Foto: Marcelo Coutinho/Arq. FIAN Brasil

Informe Dhana 2024 analisa situação do direito à alimentação nos últimos três anos

A FIAN Brasil lançou com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) o Informe Dhana 2024: Esperançar e Exigir Direitos em debate online nesta segunda-feira (2).

Esta quarta edição compreende os anos de 2022 (último do governo Bolsonaro), 2023 e 2024 (dois primeiros do atual governo Lula). A publicação examina a situação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e da soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN) no Brasil.

O Informe Dhana 2024 chega no momento em que se celebram os 20 anos das Diretrizes Voluntárias para o Direito à Alimentação, um instrumento das Nações Unidas para orientar os Estados na realização progressiva do Dhana.

A publicação foi organizada pelas coordenadoras da entidade, Nayara Côrtes Rocha e Mariana Santarelli, e teve como coautoras as diretoras Míriam Balestro e Norma Alberto e o diretor Irio Conti, além das consultoras Grazielle Custódio David, Mariana Levy Pìza Fontes e Helena Simões Romano.

Na transmissão do YouTube, a discussão foi aberta pela presidenta da FIAN Brasil, Mariza Rios, e conduzida pelas organizadoras, com comentários dos representantes do FBSSAN Francisco Menezes e Renato Maluf.

Carta ao governo e ao Congresso propõe melhorias no acesso ao Pnae para indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Texto: Assessorias de Comunicação das entidades organizadores do encontro

Foi lançada nesta segunda-feira (8) a carta-proposta “Compras públicas para a alimentação escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde avançar?”. A carta contém 23 proposições para tornar realidade melhorias discutidas durante encontro homônimo realizado em Brasília. O documento com 18 recomendações ao governo federal e cinco dirigidas ao Congresso Nacional foi entregue a representantes desses poderes, bem como do Judiciário e do Ministério Público.

O objetivo é promover as compras locais e o acesso dessas populações ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) como fornecedoras e adequar o cardápio escolar do ponto de vista cultural, como previsto na lei do Pnae (Lei 11.947, de 2009) e nas resoluções e portarias que a regulamentam. 

“O Pnae é uma política pública de grande dimensão e importância, desempenhando papel fundamental na garantia da segurança alimentar e nutricional [SAN], no apoio à agricultura familiar e na promoção de uma alimentação saudável, cultural e adequada. Porém, é necessário olhar para as diversidades e desigualdades presentes em sua execução, para garantir a concretização de suas determinações legais e a exigibilidade do direito à alimentação escolar”, explica a assessora executiva e de pesquisa do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Luana de Lima Cunha.

Assinam o texto 52 organizações e pessoas, entre entidades da sociedade civil, associações comunitárias, associações e lideranças indígenas, associações quilombolas, grupos informais, nutricionistas, centros de pesquisa, secretarias de Educação e prefeituras.

“Os relatos e debates do encontro destacaram o potencial e os gargalos do programa para atender os modos de vida e de produção de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, tanto como fornecedores quanto como estudantes nas escolas situadas nos territórios”, observa a secretária executiva do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Laura Souza.

As recomendações cobram a plena execução das diretrizes estabelecidas há 15 anos na Lei da Alimentação Escolar (11.947/2009) – um marco no Pnae. Criado há quase  70 anos e presente em todo o Brasil, o programa é uma política pública consolidada, inspiradora e de enorme alcance. Mas, na prática, ainda são muitos os desafios para que cumpra todos os seus objetivos.

Mais adequações e menos burocracia

A criação de um marco normativo específico para as compras públicas para povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais está entre as 18 recomendações voltadas para o Governo Federal. A ideia é que seja uma resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) orientada pela perspectiva de reconhecimento do autoconsumo, da autodeterminação dos povos e da promoção das economias da sociobiodiversidade.

Isso passaria por uma adequação das chamadas públicas, do cadastro dos agricultores/as e das exigências sanitárias, considerando ainda as necessidades logísticas e de mecanismos de mitigação relativos a eventos climáticos. O primeiro grande entrave é o acesso à documentação exigida. São empecilhos a falta de documentos básicos, como RG e CPF, de cadastro do produtor e a obtenção do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF).

Segundo Vitória Rodrigues da Silva, agricultora da aldeia Lourdes, terra indígena (TI) não demarcada em Boca do Acre (AM), “vender alimentos para o programa significa mais uma oportunidade de renda, mesmo com as dificuldades de logística e demandas de burocracia, que exigem que a gente vá para a cidade”.

A necessidade de se deslocar para a sede do município é um empecilho para esses agricultores/as. Em muitos casos, o trajeto leva um dia inteiro. Por isso, uma das recomendações ao poder público é a “criação de um aplicativo para a automatização dos processos de assinaturas de contratos, emissão de guias de entrega, notas e pagamentos”.

Vitória destaca em sua fala a virtude presente no autoconsumo, “Nós queremos melhorar nosso trabalho, nossa comunidade. E isso também é pelos nossos filhos, porque entregamos nossos produtos na escola deles”.

São muitos os relatos sobre o excesso de burocracia, a escassez de informações e a inadequação das chamadas públicas – processo pelo qual agricultoras e agricultores são chamados para apresentar propostas de venda para o Pnae. Há chamadas que não se adequam à sazonalidade de plantio e cardápios sem adequação à realidade produtiva de cada localidade. “Se não tem nosso alimento no cardápio escolar, não tem demanda e, consequentemente, não tem venda”, descreve Daniel Mendes Vieira.

Ele compõe o Núcleo Pequi, uma rede de associações, cooperativas e instituições voltada à assistência de agricultores e extrativistas do Norte de Minas Gerais. O núcleo realiza capacitações e outras ações para contribuir com o aproveitamento das safras e venda dessa produção do Cerrado.

Para aumentar a aceitação dos alimentos locais na alimentação escolar, acontecem capacitações com os associados para análises de como vender os produtos beneficiados. “Nelas desenvolvemos receitas para inclusão nos cardápios da alimentação escolar”, conta. “Isso é feito junto a uma articulação entre as pontas de cada lado. Nutricionistas da alimentação escolar e associados da agricultura familiar conversam e se articulam.”

Diálogo com o Executivo

As recomendações voltadas ao Executivo federal dirigem-se ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e demais órgãos que fazem parte do Comitê Gestor do Pnae – composto por ministérios e autarquias federais.

Uma das orientações é para que se mantenha ativo e efetivo o Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais, no âmbito do Grupo Consultivo, do Comitê Gestor do Pnae.

“A participação de representantes do poder público na mesa do encontro dedicada a esse diálogo trouxe contribuições para o aperfeiçoamento das propostas e reforçou a expectativa de que a carta seja acolhida”, avalia Laura Souza, do ÓSocioBio. “Os avanços no PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] nos últimos dois anos, por exemplo, mostram que é perfeitamente possível.”

Em 2023, algumas importantes medidas foram implementadas pelo Governo Federal. Entre elas, a autodeclaração de renda e de pertencimento étnico indígena e quilombola, em substituição aos documentos de comprovação de propriedade particular, com a retirada da exigência de CPF de todos os membros da família. O Número de Identificação Social (NIS) do Cadastro Único das Políticas Sociais (CadÚnico) também passou a ser aceito como instrumento de comprovação para acesso de povos e comunidades tradicionais (PCTs) ao Pnae e ao PAA. E abriu-se a possibilidade de que povos e comunidades forneçam alimentos diretamente nas escolas de seu território por meio do PAA, com o NIS como referência. Mas ainda há desconhecimento em relação a essas mudanças e como operá-las, tanto por parte de agricultores quanto de gestores.

“Aprendemos no encontro coisas que não sabíamos – leis, estratégias – e vamos voltar para a nossa cidade empoderadas e mais preparadas para lutar pelos nossos direitos”, relata Joelma Meneses da Silva Souza. A agricultora compõe a Associação de Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF), que organiza a produção de mais de 60 associadas/os – 80% mulheres – e suas famílias para a venda de polpas de frutas à alimentação escolar em São Félix do Xingu (PA).

Reconhecimento de povos e comunidades tradicionais

Um desafio para o acesso é o não reconhecimento de todos os segmentos de povos e comunidades tradicionais existentes, tanto na Lei do Pnae quanto nos cadastros utilizados para as compras institucionais. Isso dificulta para esses grupos o fornecimento de alimentos ao programa e a exclusão de benefícios e normas que deveriam contemplá-los.

Maria de Jesus, conhecida como Janete, é coordenadora do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) no Piauí. Segundo ela, as quebradeiras beneficiam diversos alimentos a partir do coco babaçu, como a amêndoa; o mesocarpo; o azeite, que vem substituindo o óleo de soja na comunidade; e a farinha, carro-chefe das vendas. Também são agricultoras e produzem diversos outros alimentos.

