Cartilha: Exigibilidade do direito a estar livre da fome

As violações ao Direito Humano à Alimentação Adequada e a situação de insegurança alimentar da população brasileira atingiram índices alarmantes, sendo a presença da FOME uma violação gravíssima de Direitos Humanos.

Os casos submetidos à apreciação do Sistema Judiciário ainda são muito poucos diante do escândalo da fome. Esta situação pode e deve ser mudada. Encaminhar os casos de violação ao Sistema Judiciário é fundamental para a sobrevivência do próprio direito enquanto tal.

Frente à violação do Direito a Estar Livre da Fome e do Direito Humano à Alimentação Adequada, o Sistema Judiciário deve ser acionado. Quando há fome, duas situações são observadas, a política pública é inexistente ou falhou.

Por esta razão, o objetivo principal desta cartilha é mostrar a sociedade civil o caminho para buscar seu direito perante o Sistema Judiciário, informando como reconhecer o ciclo que envolve as violações e onde denunciar, possibilitando o exercício do controle social e a busca das reparações que se façam necessárias.

Esta cartilha proporciona uma aproximação dos leitores com conceitos que possibilitam a compreensão das violações, formas de exigibilidade do direito, explicações sobre o funcionamento das instituições (e suas responsabilidades), como formular representações perante o Sistema Judiciário, sendo também um elemento de capacitação e treinamento para o exercício do controle social sobre este Sistema.

O lançamento da cartilha acontece no dia 6 de setembro às 19h no Sindicato dos Aeroviários em Porto Alegre com a presença de Regina Tchelly, chef de cozinha, empreendedora social e fundadora do projeto Favela Orgânica.

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Audiência pública fomenta criação de portaria interministerial para declarar terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos

No dia 26 de agosto, lideranças indígenas e pesquisadores debateram em audiência pública na Câmara dos Deputados a respeito da contaminação por agrotóxicos que tem afetado comunidades indígenas no país. Convocada pela deputada Célia Xakriabá, a audiência começou com um minuto de silêncio em homenagem a Tuiré Kayapó, ativista indígena notável por seu ativismo ambiental e seu confronto icônico com o presidente da Eletronorte na década de 80.

A pesquisadora Fernanda Savicki, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou estudo sobre a qualidade da água em Mato Grosso do Sul que apontava dados alarmantes em relação às amostras colhidas, onde foram encontrados compostos de alta toxicidade nas águas de nascentes, poços artesianos, torneiras e até mesmo na água da chuva na região de Caarapó, sendo destes, vários proibidos pela portaria n°888/2021 do Ministério da Saúde que estabelece os requisitos do padrão de qualidade para a água potável e na União Europeia. 

Celso Japoty Alves, coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupa, relatou que as terras indígenas no oeste do Paraná estão severamente afetadas por agrotóxicos, dificultando a produção de alimentos. “Hoje é difícil colher um bom fruto por causa do veneno,” afirmou Japoty, que também entregou relatório com dados sobre a gravidade da situação nas comunidades.

O procurador da República de Dourados-MS, Marco Antônio Almeida, destacou a ausência de um monitoramento sistemático do uso de agrotóxicos no Brasil. Ele fez um apelo pela criação de um sistema de monitoramento eficaz e pela instalação de laboratórios de análise em regiões afetadas, sugerindo que isso poderia beneficiar a população em geral.

Nayara Côrtes, secretária-geral da FIAN Brasil, apresentou os resultados da pesquisa “Insegurança Alimentar e Nutricional nas Retomadas Guarani e Kaiowá”. A pesquisa tinha como objetivo atualizar os dados da situação socioeconômica, demográfica, de saúde e  de insegurança alimentar e nutricional Kaiowá e Guarani realizado pelo estudo anterior (de  2013) nos territórios de Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá, incluindo nesta avaliação as comunidades de Apyka’i e Ñande Ru Marangatu. 

Nayara sublinhou que a realização do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas é profundamente interdependente dos direitos à terra, território, água e meio ambiente equilibrado. Ela disse que é necessário uma regulação imediata para proteger os territórios indígenas da contaminação por agrotóxicos e sugeriu uma ação interministerial envolvendo os Ministérios da Saúde (MS), do Ministério Público Federal (MPF) e do Meio Ambiente (MMA) para definir regras de proteção. Ao final de sua fala, Célia Xakriabá destacou a importância das pesquisas para subsidiar atividades parlamentares.

Nayara Côrtes Rocha e Célia Xakriabá durante audiência pública

Erileyde Domingues Kaiowá, liderança Guarani Kaiowá doTekoha Guyraroká, trouxe relatos fortes sobre a contaminação por agrotóxicos. “O que marca nosso território é a resistência,” afirmou Erileyde, ressaltando o impacto devastador dos produtos químicos nas comunidades. Célia Xakriabá comentou sobre a necessidade de uma economia que não prejudique as comunidades indígenas, apontando que tanto o povo quanto o Congresso precisam se “desenvenenar”.

Bruno Potiguara, diretor do Departamento de Gestão Ambiental Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, iniciou sua fala ressaltando a importância de reconhecer os sistemas alimentares indígenas para entender a insegurança alimentar. Potiguara destacou a relevância da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati) e as atuações do MPI em várias instâncias demonstrando a preocupação em relação à pauta apresentada, como na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo),na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Ele também mencionou a perda de sementes crioulas devido às mudanças climáticas, enfatizando que os indígenas pertencem à terra, mas não são seus proprietários.

