A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas anuncia a abertura de processo seletivo para a contratação temporária de assessor(a) de Advocacy.
O regime de contratação é como pessoa jurídica, com início dos trabalhos previsto para julho de 2024. A duração do contrato é de 12 meses, prorrogável por igual período.
Sobre a FIAN Brasil
Somos uma organização de direito privado, sem fins lucrativos, apartidária, sem vínculo religioso, com sede e foro em Brasília (DF), com atuação de abrangência nacional.
Nossa missão é contribuir para um mundo livre da fome e da desnutrição, no qual cada pessoa possa desfrutar plenamente dos seus direitos humanos, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), com dignidade e autodeterminação.
A FIAN Brasil atua para fortalecer o Dhana por meio de ações de exigibilidade, formação, informação e incidência política. As ações de incidência política e advocacy são construídas em conjunto com diferentes redes da sociedade civil, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e a Plataforma Dhesca. Além disso, a FIAN Brasil coordena a secretaria executiva do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e está representada no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), no Grupo Consultivo do Comitê Gestor do Pnae e na Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil.
Objetivo da contratação
A/o assessor(a) de Advocacy deverá apoiar a execução de ações de incidência política da FIAN Brasil, em especial no Congresso Nacional, contribuindo em temas prioritários.
Atividades previstas
Monitorar pautas prioritárias para a FIAN Brasil no Congresso Nacional;
Sistematizar e analisar dados e informações para elaboração de pareceres, notas técnicas, planilhas e sínteses voltadas ao trabalho legislativo;
Estabelecer diálogo com parlamentares e assessorias parlamentares para a promoção de agendas relativas ao Dhana;
Apoiar a execução de ações específicas de incidência política da FIAN Brasil no Congresso Nacional;
Participar de reuniões periódicas com a Coordenação de Advocacy, equipes de projetos da FIAN Brasil e redes das quais a FIAN faz parte.
Requisitos obrigatórios
Ensino superior completo em Ciência Política, Ciências Sociais, Direito, Economia, Políticas Públicas ou áreas afins;
Conhecimento e experiência de atuação em processos legislativos;
Capacidade de redação de documentos voltados para a incidência política (planilhas, relatórios, pareceres);
Compromisso com direitos humanos e valores éticos relacionados ao trabalho da FIAN Brasil;
Compromisso em relação ao cumprimento de prazos;
Habilidades de comunicação, diálogo e trabalho em equipe;
Residir em Brasília (DF);
Disponibilidade para trabalho híbrido com agendas presenciais semanais no Congresso Nacional.
Requisitos desejáveis
Experiência com políticas de segurança alimentar e nutricional;
Experiência aplicada de incidência no Congresso Nacional;
Experiência de trabalho em/com organizações da sociedade civil, movimentos sociais ou redes.
Processo para candidatura
Currículo, carta de motivação e declaração de conflitos de interesse(baixe aqui para preencher) deverão ser encaminhados para [email protected] com cópia para [email protected] até as 18:00 do dia 31/05/2024. Entrevistas serão agendadas com as pessoas selecionadas.
Diversidade e inclusão
A FIAN Brasil defende e apoia a ampliação da diversidade na sociedade e, por essa razão, estimula e prioriza a candidatura de mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e/ou com deficiência, que cumpram os requisitos estabelecidos. Se você se enquadra nesses grupos, indique em sua carta de motivação.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida foi recebida no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) na terça-feira (30). No encontro, em Brasília, representantes da articulação apresentaram denúncias de violação de direitos humanos por exposição a essas substâncias, sobretudo em comunidades indígenas e tradicionais. Foram discutidas estratégias para pôr fim a esses crimes nos territórios e avançar na proteção da saúde da população e da biodiversidade. O assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos, participou da reunião.
Entre as pautas abordadas, a criação de um canal unificado para denúncias de contaminações e intoxicações. A ideia é integrar as devidas diligências nos âmbitos da saúde, do meio ambiente, da agricultura e dos direitos humanos, facilitando o atendimento da população propiciando ampla divulgação pelos órgãos e instituições públicas.
“É fundamental que o ministério faça um acompanhamento permanente sobre o tema e reforce para a Secretaria Geral e a Ouvidoria a proposta da criação desse canal interministerial para avançarmos no combate à violação de direitos humanos e ambientais provocada pelo agronegócio no campo brasileiro”, defendeu a representante da campanha Jakeline Pivato.
Uma articulação que deve ser fortalecida e que tem crescido bastante é com os estados e municípios, para garantir legislações locais de enfrentamento do problema principalmente no que tange à pulverização aérea.
De acordo com Pedro Vasconcelos, um tom comum foi a tentativa de sensibilizar, demandar e cobrar o ministério para o entendimentos dos agrotóxicos como um tema de direitos humanos – e de sua violação – em diferentes aspectos. “Um ponto que a gente trouxe foi o da regulação”, comenta. “Em nível internacional cobramos um posicionamento do MDHC e do governo como um todo para o comércio tóxico, principalmente com relação aos países da União Europeia que seguem exportando substâncias que eles mesmos proíbem [assunto abordado em informe latino-americano da FIAN]. No plano nacional, que a pasta se manifeste urgente pela manutenção dos vetos ao ‘Pacote do Veneno’.”
A partir desta segunda-feira (18) até 30 de setembro, dois representantes/líderes dos povos indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul (MS) estarão em viagem pela Europa para chamar a atenção para as violações estruturais de direitos humanos enfrentadas por seus povos e pedir aos formuladores de políticas europeus e aos órgãos de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que adotem medidas de apoio à sua luta. Eles estão acompanhados pela FIAN Brasil, FIAN Internacional e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Atualmente, no Brasil, 62% das terras indígenas e reivindicações territoriais existentes estão pendentes de regularização administrativa (demarcação). A insegurança fundiária está no centro de várias violações de direitos humanos e de um conflito brutal de terras que registrou 795 assassinatos de indígenas e 535 casos de suicídio nos últimos quatro anos (consulte CIMI, 2023). Os povos Guarani e Kaiowá do MS estão entre as principais vítimas dessa dura realidade.
As atuais violações de direitos humanos, os conflitos socioterritoriais e as inseguranças vivenciadas pelos Guarani e Kaiowá são motivados por invasões de seus territórios tradicionais por empresas agroindustriais, latifundiários, condomínios de luxo, prisões ilegais e a expansão de megaprojetos de infraestrutura para o transporte de commodities. Os conflitos se materializam em ataques de milícias armadas formadas pelos próprios fazendeiros e seus sindicatos rurais, ações paramilitares e operações militares sem autorização judicial, promovidas pelas forças de segurança pública estaduais ou pela Força Nacional.
As violações dos direitos dos Guarani e Kaiowá à alimentação e nutrição adequadas têm origem na desapropriação histórica de suas terras ancestrais, das quais foram – e continuam sendo – expulsos; na exploração predatória de seus recursos naturais, incluindo a contaminação por agrotóxicos de seus rios, terra e ar; e na negação de praticamente todos os seus direitos humanos. Desde a dificuldade de acesso à documentação e aos serviços públicos, passando pela violência psicológica e física resultante do racismo generalizado, até a dependência de cestas básicas entregues irregularmente, todas essas violações culminam em índices alarmantes de insegurança alimentar e fome. A situação já terrível piorou consideravelmente durante os anos do regime de Bolsonaro e seu desmantelamento sistemático de políticas, programas e estruturas sociais, além da promoção de políticas e princípios anti-indígenas.
Estudo da FIAN Brasil e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a ser lançado em breve, realizado em cinco comunidades guarani e kaiowá, constatou que 77% das famílias vivem com algum nível de insegurança alimentar, enquanto 33,6% das famílias não têm alimentos suficientes para a alimentação.
Durante a missão de defesa de seus direitos, os líderes guarani e kaiowá se reunirão com membros do Parlamento Europeu, com o Serviço de Ação Externa da Comissão Europeia, bem como com representantes de órgãos de direitos humanos e missões diplomáticas em Genebra. Eles também participarão da 54ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos e da análise do Brasil pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A FIAN Brasil, juntamente com outras organizações da sociedade civil, apresentou um relatório sobre a situação dos direitos econômicos, sociais e culturais no país.
Haverá também um evento público em conjunto com várias outras organizações e redes brasileiras de direitos humanos para chamar a atenção para a situação dos povos indígenas e o contexto mais amplo dos direitos econômicos, sociais e culturais pós-Bolsonaro.
Inaye Gomes Lopes, moradora da comunidade Ñanderu Marangatu – um dos locais participante da pesquisa e da petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – e vereadora no município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul, relata que a viagem à Europa tem como objetivo “exigir a demarcação de nossas terras, o reconhecimento das terras tradicionais, a homologação das terras, para dar voz aos jovens, às mulheres, aos nossos idosos. Clamar para que o mundo saiba como vivemos, como estamos vivendo no estado do Mato Grosso do Sul, como estamos sendo assassinados, como estamos sendo violados, massacrados, pelos próprios poderes do Estado brasileiro”.
Lopes espera que os funcionários da ONU/União Europeia notifiquem e exijam das autoridades brasileiras a implementação de seus direitos territoriais segundo estabelece a Constituição Federal. E que denunciem “como nossos direitos estão sendo violados, continuam sendo violados e estão sendo massacrados”.
