Titulação reforça luta da comunidade de Brejo dos Crioulos

Foto: Léo Lima
Foto: Léo Lima

Brejo dos Crioulos, no norte de Minas Gerais, conseguiu a titulação parcial de seu território duas décadas depois de reivindicar o reconhecimento como comunidade quilombola. A luta dos moradores e moradoras contou por oito anos com apoio sistemático da FIAN Brasil, ao lado de entidades e movimentos que atuam na região.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou no dia 21 a documentação que titula 2.292 hectares da área – dos 17.302 reivindicados e já reconhecidos como de tradicional ocupação – em cerimônia com a presença da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, entre outros ministros. O evento marcou o lançamento do programa Aquilomba Brasil e de mais seis medidas pela igualdade racial. O governo estima que 214 mil famílias e mais de 1 milhão de pessoas no Brasil sejam quilombolas.

“É alguma coisa, né?”, comenta o presidente da Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos, Francisco Cordeiro Barbosa, o Ticão. “Foi mais um ato político, uma prestação de contas. Para mostrar que o governo está fazendo e vai fazer.”

Situada nos municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, Brejo dos Crioulos foi a primeira comunidade quilombola reconhecida no governo Dilma Rousseff. O decreto presidencial, de setembro de 2011, desapropriava terras em favor da comunidade. “Foi uma vitória importantíssima da mobilização coletiva, mas se passaram anos sem novos avanços”, comenta a ex-coordenadora de acompanhamento de casos da FIAN Jônia Rodrigues de Lima.

Ticão lembra que havia no perímetro 74 proprietários individuais, entre quilombolas e não quilombolas. Ele conta que as 13 maiores fazendas foram desapropriadas, mas restam as médias e pequenas. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] nos deu a o contrato de concessão de direito real de uso, o CCDRU, delas, e agora o título de duas das fazendas”, explica. “Mas a titulação coletiva e definitiva do território só vamos ter quando terminarem as desintrusões.”

Por meio do CCDRU a administração pública transfere a um particular ou grupo o direito real de usar um imóvel rural de sua propriedade. A desintrusão consiste na retirada daqueles/as que não pertencem àquela coletividade, com indenização (quando se conclui pela boa-fé da ocupação) ou sem. Muitas contestações arrastam-se na Justiça. “Vejo que o governo vai terminar o serviço”, diz o líder comunitário.

Atuação da FIAN

Jônia Rodrigues recorda que a FIAN começou a acompanhar o caso ativamente em 2008 a pedido de organizações com base na região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), além do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea-MG) e da Rede de Educação Cidadã (Recid).

“Tivemos um papel na articulação entre esses atores e contribuímos para levar a situação a instâncias federais e internacionais”, conta. “Conseguimos, por exemplo, que o José Carlos [de Oliveira Neto], o Véio, então presidente da associação quilombola, fosse ouvido na Comissão Interamericana de Direitos Humanos [Cidh]. E que o relator nacional de Direito Humano à Alimentação Adequada, Clovis Zimmermann, visitasse o território para documentar sua realidade.”

Para o cofundador da FIAN Brasil Irio Conti, é um dos casos exitosos que mostram os resultados do acompanhamento de lutas pela terra: “São casos que se estendem ao longo de anos, mas que ao final representam uma conquista muito importante daquela população”. Ele cita a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (em Roraima) como área contínua, em 2009, como outra vitória que teve contribuição relevante da organização, da qual foi o primeiro presidente (2000-2004).

Em 2017, a FIAN Brasil lançou um diagnóstico de violações de direitos e da situação de soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN) da comunidade e participou de missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) ao local. O trabalho de campo deu origem a um comitê de acompanhamento das medidas para enfrentar os problemas constatados.

Estudo de caso: o Pnae e a cultura alimentar indígena em Caarapó (MS)

Por meio de entrevistas e rodas de conversa com diferentes públicos e instituições realizadas em maio de 2022, a FIAN Brasil produziu um estudo de caso que pretende contribuir para melhorar a oferta de alimentação escolar indígena em Caarapó (MS) e apoiar o fortalecimento da produção agroecológica das etnias Guarani e Kaiowá. Esta página reúne os materiais elaborados:

A adequação das refeições escolares em terras e escolas indígenas é um dos desafios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que tem entre suas diretrizes o respeito à cultura, às tradições e aos hábitos alimentares saudáveis, ao que se soma a prioridade que deve ser dada às compras de alimentos produzidos por agricultores indígenas.

