O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2012, os agricultores brasileiros utilizaram 7 quilogramas de defensivos por hectare plantado. Entre 2000 e 2014, a venda de agrotóxicos no país passou de 313,8 mil toneladas, para 914,2 mil.
Para explicar o que são os agrotóxicos e quais os perigos associados, o Brasil de Fato produziu mais um BdF Explica.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mais de 30% dos principais alimentos que estão na mesa dos brasileiros apresentam excesso de agrotóxicos. De cada 100 amostras de alimentos analisados, uma apresenta risco de causar intoxicação aguda por excesso de agrotóxicos.
Chega a cinco o número de reintegrações de posse envolvendo três áreas tradicionais Guarani e Kaiowá determinadas pela 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS), no final de dezembro. O caso mais urgente, em que a Polícia Federal pode fazer a retirada da comunidade a qualquer momento, é o tekoha – lugar onde se é – Yvu Vera. Na segunda-feira, 9, venceu o prazo para a saída pacífica dos indígenas – entre esta semana e a próxima, a situação se repetirá em Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional do Índio (Funai), Yvu Vera é uma área de quase 20 hectares que integra a Reserva de Dourados e foi invadida por não-indígenas. Cinco “propriedades” passaram a existir e fazem parte da reintegração. Um parecer vinha sendo preparado pelo MPF e Funai para a Justiça Federal, que decidiu não esperá-lo e optar pela expulsão sumária.
Os Guarani e Kaiowá retomaram as “propriedades” em fevereiro do ano passado como forma de realocar famílias que saíram da Reserva por falta de espaço físico. Com quase 3.500 hectares, a área é ocupada por 13.100 indígenas Guarani Kaiowá, Ñandeva e Terena (Funai, 2015). Na metade do século 20, o Estado retirou os indígenas à força das aldeias, jogou-os em reservas e destinou as terras a colonos.
“Não vamos sair porque é terra indígena, do nosso povo. É parte da Reserva, que já tá pequena faz tempo. Tem família que sai porque não tem mais espaço e vamos deixar ruralista aqui dentro? Se tirar a gente, a gente volta a retomar. Tem uma chácara aqui que tava abandonada e agora tem plantação de mandioca, feijão, moradias”, afirma Catalino Guarani e Kaiowá, liderança de Yvu Vera.
Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y
As demais áreas tradicionais com despejos a serem cumpridos – Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y – fazem parte da demarcação Dourados Amambai Peguá I. Localizadas no município de Caarapó, em cada uma delas são duas “propriedades” a serem reintegradas. Nas decisões de primeira de instância, a Justiça Federal obriga a Funai a retirar os indígenas dos tekoha em um prazo de cinco dias.
Elson Guarani e Kaiowá, morador do tekoha Kunumi Vera, que teve despejo suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) pouco antes do Natal, explica que emissários do ministro da Justiça Alexandre Moraes estiveram em Caarapó após assassinato do agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza, de 26 anos. Estavam presentes também representantes dos fazendeiros, do Governo Estadual e Funai.
“Se a gente não fizesse mais retomadas, acabariam os ataques de pistoleiros e os pedidos de reintegrações de posse. Esse foi o acordo e não se cumpriu: depois dessa conversa, pistoleiros nos atacaram e tem esses despejos aí que tão pra acontecer”, explica o indígena. Conforme a decisão do juiz Federal Diogo Goes Oliveira, o prazo para a saída pacífica dos indígenas se encerrou.
A estratégia adotada pelo juiz é de pressão sobre a Funai e a Polícia Federal. O coordenador da Funai em Dourados, Vander Nishijima, já recebeu cinco intimações acusando-o de desobediência civil por não cumprir o despejo dos indígenas. No caso de Yvu Vera, se o delegado da Polícia Federal não garantir a retirada das famílias sofrerá multa diária e estará sujeitos a sanções no exercício profissional.
“O STF tem suspendido reintegrações aqui no estado alegando que elas trazem riscos para a ordem pública. Existe uma jurisprudência. Por que o juiz não se atenta a ela? Os indígenas, se despejados, não têm para onde ir. E eles já decidiram que o lugar deles não é na beira da estrada. Despejos só aumentam a violência e a vulnerabilidade”, defende o integrante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Matias Benno.
