O Supremo e a (não) demarcação de terras indígenas

Na última semana (22/06), a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Carmen Lúcia, recebeu uma delegação de mulheres e crianças Guarani-Kaiowá que descreveram o quadro de fome e insegurança alimentar, racismo e violências que se impõem aos indígenas frente à falta de demarcação de suas terras. A ministra afirmou que o Judiciário está cada vez mais atento à realidade dos Povos Indígenas relacionada à falta de demarcação de suas terras e garantiu ajuda nos problemas que dependam de decisão jurídica. Mas o que o STF pode de fato fazer?

Em meio à crise política do país e no atual contexto de ruptura democrática, entender o papel e do poder do STF é fundamental. Há alguns anos, temas centrais do Legislativo e do Executivo são deslocados por diferentes motivos para a Suprema Corte, que, ao julgar, muitas vezes termina por legislar, ou afirmar e redefinir políticas públicas no Brasil. No campo dos direitos humanos, alguns avanços podem ser assinalados especialmente no que se refere ao reconhecimento pelo STF de direitos de caráter individual.[1] No entanto, há pelo menos uma década a corte não avança e ainda faz retroceder o reconhecimento de direitos étnicos coletivos, como os direitos territoriais indígenas e quilombolas.

Em 2010, foram identificadas mais de 150 ações sobre demarcação de terras indígenas pendentes de decisão no STF.

O Supremo também foi responsável pela concessão de uma série de medidas liminares que passaram a impedir o acesso de Povos Indígenas a territórios devidamente identificados e demarcados nos termos da Constituição Federal.[2] A sinalização de esforços do Executivo – desde pelo menos 2012 – e do Legislativo – com a tramitação da PEC 215/00 e com a instalação da CPI sobre a Funai e o Incra – visando paralisar ou acabar com a demarcação de terras indígenas acirraram conflitos e contribuíram para a escalada de assassinatos, tal como documentado todos os anos no Mato Grosso do Sul. Essa pressão política e social chega apenas parcialmente ao Judiciário. A morosidade no STF, por exemplo, só reforçou a estratégia de “judicialização” contra os processos de demarcações de terras indígenas precarizando ainda mais o direito dos indígenas. A judicialização transformou-se então em justificativa confortável do Estado para a negação do direito à terra dos Povos Indígenas.

O direito à terra é considerado um direito humano fundamental de caráter coletivo dos Povos Indígenas porque a vida, o bem estar, as tradições, o futuro das comunidades e até mesmo as línguas indígenas dependem da relação que essas populações mantêm com seus territórios e recursos naturais.

No entanto, apesar de formalmente protegido, esse direito não tem sido implementado pelo Estado brasileiro e o STF tem sua parcela de responsabilidade. Por exemplo, ao não julgar o mérito das ações e manter os indígenas fora de suas terras, a corte contribuiu e contribui para a consumação de situações de fato (ex. ocupação não indígena com violenta degradação ambiental) que, de acordo com sua própria jurisprudência, seriam consideradas demandas improcedentes ou inconstitucionais.

Enquanto isso, cada vez mais impedidos de acessar seus territórios para cultivar suas roças de subsistência, caçar, pescar, praticar plenamente seus rituais, Povos Indígenas vão assistindo à derradeira derrubada de suas matas e degradação de seu ambiente juntamente com a morte de lideranças. Em resistência, muitos mantiveram-se em ocupações de ínfimas parcelas de seus territórios para reivindicar seus direitos. Contra isso também, cresceram as judicializações e, durante o julgamento do caso da terra indígena Raposa Serra do Sol/RR, uma nova âncora de conforto para a negação de direitos é apresentada: a tese do marco temporal.

A tese do marco temporal tem sido usada pela 2ª turma do STF e, basicamente, impõe a data da Constituição Federal (05/10/1988) como uma data limite para a constituição de um direito que, em sua natureza, é originário, ou seja, não depende de um ato ou fato constituinte.  Esse entendimento diverge do que diz, expressamente, o artigo 231 da Carta Magna e de tudo o que as constituições, anteriores a de 1988, previram sobre os direitos territoriais indígenas, desde 1934. Num processo de involução inconstitucional, de acordo com a tese, para alguns ministros do STF, o direito à terra só não se perderia se, ao tempo da promulgação da Constituição, os povos e grupos indígenas não estivessem em seu território tradicional devido a “renitente esbulho” praticado por não índios.

O conceito que vem sendo dado a “renitente esbulho” completa o marco de perversidade, pois para caracterização desse instituto seria necessário que, em outubro de 1988, os povos originários estivessem pleiteando a posse da terra no Poder Judiciário, ou ainda, estivessem sofrendo violência física direta contra a ocupação. A tese do marco temporal não abarca, portanto, milhares de casos ocorridos em um período de ditadura militar em que os Povos Indígenas já haviam sido expulsos e não haviam ajuizado ações por inúmeros motivos, entre eles, a dificuldade de acesso à justiça que até hoje os afeta. Por exemplo, essas mesmas decisões do STF que aplicam o marco temporal são proferidas em processos que não contam com a participação das comunidades indígenas cujas terras tem seu reconhecimento anulado.

Vale registrar que o relatório da Comissão Nacional da Verdade comprovou inúmeras violações de direitos sofridas por esses povos durante a ditadura e em outros períodos. Ou seja, a tese do marco temporal diverge de toda lógica inserida na Constituição  e, em especial, do artigo 51 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias, que evidencia a intenção da Constituinte de não legitimar arbitrariedades do período ditatorial. De acordo com esse dispositivo, deveriam ser “revistos pelo Congresso Nacional, através de Comissão mista, nos três anos a contar da data da promulgação da Constituição, todas as doações, vendas e concessões de terras públicas com área superior a três mil hectares, realizadas no período de 1º de janeiro de 1962 a 31 de dezembro de 1987”.