A regionalização da alimentação escolar é um caminho importante para a garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) dos povos indígenas, que historicamente sofrem violências e a precarização de seus sistemas alimentares, com graves consequências sobre o acesso à alimentos de qualidade e à própria cultura alimentar. O estudo de caso na Aldeia Te’yikue faz parte do projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”, com ênfase nas compras públicas.

Acompanhamento

A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas acompanha a situação dos Guarani e Kaiowá desde 2005, sempre respeitando o protagonismo das organizações representativas das etnias e em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Tem contribuído, assim, para que as denúncias dos dois povos obtenham a devida repercussão nacional e internacional, em espaços como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Parlamento Europeu e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), assim como na imprensa.

Nota técnica encomendada pela FIAN a três pesquisadores em 2021, que abrangeu 12 comunidades, mostrou como a pandemia agravou a insegurança alimentar e nutricional nos territórios guarani e kaiowá. O trabalho reiterou constatação de levantamento concluído cinco anos antes, em que a insegurança alimentar apareceu em 100% dos domicílios de três localidades. Os autores assinalam a centralidade da regularização fundiária e de apoio à produção agroecológica para permitir a construção de uma vida digna e soberana.

No Mato Grosso do Sul, a entidade também tem participado das reuniões da Catrapovos, desdobramento da Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil, composta por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil sob liderança do Ministério Público Federal (MPF) para fomentar a adoção da alimentação tradicional em escolas indígenas e de comunidades quilombolas, extrativistas e caiçaras, entre outras.

Observatório

A FIAN atua no tema, ainda, no âmbito do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), do qual compõe a secretaria executiva ao lado do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

Em 2022, o ÓAÊ engajou dezenas de organizações na campanha pelo reajuste do orçamento do Pnae, necessário para que as escolas consigam servir, como determina a Lei 11.947, refeições adequadas dos pontos de vista de quantitativo, nutricional e cultural – além de apoiar a agricultura familiar.

Oficinas avançam na criação do Protocolo de Consulta das Comunidades Geraizeiras

Instrumento ajuda a promover a proteção a costumes socioculturais, modos de vida e a efetivação dos direitos fundamentais de populações tradicionais

As populações do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas, compreendido entre os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, no norte de Minas Gerais, têm o direito de ser consultadas quando empresas de mineração ou monocultura, entre outros atores, desejam operar na região. Em torno do tema a FIAN Brasil, com apoio de parceiros, realizou três oficinas temáticas nos dias 20 e 21 de agosto.

O direito à consulta prévia, livre e informada é um mecanismo de participação previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003, e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004 (substituído em 2019 pelo Decreto 10.088).

Significa que, por meio de um protocolo de consulta, é promovido um ambiente de escuta seguro, capaz de conformar a proteção de costumes socioculturais, dos modos de vida tradicionais e que busque respeitar direitos sociais de populações indígenas e povos e comunidades tradicionais – neste caso, de geraizeiras e geraizeiros detentoras/es do território do Vale das Cancelas há pelo menos 150 anos segundo estudos antropológicos feitos na região.

No entanto, na contramão do que o tratado de direitos humanos prevê, os povos geraizeiros têm sofrido constantes e importantes impactos provocados por empresas de mineração e de monocultura de eucalipto e pínus, que por meio da exploração desordenada prejudicam o solo, as águas e os mais variados recursos naturais da região, causando recorrentes violações aos direitos fundamentais dessas comunidades, como o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Além de não respeitarem a consulta às comunidades locais ou oferecerem a devida compensação pelos danos causados por seus projetos, as empresas atuam com anuência do Estado.

