FIAN Internacional destaca desafio de reconstruir o combate à fome

A FIAN Internacional publicou matéria sobre o desafio do governo Lula de tirar novamente o país do Mapa da Fome, restaurando o sistema de segurança alimentar que o ex-presidente Jair Bolsonaro desmantelou.

O texto ressalta o papel da ex-secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, nessa missão. Ela assumiu a Secretaria Extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Leia abaixo.

Ex-secretária-geral da FIAN Brasil lidera os programas de combate à fome do presidente Lula

Clara Roig

Valéria Burity defendeu o direito à alimentação por quase oito anos como secretária-geral da FIAN Brasil. Agora, com uma posição-chave dentro do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela tem o desafio de restaurar os programas de segurança alimentar desmantelados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e promover a soberania alimentar em um país onde 50% da população enfrenta algum grau de insegurança alimentar.

Em 2022, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da Organização da Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) após oito anos de ausência. A ex-secretária-geral da FIAN Brasil Valéria Burity enfrenta agora o desafio de restaurar o sistema de segurança alimentar que o ex-presidente Jair Bolsonaro desmantelou. Este sistema é composto pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um órgão-chave de consulta que reúne a sociedade civil e o governo, a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Esta estrutura institucional existe tanto em nível estadual quanto municipal. O Consea, por exemplo, foi restabelecido em 28 de fevereiro de 2023 pelo presidente Lula num esforço para incluir uma diversidade de vozes na luta contra a fome.

Durante a presidência de Bolsonaro, os níveis de fome dispararam, embora o Brasil seja um dos quatro maiores produtores de alimentos do mundo. A FAO colocou o país novamente no Mapa da Fome quando o número de pessoas que sofrem de fome crônica subiu de 2,5% para 4,1%. Quase um terço da população (30%) tem dificuldades para obter alimentos e 15% (33,1 milhões de pessoas) passam fome todas as noites, de acordo com um relatório da Rede Penssan.

O número de pessoas que passam fome quase dobrou entre 2019 e 2021, após 24 anos consecutivos de queda na insegurança alimentar. Algumas das causas incluem o desmantelamento dos programas alimentares por Bolsonaro, as políticas neoliberais do presidente Michel Temer de 2016 a 2018 que encorajaram a captura corporativa de terras e recursos naturais, uma forte redução dos gastos do governo com o bem-estar social, a crise da Covid-19 e o aumento global dos preços dos alimentos.

Agora, o governo de Lula pretende corrigir o agravamento da situação da fome. O presidente declarou que esta é uma das principais prioridades do novo governo, criando uma câmara para coordenar as ações de 24 ministérios que trabalham para acabar com a fome. Valéria Burity coordenará esta tarefa como secretária extraordinária de Combate à Fome no Ministério do Desenvolvimento Social.

Seu primeiro objetivo é reconstruir as estruturas e instituições federais desmanteladas por Bolsonaro que se dedicaram a garantir o direito à alimentação e à nutrição. Ao lado do Consea e da Caisan, existe o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), que incluirá medidas emergenciais e estruturais.

Todas estas instituições trabalharão em conjunto para formar um plano de emergência para reduzir a fome através de uma série de ações. Estas incluem um aumento no orçamento do programa de combate à pobreza Bolsa Família e no salário mínimo, mais fundos para tornar as refeições escolares mais saudáveis e programas para de compras estatais da produção dos pequenos agricultores.

No entanto, os vetores estruturais da insegurança alimentar, tais como desigualdades acentuadas e racismo, e a concentração da terra também precisam ser abordados para garantir uma alimentação adequada e nutritiva. Há também planos de reforma agrária redistributiva para garantir o direito à terra das comunidades rurais mais afetadas pela fome, reformas tributárias para combater as desigualdades e o estabelecimento de reservas alimentares para combater a volatilidade dos preços dos alimentos. Todas estas ações serão direcionadas para a reestruturação dos sistemas alimentares. Em nível pessoal, Valéria Burity avalia que os pesticidas passaram por uma grande liberalização nas últimas décadas e que este “é um dos desafios para garantir uma alimentação adequada”.

Burity entende que esta será uma tarefa desafiadora, especialmente em um governo de coalizão sem uma visão comum sobre a importância da soberania alimentar e outras questões subjacentes relacionadas ao direito à alimentação. “Esta não é uma tarefa fácil”, explica ela, “mas Lula está muito empenhado em acabar com a fome, e nós temos o apoio de uma sociedade civil forte”.