Apesar de ser apenas um entendimento minoritário do STF, a tese do marco temporal vem alterando de fato a vida dos Povos Indígenas por exemplo das terras Limão Verde, Guyraroká, e, mais recentemente Buriti, todas no Mato Grosso do Sul. A tese do marco temporal, que deveria ser aplicada apenas no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol abriu precedentes no STF que já estão sendo replicados por outros juízes para fundamentar a expulsão dos indígenas de suas terras.

Faixa deixada por manifestantes de etnias indígenas em gramado em frente ao Congresso Nacional, em maio de 2017. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Num efeito bola de neve, diante do aumento da judicialização, o STF passou a ser demandado para analisar em caráter de urgência ordens de despejo ou reintegrações de posse que colocam as comunidades indígenas em risco ainda mais grave. Nesses casos, sempre de maneira precária porque apenas sob a forma de suspensão de liminar, o STF tem conseguido garantir a manutenção das comunidades indígenas em parcelas ínfimas de seus territórios reivindicados.

De março de 2016 a maio de 2017, subiram de 13 para 17 suspensões de liminares concedidas pelo STF favoráveis aos Povos Indígenas, mas não suficientes para a garantia de seus direitos humanos e constitucionais.

Para os Povos Indígenas, a terra é a base para o gozo de uma multiplicidade de direitos humanos, como, por exemplo, o direito humano à alimentação e nutrição adequadas. Além da disputa judicial, as últimas décadas foram marcadas pelo acelerado agravamento nas condições de sobrevivência dos Povos Indígenas no Brasil. Em 2005, por exemplo, a morte por desnutrição de mais de 20 crianças em apenas duas aldeias (Bororó e Jaguapiru), no Mato Grosso do Sul, chamou a atenção da imprensa nacional e colocou a exigência  de medidas do Estado brasileiro para reverter este quadro, especialmente no que se refere à garantia de territórios e acesso a recursos naturais necessários à sobrevivência física e cultural dos Guarani e Kaiowá. Em 2010, sem avançar com a demarcação das terras indígenas pelo governo federal, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) confirmou o alarmante índice de 32,11 mortes de crianças menores de 1 ano de idade para cada 1000 nascimentos nas aldeias indígenas do município de Dourados (MS), sendo que a média nacional era de 19 mortes para cada 1000 nascimentos.

Em 2016, um estudo da Fian Brasil demonstrou a disparidade do direito humano à alimentação e à nutrição entre a média nacional (4,8% em 2013) e a do povo indígena Guarani e Kaiowá (28% em 2013). Além disso, 100% dos domicílios desse povo indígena pesquisados apresentaram algum grau de insegurança alimentar e nutricional contra a média de 22,6% para a população brasileira em geral. O estudo confirma que, além da situação de confinamento, as inseguranças jurídicas em processos que se arrastam no tempo para a definição jurídica do direito à terra dos Povos Indígenas e a violência impune praticada contra lideranças e comunidades indígenas comprometem ainda mais a soberania alimentar desses povos no Mato Grosso do Sul.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a inação do Estado brasileiro com relação às mortes e violências contra indígenas, bem como com relação à falta de demarcação de terras indígenas, insere o caso dos Guarani e Kaiowá como um caso de atenção para prevenção de situações de genocídio, conforme indicadores da ONU para tal. Com similar preocupação, o Parlamento Europeu aprovou resolução sobre a situação do Povo Guarani e Kaiowá e, considerando, entre outros elementos “que estão em curso algumas iniciativas para a reforma, interpretação e aplicação da Constituição Federal do Brasil e que estas eventuais alterações podem pôr em risco os direitos dos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal do Brasil”, apelou às autoridades brasileiras para que desenvolvam um plano de trabalho visando dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani-Kaiowá e criar as condições técnicas operacionais para o efeito, tendo em conta que muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais. Porém, além disso, sem um justo e efetivo posicionamento do STF, não haverá medida do Executivo que resolva essa agravada situação.

relatora especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli Corpuz, após sua visita ao Brasil, em março de 2016, afirmou que “a concentração de poder econômico e político nas mãos de um pequeno segmento da sociedade brasileira contribui, historicamente, para a exploração de terras e recursos dos povos indígenas, sem consideração com seus direitos ou bem-estar. Durante sua visita, ela repetidamente ouviu relatos de que ganhos políticos e econômicos individuais têm contribuído para o racismo institucional, para a violação de direitos dos povos indígenas e para os conflitos.”[5]

Resta saber se, nesse contexto, o STF conseguirá sair de sua tradicional zona de conforto para fazer valer os direitos constitucionais dos Povos Indígenas, abordando o mérito das questões sem legislar ou modificar a Constituição Federal. Afinal, a aplicação da tese do marco temporal pela corte adianta os efeitos da proposta de emenda constitucional (PEC 215), antes mesmo dela ser aprovada, e fecha os olhos do Judiciário para o fato de que: impedir que os Povos Indígenas vivam em suas terras é impedir a existência de suas culturas e coletividades. Isso tudo, em benefício de quem?

Erika Yamada é Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca e Perita no Mecanismo de Peritos da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas. Valéria Burity é Secretária Geral da FIAN Brasil.

Publicado no Justificando


[1] Por exemplo com relação aos direitos identitários de pessoas transgênero, reconhecimento de alguns direitos LGBT, descriminalização do aborto, e à definição de quotas raciais para ingressar no serviço público e na universidade.

[2] YAMADA, E. Quem ganha com conflitos não resolvidos? in Povos Indígenas no Brasil:2006-2010, Instituto Socioambiental, 2011, p.61

Guarani-Kaiowá relata violações de direitos em MS

Um grupo de jovens indígenas Guarani-Kaiowá entregou, nesta quarta-feira (21), à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, documento em que pede apoio no combate às sistemáticas violações de direitos enfrentadas por esse povo em Mato Grosso do Sul.

A reunião com os parlamentares é resultado de um projeto realizado pela Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) Imagem da Vida com mais de 300 jovens e lideranças indígenas da região. Pela voz de crianças e adolescentes, o grupo espera sensibilizar parlamentares e gestores públicos em Brasília para os problemas vividos cotidianamente por essas populações tradicionais.