Nesse cenário, participaram das oficinas cerca de 50 geraizeiras e geraizeiros, representantes das comunidades Barreiro de Dentro e Manda Saia, localizadas no núcleo territorial do município de Josenópolis. Os diálogos buscaram oportunizar momentos de formação e informação para que se possa avançar na criação do Protocolo de Consulta das Comunidades Geraizeiras; e a partir do compromisso primeiro da FIAN, contribuir para o empoderamento e a melhoria das condições de vida na perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos, da autonomia e do protagonismo.

Paulo Asafe, assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, explica que a construção desse documento é de extrema relevância e, ao lado da regularização fundiária, que também está em andamento no Território Geraizeiro do Vale das Cancelas, será instrumento central para a exigibilidade dos direitos das comunidades.

“Vejamos, por exemplo, que está em juízo uma Ação Civil Pública da DPE-MG e DPU pedindo que o licenciamento do empreendimento de mineração Bloco 8 seja suspenso enquanto a devida consulta não for realizada, o que requer a elaboração da criação do protocolo de consulta da comunidade. O mesmo deveria ocorrer com os demais projetos licenciados no território”, relata o assessor.

O protocolo é um documento com força de lei em que descreve a forma como as comunidades querem ser consultadas sobre todas as atividades que afetem o território tradicional e o modo de vida local. 

O mecanismo reforça a proteção destas populações que seguem em luta pela defesa do território, do seu modo de vida tradicional, da proteção ambiental, da permanência em suas terras e da retomada das áreas de onde foram expulsas e expulsos por ocasião da ação e invasão de fazendeiros, empresas e mineradoras nacionais e estrangeiras.

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Agrotóxicos

As populações tradicionais também participaram de uma oficina com facilitação do advogado Leonardo Pillon, especialista em mecanismos de denúncia a violações relacionadas ao uso de agrotóxicos. Visando a defesa do direito à saúde, ao meio ambiente e à promoção Dhana, o objetivo do encontro foi oferecer instruções sobre como registrar e realizar denúncias em caso de intoxicação por agrotóxicos aplicados por fazendeiros e empresas que atuam na região.

As oficinas foram realizadas pela FIAN Brasil, em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Norte de Minas, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Josenópolis, além de lideranças e membros do conselho e das diversas associações de geraizeiras e geraizeiros que vivem na região norte de Minas Gerais.

FIAN Brasil

Fotos: Leonardo Pillon 

Parlamento Europeu reitera a importância de “garantir os direitos dos povos indígenas à terra, territórios e seus meios de subsistência tradicionais”

No dia 7 deste mês, o Parlamento Europeu aprovou resolução em que condena veementemente o estarrecedor assassinato dos povos indígenas no Brasil e de defensores indígenas e ambientalistas, a exemplo do que ocorreu com o ativista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Sobre o caso, os eurodeputados destacaram a necessidade de investigação imediata, exaustiva, imparcial e independente por parte das autoridades brasileiras.

A resolução, debatida em caráter de urgência (assista a votação), traz ampla fundamentação legislativa, jurídica e histórica, além de acordos internacionais, para exigir medidas urgentes e adequadas do Estado brasileiro para prevenir novas violações aos direitos humanos dos povos indígenas que vivem no país. 

Segundo o documento, o Parlamento reitera a importância de “garantir os direitos dos povos indígenas à terra, territórios e seus meios de subsistência tradicionais, bem como para protegê-los de todas as formas de violência e discriminação”, além de “tomar medidas para acabar com a perseguição, a criminalização e a estigmatização dos povos originários e comunidades tradicionais”.

Na resolução, os representantes parlamentares estabelecem um elo entre o aumento da violência, o aumento das taxas de desmatamento e as políticas de Bolsonaro e as condenam de forma clara e inequívoca. Citam o grave desmonte de órgãos governamentais como a Funai e o Ibama, promovido pelo governo atual, e registram profunda preocupação com “os potenciais efeitos do projeto de lei PL 191/2020, conhecido como ‘projeto de lei da devastação’, e do projeto de lei PL 490/2007 sobre a demarcação de terras indígenas (…) que possam levar ao aumento do desmatamento e à destruição dos meios de subsistência dos povos indígenas”.

