A Medida Provisória nº 870 , de 1º de janeiro de 2019, primeira publicação oficial do novo governo, em sua extensa reestruturação dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios revogou o inciso II do caput e os parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 11 da Lei 11.346/2006, Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN).
Essa revogação parcial, também chamada de derrogação[1], da LOSAN provoca uma enorme e grave alteração no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), dentre outras modificações, excluiu a descrição do CONSEA como um componente do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) e, além disso, excluiu sua forma de composição de 1/3 de governo e 2/3 de sociedade civil, com presidência da sociedade civil.
O Consea é um espaço institucional para o controle social e participação da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, com vistas a promover a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada.
Para a presidenta do Consea, Elisabetta Recine, a medida provisória viola profundamente a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. “Quando se propõe a revogação do Consea estão ferindo toda a lógica interna do Sisan. O Consea tem a responsabilidade de fazer o diálogo entre sociedade civil e governo, mas, além disso, de ser um fator mobilizador e de articulação das políticas públicas. Políticas públicas isoladas não são suficientes para a garantia de uma alimentação saudável de uma população, de um país. Retirar do Sisan a sua estrutura de mobilização, de controle, de participação social é empobrecer a ação do Estado no sentido dele dar respostas que sejam mais efetivas e que tenham maior sentido para os grupos de maior vulnerabilidade na sociedade brasileira. É lamentável que isso esteja proposto, é lamentável que a gente tenha sinais de retrocessos tão profundos na garantia de alimentação saudável para todos os brasileiros e brasileiras”.
Para o ex-presidente do Consea, Francisco Menezes, a participação social não interessa ao novo governo, assim como assuntos relacionados à pobreza e desigualdade, a fome e a insegurança alimentar. “Nesse sentido, as alterações que implicam na revogação do Consea, estão coerentes com sua visão, que é autoritária, que rejeita a participação da sociedade e que necessita ter o terreno livre para aplicar uma política anti-povo”, ressalta.
Importante para a sociedade brasileira, muitas propostas oriundas de reuniões ou conferências do Consea se tornaram políticas públicas, entre elas: a inclusão do direito à alimentação na Constituição, a aprovação da Lei Orgânica, Política e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Plano Safra da Agricultura Familiar, a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, o Programa de Aquisição de Alimentos.
“Esse governo também trabalha obstinadamente pela liquidação de tudo o que foi realizado com maior êxito pelos governos que o antecederam entre 2003 e 2016. O Consea foi decisivo para os inegáveis avanços logrados em tempos recentes na Segurança Alimentar e Nutricional, alcançando reconhecimento internacional, inspirando a criação de conselhos semelhantes na América Latina e África”, aponta Menezes.
Em Nota, a Sociedade Civil que compõe o Conselho relata que recebeu “com surpresa e grande pesar, a decisão do governo federal recém-empossado” e que a “medida busca esvaziar as atribuições do Conselho”.
Também por meio de nota, a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran) repudiou a medida e destacou que “na prática, a ação do governo acaba com o conselho, que, nos últimos anos, teve papel fundamental para garantia do DHAA e foi importante articulador das políticas de segurança alimentar e nutricional no país, além de envolver de maneira efetiva a representação da sociedade civil que mantém vínculos estreitos com este tema”.
Para a secretária-geral da FIAN Brasil e conselheira do Consea, Valéria Burity, “os avanços que ocorreram no Brasil, em relação ao direito humano à alimentação e nutrição adequadas, são associados às políticas de transferência de renda, às políticas de segurança alimentar e nutricional, o que inclui o fortalecimento da agricultura familiar, à valorização do salário mínimo e também ao marco legal e institucional que foi criado no Brasil, para garantia deste direito, a revogação parcial da Losan, por medida provisória, afeta profundamente o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, e ao fazer isso acaba atingindo esses pilares. É, portanto, uma grave violação não só ao direito à alimentação como ao direito de participação que é inerente a qualquer direito fundamental”, ressaltou.
Retrocessos
Além da revogação do Consea, a MP 780 também modifica atribuições que antes eram da Funai e Incra, a demarcação de terras indígenas e de comunidades quilombolas, e que agora passam a ser do Ministério da Agricultura, comandado pela indicada da Frente Parlamentar Ruralista, Tereza Cristina (DEM/MS). O presidente eleito, Jair Bolsonaro, também criou na MP uma nova atribuição à Secretaria de Governo da Presidência da República, comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz: o monitoramento de organizações não governamentais e de organizações internacionais.
[1] Nos termos da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro art. 1º, §1º § 1o “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. A MP 870 não revogou absolutamente a LOSAN (ab-rogação), mas derrogou a LOSAN, isto é, revogou parcialmente esta lei afetando um inciso e alguns parágrafos. Com isso provocou a alteração da LOSAN por derrogação.
CONFIRA ABAIXO OS POSICIONAMENTOS DE OUTRAS ORGANIZAÇÕES SOBRE A REVOGAÇÃO DO CONSEA
Nota Abrasco em defesa do Direito Humano à Alimentação Adequada: Não à extinção do Consea!
Novo governo revoga o Consea – Nota das conselheiras e conselheiros da sociedade civil
FBSSAN contra a extinção do Consea – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Asbran repudia medida do governo que altera Losan – Associação Brasileira de Nutrição
Em defesa do CONSEA e da democracia – Nota do Sistema Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas – CFN e CENs
Nota Técnica sobre a extinção do CONSEA Nacional – Projeto REAJA
Segurança alimentar sob ameaça – Nota do Greenpeace
RENAS se posiciona sobre extinção do CONSEA – Nota da Rede Evangélica Nacional de Ação Social
Em defesa do Consea e da democracia – Nota da Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar – IBFAN Brasil
Contra a Fome e em Defesa do Consea – Nota da Articulação Semiárido Brasileiro – ASA
Manifesto pela não extinção do Consea – Aliança pela Alimentação Saudável
Ascom FIAN Brasil
Crédito foto: Marcia Foletto / Agencia O Globo)