Na última terça-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu audiência pública vinculada à Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, com o objetivo de debater as isenções tributárias concedidas ao setor de agrotóxicos. O evento reuniu especialistas, representantes do poder público e de movimentos sociais para discutir os impactos do uso de agrotóxicos no Brasil, especialmente em relação à saúde, ao meio ambiente e à segurança alimentar.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a ADI questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
Sob condução do ministro e relator da ação, Edson Fachin, a audiência contou com exposição de representantes de diversas organizações da sociedade civil, parlamentares, representantes do Executivo e de institutos de pesquisa.
Durante a audiência, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) destacou que o agronegócio é responsável por envenenar a população, os alimentos e águas. Por isso, “a importância de tributar e não isentar de imposto o mercado de agrotóxicos”.
Entre os expositores, Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), trouxe à tona casos de populações indígenas afetadas pela contaminação por agrotóxicos. Ele destacou, em particular, os recentes conflitos em Terra Roxa, onde a disputa territorial pela demarcação de terras indígenas é marcada pelo uso frequente de agrotóxicos como armas químicas. Terena ressaltou a violência e os riscos que essas substâncias representam para as comunidades que já enfrentam desafios históricos de sobrevivência e dignidade.
Darcy Frigo, diretor executivo da Terra de Direitos, também foi enfático em sua fala, criticando o argumento de que os incentivos fiscais aos agrotóxicos seriam necessários para garantir a segurança alimentar da população brasileira. Frigo destacou que o agronegócio não é responsável pela alimentação do povo brasileiro, uma vez que 84% dos agrotóxicos utilizados no país são destinados à produção das quatro principais commodities de exportação — soja, milho, algodão e cana-de-açúcar — cujos preços são definidos pelo mercado internacional. Por outro lado, a agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais são responsáveis por grande parte da produção dos alimentos consumidos internamente, utilizando significativamente menos agrotóxicos. Ele ainda afirmou que a agricultura familiar é responsável por produzir 69,6% do feijão, 83% da mandioca, 45,6% do milho e 38% do café no Brasil.
Fernando da Cunha, Defensor Público da União, abordou o crescente número de processos relacionados a problemas de saúde causados pela exposição a agrotóxicos. Ele questionou o custo de uma vida para o poder público, sinalizando que a saúde da população e a proteção do meio ambiente não podem ser tratadas como questões secundárias.
A geógrafa Larissa Bombardi também contribuiu com dados alarmantes sobre os impactos da exposição a agrotóxicos, especialmente em bebês. Bombardi destacou que cinco dos principais agrotóxicos usados no Brasil são proibidos na União Europeia, devido aos riscos que representam tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente.
Adelar Cupsinski, assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil, em sua sustentação destacou os resultados de pesquisas realizadas pela organização em territórios onde atua, com foco na exigibilidade do direito humano à alimentação e nutrição adequadas. Segundo Cupsinski, todas as investigações realizadas revelaram a contaminação por agrotóxicos, apontando um risco significativo à saúde e à segurança alimentar. Cupsinski ressaltou que qualquer ação ou omissão que afete negativamente a produção ou o consumo de alimentos, especialmente quando contraria os princípios dos direitos humanos, configura uma violação desses direitos.
Representando o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o engenheiro agrônomo Álvaro Delatorre defendeu a necessidade de uma transição para a produção orgânica, agroecológica e regenerativa. Ele afirmou que a agenda para o futuro deve incluir a soberania alimentar, a função social da terra e a democratização do acesso à terra.
Para o deputado estadual Renato Roseno (Psol-CE) é “uma questão de justiça ambiental, justiça fiscal e tributária que o agronegócio pague imposto [sobre os agrotóxicos] e ajude a financiar as políticas sociais e, sobretudo, a transição agroecológica”.
Durante as exposições, diversos participantes ressaltaram que a isenção fiscal concedida ao setor de agrotóxicos viola direitos fundamentais, como o direito ao meio ambiente saudável e o princípio da equidade geracional. É dever do Estado proteger as gerações futuras, adotando políticas públicas que promovam alternativas sustentáveis e seguras ao uso indiscriminado de agrotóxicos.
Por Pedro Vasconcelos, assessor de advocacy da FIAN Brasil
No dia 16 de outubro é celebrado o dia mundial da alimentação. A data coincide com a criação da Agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em um período pós-guerra no qual a segurança alimentar global emergiu como questão fundamental a ser tratada pelos Estados. A partir deste marco, a chamada “Revolução Verde” da agricultura industrial foi levada nas décadas seguintes a diferentes países, incluindo o Brasil, como promessa de combate à insegurança alimentar e garantia de desenvolvimento.
Hoje, oitenta anos depois, a fome e a insegurança alimentar ainda são grandes desafios a nível mundial: mais de 700 milhões de pessoas ainda convivem com níveis de insegurança alimentar no planeta, e mais de 2,4 bilhões de pessoas não conseguem ter acesso a uma alimentação saudável (SOFI, 2024). Para comer, populações em todo o mundo dependem de sistemas alimentares altamente concentrados, com a oferta de alimentos pouco diversos, cada vez mais caros e intensivos em recursos naturais. Ao mesmo tempo, a desnutrição se soma à crise climática e de obesidade, em uma sindemia global que ameaça cada vez mais direitos fundamentais, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequada (Dhana). Este direito é condição básica para a fruição de todos os direitos: sem comida adequada não podemos aprender, conviver, buscar o que queremos na vida, ter dignidade. Neste sentido, compete aos nossos tempos repensar, em um contexto de múltiplas crises e com urgência, as formas de produzir e distribuir alimentos.
A ideia corrente de alimentação saudável traz a perspectiva de comer o que nos faz bem do ponto de vista nutricional, da saúde física e do bem estar. Este certamente é um dos componentes essenciais do que o direito à alimentação considera como alimentação adequada. Um alimento saudável é adequado para nós na medida em que não possui substâncias adversas, ou seja, não nos faz mal. Entretanto, para além disso, a dimensão de adequação da alimentação se relaciona também a aspectos como sustentabilidade, cultura e acessibilidade.
Para quem apoia ou acompanha essa luta, nada tem de intempestiva a retirada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) da “mesa de conciliação” – muitas aspas cabem – proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver os conflitos possessórios entre comunidades e fazendeiros. São cinco séculos de expropriação e de ouvidos moucos das representações estatais, histórica e reiteradamente tendentes ao lado branco e proprietário.