Guarani e Kaiowá

Em 29 de junho, a FIAN Internacional e a FIAN Brasil, com apoio de entidades-membro da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição, registraram por meio de carta ao Estado Brasileiro e governo de Mato Grosso do Sul o pedido de imediata apuração da operação de despejo ilegal e violenta promovida cinco dias antes (24/7) pela Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra os povos Guarani e Kaiowá, do tekoha Guapo’y, em Amambai. Na ocasião, os povos tradicionais haviam retomado parte de seu território e a ação policial culminou no assassinato de Vitor Guarani Kaiowá, além de deixar outras 10 pessoas feridas.

Cabe ressaltar que, no episódio, a força pública agiu sem autorização judicial e à revelia do ordenamento jurídico brasileiro, contexto que espelha o fracasso do Estado brasileiro por não cumprir o dever de regular, proteger e demarcar as terras indígenas, cujo arcabouço legal registrado na Constituição de 88 consagra o direito original dos povos indígenas às suas terras ancestrais, sem qualquer tipo de limitação de tempo para o reconhecimento desse direito.

Poucos dias depois, em 4 de julho, uma segunda carta relatou às autoridades um novo episódio de violência contra os povos originários, na mesma região do MS, em que outro indígena foi morto, Márcio Pereira. O documento reitera o pedido de medidas legais para o fim imediato das constantes violações aos direitos dos tekoha Guapo’y, Kurupi/Santiago Kue, Dourados-Amambai Pegua II e povos indígenas Guarani e Kaiowá em geral.

As cartas também foram encaminhadas em cópia para entidades relevantes dos sistemas de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Interamericano de Direitos Humanos e da União Europeia. Em resposta à FIAN Internacional, a assessoria de eurodeputada Anna Cavazzini reafirmou o interesse e compromisso do Parlamento Europeu em acompanhar de perto a questão. 

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Carta exige apuração imediata e responsabilização civil e penal sobre ação violenta de policiais dirigida a povos indígenas do tekoha Guapo’y

Agrava-se a situação dos povos Guarani e Kaiowá que sofrem com mais um líder indígena assassinado e persistente omissão do Estado

Brasil: FIAN condena recentes ataques à comunidade indígena Guapoy

Parlamento Europeu condena mortes no AM e falas de Bolsonaro

Publicação: O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá

FIAN Brasil

Foto: Genevieve Engel/European Union 2022

Agrava-se a situação dos povos Guarani e Kaiowá que sofrem com mais um líder indígena assassinado e persistente omissão do Estado

Desde a retomada de parte do território Guapo’y pelos povos indígenas ante a omissão do Estado em demarcar os territórios tradicionais, a cada dia tem se agravado a situação dos Guarani e Kaiowá que vivem em Amambai, no Mato Grosso do Sul. Eles sofrem severo quadro de violência e discriminação, o que os leva a viver em condições precárias, muitas vezes desumanas, em que seus direitos são sistematicamente violados.

Dessa vez, a violência contra a comunidade Guapo’y Mirim Tujury e o tekoha Kurupi/São Lucas culminou na morte do líder indígena Márcio Pereira, na última quinta-feira (14), segundo denúncia da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh). Esta é a mesma comunidade na qual Vitor Guarani Kaiowá foi assassinado há menos de um mês, em operação de despejo ilegal e violenta realizada pela Polícia Militar do MS.

Em 29 de junho, a FIAN Internacional e a FIAN Brasil, com apoio de entidades de diversas regiões do mundo, integrantes da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição, formalizam carta a autoridades públicas do Brasil e do MS para exigir que sejam imediatamente cessadas e apuradas as violentas ações dirigidas a tekoha Guapo’y e ao povo indígena Guarani e Kaiowá.

No último dia 4, uma nova carta relata às autoridades novos episódios de violências contra os povos originários e reitera o pedido de medidas legais para que sejam imediatamente cessadas as constantes violações aos direitos dos tekoha Guapo’y, Kurupi/Santiago Kue, Dourados-Amambai Pegua II e povos indígenas Guarani e Kaiowá em geral.

A carta também reivindica investigação e responsabilização civil e criminal dos responsáveis pelos ataques, uma abordagem em prol do fim da violência estrutural e da discriminação contra os povos Guarani e Kaiowá, e que se assegure a demarcação dos territórios tradicionais.

