Conselho Nacional dos Direitos Humanos identifica violações de direitos na Penitenciária Feminina do Distrito Federal

Em missão realizada nesta quinta (1° de março), que teve como foco o direito à alimentação de mulheres gestantes, lactantes e com filhos e filhas, foram identificadas violações de direitos que vão desde superlotação e quantidade significativa de presas provisórias, a comida estragada e falta de acesso à alimentação adequada

Inaugurando o mês de março, mês da mulher, e com o objetivo de monitorar o cumprimento da Resolução n° 9/2017, que trata do direito à alimentação adequada de mulheres e adolescentes em privação de liberdade, em especial gestantes, lactantes e com filhos e filhas, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos realizou visita, na tarde desta quinta-feira (1°), à Penitenciária Feminina do Distrito Federal, a Colmeia.

Por meio de vistorias e conversas com dirigentes, responsáveis técnicos e com as próprias mulheres privadas de liberdade da penitenciária, a missão identificou violações de direitos que vão desde superlotação e quantidade significativa de presas provisórias, a comida estragada, não refrigerada, e falta de acesso à alimentação adequada.

“As violações não estão apenas no cárcere. Elas começam na decisão do encarceramento, na forma como o sistema de justiça reforça um ciclo de exclusão que atinge não só essas mulheres, mas também seus filhos e filhas”, afirma Fabiana Severo, presidenta do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e representante da Defensoria Pública da União (DPU) no colegiado, que coordenou a missão. “As penas são absolutamente desproporcionais aos delitos”, completa Fabiana.

A missão, composta apenas por mulheres, contou ainda com a participação de representantes do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), Ministério da Saúde, Ministério dos Direitos Humanos e Fian Brasil, que integram a Comissão Permanente sobre Direito Humano à Alimentação Adequada do colegiado.

Foram verificadas as condições gerais de distribuição e consumo da alimentação e da água potável; as condições de gestação, parto e pós-parto (direitos sexuais e reprodutivos); a permanência ou não das crianças na unidade, dentre outros procedimentos.

“Das mulheres entrevistadas, quase todas eram negras, que, grávidas ou com filhos, viviam num contexto de extrema vulnerabilidade social. O encarceramento faz parte de um ciclo de violações estruturais na vida dessas mulheres, já que a maioria delas não teve acesso a políticas públicas primárias, como moradia digna, educação, saúde e justiça”, acrescenta a presidenta do CNDH.

Deise Benedito, uma das peritas do MNPCT que participou da missão, ressalta que a ausência de políticas públicas é determinante para o quadro de violações a que essas mulheres são submetidas, e aponta o racismo como componente que acentua a vulnerabilidade de mulheres negras a práticas de tortura e maus tratos. “A cor da pele define o grau de sofrimento que será imposto a essas mulheres na prisão”, declara.

Valéria Burity, representante da Fian Brasil na missão, observa que algumas presas confessaram ter medo de passar fome, diante da distribuição de comida estragada, e que a privação de liberdade também impacta a qualidade da alimentação das famílias. “Muitas mulheres compravam e preparavam a comida das suas famílias antes de estarem na prisão. Elas estando presas, isso não acontece, o que impacta diretamente na garantia do direito à alimentação adequada dessas famílias”, completa.

Fabiana Severo destaca, ainda, a situação dramática da separação das mães lactantes dos seus bebês aos seis meses. “Aos quatro meses já se retira a amamentação exclusiva e se introduz alimentos, para facilitar a separação. Algumas, que não têm apoio familiar, nem sabem para onde vão os bebês, que são entregues a abrigos ou destinados para adoção. E perdem esse vínculo definitivamente”, relata.

Um dos desdobramentos imediatos da missão será a articulação com a Defensoria Pública do Distrito Federal para a tomada de providências em situações emergenciais identificadas durante a missão, no que diz respeito à sua esfera de atuação.

Histórico da missão

A proposta foi apresentada à Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada do CNDH em 2017, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Após visita à Colmeia em 2015, o MNPCT identificou que a alimentação seria um provável vetor de tortura na Penitenciária.

“Percebemos que a alimentação das mulheres lactantes era severamente reduzida. Isso, na opinião das próprias mulheres, tinha o propósito de reduzir a produção do leite para que as crianças fossem afastadas de suas mães”, relata Luz Arinda, perita do Mecanismo, que relatou também diversas outras violações ao direito à alimentação adequada, como falta de acesso à água potável e à alimentação de qualidade em várias porções ao dia.

Também foram identificadas, à época, violações aos direitos sexuais e reprodutivos que impactam no direito à amamentação, como partos desassistidos, partos de mulheres algemadas, e condições violadoras no pós-parto. “Se uma mulher pare em condições de violência, é pouco provável que ela consiga amamentar essa criança”, frisa Luz Arinda, que também participou da missão.

Para a perita, a missão possui grande importância na prevenção à tortura, e diz a essas mulheres e crianças privadas de liberdade que elas têm direitos e são dignas de atenção. “Em pleno mês de março, e nesse contexto de pensar penas alternativas à privação de liberdade de mulheres gestante e com filhos, uma visita desse porte do Conselho Nacional dos Direitos Humanos é fundamental para a garantia de direitos, dignidade e reconhecimento a este grupo que geralmente é invisibilizado”, ressalta.

Habeas corpus e mudança de paradigma

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus coletivo que determina a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para mulheres grávidas e mães de crianças com até 12 anos. A medida vale para mulheres que não tenham cometido crimes violentos contra os próprios filhos ou sejam responsáveis por pessoas com deficiência. Os tribunais terão um prazo de 60 dias para cumprir integralmente a decisão.

De acordo com a presidenta do CNDH, a decisão representa uma quebra de paradigma na forma como a Justiça brasileira vinha aplicando o direito penal em relação aos direitos das mulheres em situação de privação de liberdade, em especial as gestantes e com filhos pequenos.