O ato político manifesta a indisposição de legitimar um arranjo que reservava seis microfones, de um conjunto de 24, à articulação que representa esses povos. Frise-se que os indígenas, oriundos de culturas baseadas na oralidade, na coletividade e na confiança, vêm procurando jogar o jogo. Têm formado operadores do Direito – exemplo está na assessoria jurídica da Apib – e disputado cadeiras no Legislativo, como a ocupada hoje com brilho na Câmara dos Deputados por Célia Xakriabá (PSOL-MG). Mas a inviabilidade da escuta, muitas vezes expressão do racismo institucional, salta aos olhos em inúmeras situações.
Nos dias 12 e 13 de setembro, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizou sua 82ª Reunião Ordinária, que foi precedida por um seminário sobre “Controle Social das Políticas Públicas para a Garantia do Direito à Alimentação Adequada”. O evento foi promovido pela Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada e destacou a importância da alimentação saudável no contexto dos direitos humanos.
A presidenta do CNDH, Marina Dermmam, iniciou o seminário enfatizando a relevância do tema, ressaltando a defesa do conselho para que todos tenham acesso a uma alimentação de qualidade, isenta de substâncias nocivas, e que fortaleça a agricultura familiar, especialmente diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Na abertura dos debates, Heleno Manoel Gomes de Araujo Filho, membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), apresentou um levantamento de ações relacionadas à alimentação escolar. Ele destacou a ampliação da alimentação escolar para alunos do ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), e relatou dados de uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que indicaram melhorias com a inclusão de alimentos da agricultura familiar. Araujo Filho também sublinhou a necessidade de disseminar essas informações nos conselhos estaduais e municipais de educação.
Em seguida, Lavito Person Motta Bacarissa, Secretário Executivo da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), abordou a estrutura da comissão e o impacto das mudanças de governo em 2023 nas discussões sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Bacarissa destacou o desmonte de políticas durante a gestão anterior e a reintegração do Brasil ao Mapa da Fome. Ele mencionou o papel das câmaras temáticas da CNODS em fomentar políticas públicas voltadas para a alimentação saudável e a importância da participação da sociedade civil nesse processo.
Camila Sarmento, Conselheira Nacional de Saúde e coordenadora adjunta da Comissão Intersetorial de Alimentação e Nutrição (CIAN), discutiu o controle social das políticas públicas para garantir o acesso à alimentação adequada. Sarmento destacou avanços como o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos e abordou desafios relacionados à precarização do trabalho e à priorização do agronegócio em detrimento da agricultura familiar. Ela também criticou a Reforma Tributária por retrocessos, como a manutenção de descontos para agrotóxicos, e citou pesquisas da Fiocruz focadas na promoção da saúde.
O Secretário Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Samuel Carvalho, destacou a importância da transição agroecológica. Carvalho afirmou que essa mudança deve ser priorizada para garantir que o conceito de “bem viver” guie as políticas públicas, assegurando que a alimentação adequada se torne uma realidade acessível para todos.
Elisabetta Recine, presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), enfatizou o papel crucial do monitoramento do direito humano à alimentação dentro da agenda central do Consea. A presidenta do Consea destacou que, embora a fome seja a manifestação mais extrema da negação desse direito, é fundamental assegurar que a alimentação seja fornecida de maneira adequada e digna.
Elisabetta também abordou o impacto das desigualdades geradas pela concentração da rede de abastecimento, destacando que o sistema alimentar atual, que não prioriza a vida, contribui para problemas graves, como o que tem sido observado na paisagem de muitas cidades cobertas por fumaça. A presidenta do Consea ressaltou ainda que a participação social tem sido essencial para influenciar o poder legislativo e garantir que as transformações necessárias estejam alinhadas com os direitos humanos e o bem comum. “Existem agendas que só a participação popular pode sustentar, ancoradas nos direitos humanos, no bem público e no bem comum”, concluiu.
O seminário serviu como um importante ponto de partida para a reunião do CNDH, estabelecendo uma base sólida para discussões sobre o direito à alimentação adequada e a necessidade de políticas públicas eficazes e inclusivas.
O evento contou com a breve presença da nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, que destacou a importância do diálogo entre o conselho e o governo para garantir a continuidade das políticas de direitos humanos.
“Vou precisar muito do conselho. Não podemos deixar que as políticas de direitos humanos sejam interrompidas. É essencial um bom diálogo, pois as pautas tratadas aqui são fundamentais para a construção de uma sociedade justa”, afirmou Evaristo.
Durante o seminário, Joana Costa, Diretora do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SAGICAD do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), enfatizou a relevância do Cadastro Único (CadÚnico) na identificação e apoio a famílias em situação de vulnerabilidade.
Lilian dos Santos Rahal, Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, abordou a reimplementação de programas de segurança alimentar em resposta ao grave cenário de fome que o Brasil enfrenta. Ela ressaltou que a recuperação da governança e a volta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) são cruciais para a participação social no combate à fome. Lilian falou ainda do papel da secretaria que representa frente à recente discussão da Reforma Tributária no Congresso Nacional e o apelo para que seja priorizada uma reforma “3S”, saudável, sustentável e solidária. A secretária foi questionada sobre a parceria entre a Coca-Cola e o MDS, destinada ao fortalecimento de pequenos negócios no Brasil. Ao que respondeu que a postura do ministério em relação à cesta básica é clara quando se demonstra envolvida na reforma tributária, mas o acordo visou uma área econômica que priorizou a empregabilidade. “Mas não incidimos sobre esse ponto. Ainda estamos aguardando o que virá desse acordo formalizado”, afirmou Lilian.
Arthur Reis Rimoldi, Diretor do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), discutiu o papel do CAF como porta de entrada para políticas públicas voltadas ao setor. Ele falou sobre o contexto atual da rede CAF, os desafios enfrentados e os planos futuros para unificar o cadastro com outros programas, visando melhorar a efetividade das ações de apoio à agricultura familiar.
Míriam Balestro, diretora de Articulação da FIAN Brasil, trouxe informações da missão climática do CNDH realizada em assentamentos do MST, em Eldorado do Sul e Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, afetados pelas chuvas em novembro de 2023. A missão teve como objetivo verificar o impacto da emergência climática na produção de alimentos por pequenos agricultores.
