STF admite organizações sociais no julgamento de ação que questiona isenção de impostos para agrotóxicos

Relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que questiona a isenção fiscal dos agrotóxicos no país, o ministro Edson Fachin acolheu o pedido de quatro organizações e redes da sociedade civil para atuar como amicus curiae no processo. Dessa forma, a Terra de Direitos, a Campanha Nacional Permanente Contra os Agrotóxicos, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a Fian Brasil poderão fornecer mais elementos para a decisão que ainda será tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O pedido único para ingresso na ADI 5553 foi feito de forma coletiva pelas entidades em março deste ano. Integrante da Campanha Contra os Agrotóxicos e advogada popular da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt destaca a importância da participação de organizações e coletivos da sociedade civil neste processo. “A decisão significa uma pequena abertura no sistema de justiça para a intervenção de movimentos e organizações sociais com papel fundamental na vida democrática brasileira, em especial na participação dos processos decisórios do judiciário”, aponta. “Mesmo assim, a reivindicação das organizações de realização de audiência pública no STF sobre o tema, tendo em vista a relevância do assunto, ainda não foi atendida pelo Supremo”,

Outro ponto destacado pela advogada é o fato de a Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida – uma articulação da sociedade civil, sem personalidade jurídica – ter sido aceita no processo. Apesar de ser previsto em legislação, são poucos os casos em que entidades sem personalidade jurídica podem ajuda a subsidiar decisões do Judiciário.  Na decisão que determinou a admissão da Campanha e das outras três entidades na ADI, Fachin considerou que as organizações são “reconhecidas em foros nacionais e internacionais, bem como aportaram substanciosa manifestação técnica”.

Prejuízo à saúde e aos cofres públicos

A ADI 5553 foi ajuizada em 2016, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para questionar as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.

Uma decisão em um acórdão publicado pelo Tribunal de Contas da União em abril de 2018 constatou um dado impressionante que benefícios decorrentes de isenções relativas ao PIS/COFINS, estes não questionados na ADI, totalizam 9 bilhões. Ao mesmo tempo, apenas em 2016, R$ 30 bilhões foram faturados pela indústria de agrotóxicos, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal.

A renúncia vai na contramão da política de austeridade adotada pelo governo de Michel Temer por meio da aprovação da Emenda Constitucional 95, que determina o congelamento de gastos e investimentos públicos nas áreas sociais, e impacta de forma mais acentuada as pessoas mais vulneráveis socioeconomicamente.

Em termos comparativos, esse valor seria suficiente para manter durante cerca de 14 anos o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), um programa federal de incentivo à agricultura familiar. Durante 2010 e 2017, R$ 4,7 bilhões de reais foram investidos no programa que beneficiou mais de 800 mil famílias, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Apenas entre 2015 e 2017, mais de 30 milhões de consumidores foram beneficiados pela distribuição de alimentos da agricultura familiar por meio do PAA. Apesar da importância desta política, o corte de gastos resultou na diminuição de R$ 210 milhões no orçamento previsto para 2018.

O valor que deixou de ser arrecadados pelo governo federal por causa da isenção de impostos de agrotóxicos também é 50 vezes maior que o valor destinado para a titulação de territórios quilombolas no Brasil. Com esse dinheiro, também seria suficiente arcar com a manutenção anual do Museu Nacional no Rio de Janeiro durante 18 mil anos. O corte de gastos e a falta de repasses – que deveriam chegar a R$ 500 mil por ano –  resultaram no incêndio do museu no dia 2 de setembro.

Além dos prejuízos aos cofres públicos pela falta de arrecadação, as entidades que ingressaram na ADI também alertam que esse incentivo ao uso de venenos agrícolas traz outros gastos ao governo: um estudo publicado na revista Saúde Pública revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, o custo externo em razão de intoxicação gira em torno de U$$ 1,28.

Benefício injustificável

A avaliação para a isenção fiscal de algum produto passa pela análise dos princípios da essencialidade tributária. Esse princípio determina que, quanto maior a importância social do bem, haverá benefícios e incentivos fiscais do Estado. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade, deve ter isenções ou reduções tributárias.

Esse é um princípio importante, que serve para reduzir as desigualdades sociais e facilitar o consumo de bens básicos para a reprodução da vida da população. No entanto, a essencialidade dos agrotóxicos para a população é questionada pelas entidades que ingressaram como amicus curiae. “Não se pode considerar como essenciais os produtos que são comprovadamente danosos a saúde humana, ao meio ambiente e à vida. Essenciais são os alimentos saudáveis, não os agrotóxicos”, ressalta Naiara Bittencourt .