Acesse o texto original e conteúdos complementares em inglês.

Participação em GT de transição combina propostas emergenciais e estruturantes

A secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, e a assessora de Políticas Públicas, Mariana Santarelli, participaram da plenária do Grupo de Técnico (GT) de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo de transição. Em suas falas, destacaram propostas emergenciais e estruturantes.

Burity trouxe elementos do contexto, como a escalada da fome, o aumento do consumo de produtos ultraprocessados – associado ao crescimento de doenças não transmissíveis –, a inflação dos alimentos e o colapso ambiental. “O caráter intersetorial da política de SAN [segurança alimentar e nutricional] deve nortear as estrutura de governança de modo que busque dar conta de todas as pontas dos sistemas alimentares, com todos os seus sujeitos”, comenta. “Destaquei ainda a importância de a Caisan [Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional] ter uma efetiva capacidade de convocação dos diversos ministérios e  dialogar com o Legislativo e o Judiciário.”

Outro assunto abordado pela secretária-geral são as proposições legislativas no Congresso Nacional que representam esperança ou ameaça para o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). “É  importante que os órgãos de controle não criminalizem os programas de agricultura familiar e segurança hídrica, como o das cisternas.”

Santarelli, por sua vez, defendeu a reativação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no primeiro dia de governo, com a composição de quando teve seu funcionamento interrompido pelo presidente Jair Bolsonaro. “A ideia seria atualizar essa representação adiante, de forma a garantir uma abordagem enfaticamente antirracista e incorporar atores do campo que surgiram nos últimos anos”, explica a assessora, que participou como integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

A FIAN apoia a proposta de criação da Secretaria Especial de Segurança Alimentar e Nutricional e Enfrentamento da Fome, ligada à Presidência da República e abrigando a Caisan e o Consea. “Também seria interessante, na recomposição do que será o futuro Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social e Combate à Fome, criar uma secretaria voltada ao acesso à alimentação, com foco em programas como os de cisternas e equipamentos de alimentação e nutrição”, pontua Santarelli. Ela propôs o fortalecimento de uma rede de cozinhas solidárias, que criam os caminhos entre o que é produzido pela agricultura familiar e as pessoas que passam fome na cidade, e lembrou a proposta que vem sendo defendida pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) de reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Entre os e as integrantes do GT estão o ex-presidente do Consea Renato Maluf, a culinarista Bela Gil, a senadora Simone Tebet e as ex-ministras Tereza Campello e Márcia Lopes. O grupo tem nova plenária marcada para quinta-feira (15).

Entrevistas: o Pnae, o Brasil e o mundo

Leia aqui conversas que partem da alimentação escolar para os grandes desafios relacionados a soberania e segurança alimentar e nutricional – e à defesa da democracia.

Elas também podem ser conferidas (algumas, em versão resumida) no livro Crescer e Aprender com Comida de Verdade: um ano em defesa do direito à alimentação adequada no Pnae.

Especialistas defendem retomada do PAA em vez de troca pelo Alimenta Brasil

O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: riscos e retrocessos nas compras públicas de alimentos da agricultura familiar é o título de nota técnica (NT) publicada pela FIAN Brasil nesta quarta-feira (23). A análise foi elaborada, a pedido da entidade, pelos professores Sílvio Isoppo Porto e Julian Perez-Cassarino e pela engenheira de alimentos Priscila Diniz.

Para os autores e a autora, retomar e fortalecer o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) seria mais efetivo que implementar o programa que o substituiu, do ponto de vista do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Acesse a NT 1/2022 da FIAN.

Proposto na Medida Provisória (MP) 1.061/2021, o Programa Alimenta Brasil foi instituído pela Lei 14.284/2021, com a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. A lei cria também, no lugar do Programa Bolsa Família, o Programa Auxílio Brasil.

A nota técnica retoma o histórico das políticas de segurança alimentar e nutricional (SAN) no Brasil, destacando aquelas que abriram o mercado institucional para as aquisições da agricultura familiar. São lembradas medidas como a dispensa de licitação dentro de determinados limites de aquisição por família, e a articulação com o fornecimento a instituições de assistência social, “criando um círculo virtuoso econômico, social e ambiental nos âmbitos local e regional”.