“A esperança que a gente tem é que esses parlamentares, autoridades nos ajudem, façam nosso direito valer, porque, em Mato Grosso do Sul, nossos direitos estão sendo violados”, afirmou Jhonnar Gomes, de 16 anos.

Homicídios e suicídios
Os Guarani-Kaiowá são a segunda maior população indígena do País, com 45 mil indivíduos. Dirce Carrion, presidente da Imagem da Vida, disse que, entre os anos de 2003 e 2016, foram registrados 400 homicídios por questões de conflito de terra em Mato Grosso do Sul. No mesmo período, ocorreram 707 casos de suicídio, um dos índices mais elevados do mundo entre populações indígenas.

“Temos aqui crianças que viram seu avô, que era uma liderança, o Nizio Gomes, ser assassinado na sua frente. São crianças que estão acostumadas a viver na beira da estrada, sem alimentação, sem casa, sem nenhum tipo de direito. E como eles mesmos dizem, e dizem muito bem, eles são os legítimos donos desta terra e não têm direito a viver nela. A prioridade é para milhões de hectares para os bois, e eles estão na beira das estradas”, afirmou Carrion.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Paulão (PT-AL), destacou a importância de se dar visibilidade à luta dos povos indígenas e impedir propostas que prejudiquem o reconhecimento do direito à terra. “Não é tarefa fácil, porque a correlação de forças é desigual”, disse.

Paulão ressaltou que vários projetos em tramitação, originários do governo ou do Legislativo, prejudicam os povos indígenas. “Por exemplo, quando se diminui uma área de terras demarcadas, quando se eliminam futuras demarcações, ou se vendem terras a povos estrangeiros, ou ainda quando não há critério sobre agrotóxico ou não se estabelece um fortalecimento da Funai no Executivo”, enumerou.

Além da visita à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, o grupo de jovens Guarani-Kaiowá também levou suas reivindicações à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a representantes de organismos internacionais.

Fonte: Agência Câmara Notícias

Fotos: Marcelo Camargo/EBC/FotosPublicas

Foto: Léo Lima

FIAN Brasil apresenta publicações sobre violações de direitos humanos nesta sexta em Brasília

A FIAN Brasil apresenta nesta sexta-feira, 9 de junho, duas publicações sobre o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA), em Brasília. A primeira publicação será lançada às 9 horas e apresenta um diagnóstico de violações de direitos na comunidade quilombola Brejo dos Crioulos (MG). No período da tarde, às 14 horas, acontece o lançamento da segunda publicação “Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do DHANA no Brasil”.

As duas publicações estão relacionadas aos trabalhos e pesquisas realizadas pela FIAN Brasil no âmbito do cumprimento de sua missão institucional em defesa dos Direitos Humanos. A luta pelo reconhecimento como comunidade quilombola e pelo direito ao território em Brejo dos Crioulos, localizada no Norte de Minas Gerais, é um dos casos acompanhados pela FIAN há mais de 10 anos.

A elaboração do Diagnóstico iniciou em janeiro deste ano e é fruto de uma análise antropológica que baseia uma avaliação das principais violações de direitos humanos sofridas pela comunidade. “Ao  tratar sobre o DHANA também abarcamos uma ampla gama de direitos correlatos, como acesso à educação, saúde e cultura, e com base nisso fazemos uma série de recomendações ao Estado brasileiro sobre o que deve ser feito para alterar essa realidade”, aponta o assessor de direitos humanos da Fian Brasil, Lucas Prates.

Durante o lançamento do Diagnóstico de Brejo dos Crioulos haverá um debate sobre a segurança alimentar e nutricional dos povos quilombolas no Brasil, com a participação de José Carlos/Véio (Brejo dos Crioulos), Joana Rodrigues (Brejo dos Crioulos), Ana Segall (FIOCRUZ), Luana Natielle (FIAN Brasil) e Lucas Prates (FIAN Brasil).

Democracia e golpe

Crédito foto: Fábio Nascimento/MNI

No período da tarde, a partir das 14 horas, será lançado o informe “Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no Brasil”. A publicação analisa a situação do DHANA no Brasil desde 1988 até o período atual, com foco nos principais retrocessos vividos após o golpe de estado de 2016. Para tanto são analisados criticamente os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis, bem como o aumento da violência institucional e da criminalização das lutas sociais. Saiba mais sobre a publicação no link.

“Este informe é uma leitura a partir da ótica do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, da Soberania e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Não temos a pretensão de apontar todos os iminentes retrocessos, mas sim, aqueles que nos pareciam, no momento de produção do documento, como mais graves e estruturais, considerando as obrigações que o Estado brasileiro assumiu quando adotou tratados internacionais de direitos humanos”, ressalta a secretária geral da FIAN Brasil Valéria Burity.

Durante o lançamento, haverá uma mesa de debate com a participação de Jorge Gimenez (FIAN Brasil), Valéria Burity (FIAN Brasil), Deborah Duprat (PFDC/MPF), Iridiani Seibert (MMC), Pedro Rossi (UNICAMP) e Antônio Teixeira (IPEA).

Parcerias

O diagnóstico de Brejo dos Crioulos é uma parceria entre o CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas e CPT – Comissão Pastoral da Terrra. Já o informe sobre o DHANA é uma iniciativa da FIAN Brasil, com apoio do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Ambas as publicações contam com o apoio financeiro de Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.  Após o lançamento, as publicações estarão disponíveis para download no site da FIAN Brasil.

FIAN Brasil

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). No país desde 2000, a FIAN Brasil realiza o acompanhamento e monitoramento de casos de violações de direitos humanos, bem como ações de incidência, advocacy e articulação na área de direitos humanos e direitos correlatos, com ênfase no DHANA.