Retomadas e autodemarcação
No interior da Dourados Amambai Peguá I estão diversos tekoha retomados pelos Guarani e Kaiowá, nas últimas décadas – Paí Tavy Terã, Ñandeva, Ñamoy Guavira’y, Jeroky Guasu, Tey’Jusu, Kunumi Vera, Guapo’y, Pindo Roky e Itagua. Sem a conclusão do procedimento demarcatório, os indígenas sofrem sucessivos ataques de pistoleiros e fazendeiros, além de despejos judiciais.
“Decidimos pela autodemarcação porque o governo federal não demarca. Isso gera a violência e as reintegrações”, diz Eliseu Guarani e Kaiowá. Integrante da Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – e membro do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), explicou no final do ano passado que a decisão pelo retorno aos tekoha de onde foram expulsos não tem volta.
No caso da morte de Clodiodi Guarani e Kaiowa, o Ministério Público Federal (MPF) pediu em agosto a prisão preventiva dos fazendeiros envolvidos no assassinato em ataque paramilitar ao Kunumi Vera que deixou outros seis feridos a tiros. Como os nomes dos detidos foram omitidos, não é possível saber se os fazendeiros que pediram as reintegrações de Jeroky Guasu e Ñamoy Guavira’y estão envolvidos.
ONU e União Europeia
A Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve em visita aos Guarani e Kaiowá em março de 2016. Durante Assembleia da ONU, em outubro, apresentou um relatório recomendando ao governo brasileiro que demarque as terras tradicionais dos Guarani e Kaiowá, além de preocupações com os despejos, suicídios e violência de toda ordem.
Já os eurodeputados estiveram no Mato Grosso do Sul no início de dezembro depois do Parlamento Europeu ter emitido uma Resolução Urgente, em novembro, recomendando aos países membros que insiram em suas políticas comerciais com o Brasil o respeito aos direitos humanos e territoriais dos povos indígenas.
“É urgente dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani e Kaiowá. Muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais”, diz a resolução.
A demora reflete o poder que as indústrias de brinquedos e de alimentos têm para barrar qualquer iniciativa visando proteger a infância.
Um projeto de lei que regula a propaganda dirigida às crianças completou neste final de ano 15 anos na fila de espera para ser votado na Câmara dos Deputados.
A demora reflete o poder que as indústrias de brinquedos e de alimentos, as agências de publicidade e os veículos de comunicação têm para barrar qualquer iniciativa visando proteger a infância desse tipo de propaganda.
Além dos intrincados trâmites legislativos.
Tornou-se conhecido o caso do menino, na periferia de São Paulo, que ao ser detido pelo segurança de um supermercado tomando um danoninho, disse estar apenas querendo saber que gosto tinha esse produto tão anunciado na televisão.
Situações dramáticas como essa são os aspectos mais visíveis de um cotidiano marcado pelo martelar constante de apelos indiscriminados ao consumo infantil.
Eles estão, todos os dias e todas as horas, nos anúncios impressos, nos comerciais de rádio e TV, em banners na internet, nas embalagens de alimentos e brinquedos, na disposição de produtos nos pontos de venda entre tantas outras formas de sedução para o consumo.
Do lado oposto ao dos defensores da propaganda dirigida às crianças está o Instituto Alana que há dez anos mantém o projeto Criança e Consumo, voltado à defesa do público infantil.
O Instituto lançou o Caderno Legislativo: Publicidade Infantil, uma minuciosa análise do funcionamento do processo legislativo apresentada de forma didática junto com um apanhado atualizado do debate em torno da regulação da publicidade infantil no Brasil e no mundo.
Um dos aspectos centrais desse debate é o da vulnerabilidade das crianças diante dos apelos ao consumo. “A publicidade tem maior possibilidade de induzir ao erro as crianças até os 12 anos, quando não possuem todas as ferramentas necessárias para compreender o real”, diz um parecer do Conselho Federal de Psicologia,
Muitas delas, principalmente as mais novas, não conseguem diferenciar o entretenimento da propaganda.