As entidades também apontam que os benefícios aos agrotóxicos foram concedidos sem justificativa concreta e sem debate com a sociedade civil. O principal argumento é de que os venenos agrícolas seriam imprescindíveis para a economia nacional. No entanto, ao apresentar manifestação nesta Ação Direta de Inconstitucionalidade, após requerimento do Ministro do STF Relator Edson Fachin, o Ministério da Fazenda não apresentou fundamentos oficiais escritos para a concessão das isenções aos agrotóxicos.

Por Franciele Petry Schramm Com informações de Naiara Bittencourt e Thales Mendonça

Fonte: Terra de Direitos

Audiência pública discute impactos do agronegócio nos povos Guarani e Kaiowá nesta quarta, em Dourados (MS)

O impacto de atividades empresariais nos povos indígenas Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul será tema de uma audiência pública que acontece na quarta-feira (29/08), às 14 horas, no auditório do Ministério Público Federal em Dourados.

A audiência pública tem como objetivo discutir os impactos de empresas do agronegócio ligadas à indústria da soja e da carne nos povos indígenas Guarani e Kaiowá. O tema da audiência faz parte de uma pesquisa realizada pela Repórter Brasil, com o apoio da FIAN Internacional, que analisou casos que retratam essa relação.

“O tema foi escolhido diante do histórico de violência vivenciado pelo povo guarani no Brasil, em especial no Mato Grosso do Sul, muitas vezes em episódios protagonizados pelo próprio aparato estatal. O Estado é um grande produtor de grãos, cana-de-açúcar e gado – atividades que têm se expandido nas cercanias ou mesmo dentro de terras já demarcadas ou reivindicadas pelas comunidades indígenas”, destaca trecho da pesquisa que será apresentada na audiência.

A audiência pública é organizada pela Aty Guasu, MPF, CIMI, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas, Repórter Brasil e Heks/Eper.

Missão

A audiência pública integra a programação da Missão Guarani e Kaiowá realizada pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Repórter Brasil e Heks/Eper, que entre os dias 22 a 29 de agosto percorrem a região para avaliar a situação de violações de direitos humanos  sofridas por estes povos.

Ascom Fian/Brasil

 

Campanha #SóAcreditoVendo pede fim do sigilo fiscal dos gastos tributários

Brasil perde cerca de R$ 250 bilhões – equivalentes a 4% do PIB – com gastos tributários que não são divulgados. Campanha lançada pelo Inesc pede transparência

Todo ano, o Brasil perde cerca de R$ 250 bilhões* com gastos tributários que o governo federal concede para empresas, instituições ou pessoas físicas. Mas quem, exatamente, recebe esses incentivos? Eles são de fato benéficos para o conjunto da sociedade? Buscando respostas para essas questões, o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) lançou nesta sexta-feira (24) a campanha #SóAcreditoVendo, que pede transparência no processo de concessão de incentivos fiscais.

De acordo com o manifesto da campanha, a falta de transparência e monitoramento dos gastos tributários acaba “gerando alterações de mercado e criando privilégios que aumentam a injustiça do sistema tributário brasileiro”. Da maneira como está organizado hoje, nosso sistema está concentrado em tributos regressivos e indiretos, justamente os que oneram mais os trabalhadores e os pobres.

>>> Assine aqui o manifesto que será entregue ao STF e ao Senado Federal <<<

O argumento do governo é de que esses incentivos e benefícios – que equivalem a 4% do PIB – podem aumentar a oferta de emprego e o crescimento econômico do país. Mas o Inesc defende que a população precisa ‘ver para crer’: “Sendo o gasto tributário um gasto público indireto, ele deveria respeitar o princípio de transparência e publicidade do orçamento público. Com isso, seria possível verificar se as promessas de aumento de emprego e crescimento econômico em troca das isenções tributárias realmente ocorrem”, explica Grazielle David, assessora política do Inesc.

Apoiam a campanha organizações como a Fian Brasil, o Ibase, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, a Internacional de Serviços Públicos (ISP) e a ACT – Promoção da Saúde.

O que diz a lei?

O nosso Código Tributário Nacional diz que o Estado não pode divulgar informações sobre a situação econômica e financeira dos contribuintes. O próprio Código prevê algumas exceções, porém os gastos tributários não estão entre elas.

A campanha #SóAcreditoVendo defende que os incentivos fiscais devem ser considerados como gasto público indireto e, como tal, enquadrados dentro das exceções do Código e também dentro dos princípios de publicidade do orçamento público.

Já existem precedentes: em 2015, o Superior Tribunal Federal (STF) se manifestou a favor do acesso público a esses dados. O STF entende que o sigilo pode ser relativizado quando existir o interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. Também existem projetos de Lei em tramitação no legislativo que pedem o fim do sigilo fiscal dos gastos tributários.

*Dados oficiais da Receita Federal. A estimativa do TCU, que trabalha com um conceito ampliado de gastos tributários, é de R$354,7 bilhões.