Míriam iniciou sua fala destacando que, embora o Brasil possua um dos marcos legais mais eficientes para a defesa do direito à alimentação, a implementação desse direito ocorre de forma progressiva, por meio de políticas públicas, enquanto o direito de estar livre da fome deve ser implementado imediatamente, com políticas de urgência. “É o único direito gravado no sistema de direitos humanos que demanda imediata atenção, dada a urgência que a fome impõe”, afirmou Míriam.
Emiliano Maldonado, representando a Campanha Nacional Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, enfatizou a necessidade de uma produção alternativa e saudável de alimentos. Ele criticou o modelo de agronegócio que explora os recursos naturais, refletindo nas queimadas observadas em todo o país. “Continuamos a registrar novos agrotóxicos, mesmo após a troca de governo, com a aprovação do pacote do veneno”, alertou Emiliano, mencionando as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 e 7701 e as reivindicações contra o pacote que representa o que ele chamou de “colonialismo químico”. Ele também discutiu o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).
Na sequência, Fátima Aparecida Moura, representando a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), abordou o Plano Nacional de Agroecologia (Planapo) e a Carta Agroecologia nas Eleições elaborada pela ANA. Ela enfatizou a importância de aproveitar o momento atual para discutir e construir políticas públicas que promovam a agroecologia.
O evento reafirmou a urgência em fortalecer as políticas públicas de segurança alimentar e a importância do controle social na sua implementação, sublinhando o compromisso com os direitos humanos e a justiça social no Brasil. O seminário também levantou a necessidade de diversas ações, incluindo a reforma agrária e urbana, a garantia dos territórios indígenas e quilombolas para assegurar condições de vida e viabilizar arranjos produtivos, o incentivo à juventude no campo, a aprovação do Planapo em conjunto com o Pronara, o estímulo à produção de alimentos orgânicos e a inclusão da população em situação de rua no plano climático. Essas medidas visam promover uma abordagem mais integrada e sustentável nas políticas de segurança alimentar e desenvolvimento social.
As violações ao Direito Humano à Alimentação Adequada e a situação de insegurança alimentar da população brasileira atingiram índices alarmantes, sendo a presença da FOME uma violação gravíssima de Direitos Humanos.
Os casos submetidos à apreciação do Sistema Judiciário ainda são muito poucos diante do escândalo da fome. Esta situação pode e deve ser mudada. Encaminhar os casos de violação ao Sistema Judiciário é fundamental para a sobrevivência do próprio direito enquanto tal.
Frente à violação do Direito a Estar Livre da Fome e do Direito Humano à Alimentação Adequada, o Sistema Judiciário deve ser acionado. Quando há fome, duas situações são observadas, a política pública é inexistente ou falhou.
Por esta razão, o objetivo principal desta cartilha é mostrar a sociedade civil o caminho para buscar seu direito perante o Sistema Judiciário, informando como reconhecer o ciclo que envolve as violações e onde denunciar, possibilitando o exercício do controle social e a busca das reparações que se façam necessárias.
Esta cartilha proporciona uma aproximação dos leitores com conceitos que possibilitam a compreensão das violações, formas de exigibilidade do direito, explicações sobre o funcionamento das instituições (e suas responsabilidades), como formular representações perante o Sistema Judiciário, sendo também um elemento de capacitação e treinamento para o exercício do controle social sobre este Sistema.
O lançamento da cartilha acontece no dia 6 de setembro às 19h no Sindicato dos Aeroviários em Porto Alegre com a presença de Regina Tchelly, chef de cozinha, empreendedora social e fundadora do projeto Favela Orgânica.
No dia 26 de agosto, lideranças indígenas e pesquisadores debateram em audiência pública na Câmara dos Deputados a respeito da contaminação por agrotóxicos que tem afetado comunidades indígenas no país. Convocada pela deputada Célia Xakriabá, a audiência começou com um minuto de silêncio em homenagem a Tuiré Kayapó, ativista indígena notável por seu ativismo ambiental e seu confronto icônico com o presidente da Eletronorte na década de 80.
A pesquisadora Fernanda Savicki, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou estudo sobre a qualidade da água em Mato Grosso do Sul que apontava dados alarmantes em relação às amostras colhidas, onde foram encontrados compostos de alta toxicidade nas águas de nascentes, poços artesianos, torneiras e até mesmo na água da chuva na região de Caarapó, sendo destes, vários proibidos pela portaria n°888/2021 do Ministério da Saúde que estabelece os requisitos do padrão de qualidade para a água potável e na União Europeia.
Celso Japoty Alves, coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupa, relatou que as terras indígenas no oeste do Paraná estão severamente afetadas por agrotóxicos, dificultando a produção de alimentos. “Hoje é difícil colher um bom fruto por causa do veneno,” afirmou Japoty, que também entregou relatório com dados sobre a gravidade da situação nas comunidades.
O procurador da República de Dourados-MS, Marco Antônio Almeida, destacou a ausência de um monitoramento sistemático do uso de agrotóxicos no Brasil. Ele fez um apelo pela criação de um sistema de monitoramento eficaz e pela instalação de laboratórios de análise em regiões afetadas, sugerindo que isso poderia beneficiar a população em geral.
Nayara Côrtes, secretária-geral da FIAN Brasil, apresentou os resultados da pesquisa “Insegurança Alimentar e Nutricional nas Retomadas Guarani e Kaiowá”. A pesquisa tinha como objetivo atualizar os dados da situação socioeconômica, demográfica, de saúde e de insegurança alimentar e nutricional Kaiowá e Guarani realizado pelo estudo anterior (de 2013) nos territórios de Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá, incluindo nesta avaliação as comunidades de Apyka’i e Ñande Ru Marangatu.
Nayara sublinhou que a realização do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas é profundamente interdependente dos direitos à terra, território, água e meio ambiente equilibrado. Ela disse que é necessário uma regulação imediata para proteger os territórios indígenas da contaminação por agrotóxicos e sugeriu uma ação interministerial envolvendo os Ministérios da Saúde (MS), do Ministério Público Federal (MPF) e do Meio Ambiente (MMA) para definir regras de proteção. Ao final de sua fala, Célia Xakriabá destacou a importância das pesquisas para subsidiar atividades parlamentares.
Erileyde Domingues Kaiowá, liderança Guarani Kaiowá doTekoha Guyraroká, trouxe relatos fortes sobre a contaminação por agrotóxicos. “O que marca nosso território é a resistência,” afirmou Erileyde, ressaltando o impacto devastador dos produtos químicos nas comunidades. Célia Xakriabá comentou sobre a necessidade de uma economia que não prejudique as comunidades indígenas, apontando que tanto o povo quanto o Congresso precisam se “desenvenenar”.
