Audiência pública fomenta criação de portaria interministerial para declarar terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos

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No dia 26 de agosto, lideranças indígenas e pesquisadores debateram em audiência pública na Câmara dos Deputados a respeito da contaminação por agrotóxicos que tem afetado comunidades indígenas no país. Convocada pela deputada Célia Xakriabá, a audiência começou com um minuto de silêncio em homenagem a Tuiré Kayapó, ativista indígena notável por seu ativismo ambiental e seu confronto icônico com o presidente da Eletronorte na década de 80.

A pesquisadora Fernanda Savicki, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou estudo sobre a qualidade da água em Mato Grosso do Sul que apontava dados alarmantes em relação às amostras colhidas, onde foram encontrados compostos de alta toxicidade nas águas de nascentes, poços artesianos, torneiras e até mesmo na água da chuva na região de Caarapó, sendo destes, vários proibidos pela portaria n°888/2021 do Ministério da Saúde que estabelece os requisitos do padrão de qualidade para a água potável e na União Europeia. 

Celso Japoty Alves, coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupa, relatou que as terras indígenas no oeste do Paraná estão severamente afetadas por agrotóxicos, dificultando a produção de alimentos. “Hoje é difícil colher um bom fruto por causa do veneno,” afirmou Japoty, que também entregou relatório com dados sobre a gravidade da situação nas comunidades.

O procurador da República de Dourados-MS, Marco Antônio Almeida, destacou a ausência de um monitoramento sistemático do uso de agrotóxicos no Brasil. Ele fez um apelo pela criação de um sistema de monitoramento eficaz e pela instalação de laboratórios de análise em regiões afetadas, sugerindo que isso poderia beneficiar a população em geral.

Nayara Côrtes, secretária-geral da FIAN Brasil, apresentou os resultados da pesquisa “Insegurança Alimentar e Nutricional nas Retomadas Guarani e Kaiowá”. A pesquisa tinha como objetivo atualizar os dados da situação socioeconômica, demográfica, de saúde e  de insegurança alimentar e nutricional Kaiowá e Guarani realizado pelo estudo anterior (de  2013) nos territórios de Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá, incluindo nesta avaliação as comunidades de Apyka’i e Ñande Ru Marangatu. 

Nayara sublinhou que a realização do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas é profundamente interdependente dos direitos à terra, território, água e meio ambiente equilibrado. Ela disse que é necessário uma regulação imediata para proteger os territórios indígenas da contaminação por agrotóxicos e sugeriu uma ação interministerial envolvendo os Ministérios da Saúde (MS), do Ministério Público Federal (MPF) e do Meio Ambiente (MMA) para definir regras de proteção. Ao final de sua fala, Célia Xakriabá destacou a importância das pesquisas para subsidiar atividades parlamentares.

Nayara Côrtes Rocha e Célia Xakriabá durante audiência pública

Erileyde Domingues Kaiowá, liderança Guarani Kaiowá doTekoha Guyraroká, trouxe relatos fortes sobre a contaminação por agrotóxicos. “O que marca nosso território é a resistência,” afirmou Erileyde, ressaltando o impacto devastador dos produtos químicos nas comunidades. Célia Xakriabá comentou sobre a necessidade de uma economia que não prejudique as comunidades indígenas, apontando que tanto o povo quanto o Congresso precisam se “desenvenenar”.

Bruno Potiguara, diretor do Departamento de Gestão Ambiental Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, iniciou sua fala ressaltando a importância de reconhecer os sistemas alimentares indígenas para entender a insegurança alimentar. Potiguara destacou a relevância da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati) e as atuações do MPI em várias instâncias demonstrando a preocupação em relação à pauta apresentada, como na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo),na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Ele também mencionou a perda de sementes crioulas devido às mudanças climáticas, enfatizando que os indígenas pertencem à terra, mas não são seus proprietários.

Marcia Leopoldina Corrêa, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT, apresentou dados sobre como o modelo de produção e consumo afeta a natureza e os direitos humanos. Corrêa destacou que a média brasileira de exposição a agrotóxicos é de 7,3 litros por habitante/ano, enquanto no Mato Grosso esse número chega a 65 litros por habitante/ano. Ela caracterizou os agrotóxicos como armas químicas, prejudicando a saúde e o modo de vida das comunidades, além de impactar negativamente a fauna e flora. Corrêa também mencionou comunidades, como o povo Xingu, que enfrentam toxicidade aguda e precisam migrar de suas aldeias. Ela concluiu sua intervenção destacando a necessidade de uma mudança agroecológica para garantir uma produção saudável de alimentos.

Ao final da audiência, a deputada Célia Xakriabá reforçou a urgência de medidas para proteger as comunidades indígenas dos impactos dos agrotóxicos e garantir a qualidade da água e a segurança alimentar nas regiões afetadas.

No dia seguinte à audiência, as deputadas Célia Xakriabá e Dilvanda Faro, representando a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, protocolaram um requerimento dirigido ao Poder Executivo. O documento solicita a assinatura de uma portaria interministerial para a declaração das terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos e transgênicos.

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