Conheça a campanha e assine o manifesto: www.soacreditovendo.com.br

Fonte: Inesc

FIAN Brasil participa de debate sobre agrotóxicos na TV Câmara

 

Fonte: TV Câmara

O assessor da FIAN Brasil, Lucas Prates, participou na última segunda-feira (21/05) de um debate na TV Câmara sobre o Projeto de Lei nº 6299/02, que pretende revogar a atual lei de agrotóxicos.

Representando o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Lucas falou sobre os perigos que esse projeto oferece para a alimentação adequada e saudável.

Assista a íntegra do debate no link abaixo:

https://www.youtube.com/watch?v=RtJOp3rcyMg

Feira da barganha: ano começa tóxico no Congresso

Frente Parlamentar da Agropecuária volta a pressionar com força pelo Pacote do Veneno, desta vez em troca de apoio ao governo para aprovar Reforma da Previdência

O ano de 2018 mal começou no Congresso e a parceria entre governo e ruralistas já está pegando fogo. Isso porque um governo desesperado por apoio para aprovar suas reformas voltou a costurar nos bastidores com a maior bancada do Congresso a flexibilização das regras de agrotóxicos. A oferta de troca agora são votos a favor da polêmica Reforma da Previdência.

Sem o apoio ruralista, o governo fica de mãos atadas para aprovar as matérias de seu interesse. Por isto, ceder aos interesses do agronegócio configura como moeda de troca valiosa para o Planalto garantir as reformas desejadas pelo presidente Temer. Na prática, isso significa que governo e Congresso barganham nossa saúde e a proteção do meio ambiente por apoio parlamentar em Brasília.

Estamos falando de trocas extremamente perigosas, especialmente pelo fato de serem primordiais para os respectivos interessados. Se por um lado o presidente insiste para ver aprovada sua tão desejada reforma na tentativa de colocar um propósito em sua gestão, por outro os ruralistas anseiam pelo encaminhamento de sua própria e querida proposta, apresentada em 2002 e hoje transformada em um verdadeiro Frankstein de anexos sob um único Projeto de Lei, o (PL) 6299/02.

Trata-se do Pacote do Veneno, um conjunto de medidas a favor dos pesticidas e que atende a desejos da indústria e interesses de boa parte dessa bancada. Seria um marco histórico para os ruralistas aprovar essa medida e segundo o site JOTA, o deputado ruralista Luiz Nishimori (PP/PR), relator da proposta, prometeu apresentar o texto da lei até março para votação.

De acordo com Marina Lacôrte, da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil, se o Pacote do Veneno for aprovado, o Brasil, que já é um dos campeões mundiais em uso de agrotóxicos, abrirá ainda mais suas portas para essas substâncias. “Os agrotóxicos são os principais responsáveis pela perpetuação desse modelo de produção agrícola que é altamente impactante e que coloca em risco o futuro da nossa produção e de nossas condições de vida. Ao contrário do que o agronegócio costuma dizer, essa não é a única forma de se produzir e existe sim um novo caminho capaz de fornecer alimentos para todos”, explica ela.

Para se ter uma ideia, um dos objetivos dos ruralistas é mudar o termo “agrotóxico”, que passaria a chamar “defensivo fitossanitário” – uma clara tentativa de mascarar sua nocividade – e desconsiderar os impactos à saúde e ao meio ambiente no processo de aprovação de novas substâncias. Além disto, a proposta é tão escancarada que será admitida a possibilidade de registro de substâncias comprovadamente cancerígenas.

“Este pacote vai totalmente na contramão do que a sociedade quer. O que precisamos urgentemente é aprovar medidas e políticas para diminuir a quantidade de veneno no campo, e não aumentar. Como o Greenpeace e a agência de monitoramento vêm mostrando, os agrotóxicos têm ido parar no nosso prato e colocam em risco a nossa saúde e a de nossas crianças”, defende Lacôrte.

Este é justamente o objetivo da PNARA, a Política Nacional de Redução de AgrotóxicosAcolhida no início de 2017 pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a PNARA aguarda há mais de um ano a instalação de uma Comissão Especial para começar a tramitar. Por isso é muito importante que continuemos a fazer pressão pela sua aprovação. Lançada no ano passado, uma petição para apoiar a PNARA e dizer não ao Pacote do Veneno já conta com cerca de 80 mil assinaturas.

Se você ainda não assinou a petição, aproveite agora. Se já assinou, compartilhe em suas redes, com amigos e familiares. Não podemos mais engolir tanto veneno!

Fonte: Greenpeace / Crédito foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Agricultura da morte: estudo mostra que produtos brasileiros têm alto nível de veneno

O atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” traz como foco as relações comerciais entre as diversas nações e mostra que, apesar da legislação rígida sobre o uso de veneno, grande parte dos países europeus compram produtos do Brasil que possuem altos índices de defensivos químicos.