Bruno Potiguara, diretor do Departamento de Gestão Ambiental Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, iniciou sua fala ressaltando a importância de reconhecer os sistemas alimentares indígenas para entender a insegurança alimentar. Potiguara destacou a relevância da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati) e as atuações do MPI em várias instâncias demonstrando a preocupação em relação à pauta apresentada, como na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo),na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Ele também mencionou a perda de sementes crioulas devido às mudanças climáticas, enfatizando que os indígenas pertencem à terra, mas não são seus proprietários.
Marcia Leopoldina Corrêa, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT, apresentou dados sobre como o modelo de produção e consumo afeta a natureza e os direitos humanos. Corrêa destacou que a média brasileira de exposição a agrotóxicos é de 7,3 litros por habitante/ano, enquanto no Mato Grosso esse número chega a 65 litros por habitante/ano. Ela caracterizou os agrotóxicos como armas químicas, prejudicando a saúde e o modo de vida das comunidades, além de impactar negativamente a fauna e flora. Corrêa também mencionou comunidades, como o povo Xingu, que enfrentam toxicidade aguda e precisam migrar de suas aldeias. Ela concluiu sua intervenção destacando a necessidade de uma mudança agroecológica para garantir uma produção saudável de alimentos.
Ao final da audiência, a deputada Célia Xakriabá reforçou a urgência de medidas para proteger as comunidades indígenas dos impactos dos agrotóxicos e garantir a qualidade da água e a segurança alimentar nas regiões afetadas.
No dia seguinte à audiência, as deputadas Célia Xakriabá e Dilvanda Faro, representando a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, protocolaram um requerimento dirigido ao Poder Executivo. O documento solicita a assinatura de uma portaria interministerial para a declaração das terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos e transgênicos.
A FIAN Brasil, organização dedicada à defesa e exigibilidade do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), expressa sua profunda preocupação com a situação dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul, em especial os Guarani e Kaiowá. A falta de demarcação de terras e o debate em torno do marco temporal representam sérias ameaças aos direitos humanos, territoriais e culturais dessas comunidades.
As violações dos direitos dos povos indígenas são históricas e estruturais. No caso dos Guarani e Kaiowá, embora tenham se iniciado com a invasão europeia, a partir do início do século 20 é que elas se agravam de forma crescente e constante, sobretudo a partir de 1915, com a retirada forçada desses povos de seus territórios tradicionais pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Também durante a ditadura militar, foram retirados à força de seus territórios, além de terem sofrido todo tipo de violência, como está amplamente registrado em relatórios oficiais e de organizações da sociedade civil (Ministério do Interior, 1967; CNV, 2014).
Em 27 de setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento do caso de repercussão geral (Tema 1.031 – Definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional) que envolvia a discussão sobre a tese jurídica do marco temporal e que se estendia desde 2009. Esta tese jurídica limitava os direitos de posse dos povos indígenas àquelas áreas em que ocupavam na data da promulgação da Constituição Federal brasileira, ou seja, 5 de outubro de 1988. Pela decisão da maioria dos ministros do STF, a tese jurídica do marco temporal foi considerada inconstitucional e o julgamento abriu caminhos para avançar nas demarcações das terras indígenas. Na fixação das novas teses os ministros do STF incluíram a validade dos atos e negócios jurídicos referentes ao justo título ou posse de boa-fé, circunstâncias que possibilitam o direito de indenização aos fazendeiros, das benfeitorias e até mesmo indenizações correspondentes ao valor da terra nua, o que requer a destinação de volumosos recursos do orçamento público.
Apesar dos avanços no julgamento do STF e da subsequente jurisprudência estabelecida, consolidando os direitos territoriais indígenas como direitos originários fundamentais, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701, de 20 de outubro de 2023, que regulamenta o art. 231 da Constituição para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas. A nova lei aprovada pelo Congresso Nacional brasileiro acolhe a tese jurídica outrora superada do marco temporal, limita o direito de consulta das comunidades indígenas para a instalação de empreendimentos públicos em suas terras, insere limitações ao usufruto exclusivo dos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas e permite a celebração de contratos entre indígenas e não indígenas para efetivar atividades econômicas diversas. A divergência estabelecida entre o STF e o Congresso resultou na paralisação das ações do Governo Federal relacionadas às demarcações das terras indígenas no Brasil, incluindo as ações administrativas da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A principal política para os povos indígenas no Brasil é a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas, conforme os termos da Constituição Federal de 1988. A exigência de que os indígenas estivessem presentes no local reivindicado em 1988 desconsidera que, ao longo da história, muitos povos foram forçadamente removidos de seus territórios tradicionais, como é o caso dos Guarani e Kaiowá.
Ademais, tramita no Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição 48, de 2023 (PEC 48/23), que altera o §1º do art. 231 para definir o marco temporal de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos povos indígenas. Conhecida entre esses povos como a “PEC da Morte”, a PEC 48 foi apresentada por um grupo de senadores no mesmo dia em que o Supremo formou maioria para declarar a tese inconstitucional (21 de setembro de 2023).
Para a FIAN Brasil, o marco temporal representa uma tese ruralista e anti-indígena e deve ser imediatamente suspenso pelo STF, pois viola o direito originário dos povos ao seu território ancestral, já reconhecido na Constituição de 1988 e que a PEC 48/23 tenta modificar. Além disso, essa tese desconsidera as violências e perseguições enfrentadas pelos povos indígenas há mais de 500 anos – especialmente durante a ditadura –, que impediram muitos povos de estar em seus territórios em 1988.
Caso a PEC da Morte seja aprovada, a vida dos povos indígenas estará ainda mais ameaçada. O marco temporal afetaria todas as terras indígenas (TIs) no Brasil, independentemente de sua situação, e incentivaria invasões e violências, como já ocorre nos territórios dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul.
A FIAN atua junto aos Guarani e Kaiowá desde 2005 no acompanhamento, documentação, denúncia das violações e na exigibilidade de seus direitos humanos, em especial no que tange ao direito à alimentação. Em 2013, com o objetivo de reunir dados concretos sobre as violências e violações cometidas pelo Estado brasileiro e por latifundiários contra os Guarani e Kaiowá em territórios de retomadas, conduziu uma pesquisa, com apoio da FIAN Internacional e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que revelou que 100% das famílias entrevistadas em três comunidades (Ypo’i, Guaiviry e Kurusu Ambá) sofriam de insegurança alimentar e nutricional (InSAN). Retomada é a recuperação dos territórios ancestrais diante da falta de providências demarcatórias de responsabilidade do Estado.