“Existia muita resistência por parte da Justiça de aplicação da lei que garante o direito de medidas alternativas ao encarceramento. Essa decisão representa um avanço na efetivação dos direitos já consagrados de mulheres em situação de privação de liberdade, e também um avanço em relação à efetivação dos direitos das próprias crianças”, destaca Fabiana.

Para a presidenta do CNDH, o encarceramento de mulheres gestantes, lactantes e com filhos pequenos é por si só uma violação dos direitos humanos, e as medidas alternativas ao encarceramento devem ser aplicadas como medida de prevenção à tortura.

“O direito estabelece o dever de aplicação da Lei no melhor interesse da criança, e a nossa prática até então de punitivismo acabava atingindo não só as mulheres, mas também as crianças, de uma forma ilegal, inconstitucional e absolutamente desproporcional”, finaliza a presidenta, ressaltando que a medida garante o reconhecimento desses direitos beneficiando não apenas as mulheres e as crianças, mas também toda a estrutura familiar ao redor.

Foto: Reprodução de Internet

Sociedade civil brasileira repudia o cancelamento da visita ao Brasil do Especialista Independente da ONU

Mais de 25 entidades assinam nota pública de repúdio ao cancelamento da visita do Especialista Independente da ONU para dívida externa, finanças e direitos humanos ao Brasil. Agendada há quase um ano para o próximo dia 18 de março, a vinda de Juan Pablo Bohoslavsky foi cancelada pelo governo brasileiro, que alegou que o adiamento está relacionado à troca no Ministério dos Direitos Humanos. Bohoslavsky viria ao país para avaliar impactos dos cortes promovidos por Michel Temer nas áreas sociais, como educação e saúde.

“Diante disto, tememos que o cancelamento desta visita possa ser apenas outro exemplo das medidas autoritárias impostas pelo governo, que não consideram os efeitos colaterais nefastos para os direitos humanos, em especial neste cenário de violações”, aponta o documento divulgado nesta sexta-feira (2).

Leia a nota completa:

NOTA PÚBLICA: Sociedade civil brasileira repudia o cancelamento da visita ao Brasil do Especialista Independente da ONU para dívida externa, finanças e direitos humanos pelo governo brasileiro

A sociedade civil brasileira abaixo assinada expressa sua profunda consternação e insatisfação com a decisão do governo brasileiro de cancelar, no último minuto, a visita oficial ao Brasil do Especialista Independente da ONU sobre dívida externa, finanças e direitos humanos, Sr. Juan Pablo Bohoslavsky, agendada há quase um ano e planejada para ocorrer nos próximos dias. O motivo alegado de troca de Ministro dos Direitos Humanos para o cancelamento é pouco verossímil. Uma coalizão de 60 organizações e movimentos sociais têm trabalhado há meses para mobilizar as partes interessadas locais e preparar informações em primeira mão para contribuir com essa missão.

As medidas de austeridade têm afetado severamente o usufruto dos direitos humanos no Brasil. Promulgada no final de 2016, a Emenda Constitucional nº. 95 congelou por 20 anos as despesas com políticas públicas, sendo chamada de “pacote de austeridade mais severo do mundo” pelo Relator Especial da ONU sobre pobreza extrema e direitos humanos. Esta alteração aprofunda a concentração de renda no país e exacerba as restrições ao financiamento dos direitos sociais.  Verificou-se, entre 2015 e 2017:

  1. a)  O corte de 70% do financiamento de programas de aquisição de alimentos e de segurança alimentar e nutricional, que foram essenciais para saída do Brasil do Mapa da Fome, resultou em redução de 83% de agricultores familiares beneficiários, em especial aqueles em regiões mais pobres do norte do país. Além de deixar milhares de pessoas em situação de insegurança alimentar.
  1. b) O corte de 55% do financiamento de  políticas para as mulheres, resultando em redução de 15% da rede de serviços especializados para vítimas de violência de gênero.
  1. c) Encolhimento da dotação orçamentária federal de 17% para a saúde e 19% para a educação.
  1. d) A taxa de desemprego permanece elevada, em 12,2% em janeiro de 2018, atingindo 12,7 milhões de pessoas; sendo que em 2014, antes da adoção de medidas de austeridade, estava em seu nível mais baixo, 6,4%.

Neste contexto, é primordial o material que o Sr. Juan Pablo Bohoslavsky está desenvolvendo sobre “princípios orientadores para avaliar os impactos nos direitos humanos das políticas de reforma econômica”. As visitas aos países que implementam essas políticas são uma ferramenta-chave disponível ao Especialista para avaliar esses impactos sobre a vida dos povos. Essa era a razão fundamental para a visita ao Brasil nesse momento: conhecer o cenário brasileiro, emitir recomendações e fortalecer a elaboração dos princípios.

Em resposta aos problemas sociais causados pela política de austeridade, o governo brasileiro tem orientado sua política para o aumento do Estado penal, aumento do encarceramento em massa, criminalização das populações pobres e negras e dos movimentos sociais, o que se agrava neste momento com a intervenção federal militar no Estado do Rio de Janeiro.

As ações do governo também estão alinhadas a interesses privatistas e eleitorais, que nesta conjuntura, pela inexistência de diálogo, comprometem a democracia. Diante disto, tememos que o cancelamento desta visita possa ser apenas outro exemplo das medidas autoritárias impostas pelo governo, que não consideram os efeitos colaterais nefastos para os direitos humanos, em especial neste cenário de violações.

Demandamos ao governo brasileiro, em respeito aos mecanismos de proteção internacional, que reconsidere sua decisão de adiar a visita e garanta a vinda do especialista independente da ONU o mais rápido possível.

Finalmente, chamamos a atenção para uma série de Ações Diretas de Inconstitucionalidade tramitando atualmente perante o Supremo Tribunal Federal questionando a constitucionalidade da EC 95[1].