Inovações

Porto, Perez-Cassarino e Diniz jogam luz sobre o PAA, criado em 2003, como primeiro programa nesse sentido. Entre as inovações são listadas: “i) recorte de público (agricultura familiar e assentados da reforma agrária, passando a incorporar também povos indígenas e povos e comunidades tradicionais); ii) compra sem processo de concorrência pública; ação direta de aquisição por parte do Estado; iii) preços pagos na aquisição, respeitando e levando em consideração as especificidades regionais e; iv) gestão compartilhada entre cinco ministérios”.

O trio ressalta que o PAA foi fundamental para a revitalização da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no contexto do Fome Zero, adquiriu mais de 500 tipos de alimentos diferentes e chegou a beneficiar em um ano mais de 18 mil entidades que atuavam no atendimento a pessoas em situação de insegurança alimentar.

Com o acompanhamento orçamentário, a NT 1/2022 mostra o crescimento do Programa de Aquisição de Alimentos entre 2003 e 2012, a redução – porém ainda em bons volumes – de 2013 a 2016 e o esvaziamento drástico a partir de 2016. A exceção, no passado recente, foi 2020, quando a mobilização popular de mais de 800 organizações levou os e as parlamentares a destinarem R$ 500 milhões extras a essa política. Em 2021, no entanto, o Orçamento do governo Bolsonaro previu cerca de R$ 100 milhões para a rubrica, 10% do montante aplicado em 2012.

Falta de transparência

De acordo com a análise, a execução do Alimenta Brasil pouco difere do que historicamente vem sendo feito no PAA, mas traz lacunas relevantes: a extinção da modalidade sementes e o apagamento das instâncias e espaços institucionais de diálogo com a sociedade civil, com brechas para uma enfraquecimento ainda maior na execução do programa ou seu aparelhamento para fins políticos.

“Claramente, essa iniciativa do governo não passa de ação política para tentar fortalecer sua imagem junto à opinião pública, como se estivesse promovendo uma inovação institucional em prol da inclusão produtiva e da produção e distribuição de alimentos às famílias em situação de insegurança alimentar”, concluem os autores. “Se a intenção do governo de fato fosse essa, em vez de desconstruir o PAA, bastaria ampliar os recursos financeiros destinados ao programa e garantir regularidade no aporte de dotação orçamentária, assegurando pelo menos R$ 1 bilhão ao PAA anualmente.”

Nota Técnica 1/2022 – O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: Riscos e Retrocessos nas Compras Públicas de Alimentos da Agricultura Familiar


Nota técnica (NT) sobre o programa criado pelo governo Bolsonaro para substituir o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

A análise foi elaborada, a pedido da FIAN Brasil, pelos professores Sílvio Isoppo Porto e Julian Perez-Cassarino e pela engenheira de alimentos Priscila Diniz.

Acesse a NT O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: riscos e retrocessos nas compras públicas de alimentos da agricultura familiar.

Informe Dhana 2021 – resumo executivo

Em português, espanhol e inglês, a síntese traz os principais pontos do Informe Dhana 2021 – pandemia, desigualdade e fome.

A publicação aborda a situação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no país nos últimos dois anos, analisando os impactos da Covid-19 e das ações e omissões do poder público diante da crise sanitária, econômica e social. É uma parceria com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

Saiba mais e acesse o informe integral.

Informe da FIAN Brasil mostra como desmonte de políticas no governo Bolsonaro agravou fome

A FIAN Brasil acaba de divulgar, com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), o Informe Dhana 2021 – pandemia, desigualdade e fome.

A publicação, de periodicidade bienal, aborda a situação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no país. Esta edição – que compreende dois anos do governo Bolsonaro – analisa os impactos da Covid-19 e das ações e omissões do poder público diante da crise sanitária, econômica e social.

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“Em 2017 elaboramos a primeira edição porque, ante o contexto de acelerado desmonte de direitos e de crise democrática, achamos fundamental registrar os avanços, as lacunas e os retrocessos que impactavam o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”, explica a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. “A segunda foi elaborada em 2019, destacando como neoliberalismo e autoritarismos estavam contribuindo para violações de direitos no Brasil. Em 2021, apontamos como a chegada da Covid-19 tornou ainda mais dramática uma situação geral de ataque à vida e à dignidade humana.”