Disso se vale a publicidade ao misturar nas embalagens de alimentos e brinquedos ídolos e heróis infantis, combinando produtos desses dois tipos na mesma mercadoria oferecida às crianças, realizando a chamada “venda casada”.
Os mais velhos, já entrando na adolescência, são atingidos por outras estratégias publicitárias.
Pesquisa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) realizada em 23 países, entre eles o Brasil, com 5 mil jovens de 12 anos, mostra a importância dos heróis televisivos e pop stars na imaginação infanto-juvenil.
Muitos deles transformam-se em garotos-propaganda, usando para vender mercadorias a aura conquistada em programas de entretenimento.
Além de estabelecer o consumo como ideal de vida, há outras conseqüências negativas produzidas por essa propaganda.
Duas delas são facilmente perceptíveis: a erotização precoce e a obesidade infantil.
A primeira é resultado da “entrada precoce e artificial no mundo adulto, desrespeitando assim a peculiar fase do desenvolvimento infantil”, diz a publicação do Instituto Alana.
“Conheço meninas de 4 ou 5 anos que só querem comer alface ou rejeitam certos modelos de roupa. Tudo para não parecerem gordas ou distantes das imagens propagadas pela TV e copiadas pelas amiguinhas”, diz a professora Jane Felipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, citada na publicação.
Por outro lado cresce a obesidade.
Segundo o Caderno Legislativo “observa-se um cenário assustador de epidemia de obesidade entre as crianças, chegando ao índice alarmante de 30% com sobrepeso e 15% obesas. As causas apontadas vão desde o aumento do consumo de produtos ricos em açucares simples e gorduras à intensa presença de televisão e computador nas residências”.
Embora a promulgação de uma lei que ponha fim a essa situação continue sendo protelada pelo Parlamento brasileiro, parte da sociedade já se deu conta dos malefícios impostos aos seus jovens pela comunicação mercadológica. São várias as entidades da sociedade civil engajadas nesse processo.
A proteção da criança e do adolescente diante da publicidade infantil já está garantida pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Código de Defesa do Consumidor e por uma resolução de 2014 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente).
Falta, no entanto, uma lei específica capaz de esclarecer melhor o debate e garantir a eficácia no seu cumprimento.
A autonomia socioeconômica das mulheres é um requisito necessário e imprescindível para alcançar uma verdadeira igualdade de gênero na América Latina e no Caribe, alertou a diretora da divisão de assuntos de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), María Nieves Rico. Ela lembrou que ao menos 12 mulheres são vítimas de feminicídio por dia na região.
A autonomia das mulheres é um requisito necessário e imprescindível para alcançar uma verdadeira igualdade de gênero na região latino-americana e caribenha, afirmou nesta terça-feira (10) a diretora da divisão de assuntos de gênero da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), María Nieves Rico, no quarto capítulo de “Horizontes CEPAL”, novo programa multimídia desse organismo das Nações Unidas.
Em entrevista, a oficial da ONU abordou o processo de construção da agenda regional de gênero durante as últimas quatro décadas sob o enfoque de direitos humanos, e identificou os principais objetivos relacionados à autonomia das mulheres em três dimensões-chave: física, econômica e na tomada de decisões.
Dados oficiais dos países indicaram que ao menos 12 mulheres são assassinadas em média a cada dia na região só pelo fato de serem mulheres, alertou Rico no programa.
“A América Latina e o Caribe é a região do mundo com maiores avanços em legislação sobre violência contra as mulheres”, mas a vontade política expressada nessas leis não é suficiente para erradicar esse flagelo que se sustenta em padrões culturais patriarcais entranhados nas sociedades latino-americanas e caribenhas, explicou.
A Estratégia de Montevidéu, aprovada durante a XIII Conferência Regional sobre a Mulher de América Latina e Caribe realizada no fim de outubro no Uruguai, identificou essas práticas como um dos nós estruturais da desigualdade de gênero na região, disse a oficial da ONU.
A Estratégia de Montevidéu foi adotada para a implementação da agenda regional de gênero nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e na Agenda 2030.
Durante a entrevista, María Nieves Rico compartilhou alguns dos principais indicadores incluídos no documento “Autonomia das Mulheres e Igualdade na Agenda do Desenvolvimento Sustentável”, apresentado na reunião no Uruguai.