Estamos confiantes de que serão julgados considerando o que dita o Direito Internacional dos Direitos Humanos, incluindo os princípios de proibição do retrocesso social e de não discriminação.

Assinam:

Plataforma Dhesca
Coalizão anti austeridade e pela revogação da EC95
Instituto de Estudos Socioeconômicos – INESC
Conectas Direitos Humanos
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Terra de Direitos
Justiça Global
Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários do Brasil – UNISOL Brasil
Associação Brasileira de Saúde Mental – ABRASME
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABRES
Brigadas Populares
Comissão Pastoral da Terra
Rede de Cooperação Amazônica – RC
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena – Iepé
Plataforma Política Social
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES
Dom da Terra Afro LGBTI
Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – MNMMR
FIAN Brasil
Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Cfemea

[1] As ADIs são: nº. 5715 (proposta pelo Partido dos Trabalhadores – PT), nº. 5734 (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE), nº. 5633 (proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – Anamatra e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe), nº. 5643 (proposta pela Federação Nacional dos Servidores e Empregados Públicos Estaduais e do Distrito Federal – Fenasepe); nº. 5658 (proposta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT), nº. 5680 (proposta pelo Partido Socialismo e Solidariedade – PSOL)

Nota Pública: No Cerrado piauiense, comunidades sofrem violências e perdem seus territórios

As entidades que compõem a Articulação dos Povos Impactados pelo Matopiba e a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado, apoiadas por movimentos e organizações nacionais e internacionais, vêm novamente a público denunciar o alarmante aumento da violência e de violações de direitos às comunidades do Cerrado no Piauí, presentes na região de implementação do Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba (PDA MATOPIBA).

Desde o ano passado, as comunidades tradicionais dos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués e Bom Jesus vivem sob fortes ameaças e diversos tipos de violência. Grupos armados têm ameaçado lideranças e moradores/as de comunidades em luta contra megaempreendimentos do agronegócio na região.

Em setembro de 2017, por exemplo, entidades que subscrevem esta Nota já haviam denunciado as ameaças de morte sofridas pelo senhor Adaildo Alves da Silva, que vive sob a tensão de perder sua terra, ocupada há anos, no município de Gilbués. Em dezembro, funcionários de empresas agrícolas da região visitaram as comunidades, e questionaram sobre a Caravana Internacional do Matopiba, realizada no mês de setembro na região. Já na semana passada, Adaildo e membros da Comunidade Salto foram abordados por dois homens armados que, de acordo com os próprios trabalhadores, estavam a serviço do suposto proprietário da fazenda, Bauer Souto Santos.

Pressionada pelo Ministério Público Estadual e Federal, a Polícia Civil foi até a Comunidade Salto para averiguar as ameaças, porém não efetuou nenhuma prisão e se negou a procurar pelos pistoleiros. A investigação não saiu do lugar. No próprio ato de registrar um Boletim de Ocorrência fica evidente o total descaso da polícia em relação a violência enfrentada pelas comunidades, pois os membros das comunidades muitas vezes se deparam com dificuldades para registrar as denúncias.

A expansão do agronegócio no Cerrado do Piauí é caracterizada por investimentos financeiros de Fundos de Pensão estrangeiros, como o TIAA-Cref (dos Estados Unidos), o que tem propiciado grande especulação imobiliária por terras griladas por empresários e fazendeiros. Mas são nesses pedaços de chão, como na Comunidade Salto, que homens e mulheres vivem há anos, e utilizam dos “baixões” e das Chapadas para plantar e criar seus animais. Espaços de vida que foram sendo tomados à força pelos “projeteiros”, como são denominados os grileiros pelas comunidades.

Para verificar e denunciar as violações de direitos e violências sofridas pelas comunidades rurais da região sul do Piauí, em setembro de 2017 a Caravana Internacional do Matopiba (composta por membros de entidades e movimentos sociais brasileiros e internacionais, pesquisadores e jornalistas) percorreu estas áreas ao longo de onze dias. Como desdobramento dessa ação, representantes de organizações brasileiras, como Comissão Pastoral da Terra (CPT), FIAN, e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, visitaram países da Europa e os Estados Unidos para publicizar estas situações encontradas pela Caravana no Piauí. Denúncias foram apresentadas, por exemplo, a representantes de governos europeus e ao Parlamento Europeu. Nos EUA, ocorreu um seminário sobre a problemática na Universidade de Nova York. E o Relatório sobre a Caravana Internacional do Matopiba será lançado ainda neste semestre.

Além da investida estrangeira no Piauí, a Regularização Fundiária Estadual, proposta na Lei 6709/2017, agrava mais essa situação conflituosa, pois desconsidera o território onde as comunidades vivem, e privilegia o título individual e a regularização em primeiro momento das terras invadias pelos fazendeiros e empresas. Lembramos que esse processo de regularização é financiado pelo Banco Mundial.

Os povos e comunidades piauienses, bem como as organizações e movimentos sociais que os acompanham, têm realizado inúmeras denúncias nacionais e internacionais, todavia, percebe-se que a ausência do Estado brasileiro na prevenção e resolução dos conflitos agrários contribui para o aumento da violência e para a legitimação das ações criminosas de fazendeiros e empresas.

Diante deste cenário, manifestamos nossa solidariedade e apoio às comunidades ameaçadas e em luta na defesa de seus territórios. Exigimos ações imediatas das autoridades públicas para impedir mais mortes anunciadas de camponeses e camponesas. Exigimos ainda que a Vara Agrária do Piauí, o Instituto de Terras do Piauí (Interpi) e o Núcleo de Regularização Fundiária da Corregedoria Geral da Justiça do Piauí revisem a Lei 6.709/2017 e que esse processo revisional conte com ampla participação das comunidades impactadas, como está garantido na Convenção 169 da OIT, e a garantia primeira da destinação das terras às comunidades, que há anos vivem e convivem com estes territórios.

Brasília, 22 de fevereiro de 2018.