Apesar de hoje terem acesso ao Pnae dentro dos territórios, “as informações não chegam de um jeito que os produtos estejam dentro das chamadas”. As quebradeiras até apresentam propostas de inclusão de produtos no cardápio, mas não conseguem aceitação na maioria das vezes.  

Para enfrentar esses desafios, entre as recomendações da carta ao Executivo Federal estão: a adequação das diretrizes nutricionais à realidade dos PCTs e o aumento de sua representação nos conselhos de Alimentação Escolar (CAEs); a inclusão de todas as categorias com assento no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) e no Cadastro Único das Políticas Sociais (CadÚnico); a inclusão no Censo Escolar da identificação de escolas e estudantes de povos e comunidades tradicionais em geral; e a elaboração de um novo modelo de chamada pública específica.

Para o Congresso Nacional também se recomenda a inclusão como prioridade na lei do Pnae de todos os grupos sociais que têm assento no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).

Apesar de todas as limitações e da desvalorização dos produtos, Maria de Jesus aponta que as quebradeiras “têm visto que o Pnae e o PAA trazem avanços para as mulheres associadas”.

Costurando caminhos

Na ausência e/ou insuficiência de leis e marcos regulatórios que garantam a devida adequação e execução das diretrizes do Pnae em todos os 5.570 municípios brasileiros, relatos apresentados no encontro mostram caminhos possíveis para inspirar o poder público.

Uma experiência exitosa da adequação do Pnae apresentada no encontro foi o caso de Afuá, município da Ilha de Marajó, no Pará, com o projeto “Açaí direto na escola”. Lá, as cozinhas escolares possuem despolpadeiras. As cozinheiras recebem treinamento de boas práticas para a manipulação no processamento do fruto. E agricultoras e agricultores o entregam diretamente nas escolas, no dia em que o açaí será ofertado no cardápio, obedecendo aos critérios do termo de entrega de alimentos.

O projeto é desenvolvido desde 2022 nas escolas da sede do município, com perspectiva de ampliação para as demais unidades escolares. Exemplo da regionalização do cardápio com a inclusão de alimentos da sociobiodiversidade, a iniciativa nasceu do diálogo entre o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da Universidade Federal do Pará (Cecane/Ufpa), a Prefeitura Municipal de Afuá, a população ribeirinha local e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater/PA).

Neri Gemaque de Almeida é agricultor ribeirinho e uma dos produtores de açaí que realiza a entrega diretamente nas escolas do município. Para tal tarefa, ela utiliza uma bicicleta adaptada. Questionado sobre a aceitabilidade do item na alimentação, afirma que “está sendo um sucesso”.

Ele e outros produtores vendem também para o município vizinho, mas o principal destino é a alimentação escolar de Afuá. “Vendemos principalmente o açaí chumbinho. É de muita qualidade. Tem mais polpa e faz sucesso com as crianças. Comem junto com frango, com farinha, na refeição e também como suco”, relata o ribeirinho.

A adequação das cozinhas e capacitação das cozinheiras foi um ponto muito importante neste processo, além do acompanhamento de nutricionistas. São muitos os relatos de como a precarização das cozinhas escolares e das condições de trabalho de cozinheiras e nutricionistas impedem avanços na implementação das diretrizes do Pnae.

Neste sentido, outra recomendação apresentada ao governo federal é a instituição de um plano de carreira para as nutricionistas e cozinheiras. E investimentos para estruturar e equipar as cozinhas escolares.

Outro exemplo do Norte do país está em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. O município, considerado um dos três mais indígenas do Brasil, não teve nenhuma compra para alimentação escolar vinda de agricultores indígenas entre 2016 e 2017.

Em 2019, a partir de nota técnica do Ministério Público Federal (MPF), uma articulação uniu instituições do poder público para fazer visitas aos territórios, em diálogo com as comunidades e organizações locais. Assim se chegou à marca de 130 projetos de venda firmados em 2024. 

“Foi a partir desse momento, de sair do município e adentrar os territórios, que muitos agricultores conseguiram acessar as chamadas”, descreve Beatriz Castro Barbosa, nutricionista da Secretaria de Educação local. “Logo depois entrou a pandemia e esses agricultores já cadastrados puderam entregar nas próprias comunidades. Isso garantiu renda aos agricultores e alimento para as famílias.”

O agricultor indígena Cenaide Pastor Marques Lima também acompanhou esse processo. Ele integra a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e preside o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) no município.

Para ele, foi importante começarem a fazer chamadas públicas nas comunidades, aumentando o tempo hábil de chamamento, “para que a mensagem chegasse e para que os agricultores pudessem se organizar”.

A partir desses diálogos, foi-se entendendo a sazonalidade de plantios para a adaptação dos cardápios das diferentes regiões, por ser um território extenso. Ainda existem desafios para incluir mais agricultores, mas estão ocorrendo avanços com normas que simplificam o cadastramento de agricultores individuais – como o uso do NIS e a dispensa de normas sanitárias por se tratar de autoconsumo. “Isso tem sido muito animador para as comunidades”, conta Cenaide. 

“A meta é alcançar mais comunidades para apoiar e ampliar as chamadas”, relata Beatriz. “Tivemos neste ano 128 agricultores participando, entre grupos formais e informais, no valor total de R$ 637.609,60.”

Apesar dos avanços, um problema vivenciado em boa parte dos municípios do Amazonas é o alto gasto logístico da distribuição dos alimentos não perecíveis. Estes, acabam por consumir parte significativa do orçamento destinado à alimentação escolar, a consequência é que, em muitos dias letivos, falta alimento nas escolas.

Analisando as experiências exitosas e os obstáculos existentes, outras recomendações da carta são: a criação de um programa de agentes de apoio ao Pnae e ao PAA; a capacitação de servidores dos órgãos gestores dos territórios tradicionais; a integração das diferentes políticas voltadas à agricultura familiar e aos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais; e a aceleração e ampliação de políticas complementares, como demarcação das terras indígenas e territórios, assistência técnica e extensão rural (Ater) agroecológica, crédito rural e estruturação de agroindústrias.

Compreendendo a situação de insegurança social que muitas dessas populações vivem, o documento também orienta para se assegurar que o fornecimento ao Pnae não prejudique o acesso a benefícios socioassistenciais como Seguro Defeso e Bolsa Família. Outra recomendação consiste em fomentar a adesão de estados e Distrito Federal ao consórcio nacional Convênio ICMS 139 ou outros que isentem a agricultura familiar da cobrança de impostos no caso de comercialização para os programas nacionais de compras públicas.

Necessidade de reajuste anual

Um ponto muito discutido foi a insuficiência de recursos para o Pnae. Além de representar um risco para a adequada alimentação dos estudantes, a questão se desdobra em diversos entraves para o segmentos da agricultura familiar, da desvalorização de sua produção a atrasos nos pagamentos. “Somos obrigados a entregar sem receber e arcar com todos os custos. Não queremos mais trabalhar dessa forma, pois estamos tendo prejuízo”, relatou uma agricultora durante o debate.

Segundo a Foirn, estudos realizados no estado do Amazonas mostram que o valor da refeição, seguindo as resoluções do FNDE, teria um custo mínimo R$ 3,46. Valor muito acima de R$ 0,86, que é per capita atual do Pnae para estudantes matriculados em escolas de educação básica localizadas em áreas indígenas e remanescentes de quilombos.

Nem todos os municípios destinam o mínimo de 30% estabelecido em lei para as compras da agricultura familiar. E a complementação de recursos por estados e municípios, em muitos casos, é insuficiente ou inexistente.

Para enfrentar essa situação, entre as recomendações ao Governo Federal está o aprimoramento do desenho de financiamento do Pnae para o enfrentamento das desigualdades, e a ampliação do orçamento do programa e também do PAA. Para o Congresso Nacional é proposto que se crie mecanismo de reajuste anual dos valores per capita na lei do Pnae – a exemplo do  PL 2.754/2023.

Por avanços no Congresso

A parte da carta voltada ao Parlamento traz proposições legislativas que possibilitem avanços e evitem retrocessos nos direitos das populações. Entre as recomendações estão: rejeitar projetos de lei que proponham a retirada a prioridade de povos indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária e mulheres nas compras públicas do Pnae; e avançar na proposta de uma Política Nacional de Promoção da Alimentação e dos Produtos da Sociobiodiversidade de Povos e Comunidades Tradicionais, prevista no Projeto de Lei (PL) 880/2021.

“O mesmo Congresso que tem sido desfavorável aos indígenas e permite a tramitação de PLs ruins para a alimentação escolar aprovou, nas últimas legislaturas, medidas de combate à fome e de apoio à agricultura familiar, como o reajuste para o Pnae de 28 a 39%, dependendo da modalidade de ensino”, lembra o assessor de Advocacy do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Pedro Vasconcelos. “Esperamos que, no contexto de necessidade de proteção ambiental e de adaptação à emergência climática, este conjunto de reivindicações sensibilize os e as congressistas.”