Ela lembrou, por exemplo, que uma em cada três mulheres na região não tem renda própria e que mais da metade (55%) não tem renda própria ou recebe menos que o salário-mínimo mensal de seu país. Entre as que têm renda, 23,6% têm renda pessoal abaixo da linha da pobreza.
A especialista afirmou também que a América Latina e o Caribe foi a primeira região do mundo a ter leis de cotas para aumentar a participação das mulheres nos cargos de representação popular. No entanto, em nenhum nível da tomada de decisões nos poderes do Estado as mulheres superam atualmente 25% (prefeituras e ministérios) ou 30% (parlamentos e tribunais de Justiça) do total, disse.
“A igualdade de gênero não é apenas igualdade de oportunidades, mas também de resultados”, concluiu Rico.
Escola enfrenta críticas de parte do agronegócio por homenagear povos do Xingu; para carnavalesco, ameaças aos índios são parte importante da história brasileira
“O índio luta pela sua terra, da Imperatriz vem o seu grito de guerra! Salve o verde do Xingu”, diz o samba-enredo da Imperatriz Leopoldinense, preparado para o Carnaval deste ano no Rio de Janeiro.
O tema “Xingu, o clamor que vem da floresta” foi criado pelo carnavalesco Cahê Rodrigues, 40, que trabalha há 5 anos com a escola, com o intuito de homenagear os indígenas da região e sua luta pela preservação da floresta e de sua cultura.
A música também critica o extrativismo insustentável, a hidrelétrica de Belo Monte e agradece aos irmãos Villas-Bôas, enquanto as alas mostram a exuberância da cultura indígena e os males que os afetam, como desmatamento, uso agressivo de agrotóxicos, queimadas e poluição.
Uma das fantasias, em especial, desagradou parte do setor do agronegócio.
Ela mostra um fazendeiro, com um símbolo de caveira no peito, a pulverizar agrotóxicos. Em nota de repúdio, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) afirmou ser “inaceitável que a maior festa popular brasileira, que tem a admiração e o respeito da nossa classe, seja palco para um show de sensacionalismo e ataques infundados pela Escola Imperatriz Leopoldinense”. No dia seguinte, a Associação Brasileira dos Criadores de Girolando também se manifestou contra a Leopoldinense.
Embora a fantasia não seja uma crítica direta ao agronegócio, nem generalize o setor, é fato que o Brasil precisa rever suas políticas sobre agrotóxicos.
Mais da metade das substâncias usadas aqui é proibida em países da União Europeia e nos EUA, e os agrotóxicos atingem 70% dos alimentos, segundo um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva. Em um ano, um brasileiro terá consumido cinco litros dessas toxinas, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA).
Responsáveis por 70 mil intoxicações agudas e crônicas anualmente em países desenvolvidos, os agrotóxicos também estão altamente associados à incidência de câncer e outras doenças genéticas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Para elaborar o tema, o carnavalesco carioca estudou durante quase um ano os povos do Xingu, e passou quatro dias em uma oca, vivendo ao lado deles.
“Eu vi quanto o índio depende da floresta para sobreviver e quão forte é o contato com a terra, com o verde. Logo pela manhã, quando acordei, vi curumins brincando de correr atrás de borboletas, é a brincadeira preferida deles, e subindo em árvores para pegar uma fruta, descascar e comer com a mão. O índio é a própria natureza. E quando você agride a natureza, está agredindo diretamente a vida do índio”, conta Cahê.
O medo e a ameaça de uma nova invasão, de perderem seu espaço de direito, que os índios vivem quase diariamente também marcou Rodrigues. “Pude sentir na pele essa angústia, e a Imperatriz não está inventando nada, faz parte da história do Brasil”.
Para ele, a ABCZ e outras empresas que seguiram a crítica foram precipitadas. “Nunca foi intenção agredir o agronegócio diretamente. A ala que leva o título de “fazendeiros e agrotóxicos”, e aponta o uso indevido da substância que mata os peixes, polui os rios e agride a vida dos índios e a nossa. Estamos falando do caos que cerca a vida do índio”.