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Public Note: In the Cerrado of Piaui, Brazil, communities suffer violations and lose their land

The entities that make up the Articulation of the Populations Impacted by Matopiba and the National Campaign in Defense of the Cerrado, supported by national and international movements and organizations, are once again publicly denouncing the alarming increase in violence and violations of rights of the communities in the Cerrado in Piauí, part of the region where the federal government is implementing its Matopiba Agricultural Development Plan (MATOPIBA PDA).

Since last year, traditional communities in the municipalities of Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués and Bom Jesus have been living under strong threats and various types of violence. Armed groups have threatened leadership and community dwellers struggling against large agribusiness ventures in the region.

In September 2017, for example, entities that subscribe to this note had already denounced the death threats suffered by Mr. Adaildo Alves da Silva, who is being pressured to leave the land he has occupied for years, in the municipality of Gilbués. In December, officials from the region’s agricultural companies visited the communities and questioned them about the Matopiba International Caravan held in September in the region. Last week, Adaildo and members of the Morro D’água community were approached by two armed men who, according to the workers themselves, were in the service of the alleged owner of the farm, Bauer Souto Santos.

Pressed by the State and Federal Public Prosecutor’s Office, the Civil Police went to the Salto Community to investigate the threats, but did not make any arrests and refused to look for the gunmen. The investigation did not advance in any way. In the very act of recording an Occurrence Bulletin, the police’s total lack of awareness of the violence faced by the communities was evident, making it difficult for community members to record their complaints.

The expansion of agribusiness in the Cerrado do Piauí is funded by financial investments of foreign pension funds, such as TIAA, from the United States, which has speculated in real estate acquired illegally by entrepreneurs and farmers. But it is on these pieces of ground, like the Salto Community, that men and women have lived for years, and they use the lowlands and the bluffs to plant and raise their animals – spaces of life that have been taken by force by the “projectors”, as the land grabbers are called by the communities.

In order to verify and denounce violations of human rights and violence suffered by rural communities in the southern region of Piauí, the Matopiba International Caravan (composed of members of Brazilian and international organizations and movements, researchers and journalists) visited affected communities over eleven days in September 2017. After the caravan representatives of Brazilian organizations, such as the Pastoral Land Commission (CPT), FIAN, and the Social Network of Justice and Human Rights, visited countries in Europe and the United States to publicize the situations encountered by the Caravan in Piauí. Complaints have been made, for example, to representatives of European governments and the European Parliament. In the USA, a seminar on the problem at New York University took place. And the Matopiba International Caravan Report will be released later this semester.

In addition to increasing foreign investment in Piauí, the Land State Regularization, proposed in Law 6709/2017, further aggravates this conflictive situation, since it disregards the territory where the communities live, and privileges individual titles and the regularization of land soon after being invaded by farmers and companies. We remind you that this regularization process is financed by the World Bank.

The peoples and communities of Piaui, as well as the organizations and social movements that accompany them, have made innumerable national and international denunciations, however, it is noticed that the absence of the Brazilian State in the prevention and resolution of agrarian conflicts contributes to the increase of violence and to legitimize the criminal actions of farmers and companies.

Given this scenario, we express our solidarity and support to threatened communities struggling to defend their territories. We demand immediate actions by public authorities to prevent further announced deaths of peasants. We also demand that the Agrarian Branch of Piauí, the Institute of Land of Piauí (Interpi) and the Nucleus of Land Regularization of the General Corregedoria of Justice of Piauí review Law 6,709 / 2017. This review process should have wide participation of impacted communities, as guaranteed by the ILO Convention 169, as well as guarantee that land be allocated to the communities that have lived in these territories for many years.

Brasília, February 22, 2018.

Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR/BA)

ActionAid Brasil

Associação Agroecológica Tijupá

Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins (APA/TO)

Cáritas Brasileira

Cáritas Regional Piauí

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)

Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)

Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)

Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC)

Coletivo Acadêmico de Educação do Campo/PI

Escola de Formação Paulo de Tarso

Federação da Agricultura Familiar do Piauí (FAF-PI)

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Piauí (FETAG-PI)

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)

FIAN Internacional

FIAN Brasil

Grassroots International

Grupo de Estudos sobre Geografia, Território e Sociedades, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFMA)

Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP) do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ)

Grupo de Pesquisa ReExisTerra – Resistências e Reexistencias na Terra (NAEA/UFPA)

Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN)

Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)

Maryknoll Office for Global Concerns

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC)

Núcleo de Agroecologia e Educação do Campo (GWATÁ/UEG)

Obras Kolping/PI

Rede Social de Justiça e Direitos Humanos

Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Redessan)

Serviço Pastoral do Migrante (SPM)

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* Crédito imagem: Caravana Internacional do Matopiba – Piauí Set.2017

Há um ano conselheiras e conselheiros aguardam a posse no CNPCT

Sem a instalação do Conselho Nacional, Povos e Comunidades Tradicionais  perdem ainda mais direitos

Se no último ano os retrocessos e as perdas de direitos têm acentuado desigualdades no país, os impactos destas medidas para povos e comunidades tradicionais têm sido ainda mais danosos. A violência e criminalização das lutas, aliada à falta de políticas de regularização fundiária e de territórios tradicionais têm fragilizado estes povos que precisam ter garantido o direito à terra e território, como condição necessária para sua sobrevivência, assim como a manutenção da sua identidade e valores culturais.

Em relação a estes povos, no que diz respeito à participação, um dos principais problemas enfrentados é a não efetivação do  Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT). Instituído pelo Decreto 8.750 de maio de 2016 – uma das últimas ações do governo da Presidenta Dilma Rousseff – o Conselho é um órgão de caráter consultivo e seus conselheiros e conselheiras são eleitos por meio de edital público. O processo eleitoral aconteceu ainda no ano de 2016, porém o resultado deste só foi divulgado em fevereiro de 2017. Apesar da nomeação em 14 julho de 2017, conselheiras e conselheiros eleitos aguardam há quase um ano a instalação para que possam dar continuidade aos trabalhos inicialmente realizados pela Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (transformada, posteriormente em Conselho).