Riscos imediatos

No momento em que a carta de recomendações é lançada, surge um novo risco para o acesso de indígenas, quilombolas e PCTs aos mercados institucionais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou a consulta pública de uma nova Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) que equipara a agricultura familiar e economia solidária a outros segmentos econômicos.

A consulta pública nº 1.249, de 02 de maio de 2024, propõe uma nova RDC “sobre  a identificação e a classificação do grau de risco das atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária”, revogando a RDC nº 49/2013.

A resolução 49/2013 é considerada um marco ao reconhecer as especificidades dos riscos desses setores da agricultura familiar e da economia solidária. E envolveu, no seu processo de consulta pública, a realização de sete seminários regionais em todos os territórios brasileiros.

Como reação à proposta, uma carta aberta em defesa de normas sanitárias inclusivas será lançada nos próximos dias com, aproximadamente, 130 assinaturas de movimentos, organizações, comunidades, pesquisadores, parlamentares e outros setores da sociedade.

Segundo a carta, a consulta pública da Anvisa representa um retrocesso em termos de normas sanitárias e suas adequações para os segmentos da agricultura familiar e das economias da sociobiodiversidade.

“A nova norma proposta na Consulta Pública reforça a exclusão sanitária (…) Dá também um passo atrás ao restringir a autonomia dos estados e municípios em estabelecerem classificações de risco específicas (…) Outro retrocesso em relação à RDC 49/ 2013 são as exigências relativas ao Responsável Técnico, que podem inviabilizar economicamente a legalização sanitária de pequenos empreendimentos”, destaca o documento.

Para Vanessa Schottz, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), uma contraproposta à medida é manter a Resolução 49 e ampliar a consulta pública. “Deve-se buscar estratégias que viabilizem participação ativa e efetiva dos segmentos atendidos. É fundamental também avançar na implementação do Programa para Inclusão Produtiva e Segurança Sanitária, a Praissan, e na instalação do comitê desse programa, o Cissan”, defende.

Encontro “Compras públicas para a alimentação escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde avançar?”

O encontro que deu origem à carta-proposta foi realizado em 27 e 28 de maio, em Brasília. Ao longo de dois dias de trabalho, representantes de povos do campo, das águas e das florestas, em conjunto com organizações e movimentos sociais, Centros de Colaboração para a Alimentação Escolar (Cecanes), nutricionistas, membros governamentais do Comitê Gestor do Pnae e gestores estaduais e municipais debateram soluções e recomendações para que a compra local de alimentos saudáveis para a alimentação escolar ocorra em terras e territórios tradicionais.

A atividade contou com quase 90 participantes, sendo 60% mulheres e um terço do total composto por indígenas, quilombolas ou representantes de povos e comunidades tradicionais que produzem alimentos para a venda aos mercados institucionais. Além da carta-proposta, as discussões realizadas terão como produto final uma agenda comum em forma de publicação, a ser lançada ainda este ano.

O Encontro “Compras públicas para a alimentação escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde avançar?” foi realizado pelo Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) e pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), com o apoio de: FIAN Brasil, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Fundo Dema, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), WWF Brasil e Ministério Público Federal (MPF). Também recebeu apoio da Global Health Advocacy Incubator (GHAI) e do projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, implementado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

Nova edição de observatório confronta verdadeiras e falsas soluções diante de crises globais

A nova edição do relatório anual Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição examina as causas, os impactos e as respostas às crises alimentar, climática e ecológica. A publicação põe em xeque soluções falsas e motivadas pelo lucro e apresenta alternativas fundamentadas no direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), na justiça ecossocial, na agroecologia e na soberania alimentar.

Estão disponíveis as versões em espanhol e inglês, e em breve divulgaremos em português (acesse o sumário executivo).

Os sistemas alimentares industriais não conseguiram atender às necessidades nutricionais da população do nosso planeta. Cerca de 800 milhões de pessoas passam fome atualmente. Nossos sistemas alimentares produzem um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEEs), contribuindo enormemente para a crise climática e exacerbando o acesso a alimentos e nutrição. A extinção em massa de espécies, a destruição de ecossistemas e a interrupção dos ciclos naturais que sustentam a vida na Terra afetam ainda mais o acesso aos alimentos.

O extrativismo, a mercantilização e a financeirização da natureza exacerbaram a exploração, a desapropriação e os despejos violentos. O controle cada vez maior dos recursos naturais por um pequeno número de corporações, indivíduos e estados poderosos também está alimentando a violência baseada em gênero, as formas de discriminação que se cruzam e a crescente desigualdade.

Com o título Alternativas Ecológicas Populares ao Greenwashing Corporativo, a publicação da Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição (GNRtFN, na sigla em inglês) propõe um caminho diferente com base nas lutas de base contra a captura corporativa, a lavagem verde e as práticas neocoloniais. Ele promove o Dhana, os direitos humanos dos camponeses e de outras pessoas nas áreas rurais e a soberania alimentar para todas e todos.

A edição do observatório está dividida em quatro seções, que examinam os acontecimentos internacionais; a alimentação e a tripla crise ecológica; o colonialismo verde associado à descarbonização; e as lutas de base e suas soluções para as crises climática e alimentar.

Apesar do agravamento da crise alimentar, em 2023 houve pouca ação internacional decisiva para tratar de suas causas. Em vez disso, a captura corporativa dos fóruns internacionais, principalmente na ONU, continuou inabalável. A crise alimentar e a tríplice crise ecológica do clima, da perda de biodiversidade e da poluição estão inextricavelmente ligadas, porém as empresas e os Estados promovem soluções tecnológicas semelhantes para cada uma delas e não abordam os direitos dos pequenos produtores de alimentos.

Nos últimos anos, a descarbonização e as abordagens relacionadas ao mercado foram impostas como o principal paradigma para lidar com essas crises entrelaçadas. Mas esse neocolonialismo verde simplesmente perpetua a destruição ecológica e a mercantilização da natureza, ao mesmo tempo que aprofunda as desigualdades existentes.

Uma transformação ecossocial justa de nossos sistemas alimentares que proteja o direito de todos à alimentação e à nutrição exige justiça global e a promoção da soberania alimentar, da harmonia e do equilíbrio entre a humanidade e o meio ambiente.

Lançamento da coleção “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”

A adequação das refeições escolares em terras e escolas indígenas é um dos desafios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que tem entre suas diretrizes o respeito à cultura, às tradições e aos hábitos alimentares saudáveis e deve priorizar a oferta de alimentos da agricultura indígena.

Para contribuir com essa pauta, a FIAN Brasil esteve em Caarapó (MS), em visita ao povo Guarani e Kaiowá, e em Tabatinga (AM), em diálogo com mulheres do povo Tikuna, para realizar estudos de caso capazes de identificar as oportunidades e os desafios encontrados pelas comunidades indígenas locais no acesso ao Pnae.

Os resultados serão apresentados às 11h da próxima terça-feira, 30 de maio, no evento sobre os “Desafios da alimentação escolar para os povos indígenas” e você pode participar. A programação prevê uma roda de conversa aberta às pessoas inscritas no formulário disponível neste link.

Também haverá o lançamento das seis primeiras publicações da coleção “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”:

. Diagnóstico e recomendações sobre a alimentação escolar tikuna;
. Documento-síntese do material;
. Diagnóstico e recomendações sobre a alimentação escolar guarani e kaiowá;
. Documento-síntese do material;
. Registro de experiências da Aldeia Te’yikue com o projeto Sabor da Terra e a Unidade Experimental Poty Reñoi;
. Registro de experiências desenvolvidas pela Associação de Mulheres Indígenas – Mapana.

As publicações dos estudos de caso, além de um minidocumentário e uma reportagem sobre a realidade de cada local, já estão no nosso site, nas páginas:

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Salve a data, acesse as publicações e participe conosco.

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Serviço

Desafios da alimentação escolar para os povos indígenas

Data: 30 de maio, terça-feira

Horário: 11h (horário de Brasília)

Local: Evento virtual pela plataforma Zoom

Inscrições: bit.ly/EventoPnaePovosIndigenas

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O projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares” tem apoio da Global Health Advocacy Incubator (GHAI).

FIAN Brasil

Em entrevista na Alemanha, assessor da FIAN Brasil comenta lobby e contradições das transnacionais dos agrotóxicos

Entrevista realizada em Berlim, em 20 de outubro, e publicada originalmente em alemão no site da Fundação Heinrich Böll

Brasil: Por que o agro não é pop

Milhões de brasileiros são afetados pela insegurança alimentar. Conversamos com Pedro Vasconcelos Rocha, da FIAN Brasil, sobre a agricultura no Brasil e o lobby brasileiro e alemão dos agrotóxicos.