Os resultados destacaram a relação direta entre a fome e a privação de acesso às terras tradicionais, mostrando como a não demarcação das terras indígenas perpetua diversas inseguranças e formas de violência, exacerbando os conflitos nas comunidades (Luz et al., 2023).
Em 2023, a FIAN Brasil, com apoio de parceiros e pesquisadores ligados à Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), realizou uma nova pesquisa em cinco retomadas, sendo três delas as mesmas da pesquisa anterior, além de duas novas: Apyka’i e Ñanderu Marangatu. A pesquisa apurou que para 94,9% das famílias estudadas, retomar o território ancestral promoveu melhora da alimentação, relacionada ao acesso a matas, rios e plantações, bem como à produção e à troca de alimentos. Para quase 80,0%, a condição de saúde também melhorou. A mudança de moradia da reserva indígena, geralmente superpopulosa, sem espaço para plantio, para o tekoha promoveu o reencontro dos Guarani e Kaiowá com seus modos de ser, viver e produzir saúde (Luz et al., 2023). Tekoha, como os Guarani e Kaiowá referem-se aos seus territórios tradicionais, é “o lugar em que vivemos de acordo com nossos costumes […], [sendo esta] uma instituição divina (tekoha ñe’e pyru jeguangypy) criada por Ñande Ru” (Meliá et al., 2008).
A escassez de sementes, estacas ou mudas está diretamente ligada à expropriação de territórios, à degradação do solo e ao saque dos recursos comuns causados pela expansão agropastoril e pelo uso extensivo de agrotóxicos nas monoculturas de soja e milho. Em várias regiões estudadas foram constatados casos de pulverizações frequentes. Essa problemática é especialmente relevante no Mato Grosso do Sul, onde a monocultura é predominante, resultando em uma intensificação crescente no uso dessas substâncias. Como consequência desse modelo agrícola, a contaminação da terra, dos rios e do ar é uma realidade, afetando diretamente os habitantes locais, suas culturas, águas e a biodiversidade. Esse cenário levanta sérias preocupações quanto aos impactos na saúde das comunidades afetadas.
A insegurança alimentar e nutricional (InSAN) em todos os domicílios foi de 77,0%, sendo que a InSAN moderada (quando a qualidade da alimentação no domicílio já está comprometida e a quantidade começa a ser afetada) estava presente em 22,2% e a grave em 11,4% deles. A InSAN grave indica a insuficiência de alimentos para todas as pessoas da casa. Em ambos os níveis, é possível afirmar que os domicílios vivenciam situação de fome, uma grave violação de direitos humanos que pode afetar a dignidade, a saúde e o bem-estar dessas pessoas.
Apesar de a condição geral de segurança alimentar e nutricional ter melhorado em dez anos (saindo de 0 para 23%), a porcentagem de famílias vivendo em insegurança alimentar nas retomadas (77%) é inaceitável. Sobretudo no que diz respeito à InSAN moderada, os índices constatados pela pesquisa nas retomadas indígenas, em 2023, foram ainda piores do que o mais grave dos indicadores apresentados pela população brasileira geral, na história do país, desde sua primeira avaliação em 2004, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2004. Se houve redução da fome por um lado, houve também aumento importante na insegurança moderada e leve (quando há preocupação entre os moradores sobre se a alimentação será suficiente), o que, provavelmente, indica uma “migração” das famílias entre os níveis de insegurança alimentar.
Na perspectiva do direito humano à alimentação, viver livre da fome é apenas uma de suas duas dimensões indivisíveis e interdependentes. A segunda é ter acesso a alimentação e nutrição adequadas, de forma que qualquer nível de insegurança ou medo de faltar comida representa, por si só, uma violação.
O relatório sobre insegurança alimentar e nutricional em retomadas indígenas também mostra que o aumento da violência nos territórios ancestrais prejudica diretamente o modo de vida, a educação e a saúde física e mental das famílias. A insegurança física se relaciona fortemente com a insegurança alimentar, e ambas comprometem sobremaneira a existência de qualquer povo. A única forma justa de cessar esse ciclo de violência é demarcar e proteger os territórios ancestrais dos povos indígenas.
Por fim, garantir a demarcação e a proteção das terras indígenas é fundamental para conter os efeitos das mudanças climáticas. As terras indígenas são áreas de grande biodiversidade e vegetação conservada, protegidas e manejadas pelos povos originários desde tempos remotos. Essa forma de ocupar os solos e conviver com os recursos naturais tem muito a ensinar à humanidade sobre prioridades, sobre como garantir o direito à alimentação, à água e à vida. Aprovar a PEC 48/23 significaria impedir que os verdadeiros defensores dos biomas, os povos originários desta terra, continuem cuidando e preservando o meio ambiente. Significaria uma ameaça não apenas à existência dos povos indígenas, mas à própria existência da humanidade neste planeta.
Referências
CNV. Violações de direitos humanos dos povos indígenas. In: Relatório: textos temáticos/Comissão Nacional da Verdade. Textos temáticos. Brasília: CNV, 2014b. (Relatório da Comissão Nacional da Verdade, v. 2). Disponível em: https://www.memoriaedireitoshumanos.ufsc.br/files/show/347.
LUZ, V. G.; FARIA, L. L. (org.); JOHNSON, F. M.; MACHADO, I. R. et al. Insegurança alimentar e nutricional nas retomadas guarani e kaiowá: um estudo em cinco territórios indígenas do Mato Grosso do Sul. Brasília: FIAN Brasil, 2023. Disponível em: https://fianbrasil.org.br/ssangk.
MELIÁ, B.; GRÜNBERG, G.; GRÜNBERG, F. Los Paĩ-Tavyterã: etnografia guaraní del Paraguay contemporâneo. ed. rev. ampl. Assunção: Cepag, 2008.
A Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, por meio de um requerimento da Deputada Célia Xakriabá (PSOL/MG), com o apoio da FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), realizará na próxima segunda-feira (26), na Câmara dos Deputados, uma audiência pública para debater os “Impactos dos Agrotóxicos em Terras Indígenas”.