Serviço

Lançamentos publicações FIAN Brasil

9 de junho de 2017 (sexta-feira)

9 horas: Diagnóstico de violações de direitos e situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em Brejo dos Crioulos

14 horas: Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do DHANA no Brasil

Local: Instituto Bíblico de Brasília – SGAN 601, Módulo F, Asa Norte (antiga sede da Cáritas)

 

 

Ascom FIAN Brasil

Foto destaque: Léo Lima

Nota de denúncia da “Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil”: o agravamento da repressão às lutas sociais e políticas no Brasil

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, rede composta por 41 organizações de defensores de direitos humanos, denuncia e repudia a intensificação da repressão do Estado brasileiro aos movimentos populares, com destaque para os ocorridos nesta quarta-feira (24/5).

A violência contra as lutas sociais pela terra e pela reforma agrária por parte do Estado brasileiro tomou proporções ainda maiores no dia 24 de maio. Foram assassinados/as ao menos 10 trabalhadores/as rurais em uma chacina promovida pelas polícias civil e militar da região de Pau d’Arco, no estado do Pará. Foi enviada missão ao Pará com a presença do presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo (representante da Plataforma Dhesca).

Horas depois, em Brasília, 49 manifestantes foram feridos/as e 8 detidos/as em uma brutal repressão das forças policiais ao protesto que pedia a saída do Presidente Michel Temer, a realização de novas eleições e o fim das Reformas Trabalhista e da Previdência. A repressão em Brasília incluiu o uso de armas letais, conforme comprovado por imagens de redes de TV e noticiários de grande circulação.

Denunciamos a aprovação relâmpago e em série no mesmo dia de diversas Medidas Provisórias (MP) que violam direitos fundamentais e agridem populações tradicionais: como a MP 756 que permite, entre outras coisas, a venda das terras na União em toda a região da Amazônia Legal, acirrando os conflitos de demarcação de terras de povos indígenas.

Por fim, o contexto de graves violações aos direitos humanos e à democracia atingiu seu ápice no final da tarde de ontem, dia 24 de maio, com a promulgação de Decreto Presidencial emitido pelo Sr. Michel Temer que autorizou o uso das Forças Armadas  para “a garantia da lei e da ordem” nas ruas do Distrito Federal até o dia 31 de maio — coincidentemente, a mesma data prevista para o fim da votação das reformas acima indicadas.

Apesar de o Decreto ter sido revogado na manhã desta quinta-feira (25/05), o uso dos militares para tais fins demonstra, como denunciado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), uma sinalização de que pode ser instalado Estado de Sítio no país. Ressalta-se, ainda, que a publicação de tal decreto configurou crime de responsabilidade por parte do Presidente da República, haja vista que descumpriu os requisitos legais impostos pela Lei Complementar nº 97, de 1999.

Assim, a Plataforma Dhesca e suas entidades pedem a devida investigação por parte dos órgãos públicos brasileiros responsáveis dos crimes e violações de direitos humanos citados e a atenção dos organismos internacionais para a grave situação enfrentada pelo povo brasileiro, que tem a cada dia usurpados e ameaçados seus Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.

Brasília, 25 de maio de 2017

Coordenação Colegiada

Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil

Foto: Mídia Ninja

Ameaça de desnacionalização

Planta-se aqui para se colher lá fora. A despeito do discurso nacionalista, é de conhecimento notório que o modelo de produção do agronegócio brasileiro é amplamente benéfico aos interesses econômicos de grandes corporações multinacionais. Essas empresas revertem anualmente bilhões de reais às suas matrizes na forma de lucros e dividendos colhidos de suas atividades no Brasil. Assim fazem a Monsanto, a Cargill e a John Deere para os EUA; a Syngenta para a Suíça; a Bunge para a Holanda; a New Holland para a Itália; a Bayer e a Basf para a Alemanha; a Louis Dreyfus Company (LDC) para a França, entre outras.

Não satisfeitos, representantes do agronegócio no Congresso Nacional, em conluio com o governo federal, agora se empenham para entregar o próprio território brasileiro aos estrangeiros. O principal instrumento legislativo dos ruralistas é o Projeto de Lei 4.059/12, que autoriza a “aquisição de áreas rurais e suas utilizações por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras”. Sabe-se, além disso, que germina no Executivo uma medida provisória ainda mais agressiva a ser enviada ao Congresso Nacional em breve.

Apesar da gravidade dessas iniciativas, não se trata de ações isoladas. A eficácia delas poderá ser fortificada com um conjunto de outras medidas defendidas pelo setor, como a implantação da Lei 13.178/15, que legaliza a titulação privada de terras públicas em regiões de fronteiras; e da MP 759/15, que prioriza a titulação privada de terras desapropriadas para fins de reforma agrária, o que permitirá a reconcentração destas terras, inclusive por estrangeiros. Já o Projeto de Lei (PL) 827/15, do ruralista Dilceu Sperafico (PP/PR), que “altera a Lei de Proteção de Cultivares e dá outras providências”, desmonta o sistema de proteção às sementes. Sendo aprovado, reforçará ainda mais a homogeneização, a hegemonização e a dependência tecnológica externa — marcadamente dominada pelas transnacionais Monsanto/Bayer e Syngenta.

A inviabilização das demarcações de Terras Indígenas (TIs) também faz parte deste esforço de desnacionalizar o território brasileiro. Quando demarcadas, as TIs são registradas como Bens da União pela Secretaria de Patrimônio da União. A Constituição brasileira também veda a sua alienação. Isso, evidentemente, constitui-se num poderoso instrumento jurídico que estabelece limites aos interesses de apossamento e apropriação privada do território brasileiro pelo capital internacional.

A Proposta de Emenda Constitucional 215/00 (que transfere do Executivo para o Legislativo o controle das demarcações), relatada na Comissão Especial da Câmara pelo então deputado federal e hoje ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB/PR), e a Portaria 80/17 (que prevê a revisão de processos de terras já demarcadas), nitidamente servem a este propósito.

Estas ações desnudam o caráter antinacional do “agro” e de seus defensores. O medo de serem desmascarados perante a sociedade brasileira faz com que os ruralistas queiram construir uma nuvem de fumaça que encubra suas verdadeiras intenções. Acreditam que formarão esta nuvem indiciando, sem fundamento, cientistas sociais, procuradores da República, lideranças indígenas e dirigentes de organizações da sociedade civil que apoiam os direitos dos povos originários (entre os quais, o Conselho Indigenista Missionário) na CPI da Funai/Incra. Mas assim como não conseguiu esconder a crueldade do ataque aos gamela, no Maranhão, que tiveram suas mãos decepadas, essa nuvem também não encobre o fato de que o agronegócio quer decepar o Brasil.