Ela avalia que o cenário tende a se agravar com medidas como a extinção do Programa Bolsa Família para dar lugar a um programa (o Auxílio Brasil) ainda cheio de incertezas e sem garantia de orçamento. “Hoje, mais da metade da população sofre algum nível de insegurança alimentar e nutricional e tudo de que precisamos para a construção de sistemas alimentares soberanos e regenerativos – terra, água, proteção ambiental, política de estoques e preços, apoio à agricultura familiar – está sendo negado.”

“O mesmo presidente que em 2019 negou a fome no Brasil foi o que tratou a maior pandemia do século como uma gripezinha, e mais uma vez se esquivou de suas obrigações enquanto representante do Estado”, observa a assessora de Direitos Humanos da FIAN Nayara Côrtes. “O mesmo governo que desmontou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em seus primeiros dias no poder criou um falso dilema entre a fome e a Covid-19 e se recusou a tomar providências para tentar conter o previsível avanço dessa situação desumana que é não ter acesso a comida suficiente.”

Ela acrescenta que quem primeiro sentiu as consequências dessas decisões foram os grupos que têm seus direitos negados historicamente: a população negra, as mulheres, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais (como quilombolas e caiçaras) e os grupos empobrecidos do campo e das cidades.

Sistematizar para resistir – e reconstruir

A partir da perspectiva de que é preciso sistematizar para resistir – e reconstruir –, o Informe Dhana 2021 detalha o esvaziamento orçamentário e institucional das políticas que permitiriam conter parcialmente o impacto da calamidade e pavimentar o caminho para uma recuperação com justiça social. Também mostra a relação desse quadro com as opções macroeconômicas dos últimos anos e com a ditadura da austeridade fiscal – marcada a ferro e fogo pelo Teto dos Gastos Sociais, a Emenda 95.

Os dados e gráficos compilados pela FIAN “desenham” a ação de um Executivo que fala grosso com os vulneráveis, fino com os poderosos e de igual para igual com os aproveitadores, criando todo tipo de facilidade para grupos que vão de grileiros a grandes redes de supermercados, passando por mineradores e fabricantes de agrotóxicos e pela indústria de refrigerantes e outras bebidas açucaradas. E que faz isso de braços dados com o grupo dominante no Legislativo – o Centrão – e frequentemente respaldado pelo Judiciário, em especial nas instâncias inferiores.

O material situa a realidade brasileira, ainda, nas tendências internacionais de maior presença das corporações nos sistemas alimentares, que gera mais desigualdade e vai emplacando falsas soluções para a fome.

Acesse também o resumo executivo da publicação e assista ao pré-lançamento.

Mas, afinal, o que é o “Dhana”?

O conceito de direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) vai além do suprimento das exigências mínimas nutricionais dos indivíduos, propondo garantir os aspectos da acessibilidade física e econômica, da disponibilidade, da adequação e da sustentabilidade (De Schutter, 2014).

Essa conceituação vem sendo construída ao longo da história, sobretudo nos séculos 20 e 21. No âmbito internacional, o Dhana foi inicialmente previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25), em 1948, estando também presente no artigo 11 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), de 1966, e no Protocolo Adicional à Convenção Americana em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 12), de 1988.

No Brasil, esse direito ganha contornos mais definidos a partir de sua incorporação, em 2010, ao artigo 6º da Constituição Federal (CF), de 1988. Em 1999, o Comitê sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas elaborou o Comentário Geral 12. O documento vem contribuindo para as iniciativas subsequentes sobre o tema, por trazer as principais diretrizes do Dhana, sinalizando que tal direito só se realiza “quando todo homem, mulher e criança, sozinho ou em comunidade com outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, a uma alimentação adequada ou aos meios necessários para sua obtenção” (ONU, 1999, p. 2), estando, dessa forma, livres da fome.

Informe Dhana 2021 – pandemia, desigualdade e fome

A publicação, de periodicidade bienal, aborda a situação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no país. O Informe Dhana 2021 – pandemia, desigualdade e fome analisa os impactos da Covid-19 e das ações e omissões do poder público diante da crise sanitária, econômica e social. O período corresponde a dois anos (o segundo e o terceiro) do governo Bolsonaro.