Em meio às discussões relacionadas tanto à questão dos territórios indígenas quanto à pauta dos agrotóxicos no Supremo Tribunal Federal (STF) — como a atual audiência de conciliação sobre o marco temporal, bem como as ADIs nº 5553 e nº 7701, que tratam, respectivamente, da isenção de taxação e da regulação de agrotóxicos —, esta audiência se torna fundamental para tratar dessas questões.
De acordo com estudo (2023) realizado pela FIAN Brasil, 105 pessoas das 480 famílias pesquisadas adoeceram por contato com veneno nos últimos 12 meses. “Quando não tentam nos matar a bala para nos roubar a terra, eles envenenam o nosso solo ancestral. O genocídio indígena acontece de várias formas e cada vez mais sofisticadas, e nesse caso, com arma química”, diz a deputada Célia Xakriabá.
A atividade contará com a participação de lideranças das organizações indígenas APIB, Aty Guasu e Comissão Guarani Yvyrupa. Organizações da sociedade civil implicadas com a pauta, como Terra de Direitos, Abrasco e Fiocruz apresentarão pesquisas com o objetivo de chamar atenção ao tema da soberania alimentar, pulverização de agrotóxicos e contaminação das águas, e assim contribuir para elaboração de medidas que protejam os territórios indígenas dos agrotóxicos e garantam os direitos dos povos indígenas às suas terras tradicionalmente ocupadas.
Serviço:Audiência Pública: Impactos dos Agrotóxicos em Terras Indígenas Convocação: Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais Data: 26/08/2024 Horário: 10h Local: Plenário 12, Anexo II, Câmara dos Deputados
Na semana passada, no mesmo dia em que foi divulgada a última edição do Relatório da FAO sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (Sofi 2024) o G20 anunciou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa da presidência brasileira para combater a insegurança alimentar.
O estudo, que traz o “Mapa da Fome”, mostra que a insegurança alimentar severa no país caiu 85% no ano passado. A condição, que atingia 17,2 milhões de brasileiros em 2022, caiu para 2,5 milhões. Esse nível de insegurança alimentar ocorre quando alguém está totalmente sem acesso a alimentos e passa um dia inteiro ou mais sem comer.
O relatório também mostra que a insegurança alimentar severa no país caiu de 8,5% no triênio 2020-2022, para 6,6% em 2021-2023. Isso significa que cerca de 4 milhões de brasileiros deixaram de se enquadrar nessa condição no período.
No âmbito nacional, resoluções recentes foram a retomada do Consea, a criação da Secretaria Extraordinária de Combate à Fome e à Pobreza, a recuperação da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o reajuste dos valores per capita da alimentação escolar (Pnae), a recomposição parcial do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o lançamento do programa Cozinha Solidária e do decreto (nº 11.822) de Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades em diálogo com a Política Nacional de Abastecimento Alimentar, além do Plano Brasil sem Fome. Alinhado a isso, a redução das taxas de inflação e desemprego contribuiu para essa mudança de cenário.
Conforme afirma o assessor de Advocacy Pedro Vasconcelos, a FIAN Brasil trabalha numa perspectiva de direitos humanos, no fomento de ações que visam garantir a exigibilidade do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). A defesa desse direito e as obrigações do Estado a ele associadas são instrumentos para que as pessoas possam exigir seu cumprimento e ter essa resposta.
Para a mudança de cenário, ainda se faz necessário a adoção de medidas como o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) na prática, o aumento e aprimoramento de equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional (SAN) e a melhoria no acesso a alimentos adequados e saudáveis. O conjunto de políticas que já vêm sendo adotadas, como as acima mencionadas, também precisa ser consolidado e otimizado tanto em alcance quanto em orçamento.
As políticas que foram lançadas ou retomadas precisam avançar muito, a alimentação adequada precisa entrar nos esforços climáticos do governo, não só no que tange à mitigação, mas também em adaptação diante das mudanças climáticas, prevendo fontes de financiamento e incentivo à produção sustentável e resiliente de alimentos, por exemplo. Sair do Mapa da Fome é um horizonte tão concreto quanto simbólico rumo à realização de direitos e da dignidade humana. Entretanto, precisamos ir além. Os caminhos precisam convergir no sentido da garantia do direito à alimentação, previsto no artigo 6º da Constituição, com a garantia a todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, com base em práticas alimentares saudáveis e sustentáveis e defesa dos territórios.
Por Yuri Simeon, Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)
O debate sobre o monitoramento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) reuniu dezenas de participantes em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em Brasília. A atividade contou com diversos convidados e o pré-lançamento da publicação “Para monitorar o direito à alimentação escolar” do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).
Presente nos 5.570 municípios brasileiros, o Pnae é responsável pela alimentação escolar diária de 40 milhões de estudantes em mais de 150 mil escolas, com um orçamento anual de R$ 5,4 bilhões.
“Sabemos que a alimentação escolar tem impactos na saúde e na formação intelectual das crianças e portanto é imprescindível o contínuo aperfeiçoamento e fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e avaliação da qualidade do Pnae”, destaca o Deputado Federal Daniel Barbosa (PP-AL), autor do requerimento para a realização da audiência pública.
Entres os convidados para a audiência estavam a assessora de Políticas Públicas da FIAN Brasil e coordenadora do ÓAÊ, Mariana Santarelli; o vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Carlos Guedes; o Coordenador do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição (CECANE IF Sul de Minas), Rogério Robs; a assessora técnica do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Ana Flávia de Rezende Gomes; a Coordenadora-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Kelly Poliany De Souza Alves; e a Coordenadora-Geral do Pnae, Karine Silva dos Santos.
Para monitorar a alimentação escolar
Com o objetivo de contribuir para o avanço no monitoramento do Pnae, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) desenvolveu uma matriz de monitoramento da alimentação escolar. A matriz é formada por 28 indicadores, divididos em 8 dimensões de análise e seus respectivos objetivos. Essa matriz de monitoramento está sistematizada na publicação Levanta Dados “Para monitorar o direito à alimentação escolar”, com lançamento oficial previsto para agosto.
“São muitas as possibilidades de uso que esse documento traz, de transparência de informação, que podem ajudar na tomada de decisão, tanto aqui no Congresso Nacional, como também para a atuação federal, estadual e municipal, tanto de gestores, quanto de conselheiros de Conselhos de Alimentação Escolar e de Segurança Alimentar e Nutricional”, salienta a coordenadora do ÓAÊ, Mariana Santarelli.