De acordo com atlas, o Brasil é o grande exportador de açúcar, etanol, soja, milho e café, e tem países da União Europeia como os principais compradores. Fruto de uma pesquisa da geógrafa Larissa Bombardi, professora do departamento de geografia da Universidade de São Paulo, o documento destaca ainda que essa relação entre Brasil e União Europeia possui diversas facetas.

Uma delas diz respeito a quantidade de agrotóxicos usada nos alimentos exportados. De acordo com dados de 2008 da European Environment Agency, os países europeus usam de 0 a 2 kg de agrotóxicos por hectare na agricultura. Já no Brasil, a média é de 8,33kg de veneno por hectare, podendo chegar a 19 kg por hectare em estados como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso.

Somente no cultivo da soja brasileira, se permite o uso de um dos agrotóxicos mais nocivos, o glifosato, cerca de 200 vezes mais do que é permitido na Europa.

O Brasil consome 20% de todo agrotóxico comercializado no mundo e, segundo dados de 2016 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em menos de 15 anos o país aumentou em 135% o consumo de venenos na agricultura, passando de 170 mil toneladas nos anos 2000 para 500 mil toneladas em 2014.

Além disso, a autora do estudo analisa o modelo da agricultura brasileira, regida pela lógica da mundialização. A prática tem se consolidado por meio da ampliação das monoculturas, que é quando se produz apenas um tipo de produto agrícola em grandes áreas. A técnica é danosa ao solo e, de acordo com o estudo, tem por consequência o uso excessivo de venenos.

Os impactos do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores do campo também são explorados no atlas. Os índices de intoxicação estão concentrados no Centro Sul do país. O Ministério da Saúde afirma que há cerca 8 intoxicações por dia por agrotóxicos no Brasil.

O estudo chama atenção ainda para as notificações sobre o uso dos defensivos para tentativas de suicídios. Em 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram 1.796 casos. Em São Paulo, por exemplo, das 2.055 notificações de intoxicação por agrotóxicos, 844 referiam-se à tentativa de suicídio.

O atlas “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia” esta disponível para download no blog da autora.

 

Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

Fonte: Brasil de Fato

Racismo é um dos fatores de insegurança alimentar da comunidade de Brejo dos Crioulos, aponta Diagnóstico

“A gente tem muita dificuldade na educação, os jovens terminam o Ensino Médio e depois não tem mais o que fazer, a gente queria estudar, fazer cursos, mas não tem condição. Tem jovens na comunidade que não conseguem ligar um computador e por que isso acontece? Porque eles não têm acesso e precisam conquistar isso também”.

O depoimento é da jovem Joana Dark Rodrigues, 20 anos, da comunidade de Brejo dos Crioulos, que falou sobre as dificuldades de acesso à saúde, educação dos jovens quilombolas durante o debate de lançamento da publicação Diagnóstico de violações de direitos e situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em Brejo dos Crioulos, realizada no dia 9 de junho, em Brasília.

Brejo dos Crioulos é um caso emblemático da luta das comunidades quilombolas no país. O Estado brasileiro reconheceu a comunidade como quilombola em 2003 e o Decreto de desapropriação das terras da comunidade foi emitido em 2011. A comunidade iniciou, por conta própria, o processo de retomada em meados de 2004. “Os fazendeiros se uniram, nós éramos minoria, mas também fomos engrossando com os companheiros. Nós conseguimos o território, mas queremos produzir a alimentação, não temos postos de saúde, não temos estrada boa, e aí como vamos fazer?”, questionou José Carlos de Oliveira, mais conhecido como Véio, 56 anos, da comunidade de Brejo dos Crioulos, onde vivem cerca de 400 famílias.

A elaboração do Diagnóstico iniciou em janeiro deste ano e é fruto de uma análise antropológica que baseia uma avaliação das principais violações de direitos humanos sofridas pela comunidade. Entre as principais observações da publicação para a situação de insegurança alimentar da comunidade destacam-se a seca, falta de empregos, não conclusão da desintrusão da terra, pouco ou nenhum impacto de políticas públicas para prover Direitos Humanos, cortes no Programa Bolsa Família, entre outros fatores.

A Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) da comunidade, foi observada a partir de três situações: segurança, insegurança leve e insegurança grave. “A segurança alimentar foi observada em uma minoria das famílias as quais têm algum tipo de renda vindo da aposentadoria, Programa Bolsa Família ou do trabalho remunerado. A insegurança alimentar leve e moderada referem-se àquelas famílias as quais têm a preocupação com a falta iminente de alimentos, situação da maioria das famílias da comunidade devido ao conjunto dos fatores apresentados pelo relatório – seca, falta de políticas públicas, entre outros. Por fim, a insegurança alimentar grave está relacionada com a falta de alimentos em quantidade e qualidade, o que atinge uma parcela considerável da comunidade”, apontou o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil, Lucas Prates.