A partir da perspectiva de que é preciso sistematizar para resistir – e reconstruir –, o Informe Dhana 2021 detalha o esvaziamento orçamentário e institucional das políticas que permitiriam conter parcialmente o impacto da calamidade e pavimentar o caminho para uma recuperação com justiça social. Também mostra a relação desse quadro com as opções macroeconômicas dos últimos anos e com a ditadura da austeridade fiscal – marcada a ferro e fogo pelo Teto dos Gastos Sociais, a Emenda 95. Saiba mais.

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O informe teve edições em 2017 e 2019. A de 2021 é uma parceria da FIAN Brasil com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

Entrega da sentença do Tribunal Popular da Fome ao STF. Foto: Contag

Sentença do Tribunal Popular da Fome é entregue ao STF

Organizações, movimentos sociais e coletivos que integram a Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional entregaram no Supremo Tribunal Federal (STF) a sentença proferida pelo Tribunal Popular da Fome que culpabiliza o governo brasileiro quanto ao aumento da fome no país e determina que indenize coletivamente o povo pelo dano moral produzido.

Foram protocoladas petições para a ministra Rosa Weber e o ministro Dias Toffoli para que a sentença seja anexada aos processos das arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) 831 e 885, que exigem medidas de enfrentamento do quadro com urgência. A entrega ocorreu em ato na sexta-feira (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos.

“Essa incidência é uma oportunidade de contribuir para um julgamento pelo STF dessas ações de forma efetiva e, com isso, conter os retrocessos que foram identificados nas apelações ao júri do Tribunal Popular da Fome”, comenta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

Leia mais sobre o ato no STF, com participação da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Redessan), entre outras organizações.

Violações por ação e omissão

A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) mostrou que 19 milhões de brasileiras e brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentou algum grau de insegurança alimentar nos últimos meses de 2020.

Para o júri do Tribunal Popular da Fome, o governo federal violou, por ação e omissão, o direito humano à alimentação e a nutrição adequadas e o direito emergencial a estar livre da fome, assentados no ordenamento jurídico nacional e internacional.

Depois de escutar acusação, defesa e testemunhas, analisar as provas e debater muito (assista), juradas e jurados consideraram comprovado que o corpo de autoridades governamentais não respeitou, não protegeu, não promoveu e não garantiu esses direitos, causando sofrimento físico e psíquico ao povo.

O Tribunal da Fome foi organizado pela Conferência Popular de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.


Saiba como foi o julgamento e
conheça a sentença de condenação
e as reparações determinadas: 

https://bit.ly/3lC3biu

Descumprimento de princípios
constitucionais

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é um tipo de ação que visa evitar ou reparar lesão a um preceito fundamental causada por um ato ou uma omissão do poder público. Esses preceitos são os direitos e garantias que representam a base da Constituição Federal, bem como os fundamentos e principais objetivos da República. Ambas as ADPFs em análise no Supremo incluem pedido de liminar (decisão em caráter de urgência, para garantir ou antecipar um direito que tem perigo de ser perdido, antes da sentença de mérito).

A ADPF 831 busca o afastamento do limite de 20 anos imposto ao Orçamento pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016, conhecida como Teto dos Gastos. A ação, que tem como relatora a ministra Rosa Weber – responsável por outros casos envolvendo o tema –, também pede um programa emergencial de atendimento à população vulnerável, com a inclusão automática de pessoas em situação de pobreza e de extrema pobreza no Bolsa Família e aumento do valor do benefício.

Outro pedido é que as esferas federal, estadual e municipal de governo garantam um kit alimentação aos e às estudantes sem aulas presenciais em decorrência da pandemia. Apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a manifestação questiona, ainda, a redução do auxílio emergencial por meio da EC 109/2021.

Acompanhe aqui o andamento do processo, que recebeu informações prévias da Presidência da República, do Senado, da Câmara dos Deputados e dos ministérios da Cidadania, da Economia e da Educação.

Desmonte e falta de
transparência

Protocolada no dia do Tribunal da Fome, a ADPF 885 destaca que o enfraquecimento dos mecanismos de monitoramento da fome no país se soma ao desmonte da política de segurança alimentar.