Por Mareike Bödefeld e Almudena Abascal

O que você espera de uma proibição de exportação de agrotóxicos da Alemanha ou da Europa? Que efeitos positivos tal proibição teria sobre o povo do Brasil, especialmente os trabalhadores rurais e as comunidades indígenas ou quilombolas?

Em primeiro lugar, para nós é um sinal positivo de igualdade de tratamento, porque nós, brasileiros, pegamos doenças dos agrotóxicos assim como os europeus. A afirmação das empresas de que são necessários mais agrotóxicos para uma agricultura bem-sucedida nos países tropicais do que nos países europeus não é eficaz. O solo contaminado acaba por contaminar também os europeus, pois os produtos produzidos no solo são exportados para a Europa. Não é fácil para os europeus determinar quais ingredientes invisíveis acabam em seus pratos. No entanto, foi comprovado que o [queijo] grana padano italiano, por exemplo, contém vestígios de agrotóxicos do Brasil. Os animais de onde vem o presunto espanhol foram alimentados com soja brasileira, para a qual provavelmente foram usados ​​agrotóxicos além da engenharia genética. A decisão de interromper em breve a exportação de agrotóxicos proibidos para outros países, anunciada pelo governo alemão, é, portanto, crucial. Porque as empresas alemãs Bayer e Basf estão na vanguarda do comércio de agrotóxicos. No Brasil, eles simbolizam um comércio eticamente questionável. Um comércio que só funciona com violência e pulverização de agrotóxicos do ar. As pessoas nas proximidades dos campos cultivados com produtos da Bayer ou da Basf sofrem consequências para a saúde, como deformidades genéticas ou câncer. E não são as únicas empresas atuantes no Brasil.

Lobby alemão no Brasil?

No Brasil, o instituto Pensar Agro – com o apoio financeiro de empresas alemãs – promoveu mudanças na legislação ambiental brasileira. A meu ver, os lobistas alemães estão tentando influenciar o pacote de legislação brasileira sobre venenos (PL 6.299). Eu queria obter mais informações sobre isso na Alemanha, mas infelizmente não deu certo.

A FIAN Brasil espera que a Alemanha apresente uma proposta mais ambiciosa para a proibição de exportação de agrotóxicos, uma proposta que sinaliza compromisso e responsabilidade ética. Em geral, pedimos mais transparência em relação às vendas e exportações desses produtos. Alguns produtos não são regulamentados na Alemanha. Precisamos saber quais substâncias não são regulamentadas na Alemanha para poder regulá-las no Brasil, se necessário. Porque não sabemos o que os produtos podem fazer aqui ou como serão usados ​​posteriormente. Gostaríamos de saber dos parlamentares alemães como eles conseguiram regulamentar certos agrotóxicos na Alemanha para aprender com eles para nosso trabalho de lobby no Brasil. O uso de agrotóxicos, a legislação ambiental e a mineração em territórios indígenas estão sendo flexibilizados aqui.

Também é importante para nós se as proibições se aplicam apenas a produtos agrotóxicos acabados ou também a ingredientes ativos individuais. O Brasil tem capacidade de produção própria: ou seja, se apenas os produtos acabados forem proibidos e os ingredientes ativos continuarem sendo exportados, isso não nos ajuda muito. Os problemas ambientais causados ​​pelos produtos também devem receber maior reconhecimento.

Quando há problemas ou danos, as empresas alemãs dizem que os agricultores brasileiros não estão usando seus produtos adequadamente. Mas na realidade eles vendem produtos que são pulverizados do ar como armas químicas em indígenas, por exemplo. Esses ingredientes ativos agora podem ser encontrados em nossos rios e em nossa água potável. Também aqui na Alemanha existem responsáveis ​​que realmente sabem que as substâncias são prejudiciais à saúde e, portanto, foram proibidas aqui.

Também trabalhamos a questão da responsabilidade corporativa, especialmente das empresas transnacionais que atuam no Brasil e no mundo. Junto com a sociedade civil brasileira, estamos trabalhando no Projeto de Lei 572/22, lei da cadeia produtiva brasileira que propõe um acordo entre direitos humanos e negócios, com foco em empresas transnacionais. O lobby empresarial no Brasil é muito poderoso e está tentando barrar o projeto. Fazemos networking com outros latino-americanos e internacionais, por exemplo, atores asiáticos. A União Europeia sinalizou que adotará uma postura de apoio. Uma proposta sobre cadeias de abastecimento livres de desmatamento também está sendo discutida. É importante que as questões de indenização e reparação sejam claramente definidas, não como no caso do Rio Doce, por exemplo, em que os responsáveis ​​ainda são procurados até hoje. Os princípios fundamentais são: prevenção, transparência, reparação e não reincidência. A consulta aos povos indígenas deve ser uma diretriz. Assim, com toda a pressão, o debate sobre a responsabilidade pode ter algum sucesso afinal. As preocupações com a prestação de contas não devem ser apenas uma questão do Sul Global.

Qual é o estágio da implementação de uma política nacional de redução de agrotóxicos no Brasil?

Fizemos uma luta e uma grande coalizão contra a iniciativa legislativa 1.459/22 (o “Pacote do Veneno”, como chamamos) e pedimos apoio internacional. Os relatores especiais da ONU sobre o impacto de substâncias tóxicas e resíduos nos direitos humanos, Marcos Orellana, e sobre o direito à alimentação, Michael Fakhri, viam o projeto com grande preocupação em um comunicado. A lei flexibilizaria a legislação brasileira – ainda que o Brasil já tenha aprovado um número recorde de agrotóxicos nos últimos anos. A informação sobre substâncias cancerígenas e desreguladoras do sistema endócrino deve ser removida do registro e apenas uma categoria de risco deve ser utilizada. O nome “agrotóxico” também deve ser alterado para “produto fitossanitário”. Não há revisão regular dos registros, então existe o risco de que os agrotóxicos sejam liberados indefinidamente. Expressamos repetidamente a nossa preocupação com esse pacote legislativo e, mais recentemente, nós o submetemos à Comissão da Agricultura. Ao mesmo tempo, vemos na Câmara dos Deputados uma redução gradativa do financiamento da agroecologia.

Por que a agroecologia é uma alternativa e como ela pode ser fortalecida?

Com o slogan “O agro é pop”, uma certa visão de como a agricultura deve ser feita é popularizada. Esse modelo agrícola gera renda para poucos no Brasil e certamente não alimenta a população brasileira. Atualmente, 33 milhões de brasileiros vivem em grave situação de insegurança alimentar. Cento e vinte e cinco milhões de brasileiros são afetados por algum tipo de insegurança alimentar. Famílias com filhos são particularmente dependentes do programa de merenda escolar já mencionado. Para muitas crianças brasileiras, a alimentação escolar é a única refeição do dia. Como na escola tem o que comer, conseguimos manter alto o nível de alfabetização e frequência escolar. É claro que é um problema sério quando uma criança vai para a escola só porque está com fome. Agro não é pop. Não alimenta a população brasileira. O agronegócio ganha dinheiro nas costas da população.

A sociedade civil brasileira insiste, portanto, num modelo agrícola diferente: a agroecologia. A agroecologia trata bem a agricultura e o solo e atua de forma ambientalmente responsável. Nas mais diversas regiões do país, as pessoas estão lidando com novos modelos agrícolas e estabelecendo redes. Os povos indígenas estão lutando com a questão da agrofloresta. Vale destacar o movimento Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra [MSTR], que são os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina. Seria ótimo se tivéssemos ainda mais apoio nacional e internacional para esse projeto. Porque o Brasil não tem uma política agroecológica forte há muito tempo. Durante os governos do PT houve iniciativas de planos nacionais – mas acabaram falhando na implementação. Em princípio, preferia-se um modelo agrícola diferente, mas algumas medidas a favor dos pequenos produtores poderiam ser implementadas.

Deve haver mais foco no meio ambiente e no envolvimento de quem cuida dele.

Conte-nos um pouco mais sobre a merenda escolar brasileira.

Temos feito muito lobby no Congresso Brasileiro para o programa estadual de alimentação escolar, o Programa Nacional de Alimentação Escolar [Pnae], e como resultado temos conseguido muita atenção da mídia.