Entre as reivindicações centrais estão a proteção efetiva dos povos indígenas contra os ataques violentos que sofrem nas retomadas de suas terras ancestrais, a conclusão dos processos de demarcação de seus territórios, além da rejeição da tese do “marco temporal” e do Projeto de Lei 2.903/23 (para obter mais informações, consulte o comunicado de imprensa da FIAN Brasil sobre a declaração de Francisco Cali a esse respeito).
Além disso, os legisladores e os formuladores de políticas europeus serão instados a garantir que os acordos comerciais existentes e atualmente negociados, bem como os investimentos e as ações das empresas sediadas ou com vínculos com a União Europeia e seus estados-membros, não alimentem o conflito fundiário nem contribuam para violações dos direitos do povo Guarani e Kaiowá. A proibição das exportações de agrotóxicos nocivos, proibidos na UE, para o Brasil e outros países é outra demanda fundamental.
A FIAN Brasil e a FIAN Internacional acompanham os Guarani e Kaiowá desde 2005. Juntamente com a Aty Guasu, o Cimi e a Justicia Global, eles têm uma petição pendente de admissão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
FIAN Brasil participa de duas atividades relacionadas à missão oficial de Alice Wairimu Nderitu
Entre 1º e 12 de maio, a subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, esteve pela primeira vez em missão oficial no Brasil para apurar casos de violência cometidos contra povos indígenas, quilombolas e outras populações em situação de risco no país.
No dia 4 de maio, em Brasília, Nderitu conversou com representantes do poder público, da sociedade civil, de comunidades indígenas e da comunidade internacional em uma mesa de diálogos organizada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Na ocasião, o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski, entregou à subsecretária-geral documento acerca do trabalho da FIAN Brasil com os indígenas Guarani e Kaiowá.
Fruto de parceria com o Conselho Indigenista Missionário no Mato Grosso do Sul e pesquisadoras/es de referência, a publicação apresenta, entre outros temas, uma pesquisa* socioeconômica e de análise da situação de (in)segurança alimentar e nutricional, realizada em 2013, nas comunidades Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá.
Nas visitas de campo, sempre recebida por lideranças indígenas, Nderitu conheceu, entre outros, o povo Yanomami (RR) e os Guarani e Kaiowá que vivem na retomada do Tekoha Guapo’y, município de Amambai (MS).
Em relato preliminar, a sub subsecretária-geral declarou ter se sentido chocada com a extrema pobreza dos Guarani e Kaiowá. Destacou que as terras indígenas na região ainda não foram demarcadas e têm sido alvo de disputas, principalmente com grandes agricultores, em todo o MS. “A maioria dos indígenas foi expulsa de suas terras tradicionais, na maior parte dos casos de forma violenta. Alguns vivem às margens das rodovias em condições degradantes e desumanas, sem bens e serviços básicos, como água potável, alimentação, saúde e educação para os filhos. Eles são discriminados no acesso a serviços básicos”.
Desde 2005, após denúncia da morte de crianças indígenas por desnutrição, a FIAN Brasil acompanha sistematicamente as comunidades Guarani e Kaiowá. Para a secretária geral da FIAN Brasil, Nayara Côrtes, a triste situação ainda ocorre. “Em pleno 2023, voltam a circular fotos de crianças Guarani e Kaiowá desnutridas, que noticiam a morte de ao menos uma criança em razão da violação de um dos direitos mais básicos, do qual a vida depende: o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”. A declaração foi feita durante encontro com Nderitu no MS, a convite do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Para saber mais sobre a missão, sugerimos a leitura das matérias produzidas pela Agência Brasil e pelo Cimi. Veja também as primeiras considerações de Alice Wairimu Nderitu sobre a visita de campo.
Em 2021, a FIAN Brasil produziu uma nota técnica, com apoio de profissionais com ampla experiência de trabalho junto aos Guarani e Kaiowá, onde o diagnóstico apontou muitos problemas nos programas de assistência emergencial à alimentação e entraves relacionados a programas de transferência de renda que impactam na segurança alimentar nas aldeias, bem como problemas com a documentação civil.
Atualmente, a FIAN Brasil e a FIAN Internacional, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, e com um grupo de pesquisadores/as de referência no tema, vem realizando uma nova pesquisa, visando traçar os primeiros pontos para a atualização da pesquisa realizada em 2013 sobre as condições socioeconômica nutricional e de segurança alimentar e nutricional das três comunidades pesquisadas, acrescentando ao estudo duas comunidades – Apyka’i e Nhanderu Marangatu.
A análise das informações deve ser feita sob a perspectiva dos Direitos Humanos, em especial sob a ótica do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Porém, os estudos já realizados apontam para a falta de terra como um ponto central a ser resolvido pelo Estado brasileiro.
Pedro Vasconcelos (2o à esq.) no Parlamento alemão com Almudena Abascal (FIAN Alemanha), Silke Bollmohr (PAN Alemanha) e Marian Henn (FIAN Alemanha)
O assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos, esteve na Alemanha em outubro para atividades de incidência internacional no tema dos agrotóxicos. Participou de articulações e expôs a situação brasileira, com ênfase nas contradições entre a postura dos fabricantes europeus em seus países e em outros mercados – o chamado “duplo padrão” (double standards).
Ao lado da seção Ásia e Pacífico da Pesticides Action Network (PAN) – principal rede mundial da área –, a FIAN Brasil liderou a elaboração de carta de 274 entidades do Sul global em apoio à proposta alemã de proibir a exportação de “agrotóxicos altamente perigosos” (hazardous pesticides).
Chama-se de incidência o conjunto de ações dirigidas pela sociedade civil ao Estado para que cumpra suas obrigações em relação a direitos. A viagem foi apoiada pela FIAN Alemanha.
“Além de apoiar a proposição legislativa, as atividades em Berlim tiveram como principais objetivos apresentar o estado do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas [Dhana] no Brasil, com ênfase nessa questão, para parlamentares, membros do governo federal e organizações parceiras; e estreitar as relações com essas entidades”, explica Vasconcelos. Leia entrevista à Fundação Heinrich Böll.
Com membros da FIAN Alemanha, da PAN Alemanha e da Inkotta Netzwerk, o assessor participou de reunião no Parlamento alemão com parlamentares e assessorias dos Partido Socila-Democrata (SPD) e dos Verdes, que compõem a atual coalizão governamental.
“Apresentei preocupações relatadas no Brasil com as violações de direitos humanos associadas ao uso indiscriminado de agrotóxicos”, conta Vasconcelos. “Ressaltei o peso político ruralista e os efeitos disso para leis e políticas públicas, incluindo o lobby que exercem, com o apoio de empresas alemãs, por meio de institutos e confederações.” Os interlocutores e interlocutoras comprometeram-se a pressionar por uma maior transparência da atuação de suas transacionais no Brasil, bem como uma contestação pública do projeto de lei conhecido como “Pacote do Veneno” (PL 1.459/2022).
A resistência à proposição, encabeçada pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, conseguiu evitar a votação no plenário do Senado este ano. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e pelos senadores/as da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).
Agenda com ministérios
Pedro Vasconcelos também se reuniu com representantes de três ministérios alemães: Agricultura (BMEL), Relações Exteriores (AA) e Cooperação e Desenvolvimento (BMZ).
Aproveitando a presença de responsável pelo Brasil na pasta alemã de Relações Exteriores, o representante abordou o estado do direito à alimentação e à nutrição adequadas e os impactos dos agrotóxicos altamente perigosos no país.
“Fomos questionados sobre eventuais aplicações errôneas das substâncias tóxicas e sobre a necessidade de regular isso. Argumentamos que estamos em processo de regular práticas como a pulverização aérea, mas que a responsabilidade também é de quem exporta substâncias perigosas sabendo como elas são utilizadas”, relata o assessor.
“Ressaltamos que o problema geral está relacionado ao modelo agroexportador, exigente em insumos e com impactos severos no meio ambiente e na saúde. Este modelo gera benefícios e prejuízos desiguais entre Norte e Sul global, levantando questões fundamentais de justiça e responsabilidade. Desta constatação reafirmamos a importância de levar adiante e incentivar transições justas nos sistemas alimentares.”
Regulação das transnacionais
O assessor de Advocacy também participou, na Suíca, de discussões voltadas à criação de um instrumento legalmente vinculante (LBI) que regule internacionalmente as relações entre empresas, principalmente transnacionais, e os direitos humanos. Leia mais.
Parlamentares derrubaram canetada do presidente Jair Bolsonaro contra o reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) na LDO. Decisão deve garantir R$ 1,5 bilhão a mais em 2023
Em votação nesta quinta-feira (15), o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro à emenda que tinha incorporado o reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A decisão abre caminho para que o programa receba, em 2023, ao menos R$ 1,5 bilhão a mais, totalizando R$ 5,5 bilhões.
“É uma vitória coletiva, resultado da mobilização de dezenas de organizações ligadas ao Observatório da Alimentação Escolar [ÓAÊ]”, comenta o assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos. “Também confirma a sensibilidade da maioria dos e das parlamentares à prioridade absoluta para as crianças e adolescentes expressa na nossa Constituição. Comida de verdade na escola é indispensável para a saúde e o pleno desenvolvimento dos indivíduos.”
O ÓAÊ conduziu, ao longo do ano, a campanha “Derruba Veto, Reajusta Pnae” para confirmar a reposição dos 34% de perda inflacionária desde 2017 que o projeto aprovado pela LDO contemplava. Agora, como a possibilidade foi acenada pelos parlamentares e pela equipe de transição, a ideia é buscar a ampliação da verba.
