentina, a Bioceres possui capital aberto na Bolsa de Valores de Nova Iorque e alianças com transnacionais do ramo da alimentação, como Monsanto e Syngenta. Nesse contexto, o trigo HB4 poderia tornar o Brasil mais vulnerável às oscilações do mercado internacional para estruturar sua política alimentar. O impacto da aprovação de trigo transgênico, portanto, recairia no valor da comida. Cabe destacar que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil fechou 2022 com mais que o dobro da inflação sobre os alimentos e bebidas (11.64%), face à inflação geral (5,79%).
“Também não se comprovou a real possibilidade de segregar o trigo transgênico em suas etapas de cultivo, transporte, armazenamento e processamento. Assim, a biotecnologia transgênica poderia rapidamente se tornar totalitária. Como os plantios convencionais ou agroecológicos ficariam constantemente suscetíveis à contaminação, os direitos de agricultoras e agricultores seriam violados”, aponta Leonardo. Nessa situação, o poder de escolha sobre qual tipo de trigo cultivar ou quais insumos utilizar na produção estaria inviabilizado, já que a transgenia é dependente de agrotóxicos. Ainda que fosse possível separar o HB4 das outras culturas de trigo, as organizações ressaltam que tal ação demandaria ainda mais custos à agricultura convencional, orgânica ou agroecológica, o que, mais uma vez, poderia recair no preço dos alimentos no país.
No início deste ano, a lei 14.519 instituiu o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, a ser celebrado neste 21 de março.
Para a FIAN Brasil, além de referendar os povos originários provindos do continente africano, a data traz reflexões acerca do racismo estrutural no Brasil, determinante de violações aos direitos humanos e, portanto, da ainda persistente discriminação de raça, classe e gênero.
O racismo é um processo histórico e político na sociedade. Constrói relações que garantem privilégios a determinados grupos, em detrimento dos direitos e, muitas vezes, de condições mínimas para a sobrevivência de pessoas negras. Isso acontece porque nossas estruturas são racistas e porque o racismo está presente na subjetividade da sociedade brasileira, assim como na economia e no direito.
Em entrevista à TVE Bahia (2013), uma das principais ativistas contra o racismo e a intolerância religiosa no Brasil, a educadora e mestra de saberes Makota Valdina disse que a sociedade precisa admitir que é racista para que se desconstrua o racismo.
“Infelizmente nós ainda temos que lutar contra o racismo aqui [no Brasil] onde somos maioria. Temos que lutar por cotas, mesmo depois da lei de cotas. O racismo está por trás disso, a intolerância está aí e não é uma questão só do negro, é de toda a sociedade. Todo ser humano tem que se comprometer em extirpar o racismo da sociedade”, disse.
Para Makota Valdina, que morreu em março de 2019 aos 65 anos, “ser uma mulher negra no Brasil é desafio, porque temos que lutar para manter o lugar que sempre foi nosso. As mães sempre tiveram um papel preponderante.”
Essa realidade tem impacto direto e muito contundente sobre o processo alimentar da população negra no país, em que as pessoas mais pobres são negras e as pessoas mais afetadas pelo desemprego são mulheres negras.
Segundo o II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (2022), muitos lares comandados por pessoas pretas ou pardas convivem com restrição de alimentos em qualquer nível. Em 18,1% deles, elas passam fome. No início de 2022, a insegurança alimentar esteve presente em 65% dos lares com responsáveis de raça/cor preta ou parda. Quando a mulher negra é a pessoa de referência da casa, os índices de insegurança alimentar são sempre maiores.
Porém, importante manter por perto a sabedoria ancestral de Makota Valdina: “Começamos realmente a ter espaço. Ainda tem muito por que lutar, o que desconstruir e o que conseguimos nos apropriar. E uma dessas conquistas fundamentais, e que não podemos nos esquecer, é o poder de fala. Não dá para voltar atrás nunca mais. Essa conquista ninguém vai nos tirar.”