Atuação pública

Recentemente, o juiz federal do caso negou a reintegração de posse aos fazendeiros. Ele usou um dos argumentos defendidos pela FIAN Brasil, de que é responsabilidade da União, e não do estado do MS, intervir na histórica luta pela ocupação e demarcação de terras indígenas pelos povos originários. 

“Tratando-se de conflito coletivo de disputa indígena pelas terras tradicionalmente ocupadas por seus povos, a competência federal se impõe e afasta qualquer margem de atuação de órgãos de segurança pública local por conta própria. A Polícia Federal é a autoridade policial judiciária e ostensiva neste tipo de situação, de modo que não se pode admitir que as forças locais atuem sem a liderança dela, ou sem ordens judiciais. Esse tipo de atuação apenas agrava o conflito e parece acelerar as urgências para concessão de liminares, com pressões populares, midiáticas e de autoridades”, registra o magistrado.

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Publicação: O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá

FIAN Brasil 

Foto: Povos Guarani e Kaiowá, gentilmente cedida ao Cimi.

Povos tradicionais pedem revogação de regulamentação estadual de consulta prévia ao Governo de MG

Povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais, organizações e coletivos de direitos humanos junto a Frente Parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, enviaram um ofício às Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), pedindo a revogação urgente da recente Resolução Conjunta 01/2022, que regulamenta a consulta prévia, livre e informada no Estado.

Na avaliação coletiva, a proposta de resolução foi construída sem participação popular e viola diretamente diversos aspectos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao criar diretrizes de como a consulta deve ser realizada aos povos tradicionais, quando houver medidas públicas e privadas que impactem seus modos de vida e territórios. 

A Convenção 169 da OIT é um tratado de direitos humanos que foi ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003 e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004, revogado pelo Decreto 10.088/2019. A Convenção garante a proteção e salvaguarda dos direitos de povos e comunidades tradicionais, garantindo-lhes, dentre outros, o direito à autoatribuição, o direito à consulta e à participação na tomada de decisões que possam trazer impactos ao seu modo de vida, às suas terras e territórios. 

Em avaliação coletiva, a sociedade civil divulgou nota técnica que destacam as principais violações da resolução conjunta, e um manifesto solicitando a revogação da norma. Após audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na qual representantes da sociedade civil se posicionaram, em unanimidade, pela revogação da medida, foi aberto em nome do Governo de MG uma consulta pública virtual para revisão da Resolução.

Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, “essa consulta pública é um verdadeiro golpe aos setores sociais, uma vez que procura legitimar uma norma elaborada sem a participação dos povos e comunidades tradicionais do Estado de Minas Gerais, e repudiada pelos próprios interessados. Além do mais, a assessora destaca que “uma consulta pública virtual para consultar povos tradicionais não abarca as necessidades de comunidades que vivem em regiões afastadas do estado e também fere diretamente a Convenção 169 da OIT, ao delimitar ao formato virtual a consulta dos impactados pela resolução.” 

Para a deputada Leninha (PT/MG) que integra a Frente parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, que assina o ofício, “a Resolução, em seu cerne, viola brutalmente o direito dos povos e comunidades tradicionais à Consulta Livre, Prévia e Informada, na medida que ela dita um regimento autoritário, excludente e tendencioso para a escuta das populações tradicionais. Nossa crítica à Resolução vai além da violação à Convenção 169, pois ela retira obrigações, responsabilidades do Estado, a quem compete zelar pelos direitos coletivos, e declina-os para os interesses privados de grandes empreendimentos, colocando em risco não só os direitos dos povos mas a própria democracia.” Também assinam o documento os deputados(as), André Quintão (PT/MG), Ana Paula Siqueira (Rede/MG), Andréia de Jesus (PT/MG), Beatriz Cerqueira (PT/MG). 

Atualmente segue no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) um procedimento administrativo para apuração dos fatos em volta da resolução conjunta.