Por Cleber César Buzatto, Secretário Executivo do Cimi, publicado no O Globo

Brasil é cobrado na ONU por retrocesso nos direitos indígenas

O Brasil foi cobrado na sexta-feira 5 pela falta de demarcação de terras indígenas em sabatina de direitos humanos na Organização das Nações Unidas (ONU). Recebeu também recomendações para fortalecer a Funai, manter políticas específicas de saúde e educação indígena, e fazer valer o direito de consulta livre, prévia e informada.

Mais de 30 países mencionaram a questão indígena em seus discursos ao país e vários relacionaram o racismo e a discriminação com a violência e a impunidade praticadas contra lideranças e povos indígenas.

A manifestação internacional se alinha com os encaminhamentos definidos pelos mais de 3600 indígenas que participaram do Acampamento Terra Livre e resultam também de um trabalho de sensibilização feito por organizações indígenas, indigenistas e de direitos humanos no processo de Revisão Periódica Universal durante 2016 e 2017.

Especial preocupação dos países na ONU foi direcionada à inoperância do programa de proteção de defensores de direitos humanos, cujos inscritos são majoritariamente indígenas, ambientalistas e campesinos que enfrentam tentativas de criminalização enquanto defensores de direitos.

O relatório da CPI da Funai e Incra – que promete ser votado esta semana – é um exemplo concreto dessa situação. Seis dos 31 indígenas indiciados junto com servidores do MPF, da Funai e do Incra, por essa CPI – que desde sua criação foi colocada à serviço de interesses anti-indígenas-, estão inscritos no Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos.

Sem conhecimento básico sobre o sistema internacional de direitos humanos, o relatório da CPI também ataca o Itamaraty e a própria ONU a partir de uma retórica alarmista que pelo medo tenta justificar a injustificável negação de direitos fundamentais aos povos e pessoas indígenas.

O que os povos indígenas do Brasil e do mundo querem, e é aceito pela Declaração dos Povos Indígenas da ONU (2007), é continuar a existir de acordo com seus modos de vida e visões de mundo, dentro dos Estados Nacionais e com o devido respeito às suas terras, línguas e culturas. O Brasil e outros 147 países são apoiadores dessa declaração da ONU, que em setembro comemorará dez anos.

Para manter o alerta sobre o possível retorno de práticas de extinção de povos e culturas pela mão do próprio Estado, organizações indígenas vem informando o alto comissariado da ONU sobre a situação. Alertaram recentemente sobre o fato de que, mesmo depois de receber recomendações da Relatora Especial  da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2016, o país não está garantindo os direitos humanos dos povos indígenas.

Pelo contrário, em poucos meses, o atual governo consolidou sua estratégia para a extinção da Funai visando cristalizar o quadro de não-demarcação de terras – mesmo sem a aprovação da PEC215 – e incita, a partir de falas de autoridades públicas, o ódio, o racismo e situações de maior conflito, violência e intolerância contra os povos indígenas.

Sem as informações trazidas pelas próprias organizações e lideranças indígenas à ONU, os países teriam apenas as informações parciais trazidas pelo governo e que não refletem a realidade. Por isso mesmo, a posição do Brasil na ONU foi considerada “dissimulada” pela representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara.

“Parece que não estamos falando do mesmo país. As questões que são apresentadas como avanço aqui, lá no Brasil, estão sendo desconstruídas, como a demarcação das terras indígenas; a redução de orçamento da Funai e o loteamento de cargos para partidos políticos; o corte de servidores especialmente nas áreas que chegam na ponta (CTLs) e na coordenação de licenciamento ambiental. Tudo isso enfraquece ainda mais a execução da política indigenista e não garante a ocupação e gestão plena das terras como anuncia o governo.”

De fato, a contradição da posição do Brasil na ONU evidenciou-se ainda mais com a ausência de um representante do Ministério da Justiça durante a sabatina que deu ênfase a pelo menos três temas de competência do Ministério, o tema indígena, o tema da segurança pública e violência policial e o tema do sistema prisional.

Além disso, no mesmo dia em que, em Genebra, a Ministra de Direitos Humanos Luislinda Valois afirmava o compromisso do país com a demarcação das terras indígenas, em Brasília a Funai ficava sem presidente.

Dentre outros motivos, o Ministério da Justiça insinuou entraves na Funai para seguir com projetos em terras indígenas sem qualquer processo de consulta (como o da implantação da linha de Transmissão Manaus-Boa Vista na TI Waimiri Atroari).

Segundo o próprio (agora) ex-presidente da Funai Antonio Costa, o Ministro ruralista da (in)Justiça Osmar Serrraglio coloca a Funai sob risco e forte ingerência política. Um dia antes, o Ministro da Justiça anunciava um “mutirão” para demarcar terras indígenas.

Sem uma Funai operando, com um Ministro da Justiça defensor da retirada de direitos constitucionais indígenas, e sem boa-fé do governo para efetivamente fazer respeitar os direitos territoriais e sobre os recursos naturais dos povos indígenas tal como escritos na Constituição Federal, os trabalhos técnicos de demarcação de terras indígenas não podem ser transformado em mutirões ruralistas sem antes violar vários direitos.

 

*Erika Yamada é Relatora de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca e perita no Mecanismo de Direitos dos Povos Indígenas da ONU. 

Fonte: Carta Capital

A jovem resistência indígena vai enterrar os velhos ruralistas

Acampamento Terra Livre, em Brasília, liderado por uma nova geração, foi uma das maiores mobilizações indígenas da história

As bombas jogadas pela polícia contra a marcha pacífica dos indígenas, em 25 de abril, não foram suficientes para abafar os gritos de guerra. As fumaças do gás lacrimogênio não tiravam o fôlego de quem corria pelos gramados da Esplanada, transformados num campo de batalha.