FIAN Brasil com informações do Informe Dhana, do II VIGISAN e de entrevista de Makota Valdina concedida à TVE Bahia em 2013. Foto de Ubirajara Machado/Arq. FIAN Brasil
Pesquisa “Conta Pra Gente Estudante – Grande Rio” aponta insuficiência de alimentação escolar para 4 em cada 10 estudantes da rede pública de ensino da Região Metropolitana do Rio de Janeiro; entre estudantes negros insuficiência é ainda maior
A alimentação escolar representa a principal refeição do dia para a maioria (56%) dos estudantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, além de ser consumida por 87% dos estudantes da rede pública de ensino. Apesar disso, para 41% dos estudantes a quantidade de alimentação ofertada nas escolas é pouca ou muito pouca. Essa insuficiência é ainda maior entre negros (44%), mas menor entre brancos (33%). É o que mostra a publicação da Pesquisa “Conta Pra Gente Estudante – Grande Rio”, realizada pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) em parceria com a Ação da Cidadania, com lançamento oficial neste sábado (18), no Rio de Janeiro (RJ).
Para 92% destes estudantes são servidos pratos de comida todos os dias, enquanto para 6% este fornecimento não é regular e para 1% são servidos apenas lanches, em desacordo com a regulamentação do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE). Entre as principais queixas, junto à quantidade insuficiente de alimento, também foi relatada a falta de diversidade.
A pesquisa é um alerta para o poder público sobre a importância da alimentação escolar no combate à fome, aponta Mariana Santarelli, coordenadora do ÓAÊ. “As prefeituras precisam compreender que a alimentação escolar é a estratégia mais eficiente para o enfrentamento da fome com alimentos saudáveis, e empenhar maiores esforços e recursos públicos para a melhoria da qualidade”.
Perfil dos entrevistados
A pesquisa ouviu 1.046 estudantes (55%) e seus responsáveis (45%), da rede básica de ensino – incluindo ensino primário/creche (11%), fundamental I (36%), fundamental II (31%), médio (18%) e médio-técnico (4%) – da rede pública estadual (31%) e municipal (67%) de 13 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, sendo esses: Rio de Janeiro, Mesquita, Queimados, Japeri, Nova Iguaçu, Magé, São Gonçalo, Duque de Caxias, Belford Roxo, Guapimirim, Niterói, São João de Meriti e Nilópolis.
A lei (11.947/2009) determina que no mínimo 30% do valor repassado aos estados, municípios e Distrito Federal pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o PNAE devem ser utilizados na compra de alimentos diretamente da agricultura familiar. Até o momento do lançamento do relatório, somente o município de Duque de Caxias informou ter alcançado, recentemente, essa meta. A maioria dos municípios não cumpre a compra mínima dos alimentos da agricultura familiar.
Qualidade da alimentação escolar e participação social
Apesar de 87% dos entrevistados considerar saudável a alimentação escolar fornecida em suas localidades, 56% nunca participaram de qualquer atividade escolar sobre alimentação saudável, essa mesma porcentagem (56%) desconhece que a alimentação escolar é uma política pública nacional estabelecida por lei, 77% desconhecem a existência dos Conselhos de Alimentação Escolar (CAEs), 85% não sabe como fazer denúncias referentes à alimentação escolar e 87% nunca se engajou na garantia da alimentação escolar.
Foi relatada uma grande oferta de biscoitos salgados (79%) e sucos industrializados (31%) na alimentação escolar. A legislação do PNAE determina quantidades mínimas de frutas, legumes e verduras que devem ser ofertados, e quantidades máximas de bebidas lácteas com aditivos ou adoçados, biscoito, bolacha, pão ou bolo, além de proibir a oferta de gorduras trans industrializadas em todos os cardápios e a de alimentos ultraprocessados e açúcar para as crianças até três anos de idade. Mas 44% dos entrevistados não sabem o que são alimentos ultraprocessados.
No prato das/os estudantes, os alimentos mais presentes são o feijão (97%) e o arroz (96%). A oferta obrigatória de legumes e verduras acontece na escola de 84% das/os estudantes, de ovos em 83%, a de carnes em 78% e a de frutas em 61%.
Para 36% dos entrevistados os ultraprocessados fazem parte da alimentação escolar diariamente, esse número sobe para 72% por cento quando somados os casos de ultraprocessados na alimentação entre 1 e 4 vezes por semana. E 15% relatam a existência de cantinas para a compra de ultraprocessados e alimentos similares.