Entre as principais atribuições do CNPCT estão coordenar e acompanhar a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto nº 6.040/07.  A Política foi elaborada tendo como principal objetivo a promoção do desenvolvimento sustentável desses grupos com ênfase no reconhecimento, no fortalecimento e na garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, respeitando e valorizando suas identidades, formas de organização e instituições.

“O CNPCT é uma conquista dos povos e comunidades tradicionais, uma luta de muitos anos, é um espaço de Estado e não um espaço de governo, mas que precisa muito de vontade política para que ele de fato se efetive e continuamos nessa luta pela sua efetivação. Temos atuado, mas sem reuniões ordinárias para deliberar algumas coisas no coletivo e isso é muito ruim politicamente, porque resulta em muitas perdas coletivas”, ressalta a conselheira Cláudia de Pinho, da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.

Sem posse

A relação com as organizações da sociedade civil eleitas para compor o Conselho foi divulgada pelo Ministério de Desenvolvimento Social em fevereiro de 2017. O resultado da eleição foi divulgado no Diário Oficial da União no dia 3 de fevereiro de 2017.

São 33 organizações e movimentos sociais que aguardam a posse no CNPCT, além de 15 membros do Governo Federal. Importante instrumento para promover o desenvolvimento sustentável, reconhecer e garantir direitos de povos e comunidades tradicionais, em maio de 2017, o governo federal, por meio do Decreto 782 transferiu a estrutura do CNPCT, que até então integrava o Ministério de Desenvolvimento Social, para o Ministério dos Direitos Humanos.

“Passamos por todo o processo de composição do CNPCT, mas não saiu a posse e no meio do processo a Secretaria Executiva que estava conduzindo esse processo no MDS passa para o Ministério de Direitos Humanos, mas até agora nada de previsão, inclusive fizemos uma carta para a Ministra solicitando a posse dos Conselheiros, o funcionamento da Secretaria Executiva, entre outras. Apesar da SDH ter nos recebido, até agora não temos nada de efetivação. Precisamos dar continuidade às atividades e obrigações do Conselho”, conta Claudia de Pinho.

Na carta, enviada à ministra Luislinda Dias de Valois em outubro de 2017, além de explicitar o processo de mobilização e articulação construído para a instituição do Conselho, as organizações e movimentos sociais de povos e comunidades tradicionais pedem agilidade na efetivação do órgão como: posse dos Conselheiros; transferência do orçamento referente ao Conselho que se encontra disponível no MDS para o MDH; transferência da estrutura da Secretaria do CNPCT que se encontra no MDS para o MDH; criação de uma coordenação para a Política dos Povos e Comunidades Tradicionais na estrutura da Secretaria Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

“Diante do exposto manifestamos que não aceitamos a desculpa da crise política que o país atravessa para se fazerem acordos e que a toque de caixa retirem nossos direitos e nossas conquistas nas lutas históricas em busca da visibilidade política e efetivação de políticas públicas que refletem o nosso modo de ser e existir neste país. Repudiamos qualquer retrocesso que viole os direitos de Povos e Comunidades Tradicionais e contamos com a vosso apoio”, destaca trecho da carta.

Direito ao território e à alimentação

Em atividade de formação sobre a Declaração dos Direitos Campesinos, realizada com a FIAN Brasil, nos dias 15 e 16 de janeiro, representantes do Grupo de Trabalho sobre Direitos Campesinos do CNPCT, apontaram a ausênica de posse de conselheiras e conselheiros como um dos principais problemas de povos e comunidades tradicionais do país.

Além da falta de efetivação do CNPCT, o grupo apontou ainda como problemas enfrentados pelos povos e comunidades tradicionais o fim do PAA e PNAE; a sobreposição dos territórios tradicionais com Unidades de Conservação; o não reconhecimento dos territórios tradicionais; a privatização dos recursos naturais; o desrespeito aos marcos legais e tratados nacionais e internacionais; a perda de políticas públicas e desmonte do Estado; o aumento da violência contra as mulheres e jovens PCT; o uso de agrotóxicos; os impactos causados por grandes empreendimentos, entre outros.

“Todas as políticas que vêm das perdas de direitos tem um impacto muito grande porque nossos territórios não estão regularizados. A maioria das demandas está relacionada à questão da regularização fundiária dos territórios tradicionais e isso impacta diretamente na segurança alimentar, porque para muitos povos além da auto afirmação da sua identidade e território, existe uma auto afirmação ligada à sua alimentação e muitas vezes essa alimentação está disponível na sua forma de estar no território e, sem o território, isso fica fragilizado, vulnerável”, aponta Claudia de Pinho.

De acordo com dados do último IBGE é possível perceber que a insegurança alimentar é mais presente em comunidades rurais, onde predominantemente se encontram os PCT’s. Enquanto na cidade o grau de segurança alimentar é de 79,5%, em comunidades rurais o dado cai para 64,5% (IBGE/2013). “Acrescentando a estes dados o quesito racial, em comunidades negras rurais (quilombolas, por exemplo) o grau de segurança alimentar cai para 58%. Essas informações indicam a necessidade urgente de políticas públicas que reconheçam a especial vulnerabilidade dos PCT’s no Brasil. A instalação imediata do CNPCT não é apenas uma obrigação legal do Estado brasileiro, mas uma medida que visa garantir os direitos humanos”, destaca a assessora de Direitos Humanos da FIAN Brasil, Luana Natielle Basílio.

 

(Foto destaque: Leo Lima)

Relatório identifica violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil

Um relatório que identifica as principais violações de direitos humanos em comunidades quilombolas do Brasil e apresenta recomendações com propostas de ações para prevenção, defesa e reparação desses direitos violados. Esta é a essência do “Relatório final – Violações de direitos humanos das comunidades quilombolas no Brasil”, aprovado pelo CNDH no dia 6 de dezembro.