Em outra passagem, o samba-enredo diz “o belo monstro rouba as terras dos seus filhos”. Segundo o carnavalesco, é uma analogia à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte e à desapropriação de terras de povos indígenas. Para a ABCZ, foi uma crítica a suas práticas: “Chamados de “monstros” pela escola, nós, produtores rurais, respondemos por 22% do PIB Nacional e, historicamente, salvamos o Brasil em termos de geração de renda e empregos”.
*Procurada pela reportagem de CartaCapital, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Pelo mundo, mais de 30 milhões de hectares foram adquiridos por apenas 490 proprietários. Os dados da organização Grain referem-se ao ano de 2016 e contam – ainda que de maneira incompleta – a história recente do land grabbing, um fenômeno mundial que pode ser definido como a mega aquisição de terras por investidores estrangeiros. Grandes corporações, fundos. A Grain avisa: essa tendência continua crescendo.
E o Brasil é um dos principais protagonistas. Principalmente como território dessas aquisições. Mas já aparece também como comprador. O relatório da Grain inclui entre os destaques pelo mundo a expansão do grupo JBS na Austrália. A empresa já tem cinco estabelecimentos com 10 mil hectares, com produção anual de 330 mil cabeças de gado. Somente a JBS australiana exporta para mais de 80 países – o que ilustra bem a escala global do land grabbing.
ÁFRICA E AMÉRICA DO SUL
O agronegócio brasileiro também está presente na Colômbia, com o grupo Mónica Semillas, que leva o nome da empresária matogrossense Mônica Marchett – filha do produtor de soja Sérgio João Marchett, um dos acionistas principais da empresa. A Grain identificou 8.889 hectares de soja e milho da Mónica na Colômbia. Mas a corporação possui ainda 70 mil hectares na Bolívia e terras no Paraguai. Segundo a Grain, a empresa já foi condenada a pagar 2 milhões de pesos por subsídios indevidos, que violam a lei de terras colombiana.
O Paraguai aparece duas vezes com brasileiros no relatório, pelas atividades do Grupo Favero e de Wilmar dos Santos. Ambos sojeiros. O primeiro tem 33.719 hectares. Santos teria 1.000 hectares – o critério da Grain para grandes propriedades é o piso de 500 hectares. O Senado paraguaio expropriou 11 mil hectares de Tranquilo Favero para um parque. Wilmar dos Santos é definido no relatório como um dos muitos brasileiros “colonialistas”, produtores de soja transgênica. Os agrotóxicos de Wilmar dos Santos estariam envenenando animais e cursos d’água utilizados por camponeses.
A Asperbras representa os investimentos brasileiros no Congo, com propriedades que somam 50 mil hectares. O empresário Francisco Colnaghi tem um leque amplo de culturas no país: cana de açúcar, pecuária, soja e milho. O total de área plantada já teria ultrapassado 100 mil hectares. Ainda na África, o Brazil Agrobusiness Group – de Frademir Saccol – aparece no relatório com 8 mil hectares de arroz em Gana. Seiscentos camponeses despejados foram à Justiça contra a empresa.
No Sudão, o Pinesso Group – da família sulmatogrossense Pinesso – possui 12 mil hectares para produção de grãos, em parceria com o governo local. E mira o Moçambique. (No Brasil, em 2015, o grupo tinha 110 mil hectares no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul e no Piauí e estava em recuperação judicial por uma dívida de R$ 571 milhões.)
DE OLHO NO BRASIL
Mas o Brasil aparece bem mais vezes no relatório como alvo dos investidores. E com quantidades de terra – adquiridas ou geridas por estrangeiros – ainda mais fabulosas. Vejamos:
1) A BrasilAgro, com capital da argentina Cresud (que já foi um investimento de George Soros e também tem aporte chinês), possui 166 mil hectares para cana, grãos e pecuária.
2) O fundo canadense Brookfield Asset Management possui 97.127 hectares para produção de soja e cana de açúcar em terras brasileiras. E está de olho na aquisição de mais usinas.
3) A empresa Universo Verde Agronegócios também atende pelo nome de Chongqing Grain Group, a maior empresa estatal chinesa do setor de grãos. No Brasil, segundo o relatório da Grain (a ONG, não a empresa), o grupo possui 100 mil hectares, mais da metade deles “como se fossem de brasileiros”. O MST ocupou em 2015 uma área de 75o hectares em Porto Alegre, definindo-a como improdutiva.