E não escrevo de forma retórica: observei os guerreiros com flechas correndo contra a nuvem tóxica, em direção ao Congresso Nacional. Corriam com flechas apontadas contra revólveres e espingardas. Nesse cenário, vi xavante com o olho ardendo, tossindo, mas gritando de forma contínua e intercalada; um guarani chutando as bombas; um jovem pataxó pegando uma bomba com a mão e lançando contra os novos bugreiros uniformizados; um grupo pankararu cantando e dançando o toré com tanta força espiritual que o lacrimogênio virou gelo seco em frente ao Ministério da (in)Justiça.

A força da mobilização vinha de quem sabe suspender o céu. Do carro de som ecoavam cantos xamânicos, cantos de força espiritual e de proteção, cantos para pacificar os inimigos. Eram velhos xamãs marchando ao lado de jovens guerreiras e guerreiros; avôs e avós de braços dados com seus netos e netas.

Essa foi a mais linda, a mais inspiradora e a mais estimulante de todas as 14 mobilizações do Acampamento Terra Livre (ATL), organizado pela Articulação dos Povos Indígenas (Apib), em Brasília, no Abril Indígena. Este ATL 2017 não foi apenas uma das maiores mobilizações políticas dos povos indígenas, com mais de quatro mil lideranças do País todo, mas a mais jovem e inovadora, liderado por uma terceira geração do movimento.

Na segunda marcha, na quinta-feira 27, todos e todas viram quando um pajé lançou um feitiço que desequilibrou o policial montado num cavalo. A juventude riu do policial, e prestou reverência ao velho pajé. Me parece esse um maravilhoso símbolo dessa construção coletiva do movimento indígena, no qual a nova geração assume o protagonismo com um respeito que é raro de ser observado em outros movimentos sociais.

Com bombas, bala e cassetetes, as agressões físicas do governo Temer não intimidaram quem pertence a essa terra. Apenas serviu para mobilizar e engajar ainda mais a jovem resistência reunida em Brasília. “A bala de borracha e o spray de pimenta que são lançados contra nós, ainda está muito longe de ser, de representar, a violência que a gente vive nas terras indígenas. Todos os dias os ataques, todos os dias os assassinatos”, disse Sonia Guajajara, secretaria-executiva da Apib, em entrevista a Daiara Tukano, da Rádio Yandé, num vídeo que bombou de visualizações nas redes sociais. “A luta é nossa e não vamos recuar”, completou, na entrevista disponível na página da Yandé no Facebook.

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Bombas contra os indígenas. Só mais um episódio de violência. Fotos: Felipe Milanez

A Rádio Yandé, aliás, bombou e fez bombar muitas mensagens insurgentes: por Whatsapp desde o campo de batalha, as informações de Daiara, Idjahuri Kadiweu, Anapuaka Tupinamba e Naine Terena eram postadas à distância por Renata Tupinambá, e rapidamente atingiam milhares de visualizações. Que lindo ver indígenas em resistência numa batalha campal, junto de indígenas numa batalha midiática e das narrativas.

Como os velhos ruralistas sentados no poder usurpado irão calá-la se os indígenas que a fazem não dependem de um centavo de anúncio do governo? A lógica da comunicação da Yandé é diferente da lógica da imprensa que divide em anúncios inescrupulosos o bolo do golpe, que se presta a propagandear contra direitos da classe trabalhadora, a favor da reforma trabalhista e do fim da Previdência: a Yandé é o novo jornalismo, descolonial, situado, comprometido. Informa o Brasil desde o ponto de vista do indígena – e não desde o ponto de vista da Casa Grande, do Capital, da linha de cima do racismo, da bolha do confinamento racial do jornalismo brasileiro.

Esse estúpido cenário de guerra produzido pelo autoritarismo do atual governo ao menos serviu para ilustrar, em imagens que giraram o mundo, que vivemos em um Estado de Exceção. Tal como explica Sonia, os povos indígenas vieram a Brasília “dizer o que é uma democracia”. E foram recebidos com covarde truculência.

As bombas que ecoaram na Esplanada assustaram muitos jovens e representaram um rito de iniciação. Foi a primeira vez que Piray, jovem Awa Guajá classificado de “recente contato” pela Funai, saiu do Maranhão. Ele veio para mostrar que aqueles “isolados” ou de pouco contato, também devem ser ouvidos e respeitados.

Geraldino Patté, do povo Laklãnõ/Xokleng, também saiu pela primeira vez do sul do Brasil. Ele sabe muito bem de toda a história da violência dos bugreiros contra seu povo, dos contos de atrocidade do Martinho Bugreiro. E agora, com sua irmã que cursa mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, investigam e denunciam a tentativa de construção de usinas hidrelétricas no seu território. Ele postou uma linda foto sua no Facebook, segurando uma lança: “A batalha é grande, mas eu não desistirei dessa luta. Orgulho de ser indígena. Orgulho de ser Laklãnõ/Xokleng”.

De repente, nesse encontro, eu estava numa roda de conversa entre Geraldino e Auricélia Arapium, que é uma intelectual orgânica do movimento Em Defesa da Vida e da Cultura do Rio Arapiuns, liderança indígena, estudante de direito da Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém. De norte a sul, era uma luta por direitos, para denunciar o racismo institucional, o apagamento da história. São indígenas que estão conseguindo furar o confinamento racial das universidades brasileiras, e repensando a nossa história para projetar um novo futuro.

Nessa nova geração, emerge ainda um movimento feminista que deve chacoalhar o pensamento no Brasil: são as xinguanas organizadas no movimento Yamarikumã, as mulheres de Roraima, os movimentos com apoio da ONU Mulheres, rodas de debate e plenárias das mulheres. Telma Taurepang, uma das mulheres que lideram essa onda feminista indígena, anunciou a convocação da primeira Marcha das Mulheres Indígenas, que vai acontecer em 8 de março do ano que vem. Anotem na agenda.