O relatório, produzido pelo Grupo de Trabalho Direitos dos Povos e Comunidades Quilombolas do CNDH, resulta de visitas in loco a três territórios quilombolas do país, com o objetivo de verificar os fatores de violações de direitos humanos nas áreas e realizar reuniões com autoridades responsáveis pela titulação e pela garantia de políticas públicas no território: Brejo dos Crioulos (MG); Alcântara (MA) e Santarém (PA).

“Os casos relativos a esses territórios foram considerados emblemáticos porque representam uma diversidade de situações de violação de direitos comuns às comunidades quilombolas do país. Assim, as missões proporcionaram a elaboração de um quadro geral sobre a problemática e o embasamento para recomendações em nível nacional”, explica o documento. A FIAN Brasil integrou a comissão que visitou as comunidades e elaborou o relatório.

Acesse aqui o relatório na íntegra.

Fonte: CNDH

Audiência debate impactos negativos do Teto de Gastos aos direitos humanos no Brasil

O Brasil, que já é um dos países mais desiguais do mundo, corre o risco de voltar para o Mapa da Fome, deixar pessoas sem acesso a medicamentos e mulheres vítimas de violência, em sua maioria negras e jovens, desprotegidas. Esses são alguns dos efeitos perversos da Emenda Constitucional 95 (‘teto dos gastos’), que congela investimentos públicos por 20 anos e completa nesta semana um ano de vigência.

Os dados fazem parte de estudo produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) em parceria com a Oxfam Brasil e o Centro para Direitos Sociais e Econômicos (CESR, na sigla em inglês), que será lançado nesta quinta-feira (14/12) durante audiência pública a ser realizada na Câmara dos Deputados, às 9h30, para discutir os impactos negativos do Teto dos Gastos sobre os direitos humanos da população brasileira.

O estudo mostra que a austeridade no Brasil, além de seletiva, desrespeita a Constituição ao mesmo tempo em que coloca em risco décadas de progresso socioeconômico. Também constam no documento propostas de alternativas ao novo regime fiscal.

A audiência pública é desdobramento da relatoria especial sobre as consequências da política de austeridade e congelamento do investimento público lançada em outubro pela Plataforma Dhesca Brasil – rede formada por 40 organizações da sociedade civil que desenvolve ações de promoção e defesa dos direitos humanos. A relatoria investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.

Entre as principais recomendações apontadas no relatório, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas e a realização de uma consulta junto à população sobre as emendas constitucionais 95 (teto de gastos) e 93 (desvinculação das receitas da União).

Segundo Denise Carreira, coordenadora da relatoria especial da Plataforma Dhesca, a ideia é promover formas de engajamento da população em relação ao tema em diferentes espaços, por meio de uma consulta popular e a realização de rodas de conversa, entre outras ações.

Organizada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara em parceria com Oxfam Brasil, Inesc, Conectas Direitos Humanos e Plataforma Dhesca, a audiência pública terá a participação de economistas, parlamentares, representantes de movimentos sociais, Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e Anistia Internacional Brasil.

Serviço

Data: 14/12/2017

Horário: 9h30

Local: Plenário 14- Câmara dos Deputados

 

Fonte: Plataforma Dhesca

CDNH aprova Resolução sobre DHANA para mulheres e adolescentes em privação de liberdade

O CNDH aprovou, em sua 33ª Reunião Ordinária, realizada no dia 6 de dezembro, a Resolução n° 9/2017, que trata do Direito Humano à Alimentação Adequada de mulheres e adolescentes em privação de liberdade, em especial gestantes, lactantes e com filhos e filhas. A Resolução é um dos encaminhamentos da Comissão Permanente de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas do CNDH, da qual a FIAN Brasil faz parte.

Para o colegiado, qualquer imposição de fome e sede às mulheres e adolescentes em Privação de Liberdade, sobretudo a título de punição ou como forma de condicionar comportamentos, é considerada tortura, por isso, o colegiado defende a aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade como medida de prevenção à tortura.

Na impossibilidade de aplicação de medidas alternativas, o documento do colegiado recomenda que o Estado garanta, dentre outros itens, o direito à amamentação de livre demanda, sem restrição de tempo e em local apropriado; a criação de condições e ambientes que permitam às mulheres e adolescentes alimentar e/ou amamentar seus filhos e filhas; a oferta de alimentos adequados e saudáveis para as crianças menores de 2 anos, respeitando as quantidades, a qualidade e a consistência conforme diretrizes e princípios estabelecidos no Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 anos, do Ministério da Saúde; e atenção especial ao direito das mulheres e adolescentes vivendo com HIV ou AIDS de alimentar seus filhos e filhas, garantindo o vínculo e respeito à alimentação adequada.

CNDH também recomenda que mulheres e adolescentes em privação de liberdade sejam consultadas sobre o interesse em amamentar e/ou alimentar seu filho e filha, respeitando a opção da mãe e, havendo o seu interesse, garantir orientação e apoio para o Aleitamento Materno e alimentação adequada. Também é reforçada a recomendação de não utilização de algema durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto, durante o trabalho de parto e pós-parto; além de tratamento médico e psicológico em caso de abortos, espontâneos ou não.

Confira aqui a Resolução na íntegra.

Fonte: CNDH

 

 

Prato do Dia #5: O desmaio de fome e a despolitização da austeridade

“Quando a gente percebeu que era fome, eu saí de perto para chorar. O rapaz do Samu me olhou com uma cara de ‘que realidade é essa?’. E eu disse que é sempre assim. Eu tenho dois alunos que todos os dias reclamam de fome”. (Ana Carolina Costa, professora do 2º Ano Fundamental da Escola Classe 8, Cruzeiro/DF)


Uma criança desmaiou de fome dentro de uma escola do Distrito Federal (DF). Além de escandaloso, o caso ocorrido no dia 13 de novembro é também emblemático para caracterizar o Brasil em que vivemos atualmente.