4) Outra empresa estatal chinesa, a Cofco, aparece com 145 mil hectares de cana no relatório. Com direito a capital de Singapura, do fundo de private equity Hopu Investment Management e do Banco Mundial.
5) A francesa Louis Dreyfus Commodities comparece ao relatório sobre land grabbing com nada menos que 430 mil hectares no Brasil. Para cana, arroz, laranjas e laticínios. E ainda opera mais 500 mil hectares, sem direito de propriedade. O grupo controla 10% do mercado mundial de matérias primas agrícolas, informa a Grain. O grupo está em 12 estados brasileiros.
6) A Índia também já se faz presente no Brasil. A Shree Renuka Sugars – aqui, Renuka do Brasil – possui 139 mil hectares de cana de açúcar, a partir da compra, nos últimos anos, de usinas brasileiras. O grupo Equipav possui 49,7% das ações.
7) A japonesa Mitsubishi atua em terras brasileiras pela Agrex do Brasil. São 70 mil hectares de soja nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Goiás. O brasileiro Paulo Fachin tem 20% de participação no grupo.
8) Mais duas empresas japonesas estão no relatório da Grain. A Sojitz Corporation (aqui, Contagalo) produz 150 mil hectares de soja, milho e trigo. Os planos são de triplicar a produção e adquirir mais 200 mil hectares.
9) A outra empresa japonesa é a Mitsui & Co, com 87 mil hectares de grãos na Bahia, no Maranhão e em Minas Gerais. A face brasileira do grupo é a SLC-MIT Empreendimentos Agrícolas.
10) A Holanda entra na lista com o Grupo Iowa, na matriz BXR Group. São 12 mil hectares de grãos na Bahia. O BXR pertence ao checo Zdenek Bakala (estamos falando de globalização, afinal), em parceria com o Credit Suisse.
11) A Nova Zelândia aparece com discretos 850 hectares em Goiás. Maior exportadora mundial de produtos lácteos, ela abastece com essa atividade a Dairy Partners America, parceria com a suíça Nestlé.
12) A antiga metrópole também faz parte dessa nova colonização: Portugal está na lista brasileira de land grabbing com a Nutre, ou Prio Foods no Brasil, com 29.528 hectares. Um terço dessa área fica no Maranhão, onde a empresa pretende adquirir mais 14 mil hectares.
13) Outro país marcado pelo histórico de metrópole, o Reino Unido, compõe esse cenário com o fundo de investimentos Altima Partners (ou, regionalmente, El Tejar), com 130 mil hectares para pecuária e grãos, principalmente no Mato Grosso.
14) E, falando em investidores estrangeiros, que tal, novamente, o nome de George Soros? O estadunidense – que ilustra a foto principal desta reportagem – controla 127 mil hectares no Brasil, segundo a Grain, por meio da Adecoagro, em parceria com um fundo de pensão holandês. O leque de culturas é variado: café, cana, grãos, pecuária.
15) Os seis últimos investidores da lista são estadunidenses. Comecemos com o Archer Daniels Midland e seus 12 mi hectares para produção de óleo de palma no Pará.
16) Um dos nomes mais conhecidos da lista, a multinacional Bunge administra 230 mil hectares de cana de açúcar no Brasil, por meio de parcerias, e ainda tem 10 mil hectares da usina (o nome não deixa de conter uma ironia) Guarani.
17) E ainda temos 25 mil hectares com o Galtere, um fundo de investimentos criado por ex-vendedor da Cargill, para produção de arroz e soja. O grupo tem na mira mais 22 mil hectares.
18) A cana de açúcar volta a aparecer no relatório com 35 mil hectares da própria Cargill. A Proterra Investiment Partners investiu, em 2015, US$ 175 milhões em usinas no Brasil.
19) O Teachers Insurance and Annuity Association (TIAA), fundo de pensão de professores, administra uma das fatias mais representativas entre os investidores estrangeiros: 424 mil hectares. Em parceria com a brasileira Cosan. Leia mais aqui: “Fundo americano de professores passa a controlar 270 mil hectares no Brasil“.