O documento, produzido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a partir de provocação da Ação da Cidadania, sublinha o agravamento das condições econômicas, sociais e sanitárias enfrentadas ao menos desde 2014, pontuando que a explosão do número de casos e mortes pela Covid-19 chegou a colocar o país no epicentro da pandemia mundial. Ao examinar as estatísticas, constata a cor e o rosto da fome no Brasil, com os índices mais agudos nos domicílios chefiados por mulheres pretas ou pardas e de baixa escolaridade, bem como a concentração no Norte e no Nordeste.

Como contribuições da atual gestão federal para o cenário de miséria, a OAB destaca a má condução do Programa Bolsa Família e o corte severo em programas como o de cisternas para convivência com a seca.

Entre outras medidas, a OAB pede que o STF determine a retomada e a ampliação do auxílio emergencial no valor de R$ 600; o retorno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea); destinação de R$ 1 bilhão para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); e recomposição dos estoques públicos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com ações de controle de preços para evitar a inflação descompensada.

Siga o andamento da ação, relatada pelo ministro Dias Toffoli.

Amigos da
corte

Várias das entidades e movimentos envolvidos no Tribunal da Fome pediram ao STF o reconhecimento como amicus curiae (“amigo da corte” ou “amigo do tribunal”, em latim) nas ações em torno do tema. A expressão designa uma instituição ou pessoa que, por seus conhecimentos num assunto específico, é ouvida no intuito de embasar decisões justas em casos judiciais complexos e de repercussão social da controvérsia, ou seja, que tendem a extrapolar o processo e formar precedente para outros julgamentos.

Foto: Contag

Estado brasileiro contribui para a fome na pandemia, mostra informe

A FIAN Brasil acaba de lançar o informe O Dhana e a Covid-19 – O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas no Contexto da Pandemia.

Com base em pesquisas, relatórios oficiais e da sociedade civil e reportagens recentes, o informe mostra como a crise sanitária e as decisões tomadas no seu enfrentamento ampliaram o desemprego, inflacionaram a comida, agravaram as vulnerabilidades históricas e impulsionaram a fome. A estabilidade e a regularidade na oferta de alimentos saudáveis não estão garantidas, comprometendo a garantia universal daquele direito, conhecido pela sigla Dhana, e sua sustentabilidade.

Inquérito nacional da rede Penssan aponta que, no fim de 2020, o país contava com 116,8 milhões de pessoas com algum nível de insegurança alimentar, entre os quais 19 milhões em insegurança alimentar grave, o que significa que, no intervalo de dois anos, 9 milhões de pessoas foram empurradas para a fome. Um semestre depois, os números certamente são ainda piores, como tem detectado a ONU em âmbito global.

A publicação digital de 73 páginas aborda o contexto e os novos desafios dos pontos de vista da produção de alimentos, das políticas públicas e da promoção desse direito pela sociedade civil e pelo poder público, analisando ainda as violações das obrigações do Estado.

São tratados os impactos sobre as populações indígena e quilombola, as mulheres e as pessoas em situação de rua; a falta de acesso regular à água; o inflacionamento dos alimentos, a concentração de mercado e a quebra na compra da agricultura familiar; o aumento do desemprego e dos trabalhos informais. Capítulos examinam, ainda, a situação de problemas ambientais como o uso de agrotóxicos e a grilagem.

Agravamento de cenário já precário

O informe lembra que o novo coronavírus agravou um cenário em que o direito à alimentação e à nutrição adequadas já se encontrava fragilizado, em função de fatores como o desmonte das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN), a limitação de verbas imposta pela Emenda Constitucional 95 e a aprovação das reformas previdenciária e trabalhista.

É mencionado estudo da ONG Conectas e do instituto Cepedisa que, em 3.049 normas editadas pelo governo federal ao longo da pandemia, constatou uma estratégia institucional de propagação do vírus sob a liderança da Presidência da República.

“O Estado brasileiro está descumprindo, de forma crescente, as três dimensões de sua responsabilidade – respeitar, proteger e satisfazer – em relação aos direitos humanos, entre eles o Dhana”, explica a assessora da FIAN Nayara Côrtes, autora do capítulo que traz esse recorte. “Em muitos casos, o Executivo e o Legislativo apoiam e incentivam violações, com anuência do Judiciário.” Leia mais em reportagem do portal jornalístico O Joio e o Trigo.

Em outubro a FIAN lançará uma nova edição do Informe Dhana, publicação bienal que detalha o estado e a evolução da SAN no país.