A criança, um estudante de 8 anos de idade, desmaiou de fome na Escola Classe 8, localizada a meros 11 km da Esplanada dos Ministérios, centro do poder político nacional. O governo do DF, responsável pela instituição de ensino, chegou a afirmar em forçosa nota que a criança não teria desmaiado, mas que estava meramente “molinha”. Despolitizando completamente a situação, o governador Rollemberg declarou em seguida que não se tratava de uma questão de competência da escola, mas sim da família da criança.

Analisando o caso, três fatores sobressaem:

  1. a situação de pobreza em que se encontra a família da criança;
  2. a falta de escolas na região em que essa família vive, somado ao grande deslocamento até outra instituição de ensino;
  3. a falta de alimentação adequada na escola em questão.

Não é preciso muito para confirmar que os fatores acima são puramente políticos. Ex-catadora de materiais recicláveis, a mãe da criança está desempregada e cria sozinha seis crianças; recebe o valor mensal de R$ 946 de programas de assistência social, mas reclama que os custos de vida são muito altos – para efeitos de comparação, uma cesta básica de alimentos no DF custa atualmente cerca de R$ 400. A família foi beneficiada com um apartamento do Minha Casa, Minha Vida no ano passado, contudo na localidade onde o empreendimento foi construído (Paranoá Parque) não há escolas, hospitais ou outros equipamentos públicos, muito menos empregos.

Os fatos são confirmados pelas declarações do governo distrital, que promete construir uma escola na região nos próximos anos. Enquanto isso, 250 estudantes da região são transportados 30 km todos os dias para a Escola Classe 8 do Cruzeiro, localizada do outro lado do DF. Tal escola, por sua vez, oferece como lanche somente biscoito e suco no meio da tarde, situação escandalosa na unidade da federação com maior renda per capita do país. Ainda, não há almoço para aquelas crianças que precisam sair de casa por volta de 11h da manhã para chegar a tempo da aula, no início da tarde.

A análise do caso comprova o que a FIAN vem defendendo há tempo: deve-se pensar a alimentação e a nutrição de uma maneira que seja holística e centrada na realização deste e de outros direitos humanos; políticas públicas, portanto, devem ser construídas com base nessa visão. É responsabilidade do Estado brasileiro, em última análise, garantir a existência e funcionamento adequado de creches, escolas e outros equipamentos públicos. Assim como é responsabilidade estatal garantir o direito à educação, onde se inclui o fornecimento de merendas adequadas e saudáveis, especialmente quando se trata de crianças em situação de vulnerabilidade social.

Para tudo isso, e muito mais, o Estado precisa de recursos financeiros. Contudo, o contexto de políticas de austeridade em que fomos (forçosa e golpeadamente) colocados nos empurra no sentido contrário: a Emenda Constitucional 95 congelou os gastos com políticas sociais, como aquelas que fariam a diferença neste caso, pelos próximos 20 anos. Análise da FIAN Brasil com outras organizações, baseada em estudo do IPEA, indica que em poucos anos o orçamento de alguns ministérios não conseguirá cobrir sequer as políticas públicas mais básicas consagradas na Constituição Federal, como o Benefício de Prestação Continuada.

Nesse cenário, é sintomático que governantes tentem despolitizar assuntos como a alimentação, a exemplo do que fez o governador do DF: para eles e para boa parte do grande capital que os financia, é interessante que a opinião pública não ligue os pontos entre austeridade, diminuição dos recursos para políticas sociais e aumento da pobreza, miséria e fome, entre outros. Tal prática corre junto com os discursos sobre um menor papel do Estado e uma maior responsabilização do indivíduo – questões que vão pautar o cenário eleitoral em 2018.

O resultado de tudo isso são desmaio(s) de fome, aumento do desemprego, da pobreza e da violência, como já indicado por vários estudos. Resta à população, em conjunto com a sociedade civil progressista, repolitizar estas e tantas outras questões.

Por Lucas Prates, assessor de direitos humanos da FIAN Brasil

Encontro Nacional de Direitos Humanos reivindica unidade de ação

Construir uma agenda democrática para os direitos humanos no Brasil em meio ao cenário de agudizada supressão de garantias e liberdades é o objetivo central do Encontro Nacional de Direitos Humanos (ENDH), que teve início nesta quarta-feira (8), na Câmara dos Deputados, em Brasília.

Organizado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara, pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDHLP) do Senado e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), o ENDH reúne até esta quinta (9) representantes de organizações sociais e do poder público de todo o país para refletir e debater temas ligados aos direitos humanos, tendo como marcos de referência os três planos nacionais da área, as onze conferências nacionais já realizadas e as novas pautas de direitos.

Durante a mesa de abertura do Encontro, foram reforçados a necessidade de identificação de pontos comuns a todos os grupos, com vistas a evitar a ampliação dos retrocessos em curso no país, e o empreendimento de ações fortalecidas por meio da unidade.

Para o deputado federal Paulão (PT/AL), presidente CDHM da Câmara, é fundamental construir uma agenda de lutas que possa servir de referência tanto para os movimentos sociais quanto para o serviço público. Segundo ele, conquistas históricas vêm sendo banidas por decretos e outras medidas antidemocráticas, como a autorização do STF para o aviltamento dos direitos humanos fundamentais no Enem.

“Nesse momento sombrio de destruição, temos o dever de nos mobilizar para, pelo menos, resgatar o que foi perdido. Somente nossa unidade na ação, por meio de uma plataforma comum, poderá nos fazer avançar. Que todos nós possamos dar pelo menos parte de nossos esforços em torno de uma agenda mínima comum para uma resistência mais vigorosa ao espectro do Estado de exceção que caminha entre nós”.

