Com despejos iminentes, indígenas Guarani Kaiowá afirmam que resistirão nas terras tradicionais

Tekoha Jeroky Guasu, em Caarapó, Dourados Amambai Peguá I. Crédito: Rafael de Abreu

Chega a cinco o número de reintegrações de posse envolvendo três áreas tradicionais  Guarani e Kaiowá determinadas pela 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS), no final de dezembro. O caso mais urgente, em que a Polícia Federal pode fazer a retirada da comunidade a qualquer momento, é o tekoha – lugar onde se é – Yvu Vera. Na segunda-feira, 9, venceu o prazo para a saída pacífica dos indígenas – entre esta semana e a próxima, a situação se repetirá em Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), Yvu Vera é uma área de quase 20 hectares que integra a Reserva de Dourados e foi invadida por não-indígenas. Cinco “propriedades” passaram a existir e fazem parte da reintegração. Um parecer vinha sendo preparado pelo MPF e Funai para a Justiça Federal, que decidiu não esperá-lo e optar pela expulsão sumária.

Os Guarani e Kaiowá retomaram as “propriedades” em fevereiro do ano passado como forma de realocar famílias que saíram da Reserva por falta de espaço físico. Com quase 3.500 hectares, a área é ocupada por 13.100 indígenas Guarani Kaiowá, Ñandeva e Terena (Funai, 2015). Na metade do século 20, o Estado retirou os indígenas à força das aldeias, jogou-os em reservas e destinou as terras a colonos.

“Não vamos sair porque é terra indígena, do nosso povo. É parte da Reserva, que já tá pequena faz tempo. Tem família que sai porque não tem mais espaço e vamos deixar ruralista aqui dentro? Se tirar a gente, a gente volta a retomar. Tem uma chácara aqui que tava abandonada e agora tem plantação de mandioca, feijão, moradias”, afirma Catalino Guarani e Kaiowá, liderança de Yvu Vera.

Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y

As demais áreas tradicionais com despejos a serem cumpridos – Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y – fazem parte da demarcação Dourados Amambai Peguá I. Localizadas no município de Caarapó, em cada uma delas são duas “propriedades” a serem reintegradas. Nas decisões de primeira de instância, a Justiça Federal obriga a Funai a retirar os indígenas dos tekoha em um prazo de cinco dias.

Elson Guarani e Kaiowá, morador do tekoha Kunumi Vera, que teve despejo suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) pouco antes do Natal, explica que emissários do ministro da Justiça Alexandre Moraes estiveram em Caarapó após assassinato do agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza, de 26 anos. Estavam presentes também representantes dos fazendeiros, do Governo Estadual e Funai.

“Se a gente não fizesse mais retomadas, acabariam os ataques de pistoleiros e os pedidos de reintegrações de posse. Esse foi o acordo e não se cumpriu: depois dessa conversa, pistoleiros nos atacaram e tem esses despejos aí que tão pra acontecer”, explica o indígena. Conforme a decisão do juiz Federal Diogo Goes Oliveira, o prazo para a saída pacífica dos indígenas se encerrou.

A estratégia adotada pelo juiz é de pressão sobre a Funai e a Polícia Federal. O coordenador da Funai em Dourados, Vander Nishijima, já recebeu cinco intimações acusando-o de desobediência civil por não cumprir o despejo dos indígenas. No caso de Yvu Vera, se o delegado da Polícia Federal não garantir a retirada das famílias sofrerá multa diária e estará sujeitos a sanções no exercício profissional.

“O STF tem suspendido reintegrações aqui no estado alegando que elas trazem riscos para a ordem pública. Existe uma jurisprudência. Por que o juiz não se atenta a ela? Os indígenas, se despejados, não têm para onde ir. E eles já decidiram que o lugar deles não é na beira da estrada. Despejos só aumentam a violência e a vulnerabilidade”, defende o integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Matias Benno.  

Retomadas e autodemarcação  

No interior da Dourados Amambai Peguá I estão diversos tekoha retomados pelos Guarani e Kaiowá, nas últimas décadas – Paí Tavy Terã, Ñandeva, Ñamoy Guavira’y, Jeroky Guasu, Tey’Jusu, Kunumi Vera, Guapo’y, Pindo Roky e Itagua. Sem a conclusão do procedimento demarcatório, os indígenas sofrem sucessivos ataques de pistoleiros e fazendeiros, além de despejos judiciais.

“Decidimos pela autodemarcação porque o governo federal não demarca. Isso gera a violência e as reintegrações”, diz Eliseu Guarani e Kaiowá. Integrante da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – e membro do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), explicou no final do ano passado que a decisão pelo retorno aos tekoha de onde foram expulsos não tem volta.

No caso da morte de Clodiodi Guarani e Kaiowa, o Ministério Público Federal (MPF) pediu em agosto a prisão preventiva dos fazendeiros envolvidos no assassinato em ataque paramilitar ao Kunumi Vera que deixou outros seis feridos a tiros. Como os nomes dos detidos foram omitidos, não é possível saber se os fazendeiros que pediram as reintegrações de Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y estão envolvidos.


ONU e União Europeia

A Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve em visita aos Guarani e Kaiowá em março de 2016. Durante Assembleia da ONU, em outubro, apresentou um relatório recomendando ao governo brasileiro que demarque as terras tradicionais dos Guarani e Kaiowá, além de preocupações com os despejos, suicídios e violência de toda ordem.

Já os eurodeputados estiveram no Mato Grosso do Sul no início de dezembro depois do Parlamento Europeu ter emitido uma Resolução Urgente, em novembro, recomendando aos países membros que insiram em suas políticas comerciais com o Brasil o respeito aos direitos humanos e territoriais dos povos indígenas.

“É urgente dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani e Kaiowá. Muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais”, diz a resolução.

Fonte: CIMI

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