Temer reduz em mais da metade verbas para políticas públicas às mulheres

O governo de Michel Temer reduziu em 61%, em relação ao ano passado, a verba para atendimento à mulher em situação de violência. Com o corte, o valor destinado à assistência passou de R$ 42,9 milhões para R$ 16,7 milhões.

Para a socióloga Jacqueline Pitanguy, diretora da ONG Cépia, o momento político do Brasil tem prejudicado principalmente as mulheres. “É extremamente preocupante o que está acontecendo, porque é um desmonte. Houve uma construção eficiente de uma política de combate à violência contra a mulher, com a Lei Maria da Penha. Então, sem orçamento para implementar as políticas, nós estamos voltando a um capítulo de retórica. Cortar a verba constitui um ato de violência contra as mulheres”, critica a ativista em entrevista à repórter Laís Modelli, na Rádio Brasil Atual, reproduzida abaixo.

Também em março, mês internacional da mulher, o governo federal retirou verbas das políticas de incentivo de autonomia das mulheres com uma redução de 54% no orçamento. Apenas R$ 5,3 milhões estão disponíveis para o setor. Em 2016, R$ 11,5 milhões foram aplicados na política.

Segundo Jacqueline, as medidas políticas do governo Temer são um retrocesso nas conquistas obtidas pelas lutas dos movimentos feministas. “No Brasil, estamos encerrando um ciclo virtuoso de conquista de direitos da mulheres, que teve seu ápice na Constituição de 1988. Nos governos de Dilma e Lula, a Secretaria de Políticas para Mulheres construiu pactos de enfrentamento da violência de gênero, mas agora, com Temer, sofre um desmonte”, afirma.

Ela afirma na entrevista que o desmonte é motivado pela forte presença de setores conservadores no governo. “Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e a posição dela na sociedade são os principais alvos dos ataques desses setores”, diz.

Na reportagem, a advogada Leila Linhares, representante do Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Mesec), explica que todos os países membros do órgão avançaram nesse tipo de política pública, inclusive o Brasil. “Nos últimos dez anos, houve avanços na legislação e o Brasil cumpriu em larga medida, do ponto de vista legislativo, todas as recomendações. A gente observa que esses avanços estão retrocedendo.”

Segundo Leila, verbas destinadas às políticas públicas para a população feminina foram responsáveis por abrir delegacias das mulheres, centros de apoio e diversas estruturas que ajudaram brasileiras em situação de violência. “Esses recursos possibilitaram um avanço, mas a gente vê que a cada dia esses órgãos perdem força e os serviços estão sendo desativados.”

Fonte: Rede Brasil Atual

Governo brasileiro não vê suicídios dos Guarani-Kaiowá como crise, diz jornal canadense

O jornal canadense The Globe and Mail divulgou a versão em português de reportagem sobre os suicídios entre os Guarani Kaiowá, 22 vezes maiores que no conjunto da população brasileira: “Os esquecidos: por dentro da crise de suicídios indígenas no Brasil“. A reportagem de Stephanie Nolen, publicada em inglês no dia 17, constatou que o governo brasileiro não vê nisso uma crise – como ocorre no caso canadense.

Apesar da epidemia, dos enforcamentos seguidos, “os policiais nunca atendem a um chamado da aldeia rapidamente”, diz a reportagem. Com isso as crianças acabam vendo os corpos dos parentes pendurados. A maior parte dos casos ocorre entre adolescentes.

Segundo a publicação, a situação no Brasil tem muitos paralelos com o fenômeno no Canadá. Mas lá os suicídios indígenas são definidos como “crise”. “O primeiro-ministro, Justin Trudeau, afirmou que adotará medidas urgentes contra o suicídio indígena”, escreve a repórter.  “Seus ministros prometeram uma intervenção em âmbito federal”.

No Brasil, silêncio. A reportagem informa que, em 2015, o governo federal prometeu reduzir em 10% a taxa de suicídio na região, e anunciou um plano de prevenção para as aldeias mais afetadas. Mas sem informar o orçamento ou mesmo os locais específicos da ação. “A resposta tardia e imprecisa reflete, em parte, o fato de que o país, já atolado em uma turbulência econômica e política, tem cortado recursos e desviado o foco da maioria dos problemas sociais”, diz o The Globe and Mail.

Segundo a reportagem, menos que uma dúzia de pesquisadores no Brasil estudam as taxas “astronômicas” de suicídio indígenas. Apenas 13 psicólogos atendem os 70 mil indígenas do Mato Grosso do Sul. E o país nem sabe quando o problema começou, porque o governo só coleta dados desde os anos 90. Pior: os números podem ser maiores, pois as mortes de indígenas “quase nunca são submetidas à análise de um legista, ou muitas vezes, simplesmente, não são registradas”.