Marcia Leopoldina Corrêa, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT, apresentou dados sobre como o modelo de produção e consumo afeta a natureza e os direitos humanos. Corrêa destacou que a média brasileira de exposição a agrotóxicos é de 7,3 litros por habitante/ano, enquanto no Mato Grosso esse número chega a 65 litros por habitante/ano. Ela caracterizou os agrotóxicos como armas químicas, prejudicando a saúde e o modo de vida das comunidades, além de impactar negativamente a fauna e flora. Corrêa também mencionou comunidades, como o povo Xingu, que enfrentam toxicidade aguda e precisam migrar de suas aldeias. Ela concluiu sua intervenção destacando a necessidade de uma mudança agroecológica para garantir uma produção saudável de alimentos.

Ao final da audiência, a deputada Célia Xakriabá reforçou a urgência de medidas para proteger as comunidades indígenas dos impactos dos agrotóxicos e garantir a qualidade da água e a segurança alimentar nas regiões afetadas.

No dia seguinte à audiência, as deputadas Célia Xakriabá e Dilvanda Faro, representando a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, protocolaram um requerimento dirigido ao Poder Executivo. O documento solicita a assinatura de uma portaria interministerial para a declaração das terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos e transgênicos.

Sociedade precisa impulsionar o veleiro do direito à alimentação, diz diretora em encontro do MP

O veleiro do direito à alimentação precisa do vento da sociedade civil para se mover. Assim a diretora de Articulação da FIAN Brasil, Míriam Balestro, descreveu o papel das cidadãs e cidadãos na exigibilidade – a existência de condições para se exigir a realização de um direito. Ela participou do Encontro Nacional de Atuação do Ministério Público em Apoio Comunitário, Inclusão e Participação Sociais, Combate à Fome e à Pobreza. Na ocasião, a instituição lançou um grupo nacional para atuação nesse tema, o GNA-Social.

Em sua apresentação no evento, realizado dia 26 em Belo Horizonte, Balestro definiu o direito humano à alimentação adequada como “um ilustre desconhecido” no campo jurídico brasileiro. “Infelizmente, o sistema judicial é o que precisa correr mais para fazer a parte que lhe toca na realização desse direito, e mesmo na do direito de estar livre da fome”, disse, acrescentando que a Justiça “é a última porta a que podemos recorrer.”

Dentre os sistemas que compõem o Estado, a diretora apontou esse como o que menos sofre controle social no país. “E sem ele é difícil as coisas andarem”, ponderou, notando ainda a participação fundamental da sociedade na evolução dos direitos humanos como um todo. Ela destacou a necessidade de tanto os operadores do Direito como os movimentos sociais terem acesso a formação e informação nessa temática, e mencionou a cartilha recém-lançada pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável com esse objetivo. “Ninguém pode controlar, fiscalizar o que não conhece.”  

A palestrante citou uma confusão entre os conceitos de direito à alimentação e segurança alimentar: “Esta diz respeito às políticas públicas que devemos fazer para a realização daquele.” Já a soberania alimentar, concluiu, existe quando um país ou localidade pode decidir o que, como e para quem produzir.

Outro ponto que Balestro abordou foram as dimensões do direito humano à alimentação adequada, listando os princípios da exigibilidade, da acessibilidade, da disponibilidade e da sustentabilidade. Quanto ao direito de estar livre da fome, lembrou seu caráter emergencial: “Ele tem que acontecer imediatamente. Um governo não pode dizer que está sem dinheiro para combater a fome. Ela atinge todos os outros direitos.”

No DNA

Míriam Balestro ressaltou que a exigibilidade do direito à alimentação está consagrada com sua inclusão (em 2010) no artigo 6º da Constituição Federal, que elenca os direitos fundamentais, com lastro na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), em vigor desde 1976 e ratificado pelo Brasil em 1992.

Procuradora de Justiça aposentada, ela avaliou que atuar em prol da alimentação “está no DNA, na digital do Ministério Público”, em função da capacidade postulatória – a prerrogativa de representar a sociedade no sistema de justiça, fazendo a ponte entre quem sofre violações e o Estado. Listou, nesse sentido, instrumentos como a ação civil pública (ACP) e o termo de ajustamento de conduta (TAC), e recordou a existência de acordo entre os conselhos nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNBJ) pela implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2.

Participaram, também, da mesa, representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) Luiza Trabuco; e a coordenadora de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil Carolina Gonçalves.

Integrantes de órgãos públicos, organizações civis e movimentos sociais participaram de grupos de discussão que aprovaram recomendações para a atuação do GNA-Social. Em breve publicaremos o documento aqui.

Denúncia de comunidades

Movimentos de Minas Gerais estenderam sua bandeira no palco para marcar presença. O líder geraizeiro Adair Pereira de Almeida, o Nenzão, denunciou que as comunidades do norte do estado estão perdendo seus territórios – e sua segurança alimentar e nutricional – para o agronegócio e a mineração. “O eucalipto está tomando as áreas onde a gente cria gado. As mineradoras fazem pesquisa [de jazidas] sem nos consultar, desrespeitando a Convenção 169. Se o poder público não fizer nada, vamos ficar pior que os Yanomami”, alertou.

A FIAN Brasil documentou as violações no Vale das Cancelas e apoiou reportagens especiais do Brasil de Fato e da CartaCapital na região.