20) Finalmente, e reiterando que esta lista trata apenas dos investimentos mencionados pela Grain no relatório de 2016, a YBY Agro controla 320 mil hectares de terras no Brasil. A empresa foi criada por dois ex-executivos brasileiros do Bank of America. Mas 45% da companhia pertencem a fundos privados dos Estados Unidos. Outros 35% ficam com o grupo brasileiro Francioni Brothers y Golin. As terras ficam no cerrado.
Total de terras de brasileiros no mundo, conforme a lista parcial da Grain (Oceania, África e América do Sul): 124 mil hectares.
Total de terras controladas no Brasil pelos 20 grupos estrangeiros mencionados: 2,74 milhões de hectares. Um Haiti. Ou metade da Croácia.
Acampados à beira de estradas ou em fundos de fazendas, sem a certeza de que terão acesso às suas terras de origem, indígenas do Mato Grosso do Sul sentem-se desassistidos pelos governos estadual e federal. Muitos deles nem existem perante a sociedade, já que não possuem registro civil. O alerta é do advogado Luiz Henrique Eloy Terena (povo do qual faz parte), assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e nome importante na defesa dos direitos indigenistas.
Segundo ele, que nasceu na aldeia Ipegue, em Aquidauana (MS), existem hoje cerca de 55 comunidades nestas condições no Estado, com em média 20 famílias por acampamento. “Para os índios que estão nas áreas tomadas [ocupadas], são negados atendimentos básicos, como saúde, educação e direito de cidadania.”
Eles não existem perante a sociedade. São indígenas que estão em áreas de conflito e aguardam a demarcação de suas terras
Um relatório da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à Igreja Católica, indica que o Mato Grosso do Sul registrou em 2015 cerca de 12 ocupações, com mais de 630 famílias indígenas envolvidas. O levantamento define as ocupações ou retomadas feitas por índios como ações coletivas “diante da demora do Estado no processo de demarcação das áreas que lhe são asseguradas por direito”.
De acordo com Eloy, o problema foi gerado, principalmente, pelo fato de muitos indígenas terem sido retirados de suas terras no passado e deslocados para reservas perto das cidades. O defensor se refere principalmente ao período da ditadura militar no Brasil, quando foram constatadas inúmeras denúncias de remoções forçadas de comunidades indígenas, principalmente na região Centro-Oeste.
“As ocupações que são feitas pelas comunidades indígenas são a forma de retornar para o seu território tradicional [e protestar]. Temos anciãos que nasceram nas terras, mas no passado foram levados à força para as reservas. É claro que eles querem voltar”, ressalta o representante do povo terena.
Nem da terra, nem da cidade
Meio sem saber se são da reserva ou da cidade, muitos jovens indígenas que vivem perto de comunidades urbanas passaram a não ter perspectiva de vida.
De um lado, não se sentem capacitados para os trabalhos formais praticados pelos não índios. De outro, há o despreparo para desenvolver o cultivo de subsistência ou a falta de espaço para tal.
“As reservas indígenas foram sistematicamente criadas e posicionadas próximas às cidades para que os índios fossem gradativamente inseridos. Saíram ‘catando’ os índios [sem que eles quisessem] e recolhendo para as reservas com o objetivo de liberar espaço para o agronegócio. Crianças e jovens que já nasceram nesta realidade de confinamento não se sentem da terra e nem da cidade. Um dos resultados disso é, sem dúvida, o alto índice de suicídio que temos”, explica.
De acordo com o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) –também ligado à Igreja Católica–, o Brasil identificou em 2015 87 suicídios entre os povos indígenas. Não há estudos que comprovem que eles tenham ocorrido pelos motivos destacados acima, mas os números servem como um sinal de alerta para as comunidades.
O levantamento aponta que a faixa etária com maior número de casos foi a dos 15 aos 19 anos (37%). Em segundo lugar, estavam os jovens de 10 a 14 anos (24%), seguido de indígenas de 20 a 29 anos (22%).Mato Grosso do Sul foi o Estado com o maior número de mortes (45).
Quando se analisa o período de 15 anos (2000-2015), o número é ainda mais chocante:752 suicídios. Os dados foram obtidos junto à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e aos órgãos regionais do Cimi.