O programa existe desde a década de 1960 e é um modelo para muitos outros países. Porque: 40 milhões de crianças e jovens são alimentados em instituições de ensino estaduais com refeições gratuitas que fortalecem seu desenvolvimento biopsicossocial. O programa foi regulamentado pela sociedade civil no passado e tivemos acesso ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

O resultado da nossa luta foi, entre outras coisas, que desde 2009 o estado se comprometeu a comprar pelo menos 30% dos alimentos para a merenda escolar dos pequenos produtores. A alimentação entregue nas escolas também deve ter uma ligação cultural com a região, de acordo com a legislação do programa. Os especialistas decidem o que as crianças e os jovens vão comer. Por exemplo, o lobby do leite gostaria de se envolver – isso faz sentido para regiões com muito gado leiteiro, mas não para a região amazônica, porque como o leite deveria ser entregue em grandes quantidades aqui? Não dá para levar comida do sul do Brasil que não tem ligação com uma comunidade indígena da Amazônia.

Os tempos mudaram nos últimos anos, especialmente sob o governo Bolsonaro: o Brasil sofre atualmente com uma inflação alta. A insegurança alimentar é um grande problema. Mesmo antes da guerra na Ucrânia e antes da pandemia, alimentos agroecológicos bons, orgânicos, de alta qualidade e de produção familiar eram caros. Recentemente, faltou dinheiro e vontade política para implementar esse gigantesco programa de merenda escolar. Os alimentos regionais e saudáveis ​​foram então trocados, de modo que hoje nossas crianças e jovens às vezes comem alimentos ultraprocessados ​​ou apenas biscoitos, que podem causar doenças crônicas, entre outras coisas.

Como o senhor vê o acordo UE-Mercosul?

Para nós, é uma prioridade abordar o acordo UE-Mercosul a partir de uma perspectiva de direitos humanos. Tanto quanto sabemos, existe um princípio no direito internacional que diz que os direitos humanos têm precedência sobre outros tipos de tratados. Quando se propõem esses tipos de tratados bilaterais e multilaterais, corre-se o risco de que a ambição envolvida leve ao esquecimento deste princípio. Portanto, no UE-Mercosul, estamos lidando com direitos humanos e padrões ambientais muito baixos. Por exemplo, identificamos a questão da proibição da exportação de agrotóxicos proibidos na União Europeia como uma condição importante para o andamento desse tratado. A tendência do acordo até agora é aumentar ainda mais as exportações de agrotóxicos da Europa para a América Latina, inclusive os proibidos aqui. Este contrato foi feito dentro do atual modelo dominante de agricultura industrial e produção de commodities. O contrato reduz os requisitos ao mínimo. Há uma boa chance de que esse tratado seja ratificado pelo novo governo do Brasil – um governo que tem maior interesse em uma posição internacional privilegiada.

Novo governo Lula da Silva

Nos governos anteriores de Lula [2003-2011] houve um pacote de medidas com propostas econômicas e fiscais, que incluíam também a segurança alimentar e o salário mínimo. Sob Bolsonaro, o único pacote era o subsídio ao gás, que vence no final do ano.

Sob Lula havia um ministério da agricultura de exportação [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa] e um do Desenvolvimento Agrário [MDA], no qual a agroecologia também era promovida. Esse ministério já foi dissolvido no governo Temer. No processo de transição, Lula criou três grupos de trabalho: um sobre povos indígenas e tradicionais; um sobre agricultura, do qual participam representantes do agronegócio, e o terceiro sobre desenvolvimento agrícola, tendo como participantes sindicalistas e movimento sem-terra.

Oficinas avançam na criação do Protocolo de Consulta das Comunidades Geraizeiras

Instrumento ajuda a promover a proteção a costumes socioculturais, modos de vida e a efetivação dos direitos fundamentais de populações tradicionais

As populações do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas, compreendido entre os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, no norte de Minas Gerais, têm o direito de ser consultadas quando empresas de mineração ou monocultura, entre outros atores, desejam operar na região. Em torno do tema a FIAN Brasil, com apoio de parceiros, realizou três oficinas temáticas nos dias 20 e 21 de agosto.

O direito à consulta prévia, livre e informada é um mecanismo de participação previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003, e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004 (substituído em 2019 pelo Decreto 10.088).

Significa que, por meio de um protocolo de consulta, é promovido um ambiente de escuta seguro, capaz de conformar a proteção de costumes socioculturais, dos modos de vida tradicionais e que busque respeitar direitos sociais de populações indígenas e povos e comunidades tradicionais – neste caso, de geraizeiras e geraizeiros detentoras/es do território do Vale das Cancelas há pelo menos 150 anos segundo estudos antropológicos feitos na região.

No entanto, na contramão do que o tratado de direitos humanos prevê, os povos geraizeiros têm sofrido constantes e importantes impactos provocados por empresas de mineração e de monocultura de eucalipto e pínus, que por meio da exploração desordenada prejudicam o solo, as águas e os mais variados recursos naturais da região, causando recorrentes violações aos direitos fundamentais dessas comunidades, como o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Além de não respeitarem a consulta às comunidades locais ou oferecerem a devida compensação pelos danos causados por seus projetos, as empresas atuam com anuência do Estado.

Nesse cenário, participaram das oficinas cerca de 50 geraizeiras e geraizeiros, representantes das comunidades Barreiro de Dentro e Manda Saia, localizadas no núcleo territorial do município de Josenópolis. Os diálogos buscaram oportunizar momentos de formação e informação para que se possa avançar na criação do Protocolo de Consulta das Comunidades Geraizeiras; e a partir do compromisso primeiro da FIAN, contribuir para o empoderamento e a melhoria das condições de vida na perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos, da autonomia e do protagonismo.

Paulo Asafe, assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, explica que a construção desse documento é de extrema relevância e, ao lado da regularização fundiária, que também está em andamento no Território Geraizeiro do Vale das Cancelas, será instrumento central para a exigibilidade dos direitos das comunidades.

“Vejamos, por exemplo, que está em juízo uma Ação Civil Pública da DPE-MG e DPU pedindo que o licenciamento do empreendimento de mineração Bloco 8 seja suspenso enquanto a devida consulta não for realizada, o que requer a elaboração da criação do protocolo de consulta da comunidade. O mesmo deveria ocorrer com os demais projetos licenciados no território”, relata o assessor.

O protocolo é um documento com força de lei em que descreve a forma como as comunidades querem ser consultadas sobre todas as atividades que afetem o território tradicional e o modo de vida local. 

O mecanismo reforça a proteção destas populações que seguem em luta pela defesa do território, do seu modo de vida tradicional, da proteção ambiental, da permanência em suas terras e da retomada das áreas de onde foram expulsas e expulsos por ocasião da ação e invasão de fazendeiros, empresas e mineradoras nacionais e estrangeiras.

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Agrotóxicos

As populações tradicionais também participaram de uma oficina com facilitação do advogado Leonardo Pillon, especialista em mecanismos de denúncia a violações relacionadas ao uso de agrotóxicos. Visando a defesa do direito à saúde, ao meio ambiente e à promoção Dhana, o objetivo do encontro foi oferecer instruções sobre como registrar e realizar denúncias em caso de intoxicação por agrotóxicos aplicados por fazendeiros e empresas que atuam na região.

As oficinas foram realizadas pela FIAN Brasil, em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Norte de Minas, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Josenópolis, além de lideranças e membros do conselho e das diversas associações de geraizeiras e geraizeiros que vivem na região norte de Minas Gerais.

FIAN Brasil

Fotos: Leonardo Pillon 

Painéis trazem explicações de relatores da ONU sobre problemas nos sistemas alimentares

Para uso por comunidades, movimentos e organizações, a FIAN Internacional sintetizou em perguntas e respostas algumas das principais mensagens de documentos de três relatores especiais de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU): Michael Fakhri, David Boyd e Marcos Orellana. Cada seção da entidade criou materiais visuais pensando na realidade do seu país, sem esquecer o quadro global. E nós, da FIAN Brasil, montamos com a designer Patrícia Nardini dois painéis que você pode imprimir ou compartilhar, como carrosséis de redes sociais, no Facebook e no Instagram.

Baixe aqui os dois painéis. Cada um pode ser impresso como um A3 frente e verso, para dobrar em seis, ou como dois A3, para fixar como cartazes, ou, ainda, montado como um pôster A2 (formato maior) vertical.

São conteúdos que tratam dos problemas nos sistemas alimentares hegemônicos (ou seja, que predominam hoje), chamados industriais ou corporativos, pela abordagem do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Muitas dessas questões você já deve conhecer ou desconfiar, e é muito possível que sua comunidade já pratique os caminhos aqui descritos.

Estamos falando de práticas ligadas à agroecologia, à comida de verdade e à regeneração dos ecossistemas, que deveriam receber apoio dos governantes, legisladores e operadores da Justiça para estar no centro, e não nas bordas, dos modos de produzir, processar, comercializar, preparar e consumir alimentos, que deveriam ser condizentes com as necessidades das atuais e das futuras gerações. Temos que fazer pressão para uma transição com esse horizonte.