“Importante celebrar esta conquista, sem esquecer que o valor ainda não é suficiente para recompor o poder de compra que o Pnae tinha em 2010, quando viveu seu melhor momento”, pontua a coordenadora do observatório, Mariana Santarelli. “Só para acompanhar a inflação dos alimentos precisaríamos de um total de R$ 7,9 bilhões. Está em tempo de o novo governo e o Congresso Nacional darem ao enfrentamento da fome seu devido lugar com mais recursos para a alimentação escolar.”
O relator-geral do Orçamento 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), divulgou na terça relatório que registra acréscimo de R$ 1,5 bilhão à verba do Pnae para o ano que vem.
Castro recebeu ontem as 7.390 assinaturas registradas em petição pública pela derrubada do veto de Bolsonaro e pelo aumento na verba da alimentação escolar. O senador ouviu representantes da FIAN Brasil, da Ação da Cidadania, da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e do Instituto Alana. Ele entregou o documento da sociedade civil ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Lançado oficialmente em fevereiro de 2021, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) é resultado da ação coletiva de organizações da sociedade civil e movimentos sociais engajados na defesa do direito à alimentação escolar.
O ÓAÊ visa ampliar a visibilidade e mobilização e promover o monitoramento do Pnae a partir da formação de uma ampla rede de ação compartilhada que atualmente conta com 18 organizações da sociedade civil, movimentos sociais e redes de pesquisa. Tem hoje, em sua secretaria executiva, a FIAN Brasil e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
Milhões de brasileiros são afetados pela insegurança alimentar. Conversamos com Pedro Vasconcelos Rocha, da FIAN Brasil, sobre a agricultura no Brasil e o lobby brasileiro e alemão dos agrotóxicos.
Por Mareike Bödefeld e Almudena Abascal
O que você espera de uma proibição de exportação de agrotóxicos da Alemanha ou da Europa? Que efeitos positivos tal proibição teria sobre o povo do Brasil, especialmente os trabalhadores rurais e as comunidades indígenas ou quilombolas?
Em primeiro lugar, para nós é um sinal positivo de igualdade de tratamento, porque nós, brasileiros, pegamos doenças dos agrotóxicos assim como os europeus. A afirmação das empresas de que são necessários mais agrotóxicos para uma agricultura bem-sucedida nos países tropicais do que nos países europeus não é eficaz. O solo contaminado acaba por contaminar também os europeus, pois os produtos produzidos no solo são exportados para a Europa. Não é fácil para os europeus determinar quais ingredientes invisíveis acabam em seus pratos. No entanto, foi comprovado que o [queijo] grana padano italiano, por exemplo, contém vestígios de agrotóxicos do Brasil. Os animais de onde vem o presunto espanhol foram alimentados com soja brasileira, para a qual provavelmente foram usados agrotóxicos além da engenharia genética. A decisão de interromper em breve a exportação de agrotóxicos proibidos para outros países, anunciada pelo governo alemão, é, portanto, crucial. Porque as empresas alemãs Bayer e Basf estão na vanguarda do comércio de agrotóxicos. No Brasil, eles simbolizam um comércio eticamente questionável. Um comércio que só funciona com violência e pulverização de agrotóxicos do ar. As pessoas nas proximidades dos campos cultivados com produtos da Bayer ou da Basf sofrem consequências para a saúde, como deformidades genéticas ou câncer. E não são as únicas empresas atuantes no Brasil.
Lobby alemão no Brasil?
No Brasil, o instituto Pensar Agro – com o apoio financeiro de empresas alemãs – promoveu mudanças na legislação ambiental brasileira. A meu ver, os lobistas alemães estão tentando influenciar o pacote de legislação brasileira sobre venenos (PL 6.299). Eu queria obter mais informações sobre isso na Alemanha, mas infelizmente não deu certo.
A FIAN Brasil espera que a Alemanha apresente uma proposta mais ambiciosa para a proibição de exportação de agrotóxicos, uma proposta que sinaliza compromisso e responsabilidade ética. Em geral, pedimos mais transparência em relação às vendas e exportações desses produtos. Alguns produtos não são regulamentados na Alemanha. Precisamos saber quais substâncias não são regulamentadas na Alemanha para poder regulá-las no Brasil, se necessário. Porque não sabemos o que os produtos podem fazer aqui ou como serão usados posteriormente. Gostaríamos de saber dos parlamentares alemães como eles conseguiram regulamentar certos agrotóxicos na Alemanha para aprender com eles para nosso trabalho de lobby no Brasil. O uso de agrotóxicos, a legislação ambiental e a mineração em territórios indígenas estão sendo flexibilizados aqui.
Também é importante para nós se as proibições se aplicam apenas a produtos agrotóxicos acabados ou também a ingredientes ativos individuais. O Brasil tem capacidade de produção própria: ou seja, se apenas os produtos acabados forem proibidos e os ingredientes ativos continuarem sendo exportados, isso não nos ajuda muito. Os problemas ambientais causados pelos produtos também devem receber maior reconhecimento.
Quando há problemas ou danos, as empresas alemãs dizem que os agricultores brasileiros não estão usando seus produtos adequadamente. Mas na realidade eles vendem produtos que são pulverizados do ar como armas químicas em indígenas, por exemplo. Esses ingredientes ativos agora podem ser encontrados em nossos rios e em nossa água potável. Também aqui na Alemanha existem responsáveis que realmente sabem que as substâncias são prejudiciais à saúde e, portanto, foram proibidas aqui.
Também trabalhamos a questão da responsabilidade corporativa, especialmente das empresas transnacionais que atuam no Brasil e no mundo. Junto com a sociedade civil brasileira, estamos trabalhando no Projeto de Lei 572/22, lei da cadeia produtiva brasileira que propõe um acordo entre direitos humanos e negócios, com foco em empresas transnacionais. O lobby empresarial no Brasil é muito poderoso e está tentando barrar o projeto. Fazemos networking com outros latino-americanos e internacionais, por exemplo, atores asiáticos. A União Europeia sinalizou que adotará uma postura de apoio. Uma proposta sobre cadeias de abastecimento livres de desmatamento também está sendo discutida. É importante que as questões de indenização e reparação sejam claramente definidas, não como no caso do Rio Doce, por exemplo, em que os responsáveis ainda são procurados até hoje. Os princípios fundamentais são: prevenção, transparência, reparação e não reincidência. A consulta aos povos indígenas deve ser uma diretriz. Assim, com toda a pressão, o debate sobre a responsabilidade pode ter algum sucesso afinal. As preocupações com a prestação de contas não devem ser apenas uma questão do Sul Global.
Qual é o estágio da implementação de uma política nacional de redução de agrotóxicos no Brasil?
Fizemos uma luta e uma grande coalizão contra a iniciativa legislativa 1.459/22 (o “Pacote do Veneno”, como chamamos) e pedimos apoio internacional. Os relatores especiais da ONU sobre o impacto de substâncias tóxicas e resíduos nos direitos humanos, Marcos Orellana, e sobre o direito à alimentação, Michael Fakhri, viam o projeto com grande preocupação em um comunicado. A lei flexibilizaria a legislação brasileira – ainda que o Brasil já tenha aprovado um número recorde de agrotóxicos nos últimos anos. A informação sobre substâncias cancerígenas e desreguladoras do sistema endócrino deve ser removida do registro e apenas uma categoria de risco deve ser utilizada. O nome “agrotóxico” também deve ser alterado para “produto fitossanitário”. Não há revisão regular dos registros, então existe o risco de que os agrotóxicos sejam liberados indefinidamente. Expressamos repetidamente a nossa preocupação com esse pacote legislativo e, mais recentemente, nós o submetemos à Comissão da Agricultura. Ao mesmo tempo, vemos na Câmara dos Deputados uma redução gradativa do financiamento da agroecologia.
Por que a agroecologia é uma alternativa e como ela pode ser fortalecida?
Com o slogan “O agro é pop”, uma certa visão de como a agricultura deve ser feita é popularizada. Esse modelo agrícola gera renda para poucos no Brasil e certamente não alimenta a população brasileira. Atualmente, 33 milhões de brasileiros vivem em grave situação de insegurança alimentar. Cento e vinte e cinco milhões de brasileiros são afetados por algum tipo de insegurança alimentar. Famílias com filhos são particularmente dependentes do programa de merenda escolar já mencionado. Para muitas crianças brasileiras, a alimentação escolar é a única refeição do dia. Como na escola tem o que comer, conseguimos manter alto o nível de alfabetização e frequência escolar. É claro que é um problema sério quando uma criança vai para a escola só porque está com fome. Agro não é pop. Não alimenta a população brasileira. O agronegócio ganha dinheiro nas costas da população.
A sociedade civil brasileira insiste, portanto, num modelo agrícola diferente: a agroecologia. A agroecologia trata bem a agricultura e o solo e atua de forma ambientalmente responsável. Nas mais diversas regiões do país, as pessoas estão lidando com novos modelos agrícolas e estabelecendo redes. Os povos indígenas estão lutando com a questão da agrofloresta. Vale destacar o movimento Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra [MSTR], que são os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina. Seria ótimo se tivéssemos ainda mais apoio nacional e internacional para esse projeto. Porque o Brasil não tem uma política agroecológica forte há muito tempo. Durante os governos do PT houve iniciativas de planos nacionais – mas acabaram falhando na implementação. Em princípio, preferia-se um modelo agrícola diferente, mas algumas medidas a favor dos pequenos produtores poderiam ser implementadas.
Deve haver mais foco no meio ambiente e no envolvimento de quem cuida dele.