Irregularidades

A proposta do governo de Minas foi apresentada em abril deste ano sem nenhum tipo de diálogo com a sociedade civil e pegou de surpresa povos e comunidades tradicionais do estado, diretamente interessados na consulta prévia, livre e informada. Em nota técnica assinada por mais organizações, movimentos sociais e  povos tradicionais são apresentadas uma série de irregularidades existentes na Resolução Conjunta. Entre os principais direitos dos povos tradicionais violados estão:

1. Quando delimita que somente os povos tradicionais certificados pela Fundação Cultural Palmares, Funai e CEPCT/MG devem ser consultados;

A autoatribuição e a autodeterminação dos povos, prevista no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção 169 da OIT, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da OEA; 

2.  Quando garante ao empreendedor privado de contratar, com recursos próprios, assessoria técnica especializada para realização da consulta;

O direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, de acordo com a Convenção 169, as Declarações sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e OEA e a jurisprudência da Corte IDH, sobretudo ao dispor sobre a transferência da obrigação e competência exclusiva do Estado para o empreendedor privado; 

3. Quando estabelece prazos para realização da consulta prévia, livre e informada; 

A garantia da liberdade religiosa, por ignorar o calendário religioso específico de cada povo e comunidade tradicional, conforme o artigo 5º, VI e VIII da Constituição Federal;

4. Quando estabelece métodos para realização da consulta prévia, livre e informada;

Os direitos dos povos indígenas garante à organização social própria, usos, costumes, crenças e tradições, previstos no artigo 231 da Constituição Federal; A Convenção 169 da OIT garante que os métodos da consulta devem ser delimitados pelos povos tradicionais impactados. 

Na avaliação da apanhadora de flores sempre-viva e coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos da Comunidades Extrativistas (Codecex), Tatinha Alves, “embora a medida seja apresentada pelo estado como uma alternativa para garantir a consulta aos povos e comunidades tradicionais, as organizações e comunidades tradicionais destacam que o objetivo central da Resolução é facilitar o estabelecimento de empreendimentos nos territórios tradicionais do estado, atendendo aos interesses de empresas do ramo da mineração, agronegócio, entre outros.”

Impactos aos Povos Tradicionais

O mecanismo da consulta prévia apesar de garantido pela legislação brasileira, frequentemente é violado por empresas e pelo próprio estado. Em Minas Gerais, diversos empreendimentos já foram autorizados sem a realização de consulta prévia aos povos tradicionais. 

Na Serra do Curral foi dada à empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) pelo Governo de Minas a permissão para que se instalasse na região sem a consulta à comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que fica em Belo Horizonte e é atualmente integrada por 37 famílias. Este caso teve ação ajuizada contra o estado pelo MPF no dia 20/06 pela falta de consulta à comunidade atingida. 

Para a liderança da comunidade quilombola, Makota Kidolaie, “não consultar os povos tradicionais, é um ato violento que ignora a nossa existência. O estado de Minas Gerais, não pode falar por nós e não pode fazer acordos absurdos de medidas compensatórias, em que uma violação legítima a outra. Somos contra esse modelo de consulta, e exigimos respeito e gerência sobre tudo que se diz respeito aos povos tradicionais.” 

Na comunidade quilombola Vargem do Inhaí, a cerca de 70km da cidade de Diamantina (MG), cerca de 28 famílias seguem ameaçadas pela perda de seu território pela sobreposição de um parque de conservação ambiental. O território comunitário está inserido na zona de amortecimento do Parque Nacional das Sempre-Vivas, com área de sobreposição de cerca de 6 mil hectares. A medida também foi apresentada sem consulta prévia à comunidade. 

Na avaliação da advogada popular do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz, “a resolução limita o alcance do direito de consulta e chega ao absurdo de dizer que em  determinados casos se confia na boa fé do empreendedor para dizer se na área de impacto do empreendimento tem ou não povo tradicional. Como que a empresa, maior interessada no empreendimento, é também aquela legitimada a dizer se tem povo a ser consultado ou não? É visível como ela facilita pro empreendedor em detrimento do direito das comunidades.”

Fonte: Terra de Direitos

Foto: Ricardo Barbosa

‘Disrupção’ ou Déjà Vu? Digitalização,Terra e Direitos Humanos – estudos de caso de Brasil, Indonésia, Geórgia, Índia e Ruanda

‘Disrupção’ ou Déjà Vu? Digitalização,Terra e Direitos Humanos – estudos de caso de Brasil, Indonésia, Geórgia, Índia e Ruanda é uma publicação da FIAN Internacional traduzida pela FIAN Brasil.