Sobre os/as especialistas

Os relatores e relatoras especiais são especialistas independentes a quem o Conselho de Direitos Humanos da ONU concede um mandato para vigiar, aconselhar, examinar e informar publicamente sobre uma questão específica (relatorias temáticas) ou sobre questões de direitos humanos em um determinado país (relatorias por países).

Eles/as visitam países para investigar denúncias de violações de direitos humanos e podem se dirigir aos Estados para pedir informações e formalizar recomendações. Também atuam na conscientização da população. Apresentam relatórios anuais ao Conselho de Direitos Humanos e, muitas vezes, à Assembleia Geral da ONU.

Michael Fakhri é o atual relator sobre o Direito à Alimentação; David Boyd, do Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável; e Marcos Orellana acompanha o tema das Substâncias Tóxicas.

Para mergulhar mais no tema  

Leia abaixo as perguntas e respostas preparadas pela FIAN Internacional, que aprofundam o assunto sem complicar a linguagem. E saiba mais sobre o poder das grandes empresas na história em quadrinhos A Captura Corporativa de Sistemas Alimentares.

O problema com o sistema alimentar industrial
e como “consertá-lo”

O sistema alimentar industrial (ou corporativo) prejudica as pessoas e o planeta e afeta nossa capacidade de alimentar a nós mesmos, nossas famílias e nossas comunidades de maneira saudável, sustentável e digna.

Os relatores especiais da ONU sobre o Direito à Alimentação, sobre o Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável e sobre Substâncias Tóxicas descreveram os principais problemas com o sistema alimentar industrial (ou corporativo), em particular no que diz respeito à destruição ambiental e violações de direitos humanos relacionadas. Eles também delinearam o que os governos devem fazer para avançar em direção a práticas agroecológicas sustentáveis, saudáveis ​​e justas que apoiem o direito à alimentação e nutrição e os direitos humanos de forma mais ampla.

I
Qual é o problema com o sistema alimentar industrial?

“O mundo tem sido dominado por corporações em sistemas alimentares que usam a riqueza para gerar mais riqueza, em vez de usar a vida para gerar mais vida.” (Fakhri, p. 9)

Existem muitos problemas com a forma como os alimentos são produzidos, processados, distribuídos, preparados e consumidos em nossos sistemas alimentares. Estes incluem a destruição de ecossistemas, exploração de trabalhadores e alimentação e dietas insalubres.

O sistema alimentar industrial é dominado por corporações e é um dos principais contribuintes para a emergência climática, perda de biodiversidade, degradação do solo, esgotamento da água e poluição.

Esse sistema depende fortemente de produtos químicos e combustíveis fósseis e desloca e marginaliza as práticas agrícolas das comunidades camponesas que foram desenvolvidas ao longo de gerações e funcionam em harmonia com a natureza. Por meio de uma combinação de incentivos e políticas públicas e privadas, os pequenos produtores de alimentos estão cada vez mais dependentes de sementes comerciais, pesticidas e fertilizantes controlados por empresas poderosas. Essas empresas podem ditar preços e empurrar os camponeses para um sistema de “agricultura por contrato”, no qual perdem o poder de decisão sobre o que e como produzem. O sistema alimentar industrial também promove a apropriação de terras e recursos naturais, minando a capacidade das comunidades de se alimentarem.

Trabalhadores agrícolas e de alimentos são frequentemente explorados e expostos a pesticidas nocivos, e não são raros os casos de trabalho escravo e infantil.

O sistema alimentar industrial deixa as pessoas doentes com produtos alimentícios ultraprocessados agressivamente promovidos pela publicidade. Dietas não saudáveis ​​são responsáveis ​​por 10 milhões de mortes anualmente. Além disso, o uso indevido de antibióticos na pecuária e na aquicultura reduz o efeito desses medicamentos quando necessários para tratar humanos.

A cada dia, a indústria de alimentos ganha mais poder para moldar mercados e pesquisas e influenciar governos e políticas públicas a seu favor. Pode fazer isso com os bilhões que ganha com a exploração de recursos naturais e mão de obra barata.

Como o sistema alimentar industrial danifica nosso planeta?

O sistema alimentar industrial é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, desde as emissões e a destruição de sumidouros de carbono (por exemplo, plantas que podem armazenar carbono para que ele não entre na atmosfera). É responsável por até 37% das emissões globais de gases de efeito estufa que aumentam a temperatura do nosso planeta e levam a catástrofes, como pragas, inundações e secas. Muito disso acontece por meio do desmatamento, quando as agroindústrias convertem florestas em terras para a agricultura produzir commodities de exportação, como carne bovina, soja e óleo de palma.

A intensificação industrial da agricultura é uma “prática extrativa” que perturba as bases de nossos ecossistemas com impactos duradouros para nossos filhos e seus filhos. Isso inclui o uso excessivo de água doce, em particular pela indústria pecuária, e a poluição da água potável por meio de pesticidas, fertilizantes e dejetos animais. A agricultura industrial também é responsável pela poluição do ar e pela degradação e erosão do solo – ameaçando a própria base de nossa alimentação.

O sistema alimentar industrial destrói a diversidade biológica promovendo monoculturas (o cultivo de uma única cultura em um campo de cada vez), ameaçando os sistemas de sementes crioulas e promovendo dietas baseadas em uma gama muito estreita de culturas. A superexploração, a poluição e a destruição de áreas de pesca resultaram em um terço dos peixes de água doce ameaçados de extinção. O uso de agrotóxicos causou uma perda maciça de insetos e aves que se alimentam deles, desequilibrando o funcionamento da natureza.

O sistema alimentar industrial e a poluição, a destruição ambiental e o desmatamento que o acompanham forneceram um terreno fértil perfeito para doenças zoonóticas – doenças que passam de animais para humanos – como a Covid-19. As más condições de trabalho e os abusos ambientais na indústria alimentar também contribuíram para a sua propagação.

O que isso significa para o direito das pessoas à alimentação e direitos conexos?

Os impactos ambientais do sistema alimentar industrial aprofundam as desigualdades existentes e causam múltiplas violações dos direitos humanos.

A poluição da água, do ar, do solo e dos alimentos com produtos químicos tóxicos usados ​​na agricultura industrial tem efeitos de longo alcance na saúde de camponeses, trabalhadores, comunidades vizinhas e consumidores, podendo causar mortes prematuras.

Os agrotóxicos envenenam regularmente trabalhadores e camponeses. São responsáveis ​​por cerca de 200 mil mortes por envenenamento agudo a cada ano. Eles têm sido associados a doenças graves, incluindo câncer, derrames, anomalias congênitas e distúrbios neurodegenerativos, como a doença de Parkinson, e são particularmente prejudiciais para mulheres e crianças. As crianças expostas a agrotóxicos – por exemplo, quando trabalham em fazendas, brincam em solo contaminado ou bebem água contaminada – podem sofrer danos graves em seu desenvolvimento cognitivo e físico.

A poluição da água e o uso excessivo de água pela agricultura industrial também levam à escassez de água para as comunidades locais. Isso tem impactos diretos em seus direitos à água e à saúde. Também afeta seu direito à alimentação e nutrição, pois prejudica sua capacidade de cultivar e preparar alimentos e pode levar a doenças transmitidas pela água que afetam sua nutrição e saúde. A capacidade das comunidades de cultivar alimentos para si mesmas e ganhar a vida também é severamente prejudicada por sua exposição a mudanças e condições climáticas severas, desastres naturais e destruição do meio ambiente, incluindo a degradação do solo.

II
Como os sistemas alimentares devem ser transformados para garantir o direito à alimentação e à nutrição?

“(…) transformar os sistemas alimentares que exploram milhões de trabalhadores, prejudicam a saúde de bilhões de pessoas e infligem trilhões de dólares em danos ambientais é moral e legalmente imperativo para respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos.” (Boyd, 2021, p. 26)

Não podemos mais confiar no foco no crescimento econômico para superar a fome e a desnutrição. O direito a um ambiente saudável é protegido por lei na grande maioria dos países. Sistemas alimentares saudáveis ​​e sustentáveis ​​são um componente central desse direito, conforme confirmado por vários tribunais e instituições nacionais de direitos humanos em todas as regiões. Transformar os sistemas alimentares para se tornarem saudáveis, sustentáveis ​​e justos é essencial para enfrentar a crise ambiental global.

A agroecologia aborda muitas fraquezas do sistema alimentar industrial. Questiona as dinâmicas de poder (incluindo aquelas entre mulheres e homens), destaca a importância do acesso e controle das pessoas sobre o conhecimento e os recursos e leva a melhorias concretas no Dhana.