A senadora Regina Sousa (PT/PI), presidente da CDHLP do Senado, também mencionou retrocessos vigentes, como a portaria que torna mais restritas as definições de trabalho escravo e a reforma trabalhista, e afirmou a necessidade de tronar concretas as propostas oriundas do encontro. “A gente precisa ir além da audiência, ter uma força tarefa para fazer coisas mais concretas e enfrentar essas pessoas que estão construindo esse país pra eles”, defendeu.

CNDH e revogação da EC 95

As ações de resistência do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) em relação aos retrocessos em curso – como as reformas trabalhista e da previdência e a ampliação da violência em territórios rurais e urbanos – foram elencadas pelo presidente da instância, Darci Frigo. Ele também destacou a instauração, inédita,,por parte do colegiado, de uma Comissão de Apuração de Condutas e Situações Contrárias aos Direitos Humanos do Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, por sua atuação contrária ao processo de erradicação do trabalho escravo no país.

Como proposta de ação concreta e unitária para o próximo período, Frigo propôs a realização de uma consulta popular sobre a revogação da Emenda Constitucional 95,  que congela por 20 anos investimentos públicos com educação, saúde e assistência social no Brasil. “Haverá luz depois desse processo de escuridão. Precisamos trabalhar para unificar nossa agenda política e articular forças para que resistamos. Não há possibilidade de avançarmos se não garantirmos um ambiente democrático verdadeiro e substantivo”, asseverou.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão e integrante do CNDH, Deborah Duprat, lembrou do processo constituinte e do momento de inauguração de um regime de direitos em comparação com a quadratura atual. “Esse momento nos mostra que nenhuma vitória pode ser considerada definitiva. O que vivemos agora é um momento em que os privilégios tentam se sobrepor aos direitos. Não é fortuito que tenhamos incidência maior das forças atacando pessoas pobres e negras nas periferias, que a violência no campo tenha atingido níveis jamais vistos. Não temos um direito violado, mas todos os conquistados em 1988”.

O atual secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania de Minas Gerais, ex-ministro dos Direitos Humanos e primeiro presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Nilmário Miranda, sinalizou apoio à ideia de construção de um referendo revogatório e resgatou a história de fundação da Comissão, em 1995 – ressaltando que, à época, o compromisso com os direitos humanos eram uma pauta considerada por todo o espectro político partidário. “Hoje, não podemos contar com quem vinha aqui antes. Esse Congresso é, em sua maioria, inimigo dos direitos humanos e da democracia. Enquanto tivermos congresso como esse, só poderemos resistir.Temos condições de reconstruir uma grande frente, mas vai passar opor 2018”, finalizou.

A mesa de abertura do ENDH também foi composta por Zélia Amador de Deus, professora da Universidade Federal do Pará, ativista do movimento negro e cofundadora da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos; Luciano Mariz Maia, vice-Procurador Geral da República; Everaldo Patriota, presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Anginaldo Vieira, Defensor Nacional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União, além de deputados e senadores.

Relatoria Especial da Plataforma Dhesca

Durante a abertura do Encontro, a representante da Plataforma Dhesca Juliane Cintra apresentou, por meio de um vídeo de animação, a relatoria especial realizada pela rede que investigou os impactos da política econômica adotada pelo governo brasileiro a partir de 2014, e agravados em 2015, na violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais da população e no acirramento das desigualdades econômicas e sociais no país.

Entre as principais recomendações apontadas no relatório e apresentadas por Cintra, estão a adoção de políticas econômicas anticíclicas, a realização de um referendo nacional sobre as emendas constitucionais 95 e 93 (desvinculação das receitas da União), a criação de um Comitê Nacional de Emergência para atuar junto às pessoas vulneráveis e a implementação de uma Reforma Tributária progressiva que contribua para a redução das desigualdades. “O Estado de exceção violou muitos direitos, e é momento de pensar em como nos engajamos em frentes amplas para apontar para outros horizontes possíveis de atuação”, completou.

Fotos: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Votação da ADI quilombola prossegue com voto de constitucionalidade parcial de Toffoli

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomaram, na tarde desta quinta-feira (9/11), a ação que questiona o decreto presidencial sobre regulamentação fundiária das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 foi ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o Decreto nº 4.887/2003, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras de quilombolas.

Já haviam votado o relator, ministro Cezar Peluso (atualmente aposentado), que em 2012 julgou procedente a ação, e a ministra Rosa Weber, que votou pela improcedência da ADI. O ministro Dias Toffoli, que estava com o voto-vista, proferiu seu voto hoje, após ausência em duas votações anteriores – que as inviabilizaram.

Toffoli, em seu voto, rememorou o processo constitucional de construção do Decreto 4.887, apresentando divergências em relação aos questionamentos contidos na ADI – especialmente no que se refere à autonomia legislativa e autodeclaração. “A autodefinição é elemento importante para reconhecimento de grupo étnico”, afirmou.

Por fim, o ministro julgou pela constitucionalidade parcial do Decreto, por considerar que somente devem ser titularizadas áreas que estavam ocupadas por remanescentes de quilombos em outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) salvo no caso de esbulho ou ato ilícito que suspenda a posse. Na visão das entidades, a tese do Marco Temporal é uma ameaça às comunidades quilombolas.

“O efeito prático do voto do ministro Dias Toffoli é a inviabilização da titulação das terras quilombolas. Pelo entendimento do ministro, só seria passível de titular a terra efetivamente ocupada em 1988, situação que inviabiliza por completo a sobrevivência digna das comunidades quilombolas, por sua própria cultura. Apesar de refutar o conceito colonial de quilombo, o ministro limita o direito à terra dos quilombolas como sempre fizeram os escravocratas. Os negros e negras não teriam direito à liberdade que só o acesso à terra viabiliza. Continua a abolição formal e inconclusa da escravidão”, afirma Fernando Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos.

A sessão foi encerrada após o pedido de vistas do ministro Edson Fachin, que ressaltou a relevância do tema.

Fonte: Terra de Direitos