Conte-nos um pouco mais sobre a merenda escolar brasileira.
Temos feito muito lobby no Congresso Brasileiro para o programa estadual de alimentação escolar, o Programa Nacional de Alimentação Escolar [Pnae], e como resultado temos conseguido muita atenção da mídia.
O programa existe desde a década de 1960 e é um modelo para muitos outros países. Porque: 40 milhões de crianças e jovens são alimentados em instituições de ensino estaduais com refeições gratuitas que fortalecem seu desenvolvimento biopsicossocial. O programa foi regulamentado pela sociedade civil no passado e tivemos acesso ao Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
O resultado da nossa luta foi, entre outras coisas, que desde 2009 o estado se comprometeu a comprar pelo menos 30% dos alimentos para a merenda escolar dos pequenos produtores. A alimentação entregue nas escolas também deve ter uma ligação cultural com a região, de acordo com a legislação do programa. Os especialistas decidem o que as crianças e os jovens vão comer. Por exemplo, o lobby do leite gostaria de se envolver – isso faz sentido para regiões com muito gado leiteiro, mas não para a região amazônica, porque como o leite deveria ser entregue em grandes quantidades aqui? Não dá para levar comida do sul do Brasil que não tem ligação com uma comunidade indígena da Amazônia.
Os tempos mudaram nos últimos anos, especialmente sob o governo Bolsonaro: o Brasil sofre atualmente com uma inflação alta. A insegurança alimentar é um grande problema. Mesmo antes da guerra na Ucrânia e antes da pandemia, alimentos agroecológicos bons, orgânicos, de alta qualidade e de produção familiar eram caros. Recentemente, faltou dinheiro e vontade política para implementar esse gigantesco programa de merenda escolar. Os alimentos regionais e saudáveis foram então trocados, de modo que hoje nossas crianças e jovens às vezes comem alimentos ultraprocessados ou apenas biscoitos, que podem causar doenças crônicas, entre outras coisas.
Como o senhor vê o acordo UE-Mercosul?
Para nós, é uma prioridade abordar o acordo UE-Mercosul a partir de uma perspectiva de direitos humanos. Tanto quanto sabemos, existe um princípio no direito internacional que diz que os direitos humanos têm precedência sobre outros tipos de tratados. Quando se propõem esses tipos de tratados bilaterais e multilaterais, corre-se o risco de que a ambição envolvida leve ao esquecimento deste princípio. Portanto, no UE-Mercosul, estamos lidando com direitos humanos e padrões ambientais muito baixos. Por exemplo, identificamos a questão da proibição da exportação de agrotóxicos proibidos na União Europeia como uma condição importante para o andamento desse tratado. A tendência do acordo até agora é aumentar ainda mais as exportações de agrotóxicos da Europa para a América Latina, inclusive os proibidos aqui. Este contrato foi feito dentro do atual modelo dominante de agricultura industrial e produção de commodities. O contrato reduz os requisitos ao mínimo. Há uma boa chance de que esse tratado seja ratificado pelo novo governo do Brasil – um governo que tem maior interesse em uma posição internacional privilegiada.
Novo governo Lula da Silva
Nos governos anteriores de Lula [2003-2011] houve um pacote de medidas com propostas econômicas e fiscais, que incluíam também a segurança alimentar e o salário mínimo. Sob Bolsonaro, o único pacote era o subsídio ao gás, que vence no final do ano.
Sob Lula havia um ministério da agricultura de exportação [Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – Mapa] e um do Desenvolvimento Agrário [MDA], no qual a agroecologia também era promovida. Esse ministério já foi dissolvido no governo Temer. No processo de transição, Lula criou três grupos de trabalho: um sobre povos indígenas e tradicionais; um sobre agricultura, do qual participam representantes do agronegócio, e o terceiro sobre desenvolvimento agrícola, tendo como participantes sindicalistas e movimento sem-terra.
274 grupos da sociedade civil do Sul Global: sim à proibição alemã de exportação de agrotóxicos proibidos pela UE
Em nome de 274 grupos da sociedade civil de 54 países do Sul Global, a PAN Ásia-Pacífico (Panap) e a FIAN Brasil apresentaram uma carta ao ministro da Agricultura alemão, Cem Oezdemir, em apoio à nova legislação planejada pela Alemanha para proibir a exportação de agrotóxicos proibidos pela União Europeia (UE).
As OSCs agradeceram a declaração de Oezdemir “reconhecendo que não é aceitável que a Alemanha continue a produzir e exportar agrotóxicos que foram corretamente proibidos em seu próprio território para proteger a saúde das pessoas e que as pessoas em todo o mundo, incluindo os agricultores, tenham o mesmo direito à saúde”. A elaboração do documento foi resultado das atividades do assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos, na Alemanha.
Os agrotóxicos altamente perigosos (HHPs) que são proibidos na União Europeia podem, no entanto, ser exportados para países fora da UE, ameaçando a saúde e os meios de subsistência das pessoas. Nessas exportações, a Alemanha desempenha um papel relevante, com 8.525 toneladas de substâncias agrotóxicas ativas não autorizadas exportadas apenas em 2021.
“Temos esperado ansiosamente por ações ousadas e decisivas, como esta proposta de proibição de exportação alemã de agrotóxicos proibidos pela UE. Todos os dias, milhões de agricultores estão sendo envenenados desnecessariamente por padrões duplos injustos no comércio de agrotóxicos. Esperamos que os ministros alemães possam atender ao nosso apelo e resistir à pressão da indústria agroquímica”, disse Sarojeni Rengam, diretor executivo da Panap, que enviou a carta em nome dos signatários em 24 de novembro passado.
Um estudo global de intoxicações agudas não intencionais por agrotóxicos mostra que agricultores e trabalhadores rurais no Sul Global estão sofrendo mais com os impactos dos HHPs, com cerca de 180 milhões de agricultores sofrendo de envenenamento por agrotóxicos não fatais no sul da Ásia, seguidos por 55 milhões no Sudeste Asiático e 51 milhões na África Oriental.
Além das intoxicações agudas, os agrotóxicos proibidos pela UE estão ligados a doenças crônicas como o câncer, têm o potencial de perturbar os sistemas endócrinos das pessoas e colocam especialmente em risco os nascituros, as crianças e as mulheres. Alguns desses agrotóxicos também são conhecidos por prejudicar e até eliminar populações de insetos benéficos, o que coloca em risco a biodiversidade, a polinização, o controle natural de pragas e, consequentemente, a segurança alimentar e a saúde das pessoas. Assim, as OSCs instaram a Alemanha a proibir as exportações de agrotóxicos considerados demasiado perigosos não só para a saúde das pessoas, mas também para o ambiente e a biodiversidade.
“Pedimos que proíbam a exportação de todos os agrotóxicos que não são aprovados na União Europeia – não importa se eles são exportados como produtos ou ingredientes ativos. A mera proibição de exportação de produtos agrotóxicos formulados não será suficiente para evitar danos, já que os exportadores poderiam simplesmente mudar para a exportação de ingredientes ativos, que seriam então formulados e usados no país importador”, disse a carta.
“Expressamos nosso apoio e estamos convencidos de que, se a Alemanha mantiver seu compromisso de reduzir os padrões duplos insustentáveis no comércio de agrotóxicos com a nova legislação planejada, estabelecerá um modelo para outros países e regiões seguirem e será um passo importante para reduzir os danos dos agrotóxicos altamente perigosos sofridos por todas as pessoas e pelo planeta, “, concluiu a carta.
Os signatários da carta incluíram parceiros da Panap da Índia, Bangladesh, Vietnã, Filipinas, Camboja, Indonésia, Paquistão, Nepal e Sri Lanka.
Entre 28 de setembro e 1º de outubro, a Cidade do México reuniu advogadas, advogados e ativistas de entidades da América Latina, que atuam nos campos do direito à alimentação e do controle do tabaco, para discutir estratégias legais para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. O evento teve em sua composição os encontros: “V Encuentro Latinoamericano: Estrategias Legales en Alimentación y Salud” e o “XII Taller Legal: Control de Tabaco en América Latina”.
A partir de afinidades temáticas, vivências e enfrentamentos jurídicos comuns ao coletivo, a troca de conhecimento e articulação teve como fio condutor um quadro de análises sobre a realização progressiva de direitos econômicos, sociais e culturais, nos campos do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e do controle do tabaco.
“Esse quadro tem um olhar para a política econômica, para a política fiscal, para o orçamento, para identificar quais atores enfrentam uma carga tributária maior, ou quais são os grupos beneficiados pelas políticas econômicas e fiscais”, explica a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.
Valéria e o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski, contribuíram com as atividades do evento a partir de um chamamento ao debate de propostas que possam potencializar a relação entre a econômica, os aspectos jurídicos e o direito à alimentação.
Para a secretária-geral, “essa relação é muito importante porque, no Brasil, as políticas econômicas têm um impacto muito severo na garantia do direito à alimentação, seja aumentando a fome e facilitando o aumento da obesidade, seja apresentando aspectos racistas, ou acentuando desigualdades”.
A iniciativa é do Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad (Dejusticia), Campaign for Tobacco Free Kids (TFK), Global Health Advocacy Incubator (GHAI), Global Center for Legal Innovation on Food Environments (por meio do O’Neill Institute for National and Global Health Law) e Unión Internacional Contra la Tuberculosis y Enfermedades Respiratorias (THE UNION).