Essa abordagem imita processos ecológicos e interações biológicas. Muitas vezes produz rendimentos mais elevados do que a agricultura industrial. Como menos produtos químicos são usados, causa menos danos ao meio ambiente. Também corrige danos causados ​​pelo sistema alimentar industrial: reduz as emissões de gases de efeito estufa, recupera a saúde do solo, protege a diversidade biológica e diminui o risco de pandemias. Além disso, apoia a construção coletiva do conhecimento, aproxima consumidores e produtores, garante meios de vida dignos para as pessoas que trabalham nos sistemas alimentares e promove a equidade social.

O que os governos devem fazer para transformar os sistemas alimentares?

“Os efeitos ambientais devastadores dos sistemas alimentares industriais e as dietas não saudáveis ​​associadas ao gozo de uma ampla gama de direitos humanos dão origem a amplos deveres dos Estados de prevenir esses danos. Os Estados devem aplicar uma abordagem baseada em direitos a todas as leis, regulamentos, políticas e ações relacionadas à alimentação, a fim de minimizar os impactos negativos sobre o meio ambiente e os direitos humanos”. (Boyd, 2021, p. 17)

Os governos devem reduzir o uso de agroquímicos e banir os mais perigosos. Eles deveriam parar de exportar agroquímicos proibidos em seus próprios países. Eles devem introduzir regulamentações mais fortes e impostos mais altos sobre agroquímicos. O dinheiro desses impostos deve ser usado para apoiar os produtores na redução de agrotóxicos e na transição para a agroecologia. Os países precisam monitorar cuidadosamente a poluição por agroquímicos e seus impactos na saúde das pessoas.

Antibióticos devem ser permitidos apenas para tratamento veterinário individual de animais. A pecuária intensiva precisa acabar. É preciso haver regulamentações mais fortes para a agricultura industrial para evitar a propagação de doenças zoonóticas.

Os governos devem fornecer apoio técnico para práticas agrícolas que restaurem a saúde do solo, incluindo o uso de fertilizantes orgânicos, rotação diversificada de culturas e compostagem.

Eles devem adotar e fazer cumprir as leis para impedir o desmatamento e a conversão em terras agrícolas, ao mesmo tempo em que fazem isenções apropriadas para produtores de pequena escala. Devem estimular a diversificação de cultivos e torná-la obrigatória em grandes monoculturas. Os sistemas alimentares devem fazer parte das estratégias de biodiversidade.

Os governos devem proteger os sistemas de sementes dos camponeses (os direitos dos camponeses de salvar, usar e trocar sementes e raças de gado adaptadas localmente) e garantir que as leis nacionais e internacionais não os prejudiquem. Eles devem reviver e apoiar as variedades tradicionais e os conhecimentos e práticas ancestrais relacionados. Da mesma forma, devem proteger e restaurar a biodiversidade do mar.

As regras do comércio internacional precisam ser reformadas e os acordos agrícolas injustos devem ser encerrados. Novas regras comerciais devem ser baseadas na lei de direitos humanos, garantir a equidade e apoiar a transição para sistemas alimentares sustentáveis ​​e agroecologia.

Os governos devem investir na infraestrutura dos mercados territoriais nos níveis local, nacional e regional. Devem também apoiar cooperativas de produtores e consumidores que facilitem a troca de conhecimento e a adoção de práticas agroecológicas. Eles devem corrigir qualquer viés existente nas políticas que privilegiam os supermercados sobre os mercados informais de agricultores.

Os governos devem proteger e melhorar os produtores de alimentos de pequena escala, especialmente as mulheres, o direito à terra e outros recursos naturais – inclusive por meio da reforma agrária.

Eles devem desenvolver diretrizes sobre nutrição que integrem preocupações de saúde e sustentabilidade e implementar programas nacionais de refeições escolares gratuitas que forneçam alimentos saudáveis ​​a todas as crianças. Os alimentos para essas e outras instituições públicas (como hospitais) devem ser comprados de produtores locais e preparados nas cozinhas das escolas.

Os governos devem proibir a promoção de produtos alimentícios e bebidas ultraprocessadas para crianças e impor impostos e etiquetas de advertência para que as pessoas consumam menos.

A governança dos sistemas alimentares precisa mudar fundamentalmente. Os direitos e meios de subsistência dos mais desfavorecidos – incluindo aqueles que não têm acesso à terra e alimentos saudáveis ​​e sustentáveis, ou cujo direito a um ambiente saudável é ameaçado ou violado – precisam ser priorizados. Eles devem ser capazes de participar quando os governos fazem novas políticas sobre alimentos. Especialmente a participação das mulheres precisa ser fortalecida. A transformação dos sistemas alimentares deve ser baseada nas próprias soluções das pessoas, e não imposta de cima por “especialistas”.

Os governos devem incorporar o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e o direito a um ambiente saudável e sustentável nas leis nacionais com mecanismos para responsabilizar autoridades e empresas.

As declarações das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses (Undrop) e sobre os Direitos dos Povos Indígenas (Undrip) devem ser aplicadas quando os governos adotam novas leis e políticas. Da mesma forma, eles devem aplicar as Diretrizes sobre Posse e Pesca Sustentável em Pequena Escala para evitar a apropriação de terras, água e recursos naturais. Eles também devem garantir que os trabalhadores agrícolas e de alimentos sejam protegidos pelas leis trabalhistas.

O poder corporativo nos sistemas alimentares precisa ser reduzido, inclusive por meio de legislação que reverta a concentração excessiva. A conclusão das negociações de um acordo internacional para regular as corporações transnacionais também é fundamental para isso.

Os governos devem restringir o lobby corporativo e as doações da indústria de alimentos e suas associações empresariais, e outras tentativas de influenciar as políticas relacionadas aos sistemas alimentares.

Povos tradicionais pedem revogação de regulamentação estadual de consulta prévia ao Governo de MG

Povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais, organizações e coletivos de direitos humanos junto a Frente Parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, enviaram um ofício às Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), pedindo a revogação urgente da recente Resolução Conjunta 01/2022, que regulamenta a consulta prévia, livre e informada no Estado.

Na avaliação coletiva, a proposta de resolução foi construída sem participação popular e viola diretamente diversos aspectos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao criar diretrizes de como a consulta deve ser realizada aos povos tradicionais, quando houver medidas públicas e privadas que impactem seus modos de vida e territórios. 

A Convenção 169 da OIT é um tratado de direitos humanos que foi ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003 e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004, revogado pelo Decreto 10.088/2019. A Convenção garante a proteção e salvaguarda dos direitos de povos e comunidades tradicionais, garantindo-lhes, dentre outros, o direito à autoatribuição, o direito à consulta e à participação na tomada de decisões que possam trazer impactos ao seu modo de vida, às suas terras e territórios. 

Em avaliação coletiva, a sociedade civil divulgou nota técnica que destacam as principais violações da resolução conjunta, e um manifesto solicitando a revogação da norma. Após audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na qual representantes da sociedade civil se posicionaram, em unanimidade, pela revogação da medida, foi aberto em nome do Governo de MG uma consulta pública virtual para revisão da Resolução.

Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, “essa consulta pública é um verdadeiro golpe aos setores sociais, uma vez que procura legitimar uma norma elaborada sem a participação dos povos e comunidades tradicionais do Estado de Minas Gerais, e repudiada pelos próprios interessados. Além do mais, a assessora destaca que “uma consulta pública virtual para consultar povos tradicionais não abarca as necessidades de comunidades que vivem em regiões afastadas do estado e também fere diretamente a Convenção 169 da OIT, ao delimitar ao formato virtual a consulta dos impactados pela resolução.” 

Para a deputada Leninha (PT/MG) que integra a Frente parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, que assina o ofício, “a Resolução, em seu cerne, viola brutalmente o direito dos povos e comunidades tradicionais à Consulta Livre, Prévia e Informada, na medida que ela dita um regimento autoritário, excludente e tendencioso para a escuta das populações tradicionais. Nossa crítica à Resolução vai além da violação à Convenção 169, pois ela retira obrigações, responsabilidades do Estado, a quem compete zelar pelos direitos coletivos, e declina-os para os interesses privados de grandes empreendimentos, colocando em risco não só os direitos dos povos mas a própria democracia.” Também assinam o documento os deputados(as), André Quintão (PT/MG), Ana Paula Siqueira (Rede/MG), Andréia de Jesus (PT/MG), Beatriz Cerqueira (PT/MG). 

Atualmente segue no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) um procedimento administrativo para apuração dos fatos em volta da resolução conjunta.