“Mais terra para as vacas”

Este trecho da reportagem descreve a visão que a repórter canadense teve do agronegócio, em contraste com o confinamento dos povos indígenas:

– No lado brasileiro da fronteira, os Guarani-Kaiowa contam com nove aldeias no sul do Mato Grosso do Sul, estado no coração do lucrativo agronegócio brasileiro. O território, cuja principal vocação é a produção de grãos, é um vasto mar de campos verdes de soja, cana de açúcar e milho que pertencem a algumas poucas empresas gigantes, muitas delas multinacionais. Enquanto o resto do Brasil cambaleia sob o peso de uma economia estagnada, ainda se faz muito dinheiro aqui: a fome do mercado asiático pela soja brasileira e pela carne bovina alimentada com soja não diminuiu. (…) Você pode dirigir durante 15, 20 minutos em linha reta e passar apenas por pastagens de gado Bhraman. Depois de um tempo, você percebe que muito mais terra aqui foi dada às vacas do que aos humanos indígenas.

Fonte: CIMI

Secretária-geral da Fian fala sobre situação dos Guarani e Kaiowá

“O desafio para garantir alimentação e nutrição dos Guarani e Kaiwoá é respeitar o modo de ser desses povos e o seu território”. A afirmação é de Valéria Burtiy, secretária-geral da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e ex-secretária executiva do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Na entrevista abaixo, Valéria, mestre em Direito Humano à Alimentação Adequada, Direitos Humanos e Direito Constitucional, faz um alerta sobre o contexto social vivido pelos povos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e destaca. “O que levou fome ao Povo Guarani Kaiowá foi a exploração econômica no Mato Grosso do Sul, a expulsão de suas terras e a discriminação e violência a que foram submetidos”.

O documento “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do Povo Guarani e Kaiowá”, lançado em 2016 pela Fian Brasil, relata o índice de insegurança alimentar grave entres os povos Guarani e Kaiwoá. Qual o motivo dessa situação e como contorná-la?

Valéria Burity: Falta espaço aos Guarani e Kaiowá. No Mato Grosso do Sul são muitos os conflitos entre não indígenas e indígenas. No campo dos direitos territoriais, atualmente é acirrada a disputa entre o modo de produção que se expressa através dos latifúndios e monoculturas e o uso do território de acordo com a cultura indígena. O uso da área indígena pelos nativos não obedece aos parâmetros de produção de “riqueza” ou acumulação de bens, aos quais estão submetidas as propriedades e os latifúndios do estado, atualmente destinados, em sua maioria, à produção de soja e de gado de corte. Então falta terra e falta respeito à identidade cultural daquele povo.

Qual a relação entre a ausência da demarcação de territórios com a segurança alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiwoá?

Valéria Burity: A situação dos Guarani e Kaiowá, em relação a direitos como saúde, alimentação e nutrição, acesso à água, educação, segurança, igualdade, seguridade social, entre outros, é gravíssima e está associada à não garantia de seus direitos territoriais. A violência e discriminação que esses povos sofrem e a ineficácia dos órgãos que deveriam proteger seus direitos quando lesados ou ameaçados também prejudicam a segurança alimentar nesse sentido. A violação à identidade cultural e ao uso do território de acordo com essa característica gera uma série de outras violações. Eles não podem cultivar plantas, animais e alimentos para autoconsumo, para produção de seus remédios naturais, tampouco podem ter mobilidade em sua área tradicional. Os povos Guarani e Kaiwoá vivem em um ambiente hostil de discriminação, violência e preconceito, cercados por monoculturas que demandam uso intensivo de agrotóxicos e maquinário, o que empobrece o seu solo tradicional, afeta sua saúde física e mental e, consequentemente, afeta todos os seus direitos e suas vidas.

Como é o seu trabalho com os Guarani e Kaiowá? Quais os principais desafios que você identifica na segurança alimentar desses povos?

Valéria Burity: Nosso trabalho é, em articulação com movimentos sociais, documentar as violações e dar visibilidade a estas transgressões, exigindo sua reparação dentro e fora do Brasil. O principal desafio é garantir o território e o respeito à identidade cultural dos povos indígenas. O que levou fome ao Povo Guarani Kaiowá foi a exploração econômica no Mato Grosso do Sul, a expulsão de suas terras e a discriminação e violência a que foram submetidos. O desafio para garantir alimentação e nutrição é respeitar o modo de ser desse povo (teko) e respeitar o seu território (ha). É a garantia dos tekohas o primeiro passo para firmar a dignidade destes povos.

Fonte: Consea