Entre as bases de dados utilizadas estão o Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Sistema de Gestão de Conselhos (Sigecon), o Censo Escolar, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e inquéritos de insegurança alimentar feitos no contexto da pandemia (VIGISAN).
Baseando-se nas diretrizes do Pnae, a matriz de monitoramento fornece uma metodologia para se analisar a implementação do programa. A matriz de monitoramento permite reunir e sistematizar dados oficiais fornecidos pelo poder público “de forma que consigamos ter um olhar sobre o conjunto de municípios, ou seja, de entidades executoras de um mesmo estado e até mesmo de uma mesma região”, explica Santarelli.
Ela destaca que, “diante da transição de sistemas de gestão que está ocorrendo – do SiGPC (sistema do FNDE) para o SIGPNAE (sistema de monitoramento do PNAE desenvolvido pelo Banco do Brasil) – é preciso maior transparência e diálogo com a sociedade e os gestores estaduais e municipais sobre como serão estas mudanças, e em que medida será possível seguir monitorando todas as diretrizes do Pnae, em especial os dados das compras públicas da agricultura familiar”.
Reajuste do Pnae
A necessidade de se aumentar os recursos para a alimentação escolar foi um dos destaques da audiência. Apesar da importante vitória com o reajuste de 34% do orçamento total do programa aprovado pelo Congresso em 2022 – após muita pressão da sociedade – e a sanção do presidente Lula em 2023, são muitos os exemplos da insuficiência destes valores.
De 1995 até 2013 houve um crescimento no orçamento destinado ao Pnae, porém a partir de 2014 foram interrompidos os reajustes anuais aos valores do programa. Isso se soma ao contexto de aumento da inflação do preço dos alimentos nos últimos 10 anos.
“Então, entre 2014 e 2021, se a gente atualizar os dados financeiros de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) Alimentos e Bebidas, houve um decréscimo de R$ 2,33 bilhões no orçamento”, explica Santarelli.
“Estamos em um momento relativamente favorável do ponto de vista do controle da inflação dos alimentos, mas isso é algo sobre o qual não temos o menor controle e a alimentação das nossas crianças não pode estar vulnerável a essa flutuação do preço dos alimentos”, ressalta.
Para enfrentar essa desvalorização do orçamento do Pnae, organizações que compõem o ÓAÊ defendem o Projeto de Lei 2.754, de 2023, da senadora Teresa Leitão (PT/PE), que propõe um mecanismo de reajuste automático do Pnae com base no IPCA, Grupo Alimentos e Bebidas. Além de também apoiarem a análise e aperfeiçoamento de outros projetos de lei em tramitação que propõem alterações ao desenho de financiamento, para que seja possível um olhar sobre as iniquidades.
O Pnae deve ser co-financiado por governo federal, estados e municípios. Mas em muitos casos isso não acontece, sobretudo em municípios com menores condições orçamentárias.
Dados públicos fornecidos por gestores municipais, utilizados na matriz de monitoramento do ÓAÊ, demonstram incapacidade de muitas entidades executoras para complementar os recursos repassados pelo governo federal.
“A gente vê que são justamente os municípios com menor capacidade orçamentária, onde tem a maior concentração de pobreza, aqueles que têm mais dificuldade de fazer essa complementação. Sobretudo, são os municípios do Nordeste e do Norte do Brasil que não conseguem fazer essa complementação”, detalha. “No caso do Maranhão e Piauí, aproximadamente metade consegue. No Amazonas, só 43% dos municípios complementam”.
Para enfrentar essas desigualdades, uma proposta defendida pelo ÓAÊ é a apreciação pelo Congresso do Projeto de Lei 1751, de 2023, do senador Eduardo Braga (MDB-AM). “Ele propõe um redesenho para o financiamento do Pnae, de forma que possa considerar essas desigualdades que existem no nosso país para que se possa ter um repasse de recurso diferenciado para aqueles municípios e entidades executoras que mais dificuldade têm de complementar os recursos do Pnae”.
Santarelli ressalta que a apreciação deste projeto deve ser feita “com todo o cuidado para que não seja comprometido o princípio da universalidade. É muito importante que todos os municípios, independente da sua capacidade de financiamento de orçamento próprio, possam seguir recebendo os repasses do governo federal”.
Compras da agricultura familiar
Entre as diretrizes do Pnae está a obrigatoriedade de se utilizar, no mínimo, 30% dos recursos para a compra de alimentos vindos da agricultura familiar, priorizando povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas de reforma agrária, e destinando 50% deste total à compra de grupos formais e informais de mulheres.
De acordo com dados do FNDE, em 2023 o Pnae foi abastecido pela produção de 40 mil agricultores familiares – totalizando R$ 1,6 bilhão para essas compras. No entanto, os números “aparentam ser altos demais” quando comparados à situação retratada por outros dados e relatos de agricultores familiares de todo o Brasil.
“Suspeitamos de que tem erros na produção desse indicador, talvez inclusão indevida de despesas por parte de gestores municipais, uma contabilização que pode estar incluindo o saldo do ano anterior. Gostaríamos muito que fosse possível cruzar esses dados do SiGPC do FNDE com os dados do CAF (Cadastro da Agricultura Familiar), para entender melhor quem são esses agricultores”, descreve a coordenadora do ÓAÊ.
“A gente observa uma tendência de concentração em grandes cooperativas. Isso é preocupante, porque a perspectiva dos 30% é justamente democratizar essas compras públicas, fazendo chegar no agricultor familiar de menor porte, no indígena, quilombola, nas mulheres, comunidades tradicionais, e a gente ainda não consegue ter um olhar para esses números que permitam saber quem são esses agricultores familiares”, conta.
Alimentação escolar nas instituições federais
Durante a audiência, representantes de instituições federais de ensino fundamental e técnico apontaram a necessidade de mais investimentos para a alimentação escolar. Essas instituições não possuem complementos municipais e estaduais, dependendo exclusivamente dos recursos federais do Pnae, além de possíveis parcerias locais.
“É preciso fazer algumas parcerias com as prefeituras para nos ajudar nesse fornecimento. Qual é o custo estimado das refeições que nós temos na rede federal? Varia, de acordo com a composição do cardápio, da forma de gestão, da região do nosso país e de outras variáveis”, destaca o vice-presidente do Conif, Carlos Guedes.