Tabaco e alimentação – Antes, nos dias 26 e 27 de setembro, também na Cidade do México, o encontro “Fortalecimiento de Habilidades Estratégicas para el Trabajo Legal”, buscou fortalecer as habilidades de pensamento estratégico, destacando sua centralidade ao trabalho jurídico; construir conhecimento além das áreas do direito que geralmente são exploradas em profundidade em contextos específicos; e gerar um espaço seguro para a inovação, permitindo explorar ideias desafiadoras do ponto de vista jurídico.
Iniciativa do Global Center for Legal Innovation on Food Environments por meio do O’Neill Institute, o workshop se dedicou ao tema de evidências e observou estudos de casos de países da América Latina, como o Brasil. “Foi importante ouvir e conhecer a experiência dos vários países. A partir do compartilhamento das estratégias locais, o grupo pôde fazer comparativos e pensar sobre quais tipos de ações judiciais, estratégias de litigância e de incidência, no campo do tabaco, podem ser adotadas no campo da alimentação”, finalizou Valéria.
Integrantes e parceiras do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) pedem que Congresso reveja canetada do presidente que cancelou reajuste de 34% para o Pnae, primeiro desde 2017
“Derruba veto, reajusta Pnae”. Esse é o mote da campanha lançada na terça-feira (6) pela sociedade civil para que o Congresso Nacional aprecie – e rejeite – a medida do presidente Jair Bolsonaro (PL) que cancelou a primeira recomposição do orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Os 34% representam a inflação acumulada desde 2017.
A mobilização organizada pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) pede que o presidente do Senado (e do Congresso), Rodrigo Pacheco (PSD), convoque a sessão que pode restabelecer o texto aprovado pelos próprios deputados/as e senadores/as na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
“O Parlamento mostrou sensibilidade diante dessa que é a principal política de segurança alimentar e nutricional para crianças e adolescentes, e agora as lideranças precisam acionar suas bancadas de novo para que a votação de agosto não se torne página virada”, diz a consultora técnica do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Giorgia Russo. “Dezenas de organizações estão com a gente para reivindicar isso. É importante a comunidade escolar como um todo – estudantes, familiares, educadoras e educadores, merendeiras e merendeiros – se mobilizar, além de assinar a petição que está aberta.”
A nutricionista lembra que, para grande parte dos estudantes da educação básica pública, o programa garante o prato mais adequado e saudável do dia, e que, com a inflação defasando os valores per capita repassados pelo governo federal – que já eram insuficientes –, muitas escolas podem tirar ou reduzir do cardápio os alimentos in natura ou minimamente processados, recomendados como base da alimentação saudável pelo Guia Alimentar para a População Brasileira.
Ao justificar seu veto, o presidente argumentou que destinar mais recursos ao Pnae poderia drenar verbas de outros programas e estourar o “teto de gastos” do Poder Executivo previsto pela Emenda Constitucional 95. Ele repetiu essa negligência com os pratos de 40 milhões de estudantes ao enviar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em 31 de agosto, com um valor para o Pnae inferior a R$ 4 bilhões (R$ 3.961.907.292,00), praticamente o mesmo de 2022 e da LDO depois do corte.
“Esse argumento da ‘rigidez orçamentária’ e da ‘contrariedade ao interesse público’ não para em pé”, comenta o analista de Políticas da ActionAid, Francisco Menezes. “O equilíbrio fiscal não deve ser feito à custa das pessoas mais vulneráveis, e é isso que temos visto acontecer nos últimos anos”, aponta Menezes, que presidiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
O economista ressalta que o contexto da fome só se agrava: “O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil [VigiSAN] mostra que, de 2020 para 2022, a insegurança alimentar grave em domicílios com crianças menores de 10 anos praticamente dobrou, subindo de 9,4% para 18,1%.”
Sobre o observatório
Fundado em fevereiro de 2021, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) resulta de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do Pnae. Sua secretaria executiva é hoje formada pela FIAN Brasil e pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
O comitê consultivo reúne 16 entidades. Ao lado da ActionAid e do Idec, é composto por: ACT Promoção da Saúde, Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Comissão de Presidentes de Conseas Estaduais (CPCE), Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Fase – Solidariedade e Educação, Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Rede de Mulheres Negras para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Redessan) e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).
Em contexto de inflação e agravamento da fome, programa fica sem reajuste pelo quinto ano consecutivo; proposta será analisada pelo Congresso, enquanto sociedade civil pressiona por mais recursos
O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou de prever reajuste ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) ao apresentar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o Congresso Nacional na quarta-feira (31). A versão enviada ao Legislativo mantém o represamento das verbas destinadas ao Pnae, que não são corrigidas desde 2017. O valor indicado no projeto é inferior a R$ 4 bilhões (R$ 3.961.907.292,00) e muito semelhante ao de 2022. O PLOA ainda será analisado pelos deputados/as e senadores/as. Além disso, organizações da sociedade civil pressionam para que haja mais recursos para o programa.
Essa é a segunda vez que Bolsonaro, em menos de um mês, nega-se a atualizar os recursos destinados para a alimentação escolar. Em uma deliberação anterior, ele vetou em 12 de agosto o reajuste aprovado pelos congressistas no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – uma recomposição de 34% que cobria a defasagem dos últimos cinco anos. Ao justificar, na ocasião, o presidente argumentou que destinar mais recursos à alimentação escolar poderia drenar verbas de outros programas e estourar o “teto de gastos” do Poder Executivo previsto pela Emenda Constitucional nº 95[1]. Dezenas de organizações estão mobilizadas pela derrubada do veto, que depende de apreciação convocada pelo presidente do Congresso Nacional (e do Senado), Rodrigo Pacheco (PSD).
As decisões de Bolsonaro atingem em cheio uma das principais políticas públicas voltadas a garantir o direito humano à alimentação e nutrição adequadas, em um contexto no qual 33,1 milhões de pessoas passam fome diariamente no país, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil[2].
A alimentação escolar adequada é fundamental para um expressivo número de famílias brasileiras nessa situação. Para boa parte delas, as refeições na escola são a principal fonte de comida saudável de seus filhos. Estima-se que quase 40 milhões de estudantes são atendidos atualmente pelo Pnae[3] e que a insegurança alimentar grave, quando não se sabe o que haverá para comer de um dia para o outro, saltou de 9,4% das crianças de até 10 anos de idade em 2020 para 18,1% em 2022[4].
Além disso, a garantia da alimentação e nutrição adequadas está associada ao desenvolvimento cognitivo e permanência na escola para milhões de estudantes.
“Ao conjugar segurança alimentar, acesso à educação, desenvolvimento local e garantia de desenvolvimento biopsicossocial para as próximas gerações, a alimentação escolar é um exemplo de política pública que traz em seu desenho a própria definição de interesse público”, afirma a assessora de Segurança Alimentar do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Gabriele Carvalho, que coordena o projeto Equidade e Saúde nos Sistemas Alimentares, iniciativa da FIAN Brasil com foco nas compras públicas.
O ÓAÊ é uma articulação de organizações da sociedade civil para fiscalizar o cumprimento do Pnae e tem como secretaria executiva a FIAN Brasil e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
Alimentação saudável
Ao mesmo tempo que protege da fome crianças de adolescentes de famílias mais socialmente vulneráveis, o Pnae é uma importante fonte de renda para a agricultura familiar. A lei que estabelece o programa[5] prevê que 30% do valor repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) deve ser utilizado para a compra direta dessa modalidade de produção rural.
A agricultura familiar é a principal responsável pela produção de boa parte dos principais alimentos in natura consumidos pela população brasileira. Responde por 80% do valor da mandioca produzida, 42% do feijão e algumas frutas, como 69% do abacaxi, de acordo com informações do último Censo Agro realizado pelo IBGE[6].
“O fornecimento de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar garante renda para diversas famílias de agricultoras e agricultores em todo o país. É uma ferramenta essencial para a garantia do direito à alimentação, sobretudo da alimentação saudável, indissociável à garantia de outros direitos, como o próprio direito à educação”, acrescenta Carvalho.
Por que corrigir
O reajuste vetado por Bolsonaro é cerca de 15 vezes inferior ao que foi sancionado para a execução de emendas de relator, também conhecidas como “RP9” ou “orçamento secreto”. Ou mais de 30 vezes inferior ao impacto orçamentário da PEC 1/22, que determina um conjunto de benefícios temporários, ao longo de 2022, e são entendidos pelo governo como necessários em um estado de emergência.
“Se existiu no passado recente a possibilidade de crédito extraordinário para viabilizar o atendimento a situações emergenciais, consideramos pertinente trazer também esta possibilidade para a alimentação escolar – que não é uma inimiga do orçamento público, muito pelo contrário: é um instrumento poderoso de combate a emergências”, afirma o assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos.
“Os e as parlamentares demonstraram sensibilidade para o tema, tanto que o reajuste fez parte de um acordo entre diversos partidos. Acreditamos que vão ouvir a sociedade e derrubar esse veto, evitando que essa vitória do direito à alimentação seja cancelada por uma canetada”, conclui.
ÓAÊ critica veto à LDO que barrou reajuste de 34% e pede que Congresso derrube decisão
O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) publicou manifestação em que lamenta profundamente o veto do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao reajuste de 34% aprovado pelo Congresso Nacional para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A entidade pede que os e as parlamentares derrubem essa decisão – a análise dos vetos presidenciais é uma prerrogativa do Poder Legislativo.
