O governo federal deve adotar, nos próximos dias, medidas para garantir a assistência e promoção de serviços essenciais aos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais do Brasil no contexto da pandemia da Covid-19. O Ministério Público Federal (MPF) oficializou recomendação nesse sentido, com prazo de dez dias, na última quarta-feira (6).
Na recomendação, a Câmara de
Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª Câmara – 6CCR) cobra a
disponibilização de recursos financeiros, humanos e materiais, além da adoção
de medidas e políticas públicas que zelem pela saúde e estabilidade
socioeconômica desses povos. O descumprimento sujeitaria os órgãos federais a
medidas administrativas e judiciais.
“Esses povos e comunidades enfrentam
intensa pressão desde a colonização. O cenário de violações de direitos ao
longo de toda nossa história, por conta tanto de ações como de omissões, vem se
agravando muito no governo Bolsonaro, com falas que afrontam a dignidade e até
a existência desses povos”, ressalta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria
Burity. “Com isso combinado aos modos de vida comunitários e às
particularidades imunológicas dessas populações, a Covid-19 pode causar muitas
mortes e sofrimento se o poder público não mudar seu patamar de atenção ao
problema com toda urgência.”
A 6CCR afirma que, em razão da
histórica ineficiência do poder público, as comunidades “possuem precárias
estruturas de água, energia elétrica, saneamento básico e outros serviços
públicos essenciais”.
Além dos ministérios da Cidadania,
dos Direitos Humanos e da Agricultura, o documento foi enviado à Caixa
Econômica Federal, à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), à Fundação
Cultural Palmares, ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Na avaliação do MPF, o atual cenário
exige ações emergenciais coordenadas e integradas dos órgãos e entes públicos,
“sobretudo na prevenção da disseminação da doença, mas também na garantia do
pleno atendimento e na tomada de medidas preventivas de contaminação”. Por
isso, a 6CCR recomenda o apoio dos órgãos no desenvolvimento de metodologias
que garantam o acesso à educação, o fortalecimento das unidades de saúde dentro
dos territórios, além da adoção de estratégias diferenciadas para que as
comunidades tenham acesso ao cadastramento e utilização do auxílio emergencial
do governo.
O MPF pede, ainda, o controle
sanitário das pessoas que ingressem nos territórios étnicos; ampliação da
política de distribuição de cestas básicas; andamento aos processos de
reconhecimento, identificação, delimitação e titulação dos territórios;
distribuição de kits de higiene; e ampla propaganda de conscientização dos
riscos de contaminação da doença, entre outras medidas.
Leia a recomendação e confira recomendações endereçadas a governos estaduais e prefeituras para assistência a regiões, terras indígenas e comunidades específicas.
Articulação
A articulação com a 6ª Câmara de
Coordenação e Revisão (6ª CCR) do
Ministério Público Federal foi uma iniciativa da Rede de Povos e Comunidades
Tradicionais do Brasil apoiada pela FIAN Brasil. “Representantes dos PCTs
puderam apresentar suas demandas, e o MPF comprometeu-se a enviar recomendações
aos órgãos responsáveis e a acompanhar os desdobramentos”, relata o assessor de
Direitos Humanos Paulo Asafe, que participou das tratativas junto com Valéria
Burity.
A FIAN também se reuniu, em 28 de abril, com o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT) e organizações parceiras (Rede Cerrado, Terra de Direitos e Instituto Sociedade, População e Natureza – ISPN) a fim de elaborar estratégias para melhorar a comunicação dos PCTs. “A prioridade imediata é o enfrentamento da Covid-19, mas a iniciativa não se restringe a ela. As lideranças enfatizam a importância de aumentar o fluxo de informações dentro e fora dos territórios durante e depois da pandemia”, explica Asafe.
Foto: Comunidade quilombola de Lagedo (MG). Crédito: Delmo Roncarati Vilela/UFMG