Políticos indígenas como o vereador xinguano Mutuá Mehinaku, do povo Kuikuro, de Gaúcha do Norte, que é mestre em linguística pelo Museu Nacional da UFRJ, estão assumindo o poder institucional com o intuito de transformar a representação e radicalizar a democracia: “Temos que ocupar esse espaço da política. Chega de falarem por nós, nunca nos representaram. Somos nós que temos que estar no parlamento nos representando a nós mesmos”, me disse Mutuá.

Quem sabe um dia, em vez de grileiros e ruralistas, os eleitores e as eleitoras do estado do Mato Grosso contribuam para o Brasil elegendo como deputados brilhantes intelectuais indígenas, como Mutuá, para ajudar a construir um país mais igualitário, justo e democrático.

O encontro teve luta em múltiplos sentidos: a luta na Esplanada, a luta intelectual na organização de comissões, de debates, a luta política com deputados, senadores, e a recusa em receber ministros ruralistas do governo Temer. Encontros que cruzavam realidades de Norte a Sul, povos geograficamente distantes mas politicamente muito próximos, epistemologicamente vizinhos, lado a lado a enfrentar o genocídio. Do Xokleng no sul do Brasil, aos povos que vivem no Tapajós e na bacia do Juruena, todos e todas trocavam informações, ideias e estratégias para enfrentar o barramento e morte de seus rios de vida.

Várias lideranças que encontrei e conversei cursam mestrado, falam a língua, aprendem na universidade e valorizam cada vez mais o conhecimento da aldeia. Sabem também que a luta ensina, aprendem com o movimento indígena e com as vozes mais antigas das aldeias. Esse encontro talvez tenha marcado a emergência de uma terceira geração do movimento indígena.

E o que é muito interessante, comentou comigo Ailton Krenak, grande liderança do primeiro movimento nos anos 1980, e que não esteve dessa vez em Brasília, é que todas essas gerações se reconhecem, com empatia, que não é comum, como ocorre muitas vezes que uma nova vem desqualificar os velhos. “Há alguma herança no sentido cultural, que distingue esse movimento indígena de outros movimentos. E essas vozes não vão ser caladas. Não vamos nos calar, nem imobilizar nossa capacidade de luta ante a força bruta dos aparatos de proteção do Estado dominado pelo Capital sem fronteiras”.

Por Felipe Milanez/ Fonte: Carta Capital

Nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB Sobre o massacre do Povo Gamela – Maranhão

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) vem a público repudiar os ataques perpetrados contra o povo Gamela, ocorrido no Povoado de Bahias, município de Viana (MA) no dia 30 de abril de 2017, e mais uma vez denunciar o genocídio que está em trâmite no Estado brasileiro contra os povos indígenas.

As lideranças do Povo Gamela já vinham denunciando os planos de fazendeiros para matar lideranças de seu povo. No entanto, mais uma vez as autoridades competentes se omitiram diante das graves violações praticadas contra os povos indígenas seja por agentes estatais, seja por entes privados com o aval do Estado.

Não admitimos mais a morte de nosso povo e iremos até as instâncias internacionais cobrar a responsabilização daqueles que de forma descarada violam e incitam violências contra nossas comunidades confiando na impunidade de seus atos.

O direito ao território é um direito sagrado e não recuaremos um palmo de terra retomada. O massacre contra o povo Gamela envolvendo inclusive a amputação de membros do corpo de dois indígenas com mãos decepadas, cinco baleados e 13 lideranças feridos a golpes de facão e pauladas, que só não resultou em morte pela proteção de nossos encantados, pois o comando era para matar.

Somos povos originários desta Terra e exigimos respeito! Com tantas omissões e violações sistemáticas o Estado brasileiro declara guerra aos povos originários que lutam por justiça e o direito de viver dignamente como seres humanos.

Conclamamos todos e todas defensores e defensoras dos direitos humanos a cobrar do Estado brasileiro providências, pois basta de genocídio de nosso povo!

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil,
Parem o genocídio dos Povos Indígenas!
Por nenhum direito a menos!

Declaração do 14º Acampamento Terra Livre

Nós, povos e organizações indígenas do Brasil, mais de quatro mil lideranças de todas as regiões do país, reunidos por ocasião do XIV Acampamento Terra Livre, realizado em Brasília/DF de 24 a 28 de abril de 2017, diante dos ataques e medidas adotadas pelo Estado brasileiro voltados a suprimir nossos direitos garantidos pela Constituição Federal e pelos Tratados internacionais ratificados pelo Brasil, vimos junto à opinião pública nacional e internacional nos manifestar.

Denunciamos a mais grave e iminente ofensiva aos direitos dos povos indígenas desde a Constituição Federal de 1988, orquestrada pelos três Poderes da República em conluio com as oligarquias econômicas nacionais e internacionais, com o objetivo de usurpar e explorar nossos territórios tradicionais e destruir os bens naturais, essenciais para a preservação da vida e o bem estar da humanidade, bem como devastar o patrimônio sociocultural que milenarmente preservamos.

Desde que tomou o poder, o governo Michel Temer tem adotado graves medidas para desmantelar todas as políticas públicas voltadas a atender de forma diferenciada nossos povos, como o subsistema de saúde indígena, a educação escolar indígena e a identificação, demarcação, gestão e proteção das terras indígenas. Além disso, tem promovido o sucateamento dos já fragilizados órgãos públicos, com inaceitáveis cortes orçamentários e de recursos humanos na Fundação Nacional do Índio (Funai) e com nomeações de notórios inimigos dos povos indígenas para cargos de confiança, além de promover o retorno da política assimilacionista e tutelar adotada durante a ditadura militar, responsável pelo etnocídio e genocídio dos nossos povos, em direta afronta à nossa autonomia e dignidade, garantidos expressamente pela Lei Maior.