Em seu artigo 25, parágrafo 3°, o projeto para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na redação votada pelos deputados/as e senadores/as, reajusta os valores per capita do Pnae pela inflação (IPCA) acumulada desde a última atualização (2017).
“A aprovação desse artigo pelo Congresso Nacional foi resultado de forte pressão da sociedade civil, e do compromisso de parlamentares de diferentes partidos, mobilizados em função da perda do poder de compra do Pnae, diante da crescente inflação dos alimentos”, ressalta o documento.
O texto acrescenta que, num cenário em que 33 milhões de brasileiros/as passam fome, a medida demonstra a total falta de compromisso desse governo com estudantes e famílias em todo o país. “A insegurança alimentar grave (fome), em domicílios com crianças menores de 10 anos, subiu de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. A essas crianças, que têm na alimentação escolar uma das mais importantes refeições do dia, está sendo negado o direito à alimentação.”
Saiba mais em nota técnica elaborada com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).
Para saber o quanto seu estado ou município deixará de receber caso o veto de Bolsonaro não seja derrubado, multiplique por 0,34 o valor transferido, em 2022, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola (FNDE).
Essa informação você encontra aqui: https://www.fnde.gov.br/sigefweb/index.php/liberacoes
Sobre o observatório
Fundado em fevereiro de 2021, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) resulta de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Sua secretaria executiva é hoje formada pela FIAN Brasil e pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
O comitê consultivo reúne 12 entidades: ActionAid, Aliança por uma Alimentação Adequada e Saudável, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Comissão de Presidentes de Conseas Estaduais (CPCE), Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Rede de Mulheres Negras para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).
Povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais, organizações e coletivos de direitos humanos junto a Frente Parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, enviaram um ofício às Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), pedindo a revogação urgente da recente Resolução Conjunta 01/2022, que regulamenta a consulta prévia, livre e informada no Estado.
Na avaliação coletiva, a proposta de resolução foi construída sem participação popular e viola diretamente diversos aspectos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao criar diretrizes de como a consulta deve ser realizada aos povos tradicionais, quando houver medidas públicas e privadas que impactem seus modos de vida e territórios.
A Convenção 169 da OIT é um tratado de direitos humanos que foi ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003 e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004, revogado pelo Decreto 10.088/2019. A Convenção garante a proteção e salvaguarda dos direitos de povos e comunidades tradicionais, garantindo-lhes, dentre outros, o direito à autoatribuição, o direito à consulta e à participação na tomada de decisões que possam trazer impactos ao seu modo de vida, às suas terras e territórios.
Em avaliação coletiva, a sociedade civil divulgou nota técnica que destacam as principais violações da resolução conjunta, e um manifesto solicitando a revogação da norma. Após audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na qual representantes da sociedade civil se posicionaram, em unanimidade, pela revogação da medida, foi aberto em nome do Governo de MG uma consulta pública virtual para revisão da Resolução.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, “essa consulta pública é um verdadeiro golpe aos setores sociais, uma vez que procura legitimar uma norma elaborada sem a participação dos povos e comunidades tradicionais do Estado de Minas Gerais, e repudiada pelos próprios interessados. Além do mais, a assessora destaca que “uma consulta pública virtual para consultar povos tradicionais não abarca as necessidades de comunidades que vivem em regiões afastadas do estado e também fere diretamente a Convenção 169 da OIT, ao delimitar ao formato virtual a consulta dos impactados pela resolução.”
Para a deputada Leninha (PT/MG) que integra a Frente parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, que assina o ofício, “a Resolução, em seu cerne, viola brutalmente o direito dos povos e comunidades tradicionais à Consulta Livre, Prévia e Informada, na medida que ela dita um regimento autoritário, excludente e tendencioso para a escuta das populações tradicionais. Nossa crítica à Resolução vai além da violação à Convenção 169, pois ela retira obrigações, responsabilidades do Estado, a quem compete zelar pelos direitos coletivos, e declina-os para os interesses privados de grandes empreendimentos, colocando em risco não só os direitos dos povos mas a própria democracia.” Também assinam o documento os deputados(as), André Quintão (PT/MG), Ana Paula Siqueira (Rede/MG), Andréia de Jesus (PT/MG), Beatriz Cerqueira (PT/MG).
Atualmente segue no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) um procedimento administrativo para apuração dos fatos em volta da resolução conjunta.
Irregularidades
A proposta do governo de Minas foi apresentada em abril deste ano sem nenhum tipo de diálogo com a sociedade civil e pegou de surpresa povos e comunidades tradicionais do estado, diretamente interessados na consulta prévia, livre e informada. Em nota técnica assinada por mais organizações, movimentos sociais e povos tradicionais são apresentadas uma série de irregularidades existentes na Resolução Conjunta. Entre os principais direitos dos povos tradicionais violados estão:
1. Quando delimita que somente os povos tradicionais certificados pela Fundação Cultural Palmares, Funai e CEPCT/MG devem ser consultados;
A autoatribuição e a autodeterminação dos povos, prevista no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção 169 da OIT, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da OEA;
2. Quando garante ao empreendedor privado de contratar, com recursos próprios, assessoria técnica especializada para realização da consulta;
O direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, de acordo com a Convenção 169, as Declarações sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e OEA e a jurisprudência da Corte IDH, sobretudo ao dispor sobre a transferência da obrigação e competência exclusiva do Estado para o empreendedor privado;
3. Quando estabelece prazos para realização da consulta prévia, livre e informada;
A garantia da liberdade religiosa, por ignorar o calendário religioso específico de cada povo e comunidade tradicional, conforme o artigo 5º, VI e VIII da Constituição Federal;
4. Quando estabelece métodos para realização da consulta prévia, livre e informada;
Os direitos dos povos indígenas garante à organização social própria, usos, costumes, crenças e tradições, previstos no artigo 231 da Constituição Federal; A Convenção 169 da OIT garante que os métodos da consulta devem ser delimitados pelos povos tradicionais impactados.
Na avaliação da apanhadora de flores sempre-viva e coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos da Comunidades Extrativistas (Codecex), Tatinha Alves, “embora a medida seja apresentada pelo estado como uma alternativa para garantir a consulta aos povos e comunidades tradicionais, as organizações e comunidades tradicionais destacam que o objetivo central da Resolução é facilitar o estabelecimento de empreendimentos nos territórios tradicionais do estado, atendendo aos interesses de empresas do ramo da mineração, agronegócio, entre outros.”
Impactos aos Povos Tradicionais
O mecanismo da consulta prévia apesar de garantido pela legislação brasileira, frequentemente é violado por empresas e pelo próprio estado. Em Minas Gerais, diversos empreendimentos já foram autorizados sem a realização de consulta prévia aos povos tradicionais.
Na Serra do Curral foi dada à empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) pelo Governo de Minas a permissão para que se instalasse na região sem a consulta à comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que fica em Belo Horizonte e é atualmente integrada por 37 famílias. Este caso teve ação ajuizada contra o estado pelo MPF no dia 20/06 pela falta de consulta à comunidade atingida.
Para a liderança da comunidade quilombola, Makota Kidolaie, “não consultar os povos tradicionais, é um ato violento que ignora a nossa existência. O estado de Minas Gerais, não pode falar por nós e não pode fazer acordos absurdos de medidas compensatórias, em que uma violação legítima a outra. Somos contra esse modelo de consulta, e exigimos respeito e gerência sobre tudo que se diz respeito aos povos tradicionais.”
Na comunidade quilombola Vargem do Inhaí, a cerca de 70km da cidade de Diamantina (MG), cerca de 28 famílias seguem ameaçadas pela perda de seu território pela sobreposição de um parque de conservação ambiental. O território comunitário está inserido na zona de amortecimento do Parque Nacional das Sempre-Vivas, com área de sobreposição de cerca de 6 mil hectares. A medida também foi apresentada sem consulta prévia à comunidade.
Na avaliação da advogada popular do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz, “a resolução limita o alcance do direito de consulta e chega ao absurdo de dizer que em determinados casos se confia na boa fé do empreendedor para dizer se na área de impacto do empreendimento tem ou não povo tradicional. Como que a empresa, maior interessada no empreendimento, é também aquela legitimada a dizer se tem povo a ser consultado ou não? É visível como ela facilita pro empreendedor em detrimento do direito das comunidades.”
Devido à urgência em pensar a conservação ambiental conectada ao desenvolvimento da bioeconomia, a FIAN Brasil e um grupo de parceiros que reúne organizações ambientalistas, movimentos sociais do campo e populações indígenas e tradicionais no Brasil, formalizaram nesta quarta-feira (1º), na Câmara dos Deputados, em Brasília, a criação do Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio).
Tendo na condução o Instituto Socioambiental (ISA); o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN); e o WWF-Brasil, o lançamento aconteceu em parceria com a Frente Parlamentar Ambientalista, com participação de parlamentares, gestores públicos, organizações da sociedade civil, pesquisadores e jornalistas especializados.
O desenho da iniciativa teve início há cerca de seis meses, quando organizações que atuam diretamente na incidência política no Congresso Nacional, em defesa dos direitos de agricultoras/es familiares, de povos indígenas e de povos e comunidades tradicionais, identificaram a necessidade de intensificação da incidência, diante do desvirtuamento da temática em muitas matérias legislativas relacionadas à economia da sociobiodiversidade, gerando confusão sobre o tema no Parlamento e na sociedade.