“Precisamos não só combater a fome, mas promover a Segurança Alimentar e Nutricional, o que significa garantir a saúde da população, principalmente das crianças que estão em fase de desenvolvimento de suas capacidades físicas e cognitivas. No caso da alimentação escolar, já temos todos esses elementos descritos no Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Agora é imprescindível que a população se aproprie dessa informação para exigir que a refeição servida na escola tenha a quantidade e qualidade adequadas de alimentos. Além de cobrar que os gestores municipais e estaduais atendam o mínimo de compra de alimentos vindos da Agricultura Familiar. Esse controle social, por parte da população, deve fazer parte do dia a dia de estudantes e responsáveis”, explica Ana Paula Souza, coordenadora de Advocacy da Ação da Cidadania.
Metodologia
A metodologia de coleta de dados foi baseada exclusivamente em formulários online, disponibilizados pela Plataforma SurveyMonkey. As respostas foram coletadas entre os dias 10/10/2022 a 07/12/2022, a partir da rede de mobilização da Ação da Cidadania. Para garantir a qualidade da pesquisa online, o banco de dados passou por uma criteriosa avaliação de consistência de dados. Foram excluídas um total de 245 respostas, por duplicação, ou insuficiente preenchimento (terem respondido menos do que 70% do questionário).
Objetivos e conclusões
A partir da produção de dados sobre a percepção de estudantes e seus responsáveis sobre a alimentação escolar, este estudo pretende ampliar a escuta e o diálogo com esses sujeitos para fortalecer a ação de incidência local sobre o PNAE promovida pela Ação da Cidadania na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
É na escola que mais da metade das/dos estudantes fazem a principal refeição do dia e isso mostra a relevância do PNAE. Porém, para muitos a alimentação escolar vem em pouca quantidade e não é tão agradável/atrativa. Muitas escolas ainda não oferecem alimentos in natura e seguem ofertando alimentos ultraprocessados com frequência. A Educação Alimentar e Nutricional ainda não é uma realidade na maioria das escolas e as cantinas escolares seguem em funcionamento no ambiente das escolas públicas.
A pesquisa revela ainda a baixa percepção da alimentação escolar como um direito que pode e deve ser reivindicado. Menos da metade das/os estudantes e seus responsáveis que responderam à pesquisa sabem que o PNAE é um programa estabelecido em lei, poucos conhecem como fazer denúncias e a grande maioria desconhece a existência dos conselhos de alimentação escolar.
Sobre o Observatório da Alimentação Escolar
O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) foi fundado em 2021 como resultado de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). O ÓAÊ é construído por diversas organizações da sociedade civil e movimentos sociais que compõem seu comitê consultivo, além da FBSSAN e FIAN Brasil que constituem seu núcleo executivo. Seu objetivo é ampliar a escuta e o diálogo com estudantes e suas famílias, agricultoras e agricultores familiares, além de profissionais da educação, comunidade escolar e membros de conselhos que atuam com a alimentação escolar, para incidir de forma coletiva na defesa e fortalecimento deste programa.
Sobre a Ação da Cidadania
A Ação da Cidadania foi fundada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, conhecido como Betinho, com o intuito de combater a fome e a desigualdade socioeconômica em nosso país e ajudar os mais de 32 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza naquele ano. Desde a sua criação, a ONG deu início a uma série de iniciativas, sendo o Natal Sem Fome a mais célebre delas, também considerada a maior campanha de arrecadação de alimentos da América Latina. Em 2021, a Ação da Cidadania iniciou as campanhas Brasil Sem Fome, que arrecadou 20 mil toneladas de alimentos somente no primeiro ano, e a Emergências, que leva donativos e eletrodomésticos para estados afetados por catástrofes e desastres naturais. Em 2022, a ONG lançou o Pacto pelos 15% com Fome, uma convocação à sociedade civil, empresas e agências de mídia na luta contra a insegurança alimentar grave, que hoje atinge 33,1 milhões de pessoas, ou seja, 15% da população brasileira.
Por Yuri Simeon / Do Observatório da Alimentação Escolar