Clique para acessar o livro, o anexo 1 e o anexo 2.

Podcast aborda o direito à alimentação com base jurídica e formato lúdico

A FIAN Brasil e O Direito Achado na Rua acabam de lançar o podcast O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: enunciados jurídicos. Em dez episódios, o programa destrincha o livro lançado pelas duas organizações em abril. Está disponível nas plataformas Spotify, Anchor e YouTube.

Participam da primeira gravação três dos organizadores/as do livro: Valéria Burity, José Geraldo de Sousa Junior e Antonio Escrivão Filho (a quarta é Roberta Amanajás Monteiro), além do autor do prefácio, Carlos Marés. As entrevistas apresentam brevemente os temas, interlocutores/as e entrevistados/as dos nove episódios seguintes, apontando também reflexões que serão desenvolvidas ao longo da série.

“O podcast reúne de uma forma lúdica, artística e didática o debate sobre os grandes temas que impactam a relação entre o direito à alimentação e o sistema de justiça no Brasil e no ambiente internacional”, descreve Escrivão Filho. “Tem como ponto de partir as falas de especialistas de diversos campos, como a militância em movimentos sociais, a advocacia popular, o ativismo em direitos humanos e a academia.”

São abordadas questões como: o que o direito a se alimentar e se nutrir adequadamente tem a ver com as retomadas indígenas, a educação quilombola, a agroecologia e a luta sem-terra; como é tratado na nossa Constituição e nos pactos internacionais dos quais o Brasil faz parte; e como tem sido aplicado na prática.

“Os enunciados expressam a forma como movimentos sociais compreendem o direito e como as normas podem ser aplicadas para a garantia efetiva do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”, comenta Burity. “É forma de incidirmos sobre o Judiciário e agirmos pela democratização do acesso à justiça.”

O podcast tem roteiro, direção e montagem de Marco Escrivão, com locução de João Victor Coura e Priscila Schmidt. Coura também assina a trilha original, o desenho de som e mixagem, e divide as gravações com Alexandre Scarpelli. O programa é produzido por Kaburé Filmes e Estúdio Pongá.

Conceituação e teses jurídicas

Resultado de intensa agenda de discussão, o livro de 196 páginas é uma obra coletiva voltada para a proteção e efetivação desse direito individual e social, conhecido pela sigla Dhana, indispensável à dignidade humana e à própria vida.

A publicação divide-se em duas partes. A primeira apresenta os principais conceitos envolvidos e os contextualiza no Brasil e no mundo, com abordagens sobre o Dhana e o sistema de justiça, ao passo que a segunda traz os enunciados, teses jurídicas utilizadas na defesa e promoção desse direito. Cada um corresponde a um capítulo e aborda um assunto específico.

Evento chama atenção para violações de direitos no Vale das Cancelas

Em parceria com as comunidades do Vale das Cancelas e movimentos locais, a FIAN Brasil lançou em 28 de maio a publicação digital e impressa O Modo de Vida Geraizeiro e o documentário Nossa Vida É nos Gerais, de produção própria.

O evento virtual foi realizado como um momento de incidência em que as lideranças geraizeiras puderam relatar o que tem ocorrido no território e apresentar demandas ao poder público. O ato contou com a participação da defensora pública estadual Ana Cláudia Alexandre, do defensor público da União João Márcio Simões, do deputado federal Padre João (PT-MG) e da deputada estadual Leninha (PT-MG), além de membros da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Minas Gerais (Semad) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), bem como das organizações parceiras (MAB, CPT, CAA e Coletivo Margarida Alves).

“Todo momento em que as comunidades podem ser ouvidas por autoridades públicas é muito importante, porque a realidade do território é de constante violação de direitos”, ressalta o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil Paulo Asafe. “E atualmente o povo geraizeiro do norte de Minas vive uma situação muito complicada, em que vê o licenciamento do maior projeto de mineração da América Latina receber uma espécie de aval do Ministério Público de Minas Gerais, que assinou um termo de compromisso com a empresa Sul Americana de Metais sem dialogar com a comunidade.”