O Observatório coloca-se neste contexto como um conjunto de atores relevantes e qualificados para enriquecer a discussão sobre desenvolvimento econômico com igualdade social e equilíbrio ambiental ancorado no respeito aos direitos territoriais dos povos. As questões relacionadas à garantia de direitos territoriais e de acesso a conhecimentos tradicionais, possuem uma transversalidade bastante relevante na abordagem do Observatório. Em ano eleitoral, o coletivo busca ser referência no tema às candidaturas presidenciais e regionais, além de fonte às legislaturas e executivos estaduais eleitos.
Crescer e Aprender com Comida de Verdade – pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas na Escola é o nome do projeto que a FIAN Brasil começou em novembro e desenvolverá ao longo deste ano. A iniciativa busca promover esse direito, conhecido pela sigla Dhana, no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A ideia é contribuir para o combate à obesidade infantil e à carência de nutrientes – e, consequentemente, para um desenvolvimento pleno – por meio da restrição gradual aos produtos alimentícios ultraprocessados, da promoção de hábitos alimentares saudáveis e do incentivo a uma maior participação da agricultura familiar no fornecimento para a política pública.
“O Brasil enfrenta uma epidemia de obesidade relacionada, dentre outros fatores, ao aumento no consumo de produtos ultraprocessados pela população, especialmente o público infantil”, explica a coordenadora do projeto, a nutricionista Vanessa Manfre. Ela lembra que, além alto teor de sódio e do excesso de gorduras, açúcar e outras substâncias, esses produtos alimentícios – mais conhecidos como “comida porcaria”, junk food ou “besteiras” – são pobres em nutrientes. “Nesse contexto, o ambiente escolar representa um espaço propício à formação de hábitos alimentares saudáveis desde a infância. A regulamentação do Pnae, publicada recentemente, proíbe a oferta de ultraprocessados para estudantes menores de 3 anos e limita-a para estudantes acima dessa idade, em consonância com o Guia Alimentar para a População Brasileira e seu desdobramento que trata da alimentação para crianças de até 2 anos.”
Com a aprovação da proposta, a FIAN Brasil passa a integrar a equipe brasileira do Food Policy Program (FPP, “Programa de Política Alimentar”, em tradução livre) da Bloomberg Philanthropies, que tem como coordenadora do escopo de advocacy a organização Global Health Advocacy Incubator (Ghai – em tradução livre, “Incubadora de Advocacy da Saúde Global”). A palavra advocacy não tem uma tradução exata em português, mas costuma ser usada no sentido de defesa de determinadas pautas e agendas, tendo como caminhos a difusão de valores na sociedade e a influência sobre tomadores de decisões.
Com base na identificação dos desafios para a boa execução do Pnae, o projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade desenvolverá ações de sensibilização, formação e advocacy entre os atores sociais do programa e o poder público, a fim de fortalecer a estrutura normativa dessa política, para que as escolas possam, efetivamente, promover alimentação e nutrição adequadas aos e às estudantes.
“Especialmente se considerarmos o desmonte brutal da política de segurança alimentar e nutricional [SAN] e o aumento acelerado da extrema pobreza no país, o Pnae tem um importante papel nessa garantia”, ressalta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. “O desenho desse programa, que chama a atenção de outros países do mundo, permite, de um lado, garantir esse acesso e, de outro, fortalecer a agricultura familiar, já que o marco legal determina que parte da alimentação escolar seja proveniente desse setor.” Ela destaca o potencial do conceito de direito humano à alimentação e à nutrição adequadas como base para a execução e o monitoramento do programa.
Desde sua concepção, o Pnae tem por princípio norteador melhorar as condições nutricionais dos estudantes e contribuir, assim, para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a redução dos índices de evasão e repetência, resultando numa melhora na aprendizagem e no rendimento escolar. Isso passa pelo entendimento de que a má nutrição, em suas diversas formas, compromete o desenvolvimento do cérebro e do corpo, temporária ou permanentemente. Já uma nutrição adequada contribui para o bom desenvolvimento fisiológico, cognitivo e também imunológico – dimensão que ganha ainda mais relevância nestes tempos de pandemia. A desnutrição e a obesidade, portanto, são consequências da violação ao direito à alimentação e impedem o acesso a outros direitos, como a educação de qualidade.
Eixos e estratégias
O projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade pretende gerar informação e conhecimento sobre os principais fatores que impedem a execução de uma alimentação escolar pautada pelo Dhana; difundir uma cultura de garantia de direitos, sobretudo esse, na sociedade como um todo; divulgar os riscos de uma alimentação baseada em produtos ultraprocessados; promover a exigibilidade de direitos no contexto do Pnae; incidir politicamente pela garantia das estruturas necessárias e pela institucionalização das práticas que atuam nesse sentido; e contribuir para a construção ou o aprimoramento dos marcos legais ligados a esses objetivos.
As atividades previstas incluem pesquisas e entrevistas; oficinas; produção de publicações, reportagens e vídeos; e reuniões com gestores e funcionários de escolas da rede pública, representantes de administrações municipais e parlamentares. A estratégia passa por uma campanha sensibilizadora com a participação de figuras públicas. Essa frente teve como primeira etapa a criação de uma logomarca, que coube à designer Mariana Henrique, em diálogo com a equipe da FIAN.
A atuação envolverá estreita colaboração com a ACT Promoção da Saúde, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP). Um novo parceiro será o Instituto Desiderata, que também ingressou no Food Policy Program no fim de 2020 com projeto focado na saúde de crianças e adolescentes, em âmbito municipal, no Rio de Janeiro. Parte da produção de conteúdo caberá ao portal jornalístico O Joio e o Trigo.
São parceiros globais no FPP a agência Vital Strategies, a Universidade da Carolina do Norte (UNC) e o Instituto O’Neill, da Universidade de Georgetown (GU).
Na iniciativa, a FIAN Brasil também contará com a parceria da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição (Opsan) da Universidade de Brasília (UnB) e da FIAN Colômbia.
Sobre o Pnae
Popularmente conhecido como merenda escolar, o Pnae tem seis décadas e meia de história e é o segundo maior programa do gênero do mundo, perdendo apenas, em termos quantitativos, para seu equivalente da Índia. Trata-se da única política pública brasileira que tem como pilares a universalização e a gratuidade na oferta de refeições. O programa tem suas bases legais fundamentadas em artigos da Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan) e na Lei da Alimentação Escolar, promulgada em 2009 – que, por sua vez, balizam e fortalecem a compreensão do Dhana nesse ambiente como direito do cidadão e dever do Estado.
Em agosto de 2020 a Fian Brasil completa 20 anos de atividade no Brasil. E para marcar este período de atividades e contribuições às discussões sobre o direito humano à alimentação e sua exigibilidade, a organização prepara uma série de atividades para este primeiro semestre.
As atividades com representantes de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT’s) também continuam neste ano. Além de ações de incidências políticas nacional e internacional, está previsto para maio, em data ainda a ser confirmada, a realização do 5º encontro da Fian com representantes de PCT’s que compõem um grupo de trabalho internacional. Desde 2017, a organização desenvolve trabalho junto a este grupo com o objetivo de apoiar denúncias internacionais sobre as violações de direitos humanos que são submetidos no Brasil.
Ainda em maio, está previsto o lançamento de publicação que traz enunciados jurídicos, ou seja, interpretações de militantes, advogadas e advogados populares sobre temas relevantes para o Dhana, tendo como eixos centrais a agroecologia e terra e territórios. A publicação é uma parceria da Fian Brasil com o Direito Achado na Rua (Direito/UNB), que visa fomentar uma agenda de debate acerca da temática do Dhana sob o ponto de vista das suas experiências de (des)encontro com a via judicial e o sistema de justiça.
Assembleia
Também está prevista para este ano, a realização da 20ª Assembleia Ordinária da Fian Brasil. Na ocasião, além de debater sobre conjuntura e o planejamento trienal, será definida o novo Conselho Diretor da entidade para o triênio 2020-2022.
Incidência
Além destas atividades, a Fian Brasil manterá sua agenda política de incidência nacional e internacional. Em março, a secretária-geral, Valéria Burity participará da 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU e fará reunião com o Secretariado Internacional da Fian.
“A Fian Brasil participará da semana em que serão discutidos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tratando de temas relevantes para o Dhana e apresentando dados do Informe Dhana 2019, com atualizações, pois entendemos que é o instrumento muito importante, neste momento de desmonte do estado, de destruição da natureza e também de muitas vidas, a incidência internacional.”
Foto: Arquivo/ Audiência Pública na Câmara dos Deputados sobre direitos dos PCT’s. Crédito: Acervo ISPN.
No dia 28 de janeiro, a Fian Brasil recebeu a visita do diretor do Departamento de Pesquisa e Estudos e também coordenador de projetos da organização GREAT (Groupe de Recherche en Économie Appliquée et Théorique), Boubacar Bougoudogo. A organização é localizada no Mali, continente africano.
A visita de Boubacar ao Brasil, teve como objetivo conhecer as experiências de organizações não-governamentais brasileiras que atuam com foco em incidência política nacional e internacional e a construção de redes e mobilização popular.
Participaram da reunião com Boubacar na Fian Brasil, a secretária-geral da organização, Valéria Burity, a assessora de direitos humanos, Nayara Côrtes, e, Alexandre Ciconello, International Budget Partnership (IBP).
Incidência. Este é um termo muito comum na atuação e universo das organizações não-governamentais que atuam, principalmente, pela defesa dos direitos humanos. No caso da FIAN Brasil, a incidência, junto com articulação, formação e produção de conhecimento, é um dos seus eixos de atuação. Mas afinal, o que é essa tal de incidência?