O Conif é composto por 38 institutos federais, dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), 22 escolas técnicas vinculadas à universidades federais e um colégio federal.
O orçamento do Pnae aos institutos federais este ano foi de R$ 55 milhões para atender 357 mil estudantes. O representante do Conif relata que a ausência de alimentação escolar adequada contribui para a evasão escolar, que é enfrentada pelos estudantes com medidas paliativas como levar “quentinhas” para a aula ou comprar “marmitas” com preço médio de “R$10” – quando há condições financeiras.
“De cada 10 estudantes, 7 são oriundos de escola pública. E o grande objetivo dessa rede é assegurar aos nossos estudantes as condições de acesso pleno, de permanência e conclusão com êxito”, descreve.
Em muitos casos, as terceirizações são utilizadas na rede federal diante da falta de infraestrutura adequada, insuficiência de cozinheiras e de nutricionistas – responsáveis por organizar as chamadas públicas para a compra de alimentos.
Para o coordenador do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane) do Instituto Federal do Sul de Minas, Rogério Robs, ainda existem “lacunas na legislação em relação às especificidades da rede federal”.
“Nós não temos o CAE (Conselho de Alimentação Escolar) federal, então nós precisamos saber como nós vamos fazer esse controle social. Quem vai fazer o acompanhamento, quem vai fazer a fiscalização, quem vai fazer a aprovação das contas dessa alimentação na rede federal, nós não temos isso definido ainda”, aponta.
Ele destaca o déficit de responsáveis técnicos pela alimentação escolar nas instituições federais. “Hoje nós temos um déficit de cerca de 375 vagas necessárias, para que nós tenhamos pelo menos um nutricionista em cada unidade da nossa rede”.
Falta de quadro técnico
Em pesquisa realizada pelo ÓAÊ, em 2023, foram apontados entre os principais problemas da alimentação escolar o número insuficiente de nutricionistas (31%) e cozinheiras (32%), além da inadequada infraestrutura das cozinhas escolares (36%) e o baixo investimento financeiro por parte de estados ou municípios (30%).
A falta de nutricionistas responsáveis técnicos vinculados às entidades executoras pode levar à suspensão do repasse financeiro do Pnae para municípios, estados e instituições federais, de acordo com resolução nº 06 de 2020 do FNDE.
A nutricionista e assessora técnica do CFN, Ana Flávia de Rezende Gomes, relata que atualmente existem 3.626 nutricionistas responsáveis técnicos no país, 2.085 quadros técnicos e 97 quadros técnicos exclusivos para a modalidade de educação infantil. “Isso significa apenas 60% do que deveria ter. A gente tem 40% das entidades executoras, atualmente, em risco de ter o seu repasse financeiro suspenso”, alerta.
Ela salienta que, “para 20% dos municípios um nutricionista responsável técnico é suficiente. Mas para 80% não. A gente depende de um quadro técnico. Esse profissional sozinho não vai conseguir fazer todo esse aporte, todas as atividades, atribuições que dependem dele. Ele precisa de um quadro técnico”.
Alimentação saudável
Nas diretrizes do Pnae também há o limite de 20% dos recursos do programa para gastos com alimentos processados e ultraprocessados. Em 2019, um ano antes da resolução ser publicada, 40% dos municípios brasileiros se enquadravam neste limite, revelou publicação do ÓAÊ.
“O ambiente escolar, onde as crianças, adolescentes e jovens passam grande parte da sua vida, é determinante para a formação dos hábitos alimentares e para o acesso a alimentos que sejam saudáveis ou que possam prejudicar a saúde”, descreve a Coordenadora-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Kelly Poliany De Souza Alves.
Diante do aumento do consumo de ultraprocessados, a representante do Ministério da Saúde destaca que “15% das crianças menores de 4 anos atendidas em unidades básicas de saúde já apresentavam excesso de peso e 5,9% a magreza”. Na faixa de 5 a 9 anos, são “29,5% das crianças atendidas no SUS com excesso de peso”. E entre os adolescentes, “31,4% já apresentavam excesso de peso”.
Para ela, a garantia de uma alimentação saudável e adequada no ambiente escolar é importante para “ajudar a prevenir a obesidade e as outras doenças crônicas, construindo novas gerações mais saudáveis. E, por consequência, com menor impacto nos custos do SUS”.
Apoio do Executivo para o controle social
Como exemplo do compromisso com uma “construção coletiva” do Pnae, a coordenadora-geral do programa, Karine Silva dos Santos, destaca a “reativação” do Comitê Gestor do Pnae, constituído por representantes do governo federal e órgãos governamentais, e seu Grupo Consultivo – instância de participação social composta por representante da sociedade civil.
A coordenadora aponta o papel dos Conselhos de Alimentação Escolar para a execução do Pnae. “Nós temos no país 80 mil conselheiros atuando no monitoramento, na fiscalização e no acompanhamento dessa política pública que acontece nas nossas 150 mil escolas. Os conselheiros são pais de estudantes, professores, agricultores familiares, os próprios estudantes. Então, nós temos uma vasta representatividade de atores distintos nesse processo de acompanhamento”, descreve.
É uma obrigatoriedade do Pnae a presença de Conselhos de Alimentação Escolar em cada município e estado atendido pelo programa. Os CAEs possuem a responsabilidade de realizar o controle social do programa em seus diferentes âmbitos. Municípios e estados que não tiverem CAEs ativos podem ter seus repasses do Pnae suspensos. “Neste ano, os Conselhos de Alimentação Escolar estão fazendo 30 anos de existência”, salienta.Pesquisa realizada pelo ÓAÊ, em 2023, revelou que a falta de transparência, de capacitação, de infraestrutura e casos de assédio moral são barreiras para o funcionamento dos CAEs pelo país.
A coordenadora do Pnae também destaca o papel dos Cecanes – Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar. “Os Cecanes são braços extensivos do FNDE. E atuam no processo de capacitação, formação e de assistência técnica. Isso tem sido um trabalho realizado desde 2008, nós temos hoje 25 Cecanes atuando em todas as regiões do nosso país”.
Para ela, é importante que os diversos atores sociais envolvidos na execução e monitoramento do Pnae apresentem suas análises e contribuições para se melhorar a execução do programa. “Nosso papel como gestor dessa política pública é participar do diálogo, é ouvir as possibilidades, é entender quais seriam as dificuldades, os maiores desafios, e construir estratégias com a participação de todos”, conclui.