A FIAN Brasil apoiou a redação de um documento que foi entregue simbolicamente às autoridades presentes e será enviado a demais órgãos federais, estaduais e municipais. As reivindicações das comunidades geraizeiras incluem a impugnação do acordo firmado, além de políticas de proteção sanitária, de respeito ao território e de desenvolvimento da agricultura familiar na região.

Livro jurídico liga os pontos entre lutas sociais, sustentabilidade, o direito à alimentação e o sistema de justiça

O que o direito a se alimentar e se nutrir adequadamente tem a ver com as retomadas indígenas, a educação quilombola, a agroecologia e a luta sem-terra? Como é tratado na nossa Constituição e nos pactos internacionais dos quais o Brasil faz parte, como tem sido aplicado na prática e como isso poderia ser diferente?

Esses são alguns dos pontos abordados no livro O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: Enunciados Jurídicos, iniciativa da FIAN Brasil e de O Direito Achado na Rua.

Com prefácio de Carlos Marés e artigo de Boaventura de Sousa Santos sobre o sistema judicial, a publicação de 196 páginas é uma obra coletiva voltada para a proteção e efetivação desse direito individual e social, conhecido pela sigla Dhana, indispensável à dignidade humana e à própria vida. A coletânea é organizada por Valéria Torres Amaral Burity, Antonio Escrivão Filho, Roberta Amanajás Monteiro e José Geraldo de Sousa Junior.

“Temos um conjunto de normas que dispõe sobre o Dhana no Brasil, o que nos falta é que as pessoas que aplicam o direito se posicionem de maneira efetiva pela sua realização”, diz Burity. “Este trabalho traz a visão de movimentos e de pessoas que pesquisam e advogam neste campo sobre como o direito à alimentação pode ser garantido. É, portanto, um instrumento para potencializar lutas sociais.” 

“Queremos que o livro chegue aos advogados/as, procuradores/as, defensores/as, juízes/as, juristas, professores/as e estudantes do nosso campo de conhecimento”, diz Escrivão Filho. 

A FIAN pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para se manifestar em arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) para que o governo federal adote medidas emergenciais de combate à insegurança alimentar.

Rigor e linguagem simples

O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas divide-se em duas partes. A primeira apresenta os principais conceitos envolvidos e os contextualiza no Brasil e no mundo, com abordagens sobre o Dhana e o sistema de justiça, ao passo que a segunda traz os enunciados, teses jurídicas utilizadas na defesa  e promoção desse direito. Cada um corresponde a um capítulo e aborda um assunto específico. 

Para dar maior alcance e mais efetividade ao conteúdo, as autoras e autores – advogadas e advogados que atuam junto aos movimentos sociais no tema – buscaram uma linguagem simples e direta, longe do dito “juridiquês”, sem descuidar do rigor técnico da defesa.

A compilação baseia-se numa intensa agenda de discussão a partir das experiências e concepções de movimentos, entidades de direitos humanos e advocacia popular, juristas e intelectuais.

Participam, como autoras e autores: Valéria Torres Amaral Burity, Roberta Amanajás Monteiro, Antonio Escrivão Filho, José Geraldo de Sousa Junior, Carlos Marés, Boaventura de Sousa Santos, Raquel Z. Yrigoyen-Fajardo, Renata Carolina Corrêa Vieira, Olivier De Schutter, Felipe Bley Folly, Luiz Eloy Terena, Gladstone Leonel Júnior, Rafael Modesto, Naiara Andreoli Bittencourt, Eduarda Aparecida Domingues, Givânia Silva, Vercilene Francisco Dias, Camila Cecilina Martins, Joice Silva Bonfim, Carlos Eduardo Lemos Chaves, Larissa Ambrosano Packer, Leticia Santos Souza, Diego Vedovatto, Edgar Menezes Mota, Euzamara de Carvalho e Victória Lourenço de C. e Gonçalves.Confira o debate de lançamento, em 30 de abril, e leia artigo do co-organizador José Geraldo de Sousa Junior sobre o livro.

Foto: Humberto Góes