Incidência é o ato de criar pressão frente aos poderes públicos nacionais e internacionais, a partir de demandas das organizações da sociedade civil organizada, com o propósito de garantir o acesso e qualificação das políticas públicas.
Com 16 anos de atuação no Brasil, a FIAN tem desenvolvido ações para exigir a realização dos direitos humanos, em especial do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), direito que engloba diversos elementos como: Segurança Alimentar e Nutricional, Adequabilidade, Soberania Alimentar, Gênero e Nutrição. Neste sentido, diversos temas relacionados ao DHANA e aos direitos humanos, bem como segmentos em situação de vulnerabilidade, em geral, são priorizados na atuação da organização, a exemplo de: terra e território, combate aos agrotóxicos, impactos de mega projetos sobre direitos humanos, consumo de alimentos, publicidade infantil e povos e comunidades tradicionais e direitos das mulheres.
“Tendo como base o trabalho de acompanhamento de casos concretos de violações de direitos a FIAN Brasil busca, a partir de sua experiência específica, incidir de maneira geral sobre políticas públicas, leis e jurisprudência (decisões judiciais reiteradas sobre um tema) ou decisões judiciais, buscando atuar em favor não apenas dos sujeitos de direitos dos casos concretos acompanhados, mas de outros indivíduos e grupos que são afetados e impactados pelas mesmas ações”, informa a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.
O trabalho no âmbito da incidência realizado pela FIAN Brasil tem como base a experiência desenvolvida em conjunto com o Secretariado Internacional da FIAN e contribuições de outras seções, coordenações e membros da FIAN Internacional. “O trabalho da FIAN tem como objetivo apoiar a luta da sociedade civil em seus esforços para tornar efetivas as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover o DHANA, como instrumento contra a fome, a má nutrição e a alimentação inadequada, no contexto da promoção da equidade e da dignidade humana”, destaca Valéria Burity.
Atualmente, a FIAN Brasil realiza dois acompanhamentos de casos: povo indígena Guarani Kaiowá (MS) e território quilombola de Brejo dos Crioulos (MG). O acompanhamento de casos, é uma das principais ações da FIAN Brasil, a partir deste acompanhamento é possível tornar visíveis as violações do DHANA e demais direitos nestas comunidades e apoiar a lutas dos grupos afetados com as violações e violências.
Caso Guarani e Kaiowá
Um dos casos mais emblemáticos de violações de direitos no Brasil, é o dos povos indígenas Guarani e Kaiowá que, desde 2005, são acompanhados pela FIAN Brasil. “A FIAN não é uma organização indigenista, no entanto atuamos, fortemente, por meio de incidência juntos aos órgãos nacionais e internacionais visando fortalecer a luta dos grupos que têm seus direitos violados”, aponta Valéria Burity.
Os Guarani e Kaiowá são o segundo maior povo indígena do Brasil atualmente, com cerca de 50 mil habitantes que se concentram principalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Expulsos de suas terras pelo avanço da colonização promovida pelo Estado Brasileiro principalmente após a Guerra do Paraguai, os Guarani e Kaiowá vivem, em sua maioria, em reservas criadas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) no início do século XX.
Além dos que estão em centros urbanos, a maioria dos indígenas vive em três situações: minoria em terra demarcada; grande maioria nas reservas, onde estão os piores indicadores de violência, desnutrição e suicídio; e outra parcela está em acampamentos de beira de estrada ou em áreas de retomadas, isto é, ocupando partes de fazendas que se sobrepõem aos seus territórios tradicionais, em situação de conflito. Geralmente, os Guarani e Kaiowá encontram-se cercados por monoculturas de cana e grãos que demandam uso intensivo de agrotóxicos. Há muitas denúncias sobre contaminação de água. Também há denúncias de que as comunidades são, intencionalmente, alvos de pulverização de agrotóxicos.
Os conflitos entre os representantes dos setores do agronegócio e as comunidades indígenas são graves, persistindo os despejos e o assassinato de lideranças como reação à luta pelo Tekohá (lugar onde se é). Desde o assassinato de Marçal de Souza, em 1983, foram mortos dezenas de líderes, sendo que alguns nunca tiveram seus corpos encontrados, como é o caso de Nísio Gomes, do Tekohá Guaiviry. Além do assassinato de lideranças, centenas de mortes decorrem dos conflitos pela terra. Em 2014, o Mato Grosso do Sul concentrava 54,8 % dos assassinatos contra povos indígenas no país. Apesar da abertura, em alguns casos, de processos judiciais, não há ninguém preso em razão das mortes das lideranças indígenas no Mato Grosso do Sul.
“O contexto de violações de direitos do povo Guarani e Kaiowá está associado à ausência de demarcação de seus territórios tradicionais, mas também à omissão do Estado em relação à segurança pública, saúde, alimentação, educação, questões ambientais, justiça e promoção de outras políticas públicas que permitam tal povo viver de acordo com sua identidade cultural”, pondera Burity.
A FIAN Brasil em parceria com o CIMI – Conselho Indigenista Missionário lançou, em agosto de 2016, a pesquisa “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”, que apresenta um diagnóstico sobre as mais diversas violações de direitos humanos relacionadas à atual situação dos Guarani e Kaiowá. A pesquisa comprovou que, nas comunidades pesquisadas, o índice de insegurança alimentar e nutricional deste povo indígena era de 100%.
Incidência Internacional
Delegação brasileira em agenda de incidência internacional, na imagem representantes da FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI, APIB e Aty Guassu.
No acompanhamento do caso dos Guarani e Kaiowá, a incidência política tem sido um dos principais eixos para denunciar as graves violações de direitos humanos cometidas contra estes povos.
A exemplo da importância do papel da incidência internacional, a FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI e liderança Aty Guassu Guarani e Kaiowá participaram, em setembro de 2016, de uma Gira pela Europa com o objetivo de denunciar o Estado brasileiro sobre as violações de direitos humanos contra os Guarani e Kaiowá.
Na rota das organizações estiveram países como Alemanha, Bélgica, Suíça, Suécia, Inglaterra. Na agenda, foram apresentadas as principais denúncias de violações contra os povos indígenas brasileiros, como o diagnóstico realizado pela FIAN Brasil que aponta a grave situação nutricional dos Guarani e Kaiowá.
Além de reuniões com parlamentares alemães e do Europarlamento e organizações internacionais, também foram realizados debates com a sociedade sobre a situação dos povos indígenas brasileiros. Ainda na visita, a delegação participou, no dia 20 de setembro, da 33ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) em Genebra, onde a Relatora Especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou o relatório da missão ao Brasil com conclusões e recomendações visando à superação do quadro de violações dos direitos humanos dos povos indígenas. No dia seguinte à apresentação do relatório, organizações e representantes indígenas do Brasil se reuniram em Genebra para analisar a apresentação do documento, que contou também com a participação da Relatora Especial da ONU.
Alguns meses depois desta ação de incidência internacional, já apareceram os primeiros resultados do trabalho
– Resolução do Parlamento Europeu
Em 24 de novembro de 2016, o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena” e “deplora” a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas. A resolução norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.
– Visita do Parlamento Europeu no Brasil
Após a visibilidade internacional da situação dos Guarani e Kaiowá, em dezembro de 2016, uma missão do Parlamento Europeu esteve no Brasil para uma diligência ao Mato Grosso do Sul, com o objetivo de verificar denúncias de mortes, ameaças e ataques contra as comunidades indígenas.
– Revisão Periódica Universal (RPU)
Audiência Pública sobre a RPU na Câmara dos Deputados.
Um outro tema abordado na incidência internacional, durante a Gira pela Europa, está relacionado com a RPU. Em maio de 2017, o Brasil será submetido pela terceira vez à Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Este é um mecanismo pelo qual os Estados-membros da ONU são avaliados por seus pares quanto à situação de proteção aos direitos humanos no país.
– Petição internacional
A Assembleia Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowáprotocolou online, no dia 6 de dezembro, uma petição à CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). A denúncia contra o Estado brasileiro protocolada na CIDH é apresentada pelo Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Fian Internacional, Fian Brasil e Justiça Global, em representação das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá de Apyka’i, Guaiviry, Ypo’i, Ñhanderu Marangatu e Kurusu Ambá, por violações aos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Protocolo de San Salvador e na Convenção de Belém do Pará. “Além das mortes, denunciamos a falta completa de demarcação das nossas terras tradicionais. Isso motiva toda uma série de graves violações que geram o genocídio do nosso povo”, explicou Eliseu Guarani e Kaiowá, à época.
“Esta petição é fruto de um longo e profundo processo conjunto de análises de violações de direitos humanos, e demanda do Estado Brasileiro, em síntese, a efetivação dos direitos humanos dos Guarani e Kaiowá”, destaca Valéria Burity.
Embora o Brasil esteja vivendo cenários de retrocessos, a expectativa é que as denúncias e a pressão de organismos internacionais reforcem a luta dos Guarani e Kaiowá e pressionem o Governo Brasileiro a adotar medidas efetivas que garantam os direitos humanos não só dos Guarani e Kaiowá, mas de todos os povos indígenas.
“A ação de incidência e os resultados que já vemos, como uma manifestação do Parlamento Europeu, por exemplo, são importantes, mas sem dúvida, é a luta direta do Povo Guarani e Kaiowá que tem barrado maiores violações de direitos, temos compreensão, portanto, que é fundamental incidir contra a criminalização dessa luta”, informa Valéria Burity.
FIAN
A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.