Conquista da terra não garante acesso a políticas públicas

A conquista da terra não garante políticas públicas, essa é uma das principais conclusões do diagnóstico. “O diagnóstico geral da FIAN Brasil é o de que as famílias quilombolas de Brejo dos Crioulos são levadas a viver em preocupante situação de violações dos seus direitos humanos. Diante da omissão histórica do Estado brasileiro, ou de ações diretas que impactam o direito destes quilombolas, o desafio é fazer com que seus direitos sejam respeitados, protegidos, promovidos e providos”, ressaltou a assessora de direitos humanos da FIAN Brasil, Luana Natielle.

Joana Dark fala das dificuldades dos jovens quilombolas

Entre as violações sistêmicas de Direitos Humanos, que acabam violando o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas destacam-se o racismo institucional, a invisibilização do trabalho das mulheres e a falta de água, que é um dos fatores determinantes. “Estamos sem água há 5 meses, a água chega por caminhão pipa, no dia que o caminhão não vem, a gente fica sem água”, contou Joana Dark.

“Já ouvi muita gente dizendo que não precisa demarcar terra para quilombola porque quilombola não produz nada. Nossa comunidade não produz não por nossa culpa”, afirmou Véio.

A região do Norte de Minas Gerais é uma das mais violentas do estado, afirma Ana Paula Alencar Silva, membro da Comissão Pastoral da Terra de MG. “Estamos em uma região muito violenta, o Véio já sofreu tentativas de homicídios e o Estado obriga a comunidade a conviver com os criminosos porque não terminou a desintrusão do território. A região do Norte de minas é caracterizada por grandes projetos, como mineração, monocultura e o povo tradicional quilombola, geraizeiro, camponeses, em geral, são vistos como empecilho e como atraso para o desenvolvimento”.

Racismo

“A questão racial continua sendo determinante para a construção de políticas públicas. Existe uma sistemática discriminação racial contra os quilombolas, seja no processo de formulação das políticas, seja na execução destas A demarcação, incompleta, das terras, conjuntada com a ausência quase que total de políticas específicas para estas comunidades negras rurais, resulta em quadro alarmante de insegurança alimentar na comunidade.”, destacou Luana Natielle.

Para a pesquisadora Ana Maria Segall-Corrêa existe uma condição histórica que fará com que a situação da população negra seja sempre desfavorável. “O racismo na sociedade brasileira mantém essas condições desfavoráveis, mantém a vulnerabilidade, mesmo quando as pessoas negras atingem renda mais alta e a situação dos quilombos no Brasil retratam este cenário de exclusão e iniquidades história que impactam diretamente na questão da segurança alimentar e nutricional”.

Apresentação do Diagnóstico foi realizada no dia 9 de junho

Incidência

Uma agenda de incidência política foi realizada no dia 8 de junho junto aos órgãos federais para tratar sobre a situação da comunidade de Brejo dos Crioulos. Os representantes da comunidade Joana Dark e José Carlos participaram de reuniões com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (responsável por Povos e Comunidades Tradicionais) do MPF, com o Conselho Nacional de Direitos Humanos, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – principal responsável pelo Programa Brasil Quilombola), com o INCRA, com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR e com a Defensoria Pública da União . A agenda foi acompanhada pelos assessores da FIAN Brasil Luana Natielle e Lucas Prates, pelo presidente do CAA, Elizeu Oliveira e pela representante da CPT, Ana Paula Silva.

Parcerias

O diagnóstico de Brejo dos Crioulos é uma parceria entre o CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas e CPT – Comissão Pastoral da Terrra e apoio financeiro de Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.

FIAN Brasil

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). No país desde 2000, a FIAN Brasil realiza o acompanhamento e monitoramento de casos de violações de direitos humanos, bem como ações de incidência, advocacy e articulação na área de direitos humanos e direitos correlatos, com ênfase no DHANA.

Novos conselheiros: entrevista da FIAN Brasil para o Consea

“A proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária”, afirma o conselheiro Marcelo Brito. Professor de filosofia da rede pública de educação do estado do Mato Grosso do Sul e graduando em geografia, Marcelo Brito é diretor-presidente da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e tomou posse na nova gestão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) na primeira plenária de 2017, realizada no último dia 18 de maio.