Irregularidades

A proposta do governo de Minas foi apresentada em abril deste ano sem nenhum tipo de diálogo com a sociedade civil e pegou de surpresa povos e comunidades tradicionais do estado, diretamente interessados na consulta prévia, livre e informada. Em nota técnica assinada por mais organizações, movimentos sociais e  povos tradicionais são apresentadas uma série de irregularidades existentes na Resolução Conjunta. Entre os principais direitos dos povos tradicionais violados estão:

1. Quando delimita que somente os povos tradicionais certificados pela Fundação Cultural Palmares, Funai e CEPCT/MG devem ser consultados;

A autoatribuição e a autodeterminação dos povos, prevista no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção 169 da OIT, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da OEA; 

2.  Quando garante ao empreendedor privado de contratar, com recursos próprios, assessoria técnica especializada para realização da consulta;

O direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, de acordo com a Convenção 169, as Declarações sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e OEA e a jurisprudência da Corte IDH, sobretudo ao dispor sobre a transferência da obrigação e competência exclusiva do Estado para o empreendedor privado; 

3. Quando estabelece prazos para realização da consulta prévia, livre e informada; 

A garantia da liberdade religiosa, por ignorar o calendário religioso específico de cada povo e comunidade tradicional, conforme o artigo 5º, VI e VIII da Constituição Federal;

4. Quando estabelece métodos para realização da consulta prévia, livre e informada;

Os direitos dos povos indígenas garante à organização social própria, usos, costumes, crenças e tradições, previstos no artigo 231 da Constituição Federal; A Convenção 169 da OIT garante que os métodos da consulta devem ser delimitados pelos povos tradicionais impactados. 

Na avaliação da apanhadora de flores sempre-viva e coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos da Comunidades Extrativistas (Codecex), Tatinha Alves, “embora a medida seja apresentada pelo estado como uma alternativa para garantir a consulta aos povos e comunidades tradicionais, as organizações e comunidades tradicionais destacam que o objetivo central da Resolução é facilitar o estabelecimento de empreendimentos nos territórios tradicionais do estado, atendendo aos interesses de empresas do ramo da mineração, agronegócio, entre outros.”

Impactos aos Povos Tradicionais

O mecanismo da consulta prévia apesar de garantido pela legislação brasileira, frequentemente é violado por empresas e pelo próprio estado. Em Minas Gerais, diversos empreendimentos já foram autorizados sem a realização de consulta prévia aos povos tradicionais. 

Na Serra do Curral foi dada à empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) pelo Governo de Minas a permissão para que se instalasse na região sem a consulta à comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que fica em Belo Horizonte e é atualmente integrada por 37 famílias. Este caso teve ação ajuizada contra o estado pelo MPF no dia 20/06 pela falta de consulta à comunidade atingida. 

Para a liderança da comunidade quilombola, Makota Kidolaie, “não consultar os povos tradicionais, é um ato violento que ignora a nossa existência. O estado de Minas Gerais, não pode falar por nós e não pode fazer acordos absurdos de medidas compensatórias, em que uma violação legítima a outra. Somos contra esse modelo de consulta, e exigimos respeito e gerência sobre tudo que se diz respeito aos povos tradicionais.” 

Na comunidade quilombola Vargem do Inhaí, a cerca de 70km da cidade de Diamantina (MG), cerca de 28 famílias seguem ameaçadas pela perda de seu território pela sobreposição de um parque de conservação ambiental. O território comunitário está inserido na zona de amortecimento do Parque Nacional das Sempre-Vivas, com área de sobreposição de cerca de 6 mil hectares. A medida também foi apresentada sem consulta prévia à comunidade. 

Na avaliação da advogada popular do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz, “a resolução limita o alcance do direito de consulta e chega ao absurdo de dizer que em  determinados casos se confia na boa fé do empreendedor para dizer se na área de impacto do empreendimento tem ou não povo tradicional. Como que a empresa, maior interessada no empreendimento, é também aquela legitimada a dizer se tem povo a ser consultado ou não? É visível como ela facilita pro empreendedor em detrimento do direito das comunidades.”

Fonte: Terra de Direitos

Foto: Ricardo Barbosa

Informe da FIAN Brasil mostra como desmonte de políticas no governo Bolsonaro agravou fome

A FIAN Brasil acaba de divulgar, com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), o Informe Dhana 2021 – pandemia, desigualdade e fome.

A publicação, de periodicidade bienal, aborda a situação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no país. Esta edição – que compreende dois anos do governo Bolsonaro – analisa os impactos da Covid-19 e das ações e omissões do poder público diante da crise sanitária, econômica e social.

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“Em 2017 elaboramos a primeira edição porque, ante o contexto de acelerado desmonte de direitos e de crise democrática, achamos fundamental registrar os avanços, as lacunas e os retrocessos que impactavam o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”, explica a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. “A segunda foi elaborada em 2019, destacando como neoliberalismo e autoritarismos estavam contribuindo para violações de direitos no Brasil. Em 2021, apontamos como a chegada da Covid-19 tornou ainda mais dramática uma situação geral de ataque à vida e à dignidade humana.”

Ela avalia que o cenário tende a se agravar com medidas como a extinção do Programa Bolsa Família para dar lugar a um programa (o Auxílio Brasil) ainda cheio de incertezas e sem garantia de orçamento. “Hoje, mais da metade da população sofre algum nível de insegurança alimentar e nutricional e tudo de que precisamos para a construção de sistemas alimentares soberanos e regenerativos – terra, água, proteção ambiental, política de estoques e preços, apoio à agricultura familiar – está sendo negado.”

“O mesmo presidente que em 2019 negou a fome no Brasil foi o que tratou a maior pandemia do século como uma gripezinha, e mais uma vez se esquivou de suas obrigações enquanto representante do Estado”, observa a assessora de Direitos Humanos da FIAN Nayara Côrtes. “O mesmo governo que desmontou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em seus primeiros dias no poder criou um falso dilema entre a fome e a Covid-19 e se recusou a tomar providências para tentar conter o previsível avanço dessa situação desumana que é não ter acesso a comida suficiente.”

Ela acrescenta que quem primeiro sentiu as consequências dessas decisões foram os grupos que têm seus direitos negados historicamente: a população negra, as mulheres, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais (como quilombolas e caiçaras) e os grupos empobrecidos do campo e das cidades.

Sistematizar para resistir – e reconstruir

A partir da perspectiva de que é preciso sistematizar para resistir – e reconstruir –, o Informe Dhana 2021 detalha o esvaziamento orçamentário e institucional das políticas que permitiriam conter parcialmente o impacto da calamidade e pavimentar o caminho para uma recuperação com justiça social. Também mostra a relação desse quadro com as opções macroeconômicas dos últimos anos e com a ditadura da austeridade fiscal – marcada a ferro e fogo pelo Teto dos Gastos Sociais, a Emenda 95.

Os dados e gráficos compilados pela FIAN “desenham” a ação de um Executivo que fala grosso com os vulneráveis, fino com os poderosos e de igual para igual com os aproveitadores, criando todo tipo de facilidade para grupos que vão de grileiros a grandes redes de supermercados, passando por mineradores e fabricantes de agrotóxicos e pela indústria de refrigerantes e outras bebidas açucaradas. E que faz isso de braços dados com o grupo dominante no Legislativo – o Centrão – e frequentemente respaldado pelo Judiciário, em especial nas instâncias inferiores.

O material situa a realidade brasileira, ainda, nas tendências internacionais de maior presença das corporações nos sistemas alimentares, que gera mais desigualdade e vai emplacando falsas soluções para a fome.

Acesse também o resumo executivo da publicação e assista ao pré-lançamento.

Mas, afinal, o que é o “Dhana”?

O conceito de direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) vai além do suprimento das exigências mínimas nutricionais dos indivíduos, propondo garantir os aspectos da acessibilidade física e econômica, da disponibilidade, da adequação e da sustentabilidade (De Schutter, 2014).

Essa conceituação vem sendo construída ao longo da história, sobretudo nos séculos 20 e 21. No âmbito internacional, o Dhana foi inicialmente previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25), em 1948, estando também presente no artigo 11 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), de 1966, e no Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 12), de 1988.

No Brasil, esse direito ganha contornos mais definidos a partir de sua incorporação, em 2010, ao artigo 6º da Constituição Federal (CF), de 1988. Em 1999, o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas elaborou o Comentário Geral 12. O documento vem contribuindo para as iniciativas subsequentes sobre o tema, por trazer as principais diretrizes do Dhana, sinalizando que tal direito só se realiza “quando todo homem, mulher e criança, sozinho ou em comunidade com outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, a uma alimentação adequada ou aos meios necessários para sua obtenção” (ONU, 1999, p. 2), estando, dessa forma, livres da fome.

‘Disrupção’ ou Déjà Vu? Digitalização,Terra e Direitos Humanos – estudos de caso de Brasil, Indonésia, Geórgia, Índia e Ruanda

‘Disrupção’ ou Déjà Vu? Digitalização,Terra e Direitos Humanos – estudos de caso de Brasil, Indonésia, Geórgia, Índia e Ruanda é uma publicação da FIAN Internacional traduzida pela FIAN Brasil.

Clique para acessar o livro, o anexo 1 e o anexo 2.