No Legislativo, são cada vez mais frontais os ataques aos direitos fundamentais dos povos indígenas, orquestrados por um Congresso Nacional dominado por interesses privados imediatistas e contrários ao interesse público, como o agronegócio, a mineração, as empreiteiras, setores industriais e outros oligopólios nacionais e internacionais. Repudiamos com veemência as propostas de emenda constitucional, projetos de lei e demais proposições legislativas violadoras dos nossos direitos originários e dos direitos das demais populações tradicionais e do campo, que tramitam sem qualquer consulta ou debate junto às nossas instâncias representativas, tais como a PEC 215/2000, a PEC 187/2016, o PL 1610/1996, o PL 3729/2004 e outras iniciativas declaradamente anti-indígenas.

Igualmente nos opomos de forma enfática a decisões adotadas pelo Poder Judiciário para anular terras indígenas já consolidadas e demarcadas definitivamente, privilegiando interesses ilegítimos de invasores e promovendo violentas reintegrações de posse, tudo sem qualquer respeito aos mais básicos direitos do acesso à justiça. A adoção de teses jurídicas nefastas, como a do marco temporal, serve para aniquilar nosso direito originário às terras tradicionais e validar o grave histórico de perseguição e matança contra nossos povos e a invasão dos nossos territórios, constituindo inaceitável injustiça, a ser denunciada nacional e internacionalmente visando à reparação de todas as violências sofridas até os dias de hoje.

Soma-se a essa grave onda de ataques aos nossos direitos o aumento exponencial do racismo institucional e a criminalização promovidos em todo o País contra nossas lideranças, organizações, comunidades e entidades parceiras.

Diante desse drástico cenário, reafirmamos que não admitiremos as violências, retrocessos e ameaças perpetrados pelo Estado brasileiro e pelas oligarquias econômicas contra nossas vidas e nossos direitos, assim como conclamamos toda a sociedade brasileira e a comunidade internacional a se unir à luta dos povos originários pela defesa dos territórios tradicionais e da mãe natureza, pelo bem estar de todas as formas de vida.

Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena

Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB

 MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA

 

Fonte: APIB

Lideranças indígenas e dos movimentos sociais firmam compromisso com a luta dos povos originários

Microfone aberto no último dia da 14ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL)! Lideranças indígenas brasileiras e estrangeiras, políticos, procuradores, representantes de organizações da sociedade e civil e movimentos sociais estiveram na plenária da manhã para apoiar as reivindicações dos povos indígenas e repudiar a ação truculenta da polícia nos protestos promovidos ao longo da semana, em Brasília.

Mais de quatro mil indígenas participam do acampamento. A expectativa inicial da organização era que um pouco mais de 1,5 mil pessoas estivessem na mobilização. A 14ª edição do ATL foi a maior da história.

O documento final do ATL será protocolado em vários ministérios e no Palácio do Planalto, na tarde de hoje (27/4), durante mais uma marcha dos indígenas na Esplanada dos Ministérios. Também está prevista a visita de uma comitiva de líderes indígenas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). À noite, à partir das 19h, segue a programação cultural do acampamento, com uma a apresentação musical e a exibição do filme “Martírio”, de Vincent Carelli.

Movimentos sociais marcam presença no ATL

Integrantes do Ministério Público Federal (MPF), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outros, estiveram no acampamento.

“Estamos juntos com vocês, lutando ao lado de vocês aonde vocês estiverem, contra as iniciativas do ministro da Justiça, que quer impedir a demarcação das terras. Estamos lutando junto com vocês contra o desmantelamento da Funai [Fundação Nacional do Índio]. Para mim, reconhecer as terras tradicionais é realizar justiça, que é o único modo de conseguir paz.” Luciano Maia, procurador da República

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Coordenador Nacional do MTST, Guilherme Boulos também esteve no ATL. Foto: Mídia NINJA / MNI

“O ATL é um exemplo de organização e dignidade. Tem mais coragem debaixo de cada barraca de lona do que atrás dos prédios envidraçados aqui em Brasília. A luta dos sem teto, assim como a dos sem terra, é herdeira da luta dos povos indígenas. Os povos indígenas ensinaram todo povo brasileiro a fazer a luta pela terra, ensinaram a resistir bravamente, com coragem e sabedoria”. Guilherme Boulos, MTST

“Vocês não estão sozinhos, não somos apenas 100 povos no ATL. Todos os povos indígenas do mundo estão com vocês”, Cândido Mezua, líder indígena do Panamá

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Marina Silva na plenária aberta do ATL. Foto: Mídia NINJA / MNI

“Hoje, nós temos no Congresso Nacional várias iniciativas de lei para barrar os direitos indígenas. O que eles querem é retroceder a Constituição de 1988. A luta indígena deve ser uma luta de todos!”. Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente e ex-senadora

“Somos os defensores não apenas das floresta, somos também os defensores da vida, da humanidade e de toda existência desse planeta. Apenas unidos nossas demandas vão ser escutadas a nível de governo. Amigos, vamos seguir nessa luta que não termina hoje.” Eddy Timias, líder indígena do Equador

“Os povos indígenas vão continuar lutando até que as nossas demandas sejam realidade.” Maria Paula, atriz e integrante do Uma Gota No Oceano

“O branco já fez mártires na nossa terra, mas eles não sabem que o sangue que eles derramaram corre em nossas veias e nos fortalece”. Jowanda Macuxi 

“Os primeiros habitantes da terra somos nós. Essa terra não é roubada! Quando meu avô estava vivo, não existia barragens. Hoje existe, mas por que? Vai morrer nós tudo, até os brancos vão morrer desse jeito”. Isabel Xerente

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“Eu já estou cansado, daqui pra frente vocês que vão lutar. Não podemos brigar um com o outro, quero que vocês lutem juntos, não pode separar um do outro”. Raoni Metukire

“Cada um vai ter espírito forte, nós indígenas do Brasil inteiro. Demarcação já!” Viseni Wajãpi

“Sabemos que temos muita terra pra ser demarcada, não vamos recuar. Estamos aqui pra lutar, lá na nossa aldeia, tem pessoa passando fome, sofrendo, sem água, que não tem mais floresta. Nós nos alimentamos da terra!” Gilberto Palikur

 

Fonte: APIB