O conselheiro demonstra preocupação com discussões em andamento no Congresso Nacional que representam graves ameaças à segurança alimentar e nutricional como a Proposta de Emenda às Constituição n° 215/2000, que retira do Poder Executivo e transfere para o Legislativo a competência sobre a homologação de terras indígenas. Ele cita ainda a Medida Provisória n°759/2016, que trata da regularização fundiária rural e urbana, que põe em risco o direito à terra, primordial para a produção de alimentos.

Confira a entrevista.

Como a Fian avalia a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil?

Marcelo Brito: A ausência da plena realização do DHAA no Brasil criou, historicamente, diversas violações de direitos humanos, muitas extremamente graves, a exemplo da fome. A garantia do DHAA cresceu muito no Brasil pós-redemocratização, especialmente entre 2003 e 2016, com o reestabelecimento do Consea, a promulgação da Losan [Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional], a criação e efetivação de políticas públicas essenciais e muitas vezes inovadoras, a exemplo do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e do Bolsa Família, todas conquistas da sociedade civil brasileira em prol deste direito humano. Contudo, desde 2016, o que vemos é um grave retrocesso de direitos e políticas públicas que garantem esses direitos. A reforma da previdência, a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95 são exemplos disso. Nosso trabalho e o de parceiros já indicam que há premente risco de que a fome volte a impactar com força o país, especialmente no que tange a PCTs [povos e comunidades tradicionais] e as parcelas mais pobres da população.

Quais projetos em andamento no Congresso representam ameaças à segurança alimentar e nutricional?

Marcelo Brito: O cenário atual é tão intenso, complexo e conturbado que fica difícil indicar somente alguns projetos. Contudo, neste exato momento, algumas ameaças podem ser apresentadas como as de maior impacto. Neste sentido, como indicado acima, as grandes reformas propostas pelo Executivo Federal (Previdência e Trabalhista) impactarão diretamente na qualidade da alimentação da população brasileira. No que tange PCTs, a PEC 215 [Proposta de Emenda à Constituição n° 2015/2000] continua avançando, englobando em seu texto outras ameaças, como a teoria jurídica do marco temporal. No campo territorial e ambiental, a MP 759 [Medida Provisória n° 759/2016] e a nova lei do licenciamento ambiental são também ameaças gravíssimas que tornarão ainda mais injusta a distribuição e uso da terra no país. No que tange o tema dos agrotóxicos, o projeto de lei n° 6299/2002 tramita em regime de prioridade e contêm apensadas em si outras 16 propostas legislativas perversas à regulação destes venenos.

Em janeiro deste ano, a Fian divulgou informações sobre a situação dos quilombolas em Minas Gerais. Que políticas públicas precisam ser desenvolvidas nessas comunidades para garantir o direito humano à alimentação?

Marcelo Brito: A Fian Brasil lançará o relatório em junho, mas, de acordo com nosso acompanhamento do caso — que se dá desde 2007 — podemos indicar que o processo de luta por direitos de Brejo dos Crioulos avançou muito com a conquista do direito à terra, mas que neste momento as violações de direitos humanos que se colocam dizem respeito à finalização deste processo e à garantia de políticas públicas de produção, de acesso à água, sementes tradicionais, entre outras questões essenciais para a produção agrícola tradicional deste povo quilombola. Estas questões são tão importantes que percebemos, na pesquisa que resultou neste relatório, que muitas pessoas ainda passam fome em Brejo dos Crioulos e que o risco desta fome aumentar em breve é muito grande devido a cortes no Programa Bolsa Família, à falta de atenção do Estado para as políticas públicas acima indicadas, e à retirada de direitos que está em marcha no plano do governo federal.

Quais temas devem ser priorizados nos debates do Consea?

Marcelo Brito: Vivemos em um momento muito complexo, como disse acima, em que os retrocessos de direitos humanos e de construções democráticas estão ocorrendo em marcha acelerada. Neste sentido, pautas reativas e protetivas são as mais emergenciais, de modo a se garantir que as propostas legislativas, judiciais e do Poder Executivo não passem. Sendo assim, as pautas indicadas acima servem de base, assim como outras questões prementes, como a criminalização de movimentos sociais e defensores/as de direitos, a necessidade de se restabelecer plenamente a ordem democrática no país, e a questão do MATOPIBA, nova “fronteira agrícola” que está sendo dilacerada pelo agronegócio brasileiro e internacional. Além disso, pautas propositivas são sempre essenciais, principalmente quando já não se encontram inseridas nestas que citei acima. Neste sentido, a proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária.

Entrevista: Beatriz Evaristo

Fonte: Ascom/Consea

Lutar contra os agrotóxicos e em defesa da vida é urgente e necessário

Neste dia 7 de abril de 2017, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida completou 6 anos de luta e de construção da resistência contra os agrotóxicos. Desde o início, seu objetivo é denunciar o modelo do agronegócio e seus impactos nos territórios, e fortalecer uma ampla rede com movimentos populares da cidade e do campo, instituições de pesquisa e ensino, e todas as organizações empenhadas em estudar, monitorar, denunciar e construir ações que deem visibilidade ao problema dos agrotóxicos.

Uma iniciativa em defesa da vida

De fato, a luta contra os agrotóxicos existe desde que os agrotóxicos surgiram. Contudo, em 2010, quando o Brasil se tornou oficialmente o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, diversas organizações que lidam com tema da luta pela terra, agroecologia e saúde sentiram a necessidade de criar um instrumento concreto para ações conjuntas. Desta forma, no dia 7 de abril de 2011 foi lançada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, coincidindo com Dia Mundial da Saúde.

Atualmente, a Campanha é construída por uma diversidade de mais de 100 organizações nacionais e regionais, tornando-se uma grande rede de ação na luta contra os agrotóxicos. Trata-se de uma articulação da sociedade civil que tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio para a população, e anunciar alternativas de modelo de organização da produção de alimentos baseadas na agroecologia. Neste contexto, a luta contra os agrotóxicos torna-se indissociável da luta contra os transgênicos, já que ambos fazem parte do mesmo pacote tecnológico imposto pelo agronegócio.

Atuação em Rede

Diante das ofensivas cada vez mais agressivas de flexibilização da legislação de agrotóxicos no Brasil, fica clara a necessidade da atuação em rede para ampliar o escopo de comunicação dos efeitos do agronegócio sobre a saúde da população brasileira.

Neste sentido, foi lançada em março de 2017 a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, uma iniciativa unificada com dois objetivos: (i) barrar o Pacote do Veneno, um conjunto de projetos de lei que têm por objetivo revogar a atual Lei de Agrotóxicos (Lei 7802/1988), colocando a “Lei de Defensivos Fitossanitários” em seu lugar; e (ii) Mobilizar pela aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA – PL6670/2016).

O site http://chegadeagrotoxicos.org.br, que coleta assinaturas pela aprovação da PNaRA, foi lançado no dia 16 de março e já conta com mais de 45 mil apoios. Nele, a sociedade encontra informações sobre a PNaRA e o Pacote do Veneno. A articulação para construção desta plataforma reuniu entidades como a Via Campesina e seus movimentos, Fiocruz, Abrasco, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Greenpeace, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Ministério Público, FIAN, Movimento Slow Food, Aliança pela Alimentação Saudável e ACT Promoção da Saúde, e ainda com potencial de se expandir.

A partir do mês de maio, iniciaremos uma série de lançamentos da plataforma com atividades nos estados, de modo a ampliar ainda mais o apoio popular à produção de alimentos saudáveis, fortalecendo a agroecologia e a reforma agrária na opinião publica.

Mudanças na Legislação

No Brasil na atualidade, há uma pressão para inflexão dos marcos regulatórios, de avaliação e monitoramento caminhado para uma flexibilização do marco legal e das agências reguladoras como a Anvisa. Isso cria uma insegurança para toda a população que poderá ficar mais vulnerável e ter maiores impactos sobre a saúde humana e no ambiente.

É nesta conjuntura que a bancada Ruralista busca concluir o processo legislativo de um novo regulamento para os agrotóxicos com o PL 6299/2002, que torna mais fácil a liberação de variedades de agrotóxicos, inclusive alguns que já foram banidos em outros locais do mundo, representando um retrocesso significativo o para conjunto da população e o ambiente.

Temos clareza do desafio que tem sido e será fazer oposição a pauta dos agrotóxicos, principalmente com este governo Golpista e um Congresso Nacional reacionário que visa seguir o retrocesso nesta pauta.

No entanto também temos a certeza de que a questão dos agrotóxicos ainda é uma das maiores contradições deste modelo do agronegócio, ou seja, alimentar-se e envenenar-se ao mesmo tempo é algo que assusta a população. Nossa tarefa é que estas contradições e estes retrocessos fiquem expostos para o conjunto da sociedade e assim contribuir para uma massa crítica que se preocupe com debate dos alimentos e com modelo de produção e de sociedade.

*Por Nivia Silva, membra da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e do MST.

Fonte: Brasil de Fato

Prato do Dia #1: A carne é fraca e os alimentos não são mercadorias

A Operação “Carne Fraca” da Polícia Federal traz para o debate público as práticas das grandes empresas do agronegócio, como a JBS e a BRF, no ramo da alimentação. Independente das críticas que a operação vem sofrendo, especialmente por parte do governo, os fatos já demonstram como as grandes empresas podem gerar violações de direitos em todas as etapas do processo alimentar, isto é, desde  a produção de alimentos até o seu aproveitamento, depois do seu consumo por seres humanos.

Em primeiro lugar é importante apontar a pequena capacidade do Estado em fazer frente de maneira efetiva a todas as irregularidades que acabam sendo servidas como violações de direitos no prato de cada um de nós: soja no lugar de frango, soda cáustica no leite, carne apodrecida, agrotóxicos não permitidos ou usados além do permitido, e por aí vai – o cardápio é extenso. Sem ações reguladoras efetivas, não há garantia do direito à alimentação e nutrição para a população.

A mídia acaba tratando o assunto de maneira, no mínimo, curiosa. Em agosto de 2016, foi lançado o PlanoAgro+ pelo Governo Federal, o qual conta com 69 medidas imediatas (de quase 300 previstas) de redução da fiscalização sanitária – isto é, são medidas afetas à saúde pública, adotadas por Blairo Maggi, Ministro da Agricultura, sob o pretexto de que cabe ao mercado punir quem não produz como se deve. A mesma mídia que divulgou com cara de nojo a operação policial a “Carne é Fraca”, festejou o PlanoAgro+ como uma medida de desburocratização do agronegócio, sem falar da importância das medidas de regulação da produção e consumo de alimentos para a saúde pública. Muito barulho, pouca informação.

Com relação à comercialização de alimentos, é também importante registrar que, se de um lado existe uma liberalização de regras para o agronegócio, de outro existe imposição de exigências de produção e comercialização que afetam, principalmente, a agricultura familiar e camponesa, incluindo a perseguição e criminalização de mecanismos tradicionais de intercâmbio não mediados pelas leis do mercado – a exemplo das feiras de rua e da produção artesanal de alimentos. Neste contexto, torna-se ainda mais grave a injustiça percebida na diferença de apoio dado pelo Estado Brasileiro ao agronegócio e à agricultura familiar – embora seja essa a que mais produz e alimenta a população e a que mais emprega no meio rural.

Outra reflexão importante a fazer no contexto da operação Carne Fraca é que por um lado, ainda existem parcelas da sociedade brasileira que sofrem de fome e, de outro, grande parte da população possui altos índices de sobrepeso e obesidade: segundo os dados mais recentes da FAO, por exemplo, 54,1% dos adultos brasileiros estão com sobrepeso, e 20% com obesidade. A essência dos negócios de JBS, BRF e empresas similares constitui uma causa principal dessas duas situações antagônicas: a produção e o consumo exagerados e insustentáveis de proteína animal. Sofremos a imposição de um modo agroindustrial baseado na produção de alimentos altamente processados que respondem a necessidades alimentares criadas por outras culturas e interesses e, além disso, é frágil a regulação da publicidade de alimentos, mesmo quando o alvo dessa publicidade são crianças, público que deveria ser a prioridade absoluta do Estado, quando falamos de garantia de direitos.

Do ponto de vista do setor produtivo, a produção pecuária pautada em alimentação dos animais com cereais, bem como no grande desmatamento causado pelas pastagens e para a produção de tais cereais, representa impactos para todo o mundo. Em 2006, a FAO estimou que o pastoreio ocupava uma área equivalente a 26% da superfície terrestre livre de gelo do planeta, enquanto 33% do total de terras aráveis ​​eram dedicados à produção de alimentos para animais, especialmente o milho e a soja. O estudo da FAO estimou que o setor pecuário era responsável por 18% das emissões de gases de efeito estufa medidas em equivalente de CO².

Existem ainda os conflitos agrários por trás da produção de carne. O caso dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é um exemplo de como a criação de gado e grãos afeta seus territórios tradicionais e suas vidas, expondo-os a casos de despejos, torturas, ataques e assassinatos de suas lideranças.

De outro lado, o alto consumo de carne em países desenvolvidos tem contribuído para doenças crônicas, incluindo obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer. De modo a sintetizar a importância desta questão do consumo de proteínas animais, o ex-Relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, destacou como prioridade na agenda da alimentação mundial a necessidade de se mitigar os impactos negativos da produção industrial de carne pela via do encorajamento da redução do consumo desta nas sociedades em que este consumo já atingiu níveis preocupantes.

Não será a Operação “Carne fraca” que vai colocar um fim em tudo isso. Não serão algumas operações policiais que vão redirecionar o que e como produzimos e consumimos alimentos. O que pode mudar essa realidade são leis e políticas públicas, articuladas e efetivamente participativas, que concebam alimentos como direitos e como algo fundamental para nossa vida e para nossa saúde. Para isso são necessários uma sociedade civil atenta e ativa por justiça social e ambiental, um Congresso que não seja dominado por interesses ruralistas e um governo comprometido com direitos humanos. Quando retornarmos a um verdadeiro e efetivo Estado democrático, pode ser que tenhamos comida de verdade em nosso prato.

 

Por Valéria Burity – secretária geral da FIAN Brasil e Lucas Prates – assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil