Foto: Léo Lima

FIAN Brasil apresenta publicações sobre violações de direitos humanos nesta sexta em Brasília

A FIAN Brasil apresenta nesta sexta-feira, 9 de junho, duas publicações sobre o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (DHANA), em Brasília. A primeira publicação será lançada às 9 horas e apresenta um diagnóstico de violações de direitos na comunidade quilombola Brejo dos Crioulos (MG). No período da tarde, às 14 horas, acontece o lançamento da segunda publicação “Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do DHANA no Brasil”.

As duas publicações estão relacionadas aos trabalhos e pesquisas realizadas pela FIAN Brasil no âmbito do cumprimento de sua missão institucional em defesa dos Direitos Humanos. A luta pelo reconhecimento como comunidade quilombola e pelo direito ao território em Brejo dos Crioulos, localizada no Norte de Minas Gerais, é um dos casos acompanhados pela FIAN há mais de 10 anos.

A elaboração do Diagnóstico iniciou em janeiro deste ano e é fruto de uma análise antropológica que baseia uma avaliação das principais violações de direitos humanos sofridas pela comunidade. “Ao  tratar sobre o DHANA também abarcamos uma ampla gama de direitos correlatos, como acesso à educação, saúde e cultura, e com base nisso fazemos uma série de recomendações ao Estado brasileiro sobre o que deve ser feito para alterar essa realidade”, aponta o assessor de direitos humanos da Fian Brasil, Lucas Prates.

Durante o lançamento do Diagnóstico de Brejo dos Crioulos haverá um debate sobre a segurança alimentar e nutricional dos povos quilombolas no Brasil, com a participação de José Carlos/Véio (Brejo dos Crioulos), Joana Rodrigues (Brejo dos Crioulos), Ana Segall (FIOCRUZ), Luana Natielle (FIAN Brasil) e Lucas Prates (FIAN Brasil).

Democracia e golpe

Crédito foto: Fábio Nascimento/MNI

No período da tarde, a partir das 14 horas, será lançado o informe “Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no Brasil”. A publicação analisa a situação do DHANA no Brasil desde 1988 até o período atual, com foco nos principais retrocessos vividos após o golpe de estado de 2016. Para tanto são analisados criticamente os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis, bem como o aumento da violência institucional e da criminalização das lutas sociais. Saiba mais sobre a publicação no link.

“Este informe é uma leitura a partir da ótica do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, da Soberania e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Não temos a pretensão de apontar todos os iminentes retrocessos, mas sim, aqueles que nos pareciam, no momento de produção do documento, como mais graves e estruturais, considerando as obrigações que o Estado brasileiro assumiu quando adotou tratados internacionais de direitos humanos”, ressalta a secretária geral da FIAN Brasil Valéria Burity.

Durante o lançamento, haverá uma mesa de debate com a participação de Jorge Gimenez (FIAN Brasil), Valéria Burity (FIAN Brasil), Deborah Duprat (PFDC/MPF), Iridiani Seibert (MMC), Pedro Rossi (UNICAMP) e Antônio Teixeira (IPEA).

Parcerias

O diagnóstico de Brejo dos Crioulos é uma parceria entre o CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas e CPT – Comissão Pastoral da Terrra. Já o informe sobre o DHANA é uma iniciativa da FIAN Brasil, com apoio do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE). Ambas as publicações contam com o apoio financeiro de Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.  Após o lançamento, as publicações estarão disponíveis para download no site da FIAN Brasil.

FIAN Brasil

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). No país desde 2000, a FIAN Brasil realiza o acompanhamento e monitoramento de casos de violações de direitos humanos, bem como ações de incidência, advocacy e articulação na área de direitos humanos e direitos correlatos, com ênfase no DHANA.

Serviço

Lançamentos publicações FIAN Brasil

9 de junho de 2017 (sexta-feira)

9 horas: Diagnóstico de violações de direitos e situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional em Brejo dos Crioulos

14 horas: Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do DHANA no Brasil

Local: Instituto Bíblico de Brasília – SGAN 601, Módulo F, Asa Norte (antiga sede da Cáritas)

 

 

Ascom FIAN Brasil

Foto destaque: Léo Lima

Documento aponta avanços e retrocessos na garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas no Brasil

A FIAN Brasil lança, no dia 9 de junho, a publicação “Da democratização ao golpe: avanços e retrocessos na garantia do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição no Brasil”, que analisa a situação desse direito humano desde a Constituição de 1988 até o período atual, com foco nos retrocessos vividos após o golpe de estado de 2016. O lançamento acontece às 14 horas, no Instituto Bíblico de Brasília.

Organizada em quatro partes, a publicação aponta os avanços e analisa os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis, bem como o aumento da violência institucional e da criminalização das lutas sociais. “A proposta deste documento é registrar avanços e retrocessos deste direito no Brasil, denunciando graves violações que estão, em ritmo acelerado, relativizando direitos constitucionalmente garantidos. Seus impactos já são sentidos e poderão se agravar”, aponta a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

Entre os avanços apontados na publicação, estão as políticas de combate à fome e as quedas constantes no índice de insegurança alimentar, entre 2004 e 2013, quando atingiu o patamar histórico de 3,2%, dado que retirou o Brasil do Mapa da Fome das Nações Unidas. Do ponto de vista institucional, a publicação destaca como avanços a reinstituição do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) em 2003, a aprovação da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional em 2006 (LOSAN – Lei 11.346/2006) com a consequente criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), e a aprovação da Emenda Constitucional nº 64, que inclui a alimentação no rol de direitos sociais da Constituição Federal do Brasil (CF/88).

Sobre a qualidade da alimentação e a sustentabilidade dos modelos de produção, o documento critica também a atuação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). “Se nas últimas décadas o Estado brasileiro avançou em sua capacidade de ampliar o acesso à alimentação e a proteção social às famílias mais vulneráveis à fome, por outro lado facilitou a estruturação de um modelo de produção e consumo de alimentos que gera graves violações ao DHANA”, aponta trecho do documento. Entre estas violações, destacam-se a ausência de reforma agrária; a falta de garantia à terra/território para populações negras, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais; maior apoio ao agronegócio em detrimento ao apoio à agricultura familiar; a liberação do cultivo de transgênicos; a falta de regulação efetiva em relação ao uso de agrotóxicos, entre outras.

“Este informe é uma leitura a partir da ótica do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, da Soberania e da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Não temos a pretensão de apontar todos os iminentes retrocessos, mas sim, aqueles que nos pareciam, no momento de produção do documento, como mais graves e estruturais, considerando as obrigações que o Estado brasileiro assumiu quando adotou tratados internacionais de direitos humanos”, ressalta Valéria Burity.

 

Parcerias

O informe é uma iniciativa da FIAN Brasil, com apoio do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) e do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), e contou com apoio financeiro de Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.  Após o lançamento a publicação estará disponível para download.

FIAN Brasil

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA). No país desde 2000, a FIAN Brasil realiza o acompanhamento e monitoramento de casos de violações de direitos humanos, bem como ações de incidência, advocacy e articulação na área de direitos humanos e direitos correlatos, com ênfase no DHANA.

 

Foto: Léo Lima

Novos conselheiros: entrevista da FIAN Brasil para o Consea

“A proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária”, afirma o conselheiro Marcelo Brito. Professor de filosofia da rede pública de educação do estado do Mato Grosso do Sul e graduando em geografia, Marcelo Brito é diretor-presidente da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar (Fian Brasil) e tomou posse na nova gestão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) na primeira plenária de 2017, realizada no último dia 18 de maio.

O conselheiro demonstra preocupação com discussões em andamento no Congresso Nacional que representam graves ameaças à segurança alimentar e nutricional como a Proposta de Emenda às Constituição n° 215/2000, que retira do Poder Executivo e transfere para o Legislativo a competência sobre a homologação de terras indígenas. Ele cita ainda a Medida Provisória n°759/2016, que trata da regularização fundiária rural e urbana, que põe em risco o direito à terra, primordial para a produção de alimentos.

Confira a entrevista.

Como a Fian avalia a garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) no Brasil?

Marcelo Brito: A ausência da plena realização do DHAA no Brasil criou, historicamente, diversas violações de direitos humanos, muitas extremamente graves, a exemplo da fome. A garantia do DHAA cresceu muito no Brasil pós-redemocratização, especialmente entre 2003 e 2016, com o reestabelecimento do Consea, a promulgação da Losan [Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional], a criação e efetivação de políticas públicas essenciais e muitas vezes inovadoras, a exemplo do PAA – Programa de Aquisição de Alimentos e do Bolsa Família, todas conquistas da sociedade civil brasileira em prol deste direito humano. Contudo, desde 2016, o que vemos é um grave retrocesso de direitos e políticas públicas que garantem esses direitos. A reforma da previdência, a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95 são exemplos disso. Nosso trabalho e o de parceiros já indicam que há premente risco de que a fome volte a impactar com força o país, especialmente no que tange a PCTs [povos e comunidades tradicionais] e as parcelas mais pobres da população.

Quais projetos em andamento no Congresso representam ameaças à segurança alimentar e nutricional?

Marcelo Brito: O cenário atual é tão intenso, complexo e conturbado que fica difícil indicar somente alguns projetos. Contudo, neste exato momento, algumas ameaças podem ser apresentadas como as de maior impacto. Neste sentido, como indicado acima, as grandes reformas propostas pelo Executivo Federal (Previdência e Trabalhista) impactarão diretamente na qualidade da alimentação da população brasileira. No que tange PCTs, a PEC 215 [Proposta de Emenda à Constituição n° 2015/2000] continua avançando, englobando em seu texto outras ameaças, como a teoria jurídica do marco temporal. No campo territorial e ambiental, a MP 759 [Medida Provisória n° 759/2016] e a nova lei do licenciamento ambiental são também ameaças gravíssimas que tornarão ainda mais injusta a distribuição e uso da terra no país. No que tange o tema dos agrotóxicos, o projeto de lei n° 6299/2002 tramita em regime de prioridade e contêm apensadas em si outras 16 propostas legislativas perversas à regulação destes venenos.

Em janeiro deste ano, a Fian divulgou informações sobre a situação dos quilombolas em Minas Gerais. Que políticas públicas precisam ser desenvolvidas nessas comunidades para garantir o direito humano à alimentação?

Marcelo Brito: A Fian Brasil lançará o relatório em junho, mas, de acordo com nosso acompanhamento do caso — que se dá desde 2007 — podemos indicar que o processo de luta por direitos de Brejo dos Crioulos avançou muito com a conquista do direito à terra, mas que neste momento as violações de direitos humanos que se colocam dizem respeito à finalização deste processo e à garantia de políticas públicas de produção, de acesso à água, sementes tradicionais, entre outras questões essenciais para a produção agrícola tradicional deste povo quilombola. Estas questões são tão importantes que percebemos, na pesquisa que resultou neste relatório, que muitas pessoas ainda passam fome em Brejo dos Crioulos e que o risco desta fome aumentar em breve é muito grande devido a cortes no Programa Bolsa Família, à falta de atenção do Estado para as políticas públicas acima indicadas, e à retirada de direitos que está em marcha no plano do governo federal.

Quais temas devem ser priorizados nos debates do Consea?

Marcelo Brito: Vivemos em um momento muito complexo, como disse acima, em que os retrocessos de direitos humanos e de construções democráticas estão ocorrendo em marcha acelerada. Neste sentido, pautas reativas e protetivas são as mais emergenciais, de modo a se garantir que as propostas legislativas, judiciais e do Poder Executivo não passem. Sendo assim, as pautas indicadas acima servem de base, assim como outras questões prementes, como a criminalização de movimentos sociais e defensores/as de direitos, a necessidade de se restabelecer plenamente a ordem democrática no país, e a questão do MATOPIBA, nova “fronteira agrícola” que está sendo dilacerada pelo agronegócio brasileiro e internacional. Além disso, pautas propositivas são sempre essenciais, principalmente quando já não se encontram inseridas nestas que citei acima. Neste sentido, a proposição da agroecologia como único modelo agroalimentar capaz de alimentar o país e o mundo de modo social e ambientalmente correto deve ser pautada como prioritária.

Entrevista: Beatriz Evaristo

Fonte: Ascom/Consea

Nota de denúncia da “Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil”: o agravamento da repressão às lutas sociais e políticas no Brasil

A Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil, rede composta por 41 organizações de defensores de direitos humanos, denuncia e repudia a intensificação da repressão do Estado brasileiro aos movimentos populares, com destaque para os ocorridos nesta quarta-feira (24/5).

A violência contra as lutas sociais pela terra e pela reforma agrária por parte do Estado brasileiro tomou proporções ainda maiores no dia 24 de maio. Foram assassinados/as ao menos 10 trabalhadores/as rurais em uma chacina promovida pelas polícias civil e militar da região de Pau d’Arco, no estado do Pará. Foi enviada missão ao Pará com a presença do presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo (representante da Plataforma Dhesca).

Horas depois, em Brasília, 49 manifestantes foram feridos/as e 8 detidos/as em uma brutal repressão das forças policiais ao protesto que pedia a saída do Presidente Michel Temer, a realização de novas eleições e o fim das Reformas Trabalhista e da Previdência. A repressão em Brasília incluiu o uso de armas letais, conforme comprovado por imagens de redes de TV e noticiários de grande circulação.

Denunciamos a aprovação relâmpago e em série no mesmo dia de diversas Medidas Provisórias (MP) que violam direitos fundamentais e agridem populações tradicionais: como a MP 756 que permite, entre outras coisas, a venda das terras na União em toda a região da Amazônia Legal, acirrando os conflitos de demarcação de terras de povos indígenas.

Por fim, o contexto de graves violações aos direitos humanos e à democracia atingiu seu ápice no final da tarde de ontem, dia 24 de maio, com a promulgação de Decreto Presidencial emitido pelo Sr. Michel Temer que autorizou o uso das Forças Armadas  para “a garantia da lei e da ordem” nas ruas do Distrito Federal até o dia 31 de maio — coincidentemente, a mesma data prevista para o fim da votação das reformas acima indicadas.

Apesar de o Decreto ter sido revogado na manhã desta quinta-feira (25/05), o uso dos militares para tais fins demonstra, como denunciado pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), uma sinalização de que pode ser instalado Estado de Sítio no país. Ressalta-se, ainda, que a publicação de tal decreto configurou crime de responsabilidade por parte do Presidente da República, haja vista que descumpriu os requisitos legais impostos pela Lei Complementar nº 97, de 1999.

Assim, a Plataforma Dhesca e suas entidades pedem a devida investigação por parte dos órgãos públicos brasileiros responsáveis dos crimes e violações de direitos humanos citados e a atenção dos organismos internacionais para a grave situação enfrentada pelo povo brasileiro, que tem a cada dia usurpados e ameaçados seus Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais.

Brasília, 25 de maio de 2017

Coordenação Colegiada

Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil

Foto: Mídia Ninja

Produção de comida saudável, direito à terra e à água como alimento: temas do novo Consea

A Produção agroalimentar, agricultura familiar e camponesa e suas repercussões ambientais, sociais, territoriais e no padrão alimentar foram temas escolhidos como prioridades centrais para os próximos dois anos para o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). A orientação foi dada pelos novos conselheiros, que assumiram o cargo para o biênio 2017-2019 durante a primeira reunião plenária, realizada nesta quinta-feira (18). Os temas deverão ser confirmados e aprofundados na próxima reunião do grupo, prevista para daqui a um mês.

O direito à terra, ao território, direitos dos povos indígenas, da população negra e de povos e comunidades tradicionais também foi citada pela maior parte dos conselheiros, além da erradicação da fome, da pobreza e desigualdade social no Brasil. A escolha dos temas foi feita após a apresentação dos relatórios do cinco grupos de trabalho integrados pelos conselheiros, que se reuniram durante dois dias em Brasília.

Como estratégia para alcançar os objetivos traçados, os conselheiros afirmaram que é importante o Consea buscar se aproximar de outras iniciativas do Legislativo e do Judiciário, a promoção de reuniões com outros conselhos da sociedade civil e o apoio à participação social para elaboração dos planos de segurança alimentar e nutricional nos estados e municípios, por meio de seminários.

A água como alimento

Outro tema de grande destaque foi a água como alimento e recurso produtivo, além da abordagem dos fatores limitantes do acesso universal a esse bem. Os novos conselheiros destacaram ainda a atenção à saúde, à nutrição e ao consumo alimentar adequado e saudável.

Devido ao grande interesse na questão da água como alimento, a nova presidenta do Consea, Elisabetta Recine, solicitou que à Secretária-geral do órgão que avalie a possibilidade de levantar informações para que este seja o tema da próxima plenária. Lembrou que haverá, neste ano, o Encontro sobre Água e o Fórum Mundial da Água.
Elisabetta ponderou que seria interessante para o Consea realizar um evento sobre o tema da água como alimento durante o fórum. A sugestão deverá ser analisado em agosto, após a próxima plenária da água, quando serão consolidadas as propostas de organização interna do Consea.

O presidente do Consea da Paraíba, José de Arimatéia Rodrigues França, alertou que há atualmente um grave problema de água em vários estados. Informou que o Consea-PB está organizando uma atividade sobre o projeto de integração do Rio são Francisco e os impactos em matas ciliares, bem como sobre a redução das políticas de cisternas de placa. Por isso, reforçou a importância do tema.

Estratégias

Os novos conselheiros definiram também, nesta quinta-feira, quais devem ser as principais estratégias de trabalho do Consea no próximo biênio 2017-2019, a partir de três grandes temas: direito à agua, terra e território; relação e cooperação internacional; e a defesa e fortalecimento do caráter estatal e público.

Para viabilizar essa atuação, acrescentaram, é preciso considerar a diversidade da natureza dos temas, dos sujeitos (diferentes gerações, mulheres, população negra, povos e comunidades internacionais) e suas dimensões (rural e urbana), além de buscar formas de articulação entre eles. É importante garantir a criação de um espaço e uma estratégia que permita a discussão permanente das questões de gênero, de modo a permear a discussão em todas essas instâncias.

O Consea deve atuar na difusão do direito humano à alimentação adequada; na divulgação da missão da entidade (que é mais conhecida fora do Brasil do que internamente); ampliar sua relação com o Legislativo e Judiciário; promover a integração das comissões internas permanentes; identificar avanços, gargalos e ameaças à implantação das políticas de segurança alimentar e nutricional.

Os conselheiros consideram importante a promoção de reuniões entre conselhos da sociedade civil e o apoio à participação social para elaboração dos planos estaduais e municipais de segurança alimentar e nutricional, por meio de seminários.

Fonte: Ascom Consea

Consea: FIAN Brasil toma posse e membros elegem uma nova Presidenta para gestão 2017-2019

O presidente da FIAN Brasil Marcelo Brito tomou posse na manhã desta quinta-feira, 18 de maio, como membro titular do Consea – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para o período 2017-2019. A programação de posse dos novos conselheiros, representantes da sociedade civil e do governo, iniciou na terça-feira, 16, em Brasília, durante a 1ª Reunião Plenária Ordinária do órgão.

“O Consea se constitui como um espaço de exigibilidade, de monitoramento e de garantia de direitos. Levando em consideração essa conjuntura de golpe e momento antidemocrático do Brasil, consideramos que ocupar este espaço é muito importante e estratégico para que esses retrocessos não avancem”, destacou Marcelo Brito.

A FIAN Brasil é uma das organizações da sociedade civil que integra o Conselho. “Na quarta (17/05) fizemos uma reunião entre as organizações da sociedade civil e mais uma vez foi reforçado nós que estamos neste espaço não compactuamos com o momento político do país e não reconhecemos esse governo”, ressalta Brito.

Segundo Marcelo Brito, na reunião foi apontado que o que se percebe é um crescimento da pobreza no Brasil e o decrescimento de programas de combate à pobreza. Entre as prioridades apontadas para a gestão, estão a questão da terra, agua, território, fortalecimento do SISAN, entre outros.

Presidenta
Depois da posse, os novos integrantes do Consea escolheram a nutricionista, professora e pesquisadora Elisabetta Recine para presidir o órgão no período 2017-2019. A indicação agora será submetida ao presidente Michel Temer, a quem compete a nomeação oficial. A presidência do Consea, de acordo com a Lei 11.346/06, deve ser exercida por representante da sociedade civil. Caso seja confirmada a escolha, Elisabetta será a segunda mulher a ocupar a presidência do Consea, sucedendo no cargo a antropóloga Maria Emília Pacheco. O Conselho foi criado em 1993, desativado em 1995 e recriado em 2003. Em ordem cronológica, os outros presidentes do Consea foram Dom Mauro Morelli, Luiz Marinho, Chico Menezes e Renato S. Maluf.

Consea
Nestes próximos dois anos, 24 novas organizações passam a fazer parte do Consea Nacional, outras 56 organizações que já participavam do conselho permanecem com suas vagas. O conselho será composto por um total de 60 representantes, sendo 40 representantes titulares da sociedade civil (2/3) e 20 representantes titulares do governo (1/3), além dos suplentes. O decreto de nomeação de representantes da sociedade civil foi publicado no Diário Oficial da União em 17 de abril.

Ascom Fian Brasil, com informações do Consea

Plenária debate números e metas do 2º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

A primeira reunião plenária da gestão do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que começou nesta terça e termina na quinta-feira, teve, entre os temas de debates, os números e as metas do 2º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), que é um conjunto de ações intersetoriais compreendendo nove desafios, 121 metas e 99 ações, no período de 2016 a 2017.

A conselheira e pesquisadora Ana Lúcia Pereira elogiou as metas do plano e enfatizou a necessidade de monitoramento da sua execução. “Eu acredito que esses números, essas metas aqui apresentadas são importantes e nós precisamos acompanhar e monitorar a realização, a implementação na prática”, afirmou, destacando as metas estabelecidas para as populações negra, indígena e de povos e comunidades tradicionais.

Opinião semelhante foi apresentada pelo conselheiro Marcos Rochinski, que representa a Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Contraf).  “O plano, na forma em que está estabelecido, a partir das diretrizes que o governo a sociedade traçaram na última conferência nacional [realizada em 2015], este plano está bem, é um ótimo plano”.

Rochinski, no entanto, questiona se as metas estão traduzidas pelos dados executados na prática. “Na quinta-feira [dia da apresentação dos dados consolidados] nós precisamos ver se as metas estão traduzidas nos números de fato, pois em 2016, por exemplo, praticamente não foi assentada nenhuma família na reforma agrária e na agricultura familiar nós temos uma diminuição de recursos no PAA [Programa da Aquisição de Alimentos]”.

Além de Ana Lúcia Pereira e Marcos Rochinski, a mesa teve a apresentação de Priscila Bocchi, representando o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) e a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), e Marília Leão, secretária-executiva do Consea. O debate foi mediado pela conselheira Ana Paula Bortoletto, que representa o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

O 2º Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional 2016-2019 é constituído por um conjunto de ações do governo federal que buscam garantir a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada à população brasileira. Foi elaborado pela Caisan, em conjunto com o Consea, a partir das deliberações da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Fonte: Ascom/Consea

FIAN Brasil participa do Colóquio Internacional Elikadura²¹ no País Basco

“O futuro de desafios alimentares e agrícolas para o século XXI: debates sobre  quem, como e com que implicações sociais, econômica e ecológica alimentarão o mundo”, este foi o tema do Colóquio Internacional Elikadura²¹ realizado entre os dias 24 e 26 de abril, no País Basco. A FIAN Brasil participou do Colóquio com a apresentação de um artigo sobre o diagnóstico da situação alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiowá. O texto foi apresentado pelo assessor de direitos humanos da organização, Lucas Prates.

O principal objetivo do Colóquio é discutir a complexidade sobre o tema da alimentação, com a intenção de unir perspectivas de diferentes setores (o campesinato, pesca, instituições públicas e pesquisa). Os debates no Colóquio partiram de seis temas que orientaram a discussão: 1. O capitalismo, classe, agricultura, pecuária e pescas; 2. Mudança climáticas e convergências; 3. Modelos de desenvolvimento no contexto dos fluxos de capital, bens e pessoas; 4. O acesso e controle sobre os meios de produção; 5.Consumo, saúde, nutrição e do direito à alimentação; 6. Movimentos Soberania Alimentar. Mais informações sobre o Colóquio.

Guia Alimentar para a População Brasileira ensina 10 passos para alimentação saudável

O Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde do Brasil em parceira com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS) e a Universidade de São Paulo (USP), oferece várias dicas de combinações saudáveis para o café da manhã, almoço, jantar e lanches, respeitando as diferenças regionais e sugerindo alimentos e bebidas de fácil acesso para os brasileiros.

Entre outras informações, a publicação (acesse aqui) apresenta 10 simples passos para alcançar uma alimentação saudável. São eles:

1) Prefira sempre alimentos in natura ou minimamente processados.
2) Utilize óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades.
3) Limite o consumo de alimentos processados.
4) Evite alimentos ultraprocessados, que são aqueles que sofrem muitas alterações em seu preparo e contêm ingredientes que você não conhece.
5) Coma regularmente e com atenção. Prefira alimentar-se em lugares tranquilos e limpos e na companhia de outras pessoas.
6) Faça suas compras em locais que tenham uma grande variedade de alimentos in natura. Quando possível, prefira os alimentos orgânicos e acroecológicos.
7) Desenvolva suas habilidades culinárias. Coloque a mão na massa, aprenda e compartilhe receitas.
8) Planeje seu tempo. Distribua as responsabilidades com a alimentação na sua casa. Comer bem é tarefa de todos.
9) Ao comer fora, prefira locais que façam a comida na hora.
10) Seja crítico. Existem muitos mitos e publicidade enganosa em torno da alimentação. Avalie as informações que chegam até você e aconselhe seus amigos e familiares a fazerem o mesmo.

Fonte: Opas/OMS

Sistema agroalimentar remove o sentido original da agricultura. Entrevista especial com Valéria Burity

As irregularidades do setor alimentício de carnes, apresentadas recentemente pela Operação Carne Fraca, demonstram um “processo” de “violações de direitos”, que “engloba um ciclo que vai da produção ao aproveitamento do alimento por quem o consome”, e a “imposição” de um “modelo neoliberal e de um sistema agroalimentar corporativo que lhe é funcional”, diz Valéria Burity à IHU On-Line.

Segundo ela, situações como essas ocorrem “porque existe uma opção política em apoiar o agronegócio e isso se dá porque a lógica das normas e das leis ainda favorece grandes empresários, em detrimento de agricultores familiares”. E assevera: “A causa de tudo isso é que o agronegócio tem influência sobre os poderes públicos, e um grande exemplo disso é a Bancada Ruralista do Congresso”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Valéria Burity defende a elaboração de políticas públicas que incentivem a agricultura familiar e medidas regulatórias mais rígidas para o agronegócio e para as transnacionais. “Um Estado efetivamente comprometido com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas promoveria ações regulatórias sobre a ação das transnacionais e das grandes empresas, sobre a liberação de transgênicos e o uso de agrotóxicos”, pontua.

Valéria Burity é advogada e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba. Atualmente é secretária geral da Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais violações cometidas por empresas do ramo alimentício no processo alimentar?

Valéria Burity – O processo alimentar, no conceito usado pela Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar – Fian Brasil, engloba um ciclo que vai da produção ao aproveitamento do alimento por quem o consome, e envolve outros elementos, como a possibilidade de exigir direitos. Nesse processo existem grandes violações de direitos. Só para citar algumas, destaco a concentração/grilagem e estrangeirização de terras; a persistência de relações trabalhistas que vulnerabilizam os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais; o uso excessivo de agrotóxicos; a produção de transgênicos sem respeito ao princípio da precaução; a destruição da economia familiar campesina a favor do monocultivo ou de megaprojetos que afetam o campo e as florestas, atingindo, principalmente, povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais e ainda a imposição de um modo agroindustrial baseado na produção de alimentos altamente processados que respondem a necessidades alimentares criadas por outras culturas e interesses.

IHU On-Line – Em artigo recente, ao comentar a Operação Carne Fraca, você mencionou “a pequena capacidade do Estado em fazer frente de maneira efetiva a todas as irregularidades” do setor alimentício. A que atribui essa ineficiência?

Valéria Burity – São as mesmas razões que impedem a superação de violações de direitos humanos no Brasil, como essas que citei antes. Todos esses problemas, com evidentes raízes estruturais, se somam, em décadas recentes, às imposições do modelo neoliberal e de um sistema agroalimentar corporativo que lhe é funcional. Ou seja, um modelo onde os interesses das corporações transnacionais configuram as decisões políticas sobre o setor rural, concentram e verticalizam os recursos e a produção, removem o sentido original da agricultura para o agronegócio ou para a lógica de megaprojetos e depreda tanto o ser humano quanto os bens naturais. Nesse sentido, os fatores estruturais se agudizam ou se readaptam aos interesses desse modo e sistema de produção e consumo. O Estado brasileiro deve fortalecer seu papel regulador em relação à produção, ao abastecimento, à distribuição, à comercialização e ao consumo de alimentos. Um estado efetivamente comprometido com o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, promoveria ações regulatórias sobre a ação das transnacionais e das grandes empresas, sobre a liberação de transgênicos e o uso de agrotóxicos, sobre a publicidade de alimentos, só para citar alguns exemplos.

IHU On-Line – Neste mesmo artigo, você aponta que atualmente no Brasil ocorrem dois fenômenos em relação à comercialização de alimentos: de um lado, a liberalização das regras para o agronegócio e, de outro, a imposição de exigências de produção e comercialização para a agricultura familiar. Pode nos dar exemplos de como esses dois fenômenos ocorrem hoje? Por que essas diferenças ocorrem?

Sempre existiu um apoio maior ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar

Valéria Burity – Antes de responder, é importante falar sobre agricultura familiar no Brasil. Sempre existiu um apoio maior ao agronegócio em detrimento da agricultura familiar. É verdade que houve um apoio maior à agricultura familiar a partir de 2003, mas sempre houve mais apoio ao agronegócio. Ainda em 2009, quando o ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier Dschutter, fez uma missão no Brasil, ele destacou que a agricultura familiar produzia 750 reais/hectare/ano, contra 358 reais/hectare/ano nas plantações de grande escala, e que os grandes proprietários de terra que representavam apenas 1% dos estabelecimentos rurais, captavam mais de 43% de todo o crédito agrícola, enquanto fazendeiros com menos de 100 ha, 88% do total de estabelecimentos, captavam apenas 30%. Porém o último censo agrícola, realizado em 2006, deixou claro que quem alimenta a população brasileira é a agricultura familiar e camponesa. Por essa razão os movimentos que lutam por soberania e segurança alimentar e nutricional no Brasil defendem a aproximação entre quem produz alimento de verdade, a agricultura familiar, e quem consome o alimento.

Só que existe muita dificuldade, por exemplo, na regularização para a comercialização de alimentos tradicionais, artesanais e de base familiar. A legislação sanitária é um dos grandes entraves, pois as normas da legislação são elaboradas tendo como referência a produção agroindustrial de larga escala, e acabam promovendo a concentração de todo processo alimentar, reforçando uma lógica excludente e concentradora da produção, do processamento e da distribuição. O padrão de fiscalização que temos hoje tende a criminalizar alimentos artesanais e tradicionais e dificulta o acesso aos mercados institucionais como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – Pnae.

Um exemplo desta criminalização à agricultura familiar foi a Operação Agro-Fantasma, desencadeada pela Polícia FederalPF, em setembro de 2013, que culminou em vários processos judiciais que foram julgados pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba/PR. Diversos agricultores foram presos e, junto a esses, muitos outros de diversas regiões do Paraná foram indiciados pelos crimes de falsificação de documento público, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. Funcionários da Companhia Nacional de Abastecimento – Conab também foram indiciados por peculato e prevaricação. As acusações diziam respeito, basicamente, a supostos desvios de recursos públicos por parte das associações e cooperativas de agricultores familiares. Segundo a PF e o Ministério Público FederalMPF, isso estaria ocorrendo no momento da entrega dos alimentos às entidades conveniadas (escolas, hospitais, equipamentos públicos da assistência social, entre outros). Segundo as normativas de operação do PAA, toda associação ou cooperativa de agricultores que almejasse entrar no programa para venda de seus produtos alimentares, deveria elaborar um plano no qual estariam discriminadas de forma detalhada as entidades que receberiam os alimentos, bem como os tipos de alimentos e as respectivas quantidades a serem entregues pelos agricultores.

Dessa maneira, no decorrer das investigações da PF, foram apontadas inconsistências nas entregas realizadas pelos/as agricultores/as, com quantidades e tipos de produtos muitas vezes diferentes daqueles indicados meses antes nos planos de entrega originais. Contudo, em análise mais apurada, percebe-se que a inconsistência na entrega dos produtos se deu em razão de questões ligadas à safra, mudanças climáticas e/ou baseadas em outros imprevistos inerentes à vida no campo — motivos esses explicitados, em muitos casos, pelos próprios agricultores no verso das notas fiscais. Passados mais de três anos desde a deflagração da Operação Agro-Fantasma, a maioria das pessoas acusadas foi absolvida devido a pedidos posteriores do próprio Ministério Público Federal. Por outro lado, volumosos exemplos podem ser citados no que se refere à liberalização das regras para o agronegócio.

Segundo relatório recente da Oxfam, existiam no Brasil em 2015 mais de 4 mil pessoas físicas e jurídicas detentoras de terra, as quais possuíam, cada uma, dívidas de ao menos 50 milhões de reais — totalizando quase 1 trilhão de reais. Ao mesmo tempo em que tal dívida existe, o governo Temer editou a Medida Provisória nº 733/2017 (posteriormente convertida na Lei nº 13.340/2016), a qual permite o abatimento de dívidas do agronegócio em porcentagens que variam de 35 a 95% a depender das especificidades da dívida. Outro caso notável é a chamada Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/2016), a qual isenta de ICMS produtos primários e secundários destinados à exportação. O mesmo relatório da Oxfam estima em 22 bilhões de reais por ano o prejuízo dos estados com tal lei. Estes são somente dois exemplos, dentre vários, que indicam a dimensão de impactos negativos causados pelo agronegócio — nestes casos, impostos devidos — à sociedade.

Essas diferenças ocorrem porque existe uma opção política em apoiar o Agronegócio e isso se dá porque a lógica das normas e das leis ainda favorece grandes empresários, em detrimento de agricultores e agricultoras familiares. A causa de tudo isso é que o agronegócio tem influência sobre os poderes públicos, e um grande exemplo disso é a Bancada Ruralista do Congresso. E agora tudo caminha para invisibilizar a agricultura familiar e tratar tudo como agronegócio. É isso que se pode concluir quando se extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário, quando se suprime a agricultura familiar do próximo Censo Agropecuário e quando o Programa de Apoio à Agricultura familiar passa a ser chamado de “Agroamigo”.

IHU On-Line – Atualmente são feitas muitas críticas ao incentivo econômico dado pelo Estado ao setor do agronegócio. O que seria uma alternativa a esse modelo?

É cada vez mais crescente o número de pesquisas que nos mostram que a agroecologia é a alternativa mais viável, sustentável, saudável e, portanto, necessária para garantir o direito à alimentação em todo mundo

Valéria Burity – É cada vez mais crescente o número de pesquisas que nos mostram que a agroecologia é a alternativa mais viável, sustentável, saudável e, portanto, necessária para garantir o direito à alimentação em todo mundo. Essa, a propósito, foi a conclusão do ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, quando escreveu o informe que encerrou o seu mandato. No mesmo entendimento pode chegar quem observar, por exemplo, as colheitas recentes de arroz agroecológico produzido pelo Movimento dos Sem Terra – MST no Rio Grande do Sul, com números chegando a 400 mil sacas anuais.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?

Valéria Burity – É importante destacar que no dia 16 de março um conjunto de organizações e movimentos sociais que integram a plataforma Chega de Agrotóxicos lançou uma petição on-line com o objetivo de mobilizar a sociedade para a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNaRA. Além de apoiar a aprovação da PNaRA, a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos também tem como meta barrar o Projeto de Lei – PL 6.299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e a petição é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos nas mesas das famílias brasileiras.

Para assinar, acesse aqui.

Fonte: IHU – Unisinos

Disponível novo Portal de Indicadores da Segurança Alimentar

A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) disponibilizou nesta semana o novo Portal de Indicadores da Segurança Alimentar e Nutricional.

 Várias ferramentas importantes para o monitoramento da SAN foram incluídas no Portal. Uma das inovações do Portal é a seção “Estudos Técnicos”, da base de dados do Mapeamento da Insegurança Alimentar e Nutricional (Mapa Insan), que auxiliará a análise das informações geradas por meio do Cadastro Único e do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan).

O Mapa Insan é um estudo desenvolvido pela Caisan com o objetivo de identificar as famílias e indivíduos que se encontram em insegurança alimentar e nutricional.

Clique aqui para acessar o Portal

Fonte: Ascom/Consea com dados do MDSA

Prato do Dia #1: A carne é fraca e os alimentos não são mercadorias

A Operação “Carne Fraca” da Polícia Federal traz para o debate público as práticas das grandes empresas do agronegócio, como a JBS e a BRF, no ramo da alimentação. Independente das críticas que a operação vem sofrendo, especialmente por parte do governo, os fatos já demonstram como as grandes empresas podem gerar violações de direitos em todas as etapas do processo alimentar, isto é, desde  a produção de alimentos até o seu aproveitamento, depois do seu consumo por seres humanos.

Em primeiro lugar é importante apontar a pequena capacidade do Estado em fazer frente de maneira efetiva a todas as irregularidades que acabam sendo servidas como violações de direitos no prato de cada um de nós: soja no lugar de frango, soda cáustica no leite, carne apodrecida, agrotóxicos não permitidos ou usados além do permitido, e por aí vai – o cardápio é extenso. Sem ações reguladoras efetivas, não há garantia do direito à alimentação e nutrição para a população.

A mídia acaba tratando o assunto de maneira, no mínimo, curiosa. Em agosto de 2016, foi lançado o PlanoAgro+ pelo Governo Federal, o qual conta com 69 medidas imediatas (de quase 300 previstas) de redução da fiscalização sanitária – isto é, são medidas afetas à saúde pública, adotadas por Blairo Maggi, Ministro da Agricultura, sob o pretexto de que cabe ao mercado punir quem não produz como se deve. A mesma mídia que divulgou com cara de nojo a operação policial a “Carne é Fraca”, festejou o PlanoAgro+ como uma medida de desburocratização do agronegócio, sem falar da importância das medidas de regulação da produção e consumo de alimentos para a saúde pública. Muito barulho, pouca informação.

Com relação à comercialização de alimentos, é também importante registrar que, se de um lado existe uma liberalização de regras para o agronegócio, de outro existe imposição de exigências de produção e comercialização que afetam, principalmente, a agricultura familiar e camponesa, incluindo a perseguição e criminalização de mecanismos tradicionais de intercâmbio não mediados pelas leis do mercado – a exemplo das feiras de rua e da produção artesanal de alimentos. Neste contexto, torna-se ainda mais grave a injustiça percebida na diferença de apoio dado pelo Estado Brasileiro ao agronegócio e à agricultura familiar – embora seja essa a que mais produz e alimenta a população e a que mais emprega no meio rural.

Outra reflexão importante a fazer no contexto da operação Carne Fraca é que por um lado, ainda existem parcelas da sociedade brasileira que sofrem de fome e, de outro, grande parte da população possui altos índices de sobrepeso e obesidade: segundo os dados mais recentes da FAO, por exemplo, 54,1% dos adultos brasileiros estão com sobrepeso, e 20% com obesidade. A essência dos negócios de JBS, BRF e empresas similares constitui uma causa principal dessas duas situações antagônicas: a produção e o consumo exagerados e insustentáveis de proteína animal. Sofremos a imposição de um modo agroindustrial baseado na produção de alimentos altamente processados que respondem a necessidades alimentares criadas por outras culturas e interesses e, além disso, é frágil a regulação da publicidade de alimentos, mesmo quando o alvo dessa publicidade são crianças, público que deveria ser a prioridade absoluta do Estado, quando falamos de garantia de direitos.

Do ponto de vista do setor produtivo, a produção pecuária pautada em alimentação dos animais com cereais, bem como no grande desmatamento causado pelas pastagens e para a produção de tais cereais, representa impactos para todo o mundo. Em 2006, a FAO estimou que o pastoreio ocupava uma área equivalente a 26% da superfície terrestre livre de gelo do planeta, enquanto 33% do total de terras aráveis ​​eram dedicados à produção de alimentos para animais, especialmente o milho e a soja. O estudo da FAO estimou que o setor pecuário era responsável por 18% das emissões de gases de efeito estufa medidas em equivalente de CO².

Existem ainda os conflitos agrários por trás da produção de carne. O caso dos Guarani e Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é um exemplo de como a criação de gado e grãos afeta seus territórios tradicionais e suas vidas, expondo-os a casos de despejos, torturas, ataques e assassinatos de suas lideranças.

De outro lado, o alto consumo de carne em países desenvolvidos tem contribuído para doenças crônicas, incluindo obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e câncer. De modo a sintetizar a importância desta questão do consumo de proteínas animais, o ex-Relator da ONU para o direito à alimentação, Olivier de Schutter, destacou como prioridade na agenda da alimentação mundial a necessidade de se mitigar os impactos negativos da produção industrial de carne pela via do encorajamento da redução do consumo desta nas sociedades em que este consumo já atingiu níveis preocupantes.

Não será a Operação “Carne fraca” que vai colocar um fim em tudo isso. Não serão algumas operações policiais que vão redirecionar o que e como produzimos e consumimos alimentos. O que pode mudar essa realidade são leis e políticas públicas, articuladas e efetivamente participativas, que concebam alimentos como direitos e como algo fundamental para nossa vida e para nossa saúde. Para isso são necessários uma sociedade civil atenta e ativa por justiça social e ambiental, um Congresso que não seja dominado por interesses ruralistas e um governo comprometido com direitos humanos. Quando retornarmos a um verdadeiro e efetivo Estado democrático, pode ser que tenhamos comida de verdade em nosso prato.

 

Por Valéria Burity – secretária geral da FIAN Brasil e Lucas Prates – assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil

Plataforma #ChegadeAgrotóxicos é lançada no Brasil e já soma mais de 27 mil assinaturas

Já são mais de 27 mil assinaturas em menos de uma semana de lançamento da plataforma online #ChegaDeAgrotóxicos. O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo e a ferramenta é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos na mesas da famílias brasileiras.

A plataforma online tem como objetivo mobilizar a sociedade para a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA). Apresentada pela sociedade civil, a PNaRA foi acolhida por unanimidade no final de 2016 pela Câmara dos Deputados e se tornou o Projeto de Lei 6670/2016, que será analisado por uma Comissão Especial da casa legislativa.

Além de apoiar a aprovação da PNaRA, a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos também tem como meta barrar o Projeto de Lei (PL) 6299/2002, conhecido como “Pacote do Veneno”. Ao liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no país, o Pacote do Veneno vai contra a vontade da sociedade brasileira – segundo pesquisa IBOPE, 81% dos brasileiros considera que a quantidade de agrotóxicos aplicada nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.

Com atuação no tema do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas, a FIAN Brasil é uma das organizações que participam da campanha. “A FIAN Brasil se soma a essa campanha porque acredita na luta por soberania alimentar e na luta por um novo modelo de produção e consumo de alimentos de verdade como o caminho para garantir alimentação como direito”, enfatiza a secretária geral da organização Valéria Burity.

No início de março, a ONU divulgou um relatório na qual defende que o uso de pesticidas não contribui para a erradicação da fome. “É hora de derrubar o mito de que pesticidas são necessários para alimentar o mundo” afirmou Hilal Elver, relatora da Organização das Nações Unidas (ONU).

“Os agrotóxicos assim se chamam, porque são tóxicos, o que intoxica não alimenta, nos mata aos poucos. Esperamos que a campanha seja efetiva e alcancemos à aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), o que sem dúvida é crucial para garantia de direitos humanos de toda população brasileira”, finaliza Burity.

Entre as organizações que participam da plataforma estão Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, FIAN Brasil, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), CUT, Associação Nacional de Agroecologia, Via Campesina, Fiocruz, Greenpeace, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, Associação Brasileira de Agroecologia, ACT, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, Slow Food Brasil,Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável.

Além destas organizações e especialistas, a campanha #ChegaDeAgrotóxicos é apoiada pela chef’s de cozinha Paola Carosella e Bela Gil.

PNaRA

A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos foi criada por entidades e movimentos da sociedade civil, entre elas a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e o Greenpeace, a partir do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), criado em 2014, porém nunca lançado.

Retrocesso

Na contramão do que quer a sociedade brasileira, tramita na Câmara o Projeto de Lei 6299/2002, de autoria do ex-senador e atual ministro Blairo Maggi (PP/MT). A proposta de Maggi traz inúmeros retrocessos e coloca em risco de desmonte a atual legislação de agrotóxicos, facilitando ainda mais a liberação e o uso dessas substâncias para um dos maiores consumidores de pesticidas do mundo, o Brasil. A PNaRA surge como um contraponto ao PL do ministro, trazendo para o debate a questão da redução dos agrotóxicos no país. Segundo pesquisa IBOPE encomendada pelo Greenpeace, 81% dos entrevistados consideram que a quantidade de agrotóxicos aplicados nas lavouras é “alta” ou “muito alta”.

Assine também: http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/

 

FIAN Brasil: trabalho de incidência é fundamental para exigir realização dos direitos humanos

Incidência. Este é um termo muito comum na atuação e universo das organizações não-governamentais que atuam, principalmente, pela defesa dos direitos humanos. No caso da FIAN Brasil, a incidência, junto com articulação, formação e produção de conhecimento, é um dos seus eixos de atuação. Mas afinal, o que é essa tal de incidência?

Incidência é o ato de criar pressão frente aos poderes públicos nacionais e internacionais, a partir de demandas das organizações da sociedade civil organizada, com o propósito de garantir o acesso e qualificação das políticas públicas.

Com 16 anos de atuação no Brasil, a FIAN tem desenvolvido ações para exigir a realização dos direitos humanos, em especial do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), direito que engloba diversos elementos como: Segurança Alimentar e Nutricional, Adequabilidade, Soberania Alimentar, Gênero e Nutrição. Neste sentido, diversos temas relacionados ao DHANA e aos direitos humanos, bem como segmentos em situação de vulnerabilidade, em geral, são priorizados na atuação da organização, a exemplo de: terra e território, combate aos agrotóxicos, impactos de mega projetos sobre direitos humanos, consumo de alimentos, publicidade infantil e povos e comunidades tradicionais e direitos das mulheres.

“Tendo como base o trabalho de acompanhamento de casos concretos de violações de direitos a FIAN Brasil busca, a partir de sua experiência específica, incidir de maneira geral sobre políticas públicas, leis e jurisprudência (decisões judiciais reiteradas sobre um tema) ou decisões judiciais, buscando atuar em favor não apenas dos sujeitos de direitos dos casos concretos acompanhados, mas de outros indivíduos e grupos que são afetados e impactados pelas mesmas ações”, informa a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

O trabalho no âmbito da incidência realizado pela FIAN Brasil tem como base a experiência desenvolvida em conjunto com o Secretariado Internacional da FIAN e contribuições de outras seções, coordenações e membros da FIAN Internacional. “O trabalho da FIAN tem como objetivo apoiar a luta da sociedade civil em seus esforços para tornar efetivas as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover o DHANA, como instrumento contra a fome, a má nutrição e a alimentação inadequada, no contexto da promoção da equidade e da dignidade humana”, destaca Valéria Burity.

Atualmente, a FIAN Brasil realiza dois acompanhamentos de casos: povo indígena Guarani Kaiowá (MS) e território quilombola de Brejo dos Crioulos (MG). O acompanhamento de casos, é uma das principais ações da FIAN Brasil, a partir deste acompanhamento é possível tornar visíveis as violações do DHANA e demais direitos nestas comunidades e apoiar a lutas dos grupos afetados com as violações e violências.

Caso Guarani e Kaiowá

Um dos casos mais emblemáticos de violações de direitos no Brasil, é o dos povos indígenas Guarani e Kaiowá que, desde 2005, são acompanhados pela FIAN Brasil. “A FIAN não é uma organização indigenista, no entanto atuamos, fortemente, por meio de incidência juntos aos órgãos nacionais e internacionais visando fortalecer a luta dos grupos que têm seus direitos violados”, aponta Valéria Burity.

Os Guarani e Kaiowá são o segundo maior povo indígena do Brasil atualmente, com cerca de 50 mil habitantes que se concentram principalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Expulsos de suas terras pelo avanço da colonização promovida pelo Estado Brasileiro principalmente após a Guerra do Paraguai, os Guarani e Kaiowá vivem, em sua maioria, em reservas criadas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) no início do século XX.

Além dos que estão em centros urbanos, a maioria dos indígenas vive em três situações: minoria em terra demarcada; grande maioria nas reservas, onde estão os piores indicadores de violência, desnutrição e suicídio; e outra parcela está em acampamentos de beira de estrada ou em áreas de retomadas, isto é, ocupando partes de fazendas que se sobrepõem aos seus territórios tradicionais, em situação de conflito. Geralmente, os Guarani e Kaiowá encontram-se cercados por monoculturas de cana e grãos que demandam uso intensivo de agrotóxicos. Há muitas denúncias sobre contaminação de água. Também há denúncias de que as comunidades são, intencionalmente, alvos de pulverização de agrotóxicos.

Os conflitos entre os representantes dos setores do agronegócio e as comunidades indígenas são graves, persistindo os despejos e o assassinato de lideranças como reação à luta pelo Tekohá (lugar onde se é). Desde o assassinato de Marçal de Souza, em 1983, foram mortos dezenas de líderes, sendo que alguns nunca tiveram seus corpos encontrados, como é o caso de Nísio Gomes, do Tekohá Guaiviry. Além do assassinato de lideranças, centenas de mortes decorrem dos conflitos pela terra. Em 2014, o Mato Grosso do Sul concentrava 54,8 % dos assassinatos contra povos indígenas no país. Apesar da abertura, em alguns casos, de processos judiciais, não há ninguém preso em razão das mortes das lideranças indígenas no Mato Grosso do Sul.

“O contexto de violações de direitos do povo Guarani e Kaiowá está associado à ausência de demarcação de seus territórios tradicionais, mas também à omissão do Estado em relação à segurança pública, saúde, alimentação, educação, questões ambientais, justiça e promoção de outras políticas públicas que permitam tal povo viver de acordo com sua identidade cultural”, pondera Burity.

A FIAN Brasil em parceria com o CIMI – Conselho Indigenista Missionário lançou, em agosto de 2016, a pesquisa “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”, que apresenta um diagnóstico sobre as mais diversas violações de direitos humanos relacionadas à atual situação dos Guarani e Kaiowá. A pesquisa comprovou que, nas comunidades pesquisadas, o índice de insegurança alimentar e nutricional deste povo indígena era de 100%.

Incidência Internacional

 

Delegação brasileira em agenda de incidência internacional, na imagem representantes da FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI, APIB e Aty Guassu.

No acompanhamento do caso dos Guarani e Kaiowá, a incidência política tem sido um dos principais eixos para denunciar as graves violações de direitos humanos cometidas contra estes povos.

A exemplo da importância do papel da incidência internacional, a FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI e liderança Aty Guassu Guarani e Kaiowá participaram, em setembro de 2016, de uma Gira pela Europa com o objetivo de denunciar o Estado brasileiro sobre as violações de direitos humanos contra os Guarani e Kaiowá.

Na rota das organizações estiveram países como Alemanha, Bélgica, Suíça, Suécia, Inglaterra. Na agenda, foram apresentadas as principais denúncias de violações contra os povos indígenas brasileiros, como o diagnóstico realizado pela FIAN Brasil que aponta a grave situação nutricional dos Guarani e Kaiowá.

Além de reuniões com parlamentares alemães e do Europarlamento e organizações internacionais, também foram realizados debates com a sociedade sobre a situação dos povos indígenas brasileiros. Ainda na visita, a delegação participou, no dia 20 de setembro, da 33ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) em Genebra, onde a Relatora Especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou o relatório da missão ao Brasil com conclusões e recomendações visando à superação do quadro de violações dos direitos humanos dos povos indígenas. No dia seguinte à apresentação do relatório, organizações e representantes indígenas do Brasil se reuniram em Genebra para analisar a apresentação do documento, que contou também com a participação da Relatora Especial da ONU.

Alguns meses depois desta ação de incidência internacional, já apareceram os primeiros resultados do trabalho

– Resolução do Parlamento Europeu

Em 24 de novembro de 2016, o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena” e “deplora” a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas. A resolução norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.

– Visita do Parlamento Europeu no Brasil

Após a visibilidade internacional da situação dos Guarani e Kaiowá, em dezembro de 2016, uma missão do Parlamento Europeu esteve no Brasil para uma diligência ao Mato Grosso do Sul, com o objetivo de verificar denúncias de mortes, ameaças e ataques contra as comunidades indígenas.

– Revisão Periódica Universal (RPU)

Audiência Pública sobre a RPU na Câmara dos Deputados.

Um outro tema abordado na incidência internacional, durante a Gira pela Europa, está relacionado com a RPU. Em maio de 2017, o Brasil será submetido pela terceira vez à Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Este é um mecanismo pelo qual os Estados-membros da ONU são avaliados por seus pares quanto à situação de proteção aos direitos humanos no país.

– Petição internacional

A Assembleia Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá protocolou online, no dia 6 de dezembro, uma petição à CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). A denúncia contra o Estado brasileiro protocolada na CIDH é apresentada pelo Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Fian Internacional, Fian Brasil e Justiça Global, em representação das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá de Apyka’i, Guaiviry, Ypo’i, Ñhanderu Marangatu e Kurusu Ambá, por violações aos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Protocolo de San Salvador e na Convenção de Belém do Pará. “Além das mortes, denunciamos a falta completa de demarcação das nossas terras tradicionais. Isso motiva toda uma série de graves violações que geram o genocídio do nosso povo”, explicou Eliseu Guarani e Kaiowá, à época.

“Esta petição é fruto de um longo e profundo processo conjunto de análises de violações de direitos humanos, e demanda do Estado Brasileiro, em síntese, a efetivação dos direitos humanos dos Guarani e Kaiowá”, destaca Valéria Burity.

Embora o Brasil esteja vivendo cenários de retrocessos, a expectativa é que as denúncias e a pressão de organismos internacionais reforcem a luta dos Guarani e Kaiowá e pressionem o Governo Brasileiro a adotar medidas efetivas que garantam os direitos humanos não só dos Guarani e Kaiowá, mas de todos os povos indígenas.

“A ação de incidência e os resultados que já vemos, como uma manifestação do Parlamento Europeu, por exemplo, são importantes, mas sem dúvida, é a luta direta do Povo Guarani e Kaiowá que tem barrado maiores violações de direitos, temos compreensão, portanto, que é fundamental incidir contra a criminalização dessa luta”, informa Valéria Burity.

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.

Por Flávia Quirino/Ascom Fian Brasil

Foto Capa: Lunaé Parracho

Plataforma #ChegaDeAgrotóxicos é lançada no Brasil

Construído por diversas organizações, site explica ameaças de retrocessos na legislação de agrotóxicos e coleta assinaturas para pressionar pela Política de Redução de Agrotóxicos

Foi lançada nesta quinta-feira (16) a plataforma online #ChegaDeAgrotóxicos. A ferramenta é uma estratégia de mobilização da sociedade na luta contra os retrocessos que podem colocar ainda mais venenos na mesas da famílias brasileiras.

Preocupadas com o chamado Pacote do Veneno – uma série de medidas que visam liberar ainda mais o uso de agrotóxicos no Brasil –, diversas organizações da sociedade se juntaram para construir a plataforma #ChegaDeAgrotóxicos. O site recolhe assinaturas contrárias ao Projeto de Lei 6299/2002, do agora ministro da agricultura Blairo Maggi, e divulga informações sobre os riscos dos agrotóxicos.

Carla Bueno, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, explica o objetivo deste movimento: “Queremos alertar a sociedade para o enorme risco que estamos correndo caso o Pacote do Veneno seja aprovado. Nossa proposta é a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA), que é composta por uma série de medidas que restringem os agrotóxicos e podem nos livrar do posto de maior consumidor de venenos do mundo”.

A PNaRA foi construída há mais de dois anos, numa parceria entre a sociedade civil e o governo, no contexto da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Na época não pôde ser implementada pois foi vetada pelos ruralistas. Entre as medidas contidas na PNaRA, estão o fim das isenções fiscais para agrotóxicos, e a criação de zonas livres de agrotóxicos e transgênicos para incentivar a agroecologia no Brasil.

“O agronegócio, além de ser 100% dependente do uso de agrotóxicos, representa um grande entrave para o desenvolvimento da agroecologia e a produção de alimentos saudáveis. É preciso dar um basta nos ruralistas, e iniciar uma transição do modelo de produção agrícola em nosso país e para isso a Reforma Agrária se coloca na ordem do dia”, afirma Carla.

Projetos de Lei

As assinaturas recolhidas no site chegadeagrotoxicos.org.br irão servir como pressão para barrar o Projeto de Lei 6299/2002. Nele, há uma proposta de revogação da atual lei de agrotóxicos, e a criação de uma lei de “defensivos fitossanitários”, que acabaria inclusive com o nome “agrotóxico”. Desta forma, todo o perigo representado por estas substâncias ficaria oculto. Além disso, o texto abre brechas para aprovação de novas substâncias que provocam câncer, mutação genética e má-formação fetal.

Ao mesmo tempo, o conjunto de organizações que lançou a plataforma pretende apoiar a aprovação do Projeto de Lei 6670/2016, que institui a PNaRA. O projeto é uma iniciativa da sociedade civil, que propõe mais de 100 medidas para reduzir os agrotóxicos no Brasil.

A plataforma #ChegaDeAgrotóxicos é assinada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Greenpeace, Associação Brasileira de Saúde Coletiva, Associação Brasileira de Agroecologia, Articulação Nacional de Agroecologia, Aliança Pela Alimentação Saudável, Aliança de Controle do Tabagismo, Central Única dos Trabalhadores, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, FIAN Brasil, Fiocruz, Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar, Idec, Slow Food e Via Campesina.

Acesse o site: http://www.chegadeagrotoxicos.org.br/

Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida

Demarcar terra é imprescindível para resolver problemas indígenas

“A demarcação das terras indígenas é condição primária para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada dos povos indígenas Guarani e Kaiowá e para o acesso a todas as políticas públicas previstas no Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan)”. O diagnóstico consta do relatório de visita, realizada entre os dias 28 de agosto e 2 de setembro de 2016, às comunidades indígenas (acampamentos e reservas) das etnias Guarani e Kaiowá do Cone Sul do estado de Mato Grosso do Sul.

Os Guarani e Kaiowá lutam há décadas pela regularização fundiária de seus territórios de ocupação tradicional. A comitiva que visitou a região, liderada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), abordou o acesso dos Guarani e Kaiowá aos alimentos, os impactos de programas sociais, qualidade, quantidade e regularidade das cestas básicas, o acesso à água, documentação e questões relacionadas à demarcação das terras.

A situação de insegurança alimentar e nutricional dos povos Guarani e Kaiowá, diz o relatório, tem relação direta com o descumprimento dos direitos territoriais garantidos às comunidades indígenas pela Constituição Federal do Brasil. “Foi possível constatar em todas as comunidades visitadas a ocorrência de fome e desnutrição, a precariedade do acesso à saúde, à água e à educação e a ausência de documentação civil”.

A comitiva verificou um quadro de violência com mortes por assassinato, manifestações de preconceitos e violação de direitos humanos. “A realidade vivida pelos povos Guarani e Kaiowá pode ser denominada como uma tragédia humanitária e denota explicitamente a negação sistemática de direitos humanos em função da omissão do Poder Público”, destaca o documento.

O relatório evidencia a necessidade da adoção de ações estruturantes para as comunidades, tanto em reservas indígenas como em áreas de retomada, que garantam a produção de alimentos para o autoconsumo e a comercialização do excedente, respeitando suas tradições agrícolas e sua cultura alimentar.

O Consea tem discutido e se manifestado sobre a situação de insegurança alimentar e nutricional e das recorrentes violações de direitos dos povos indígenas no Brasil. O Conselho encaminhou várias Exposições de Motivos e Recomendações aos órgãos do Poder Público sobre demandas indígenas, em especial os direitos dos povos Guarani e Kaiowá.

Clique aqui para acessar o relatório

Fonte: Consea

Sakamoto: Ao contrário do que diz o governo, terra enche barriga. E terra também mata

O ministro da Justiça, Osmar Serraglio, disse que era a hora de ”parar com essa discussão sobre terras” para as populações indígenas. Segundo ele, em declaração à Folha de S.Paulo, terra não enche barriga.

Imediatamente me lembrei de algumas viagens para reportagens que realizei no interior do Brasil e a países da África e da Ásia, nas quais famílias me contaram que, no desespero, já haviam feito biscoitos de barro, água e capim para crianças.

Ou seja, quando os mais básicos direitos são negados (como o direito de poder ocupar um território e plantar, colher e viver) e a pobreza extrema se impõe, terra enche barriga sim.

O que o ministro se esqueceu de dizer é que terra também mata.

Os assassinatos e desaparecimentos de lideranças indígenas em locais de disputa com fazendeiros, como o Mato Grosso do Sul, são prova disso. Talvez Osmar Serraglio tenha esquecido de mencionar isso porque se elegeu com recursos de empresas ligadas ao agronegócio e apoiou na Câmara dos Deputados ações para dificultar a demarcação de terras indígenas.

A Fian Brasil, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário, realizou uma pesquisa para medir a insegurança alimentar e nutricional em três comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul – Guaiviry, Apyka’i e Kurusu Ambá. As três são palco de disputas por territórios tradicionais e tiveram lideranças assassinadas.

Em 2013, 4,8% dos domicílios brasileiros com pessoas com menos de 18 anos se encontravam em insegurança alimentar grave. Enquanto isso, em comunidades indígenas avaliadas, esse índice era de 28%.

Em 76% dos domicílios da pesquisa, a pessoa entrevistada afirmou que, no mês anterior a setembro de 2013, houve ocasião em que crianças e jovens da casa passaram um dia todo sem comer e foram dormir com fome, porque não havia alimento. Menos de 40% recebiam o Bolsa Família.

A análise dos dados do relatório ”O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá”, decorrente da pesquisa, aponta como causas estruturantes do problema de acesso aos alimentos, a falta de respeito, proteção e promoção dos direitos ao território e à sua identidade cultural. O oposto do que afirma o ministro.

Cerca de 98% das terras indígenas brasileiras estão na região da Amazônia Legal. Elas reúnem metade dos povos indígenas. A outra metade está concentrada nos 2% restantes do país. Sem demérito para a justa luta dos indígenas do Norte, hoje, o maior problema se encontra no Centro-Sul, mais especificamente no Mato Grosso do Sul – que concentra a segunda maior população indígena do país, só perdendo para o Amazonas.

Há anos, essa população aguarda a demarcação de mais de 600 mil hectares de terras no Estado, além de algumas dezenas de milhares de hectares que estão prontos para homologação ou emperrados por conta de ações na Justiça Federal por parte de fazendeiros.

Ao longo do tempo, os Guaranis Kaiowá foram sendo empurrados para reservas minúsculas, enquanto fazendeiros, muitos dos quais ocupantes irregulares de terras, esparramaram-se confortavelmente pelo Estado.

Incapazes de garantir qualidade de vida, o confinamento em favelas-reservas acaba por fomentar altos índices de suicídio e de desnutrição infantil, além de forçar a oferta de mão de obra barata. Pois, sem alternativas, tornam-se alvos fáceis para os aliciadores e muitos acabaram escravizados em usinas de açúcar e álcool no próprio Estado nos últimos anos.

E isso quando esse ”território” não se resume a barracas de lona montadas no acostamento de alguma rodovia com uma excelente vista para a terra que, por direito, seria deles. Em outras palavras, no Mato Grosso do Sul, a questão fundiária envolvendo comunidades indígenas provoca fome, suicídios e mortes.

Fonte: Blog do Sakamoto

Foto: Lunae Parracho/Anistia Internacional

Fome persiste em zonas de conflito apesar de fortes colheitas globais, diz agência da ONU

Relatório da FAO apontou que cerca de 37 países precisam de ajuda externa na área de alimentação. Na lista estão 28 Estados africanos que continuam enfrentando os efeitos das secas provocadas pelo fenômeno climático El Niño no ano passado.

FAO revela que aumento da produção de cereais foi muito acentuado em 2016. Foto: FAO
FAO revela que aumento da produção de cereais foi muito acentuado em 2016. Foto: FAO

Novo relatório da ONU lançado na semana passada apontou que, apesar de condições robustas no abastecimento de alimentos em nível global, o acesso à comida baixou dramaticamente em áreas onde ocorrem conflitos civis. A seca também piorou a segurança alimentar em várias áreas da África Oriental.

“Essa é uma situação sem precedentes. Nunca antes havíamos confrontado quatro ameaças de fome em vários países simultaneamente”, disse o diretor-geral adjunto da Organização da ONU para Alimentação e Agricultura (FAO), Kostas Stamoulis, observando que a fome já foi declarada oficial no Sudão do Sul e que a situação de segurança alimentar é grande preocupação no norte da Nigéria, na Somália e no Iêmen.

O relatório ‘Perspetivas de Colheitas e Situação Alimentar’ apontou que cerca de 37 países precisam de ajuda externa para alimentação. Na lista estão 28 Estados africanos que continuam enfrentando os efeitos das secas provocadas pelo fenômeno climático El Niño no ano passado.

Cerca de 100 mil sul-sudaneses enfrentam fome no estado de Unity e outras áreas do país enfrentam um ‘risco elevado’. Atualmente, 4,9 milhões de pessoas estão em ‘situação de crise, emergência ou fome’, um número que nos próximos três meses pode aumentar para 5,5 milhões.

No Iêmen, 17 milhões de pessoas, ou dois terços da população do país, estão em situação de insegurança alimentar. O relatório destacou que há um risco muito alto “de declarar fome no país”.

Na região norte da Nigéria, 8,1 milhões de pessoas estão enfrentando condições críticas de fome, e, na Somália, cerca de 2,9 milhões estão em insegurança alimentar há seis meses.

Os conflitos e os distúrbios civis no Afeganistão, no Burundi, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Iraque, Mianmar e Síria também estão piorando as condições de insegurança alimentar de milhões de pessoas e afetando os países vizinhos que acolhem refugiados.

Condições globais de abastecimento alimentar foram robustas

Quanto às tendências globais, o aumento da produção de cereais foi muito acentuado em 2016. O destaque vai para a recuperação recorde na América Central e o aumento de culturas de cereais na Ásia, Europa e América do Norte.

As perspetivas para 2017 da safra de milho são favoráveis no Brasil e na Argentina, bem como para os grãos em todo o Hemisfério Sul. A FAO destaca que ainda é muito cedo fazer previsões sólidas para várias principais culturas do mundo.

A FAO prevê uma queda da produção global de trigo de 1,8% este ano em relação ao recorde de 2016. Nos Estados Unidos, a área semeada de trigo baixou 20% no inverno, o nível mais baixo em mais de 100 anos.

Fonte: ONU Brasil

Glifosato: o veneno está em todo lugar

Altas doses do herbicida da Monsanto foram encontradas em alimentos nos EUA e consumidos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil

O primeiro teste em alimentos para resíduos de glifosato realizado por laboratório registrado na Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) encontrou níveis alarmantes de contaminação em produtos dos mais tradicionais no país e mostrou o quão inadequada é a regulação dos resíduos de pesticidas. O estudo Glifosato: inseguro em qualquer prato, feito pelo laboratório de testes de segurança alimentar Aresco por solicitação do Food Democracy Now! e The Detox Project, reuniu também pesquisas independentes, realizadas em outros países, que chegaram aos mesmos resultados.

Glifosato é o herbicida mais consumido no mundo. O ingrediente ativo do Roundup da Monsanto é o “mata mato” mais pesadamente utilizado na agricultura industrial na história da humanidade – consequência da adoção generalizada de culturas transgênicas, hoje cultivadas em mais de 80% dos 70 milhões de hectares nos EUA e mais de 120 milhões de hectares em escala global. O Brasil cultivou uma área de 44,2 milhões de hectares de transgênicos na safra 2015-2016.

No meio urbano, o glifosato é usado na manutenção de gramados em parques, praças e condomínios. O mercado do herbicida foi avaliado em US$ 5,46 bilhões em 2012 e tem como meta chegar a US$ 8,79 bilhões até 2019.

INGESTÃO ‘ACEITÁVEL’

Os reguladores dos EUA consideram como Ingestão Diária Aceitável (IDA) de glifosato 1.75 miligramas por kilo do peso corporal (1.75 mg/kg/dia). Na União Europeia esse limite é de 0.3 mg/kg/dia. Esses níveis de tolerância foram definidos com base em estudos patrocinados pela próprias corporações fabricantes de agrotóxicos e mantidos em sigilo em nome do segredo industrial. Uma equipe de cientistas internacionais reclama um IDA muito mais baixo, de 0.025 mg/kg/dia – 12 vezes inferior ao definido atualmente na Europa e 70 vezes inferior ao permitido nos EUA.

A União Europeia aprovou sua comercialização até o fim de 2017, à espera das conclusões da Agência Europeia de Produtos Químicos, mas propôs restringir sua utilização em parques e outros espaços públicos. Uma campanha envolvendo organizações não governamentais de 15 países europeus luta para que essa permissão não seja renovada.

No Brasil o limite de ingestão é de 0.042 mg/Kg/dia, com um detalhe: o glifosato não está incluído nos testes da Anvisa para resíduos de agrotóxicos em alimentos, muito embora seja o mais consumido no país. Mais de 8 milhões de toneladas foram despejados nas terras brasileiras somente entre 2010 e 2014.

NOVAS EVIDÊNCIAS

As novas evidências científicas mostram que não há níveis seguros de glifosato para a saúde humana e animal. Os danos prováveis podem começar em níveis ultrabaixos, de 0.1 partes de glifosato por bilhão (ppb). Até mesmo 0.05 ppb podem provocam danos nos rins e fígado de ratos, pela alteração nas funções de 4.000 genes.

Os testes promovidos pela Food Democracy Now! revelaram que produtos alimentares muitos populares nos EUA e no mundo – como o salgadinho Doritos, da Pepsico, os flocos de milho da Kellogg’s e o biscoito Oreo, da Kraft Foods, por exemplo, muito consumidos também no Brasil – tiveram resultados entre 289,47 ppb e 1.125,3 ppb.

Danos causados pelo Glifosato/Roundup em números (ppb)
0,1 ppb: dano severo em órgãos de ratos
0,1 ppb: nível permitido de glifosato e todos os outros herbicidas na água de torneira na União Europeia
10 ppb: efeitos tóxicos no fígado de peixes
700 ppb: alterações em rins e fígado de ratos
700 ppb: nível permitido de glifosato na água de torneira dos EUA
11.900 ppb: encontrado em soja transgênica
1.125,3 ppb: encontrado na Cheerios da General Mills

AS DOENÇAS

Desordens gastrointestinais, obesidade, diabetes, doenças cardíacas, depressão, autismo, infertilidade, câncer, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, intolerância ao glúten. A lista dos males atribuídos à ingestão de glifosato não para de crescer. O estudo detalha algumas delas.

Câncer. A despeito da insistência da Monsanto de que o glifosato é perfeitamente seguro, “mais que sal de mesa”, um número crescente de estudos revisados pela comunidade científica está encontrando ligações entre glifosato e câncer. Em março de 2015, a Agência de Pesquisa sobre Câncer (IARC, na sigla em inglês) da Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou ser o glifosato “provável causador de câncer humano”. A decisão foi baseada em pesquisas de 17 especialistas em câncer de 11 países, que reuniu-se para avaliar a carcinogenicidade de cinco pesticidas. A revisão do glifosato levou o Parlamento Europeu a proibir seu uso não-comercial em áreas públicas e restringir seriamente o uso na agricultura. A Monsanto é alvo de várias ações judiciais nos EUA, com base em avaliações de que o glifosato é o agente causador de câncer em fazendeiros, trabalhadores rurais, aplicadores do pesticida e outras pessoas expostas a ele com frequência. Há preocupação especial com relação aos seguintes tipos de câncer: Linfoma Não Hodgkin, câncer de osso, câncer do cólon, câncer de rim, câncer de fígado, melanoma, câncer do pâncreas, câncer de tiroide.

Alterações hormonais. Um número crescente de evidências científicas aponta o glifosato como desregulador endócrino. Há mais de duas décadas estudos vêm mostrando que mesmo um baixo nível de exposição a certos produtos químicos, o glifosato entre eles, podem alterar a produção e recepção de hormônios vitais para o corpo, podendo causar problemas reprodutivos, aborto, reduzir a fertilidade e que a mudança nos níveis hormonais podem resultar no início prematuro da puberdade, obesidade, diabetes, problemas com a função imune e comportamentais, como déficit de atenção e hiperatividade.

Efeito bactericida. Enquanto a Monsanto continua a negar qualquer impacto na saúde humana e animal, novas pesquisas geram crescente preocupação quanto aos prováveis efeitos do glifosato no equilíbrio do microbioma gastrointestinal, ou bactérias intestinais benéficas, enquanto aumenta o número de espécies patogênicas, podendo levar a problemas de saúde como a síndrome do intestino irritável e a intolerância a glúten. Um estudo pioneiro da Nova Zelândia descobriu, em 2015, que a exposição contínua ao Roundup pode levar bactérias a se tornar resistentes a antibióticos, um problema crescente para a saúde humana e animal.

Doenças crônicas. Cientistas descobriram que pessoas cronicamente doentes têm níveis “significativamente mais altos de glifosato na urina do que pessoas saudáveis”. Verificaram também que as pessoas com dieta convencional têm muito mais resíduos de glifosato do que aquelas que se alimentam com comida orgânica.

IMERSOS EM VENENO

O estudo da Food Democracy Now! mostra que o uso generalizado de glifosato nos EUA levou o veneno a espalhar-se livremente pelo ambiente. Nos últimos anos, foram descobertos resíduos do veneno na água e alimentos consumidos no dia a dia, na urina humana, no leite materno e na cerveja, entre outras substâncias. Vale lembrar que a contaminação dos alimentos não pode ser removida pela lavagem e não é eliminada com cozimento, congelamento ou processamento da comida.

Os níveis de Roundup e outros herbicidas com glifosato usados no agronegócio dos EUA são hoje tão altos que o órgão de Pesquisa Geológica dos EUA (U.S. Geological Survey – USGS) encontrou o veneno em mais de 75% das amostras de água da chuva no Meio-Oeste do país. A pulverização aérea de Roundup leva o herbicida às culturas e também aos corpos d’água e também às nuvens, pela evaporação, e elas podem precipitar-se em locais muito distantes da aplicação. O número crescente de “ervas daninhas” resistentes ao glifosato está levando fazendeiros a usar mais e mais herbicida contra as “superervas daninhas”.

Com base nos resultados desse estudo, o Food Democracy Now! está solicitando investigação federal sobre os prováveis danos causados à saúde humana e ambiental pelo herbicida glifosato e sobre a relação entre reguladores e indústrias reguladas – que resultou nos níveis alarmantes do herbicida a que a população está exposta, como demonstra crescente número de estudos científicos.

O relatório conclui afirmando que o único modo de evitar a contaminação por glifosato é comer alimentos cultivados organicamente. “Um estudo publicado em 2014 na Revista de Pesquisa Ambiental confirmou que famílias que adotaram uma dieta de orgânicos removeram, em não mais que uma semana, 90% dos pesticidas do seu corpo, o que foi comprovado por testes de urina”.

Por Inês Castilho, do site De Olho nos Ruralistas

FIAN Brasil apresenta versão preliminar de estudo sobre o DHANA no Brasil

A FIAN Brasil prepara estudo sobre a realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) no Brasil que visa registrar avanços estratégicos  desde a promulgação da Constituição de 1988, bem como lacunas e retrocessos e o agravamento destes retrocesso e involuções em um contexto de ruptura democrática evidenciando violações de direitos de responsabilidade dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo que impactam a realização deste direito no Brasil.

O conteúdo da publicação vai abranger os retrocessos na capacidade do estado de prover proteção social e combater a fome; retrocessos na capacidade do estado de  promover a produção e o consumo de alimentos de forma sustentável e nutricionalmente adequada e em relação à exigibilidade de direitos, violência e criminalização de movimentos sociais. “Esse estudo é um instrumento de iniciativa da FIAN Brasil, mas com o apoio e a participação de outras organizações e coletivos que servirá como denúncia e também como estratégia de incidência para evitar que se instalem mais retrocessos no Brasil, como por exemplo a proposta de reforma na previdência social que vai significar um grande retrocesso na realização do direito humano à alimentação e nutrição adequadas, atingindo sobretudo as mulheres, de uma forma geral, mas também trabalhadoras e trabalhadores rurais”, aponta a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

A versão preliminar do estudo, que está em fase de elaboração, foi apresentada durante o Seminário Desafios e perspectivas de enfrentamento dos retrocessos: pela garantia da soberania alimentar e do direito humano à alimentação adequada, realizado no dia 9 de fevereiro, durante reunião ampliada do FBSSAN – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, no Rio de Janeiro. O lançamento da publicação está previsto para meados de junho de 2017 e tem apoio da Pão Para o Mundo (PPM) e Misereor.

Seminário

O Seminário Desafios e perspectivas de enfrentamento dos retrocessos: pela garantia da soberania alimentar e do direito humano à alimentação adequada (DHAA) foi realizado durante a reunião ampliada do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) nos dias 9 e 10 de fevereiro, no  Rio de Janeiro.

A reunião contou com a parceria do Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN) e da FIAN Brasil, e teve como objetivo de  promover o debate sobre os desafios e perspectivas da conjuntura política atual em virtude das ameaças nacionais e internacionais às recentes conquistas brasileiras no campo das políticas de enfrentamento da fome e de promoção da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA).

 

Por Flávia Quirino, da Assessoria de Comunicação da FIAN Brasil, com informações do FBSSAN.

Governo aprova o segundo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Com o intuito de promover a oferta de alimentos saudáveis para a população brasileira, o governo federal aprovou o segundo Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), com ações estruturadas até 2019.

Atualmente, 57% da população brasileira adulta estão com excesso de peso e 21,3% dos brasileiros são obesos. O plano elaborado pelo governo tem 121 metas e 99 ações que visam combater o crescente aumento do sobrepeso, da obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis, além de promover a qualidade de vida da população.

O documento apresenta nove desafios e reúne ações que envolvem a produção, o abastecimento e o consumo de alimentos, o que totaliza um orçamento de R$ 98,6 bilhões.

Além disso, o plano destaca a importância de fortalecer sistemas de produção de alimentos de bases mais sustentáveis e de reduzir a insegurança alimentar e nutricional de populações tradicionais.

O estudo foi elaborado pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA).

Desafios do Plansan: 
Desafio 1 – Promover o acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para as famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.

Desafio 2 – Combater a Insegurança Alimentar e Nutricional e promover a inclusão produtiva rural em grupos populacionais específicos, com ênfase em Povos e Comunidades Tradicionais e outros grupos sociais vulneráveis no meio rural.

Desafio 3 – Promover a produção de alimentos saudáveis e sustentáveis, a estruturação da agricultura familiar e o fortalecimento de sistemas de produção de base agroecológica.

Desafio 4 – Promover o abastecimento e o acesso regular e permanente da população brasileira à alimentação adequada e saudável.

Desafio 5 – Promover e proteger a alimentação adequada e saudável da população brasileira, com estratégias de educação alimentar e nutricional e medidas regulatórias.

Desafio 6 – Controlar e prevenir as doenças decorrentes da má alimentação.

Desafio 7 – Ampliar a disponibilidade hídrica e o acesso à água para a população, em especial a população pobre no meio rural.

Desafio 8 – Consolidar a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), aperfeiçoando a gestão federativa, a intersetorialidade e a participação social.

Desafio 9 – Apoio a iniciativas de promoção da soberania, segurança alimentar e nutricional, do direito humano à alimentação adequada.

Confira o plano na íntegra.

Fonte: Portal Brasil, com informações do MDSA

Tese “Organizações Sociais e Políticas Públicas: inserção da Fetraf-Sul nas políticas públicas de segurança alimentar e nutricional”

Disponibilizamos a Tese de Doutorado de Irio Luiz Conti, submetida e aprovada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, defendida em 28 de junho de 2016.

O objetivo geral da Tese foi compreender as mudanças ocorridas no interior de organizações sociais da agricultura familiar, como a Fetraf-Sul, em virtude de sua participação na formulação e implantação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN). A investigação se caracterizou por ser um estudo de caso e privilegiou a abordagem qualitativa, auxiliada pela quantitativa. Optou-se por duas unidades de análise, sendo uma em Brasília, Distrito Federal, e outra no município de Constantina, no Rio Grande do Sul. A tese de fundo desta pesquisa é que a definição das formas de organização e ação e das estratégias dos movimentos e organizações sociais é, em parte, estruturada em função da forma como se configuram as relações com os atores e instituições político-administrativas. Essas formas se explicam, parcialmente, por sua inserção relacional na qual as relações com o Estado são centrais. Neste sentido, a mudança de relações baseadas, centralmente, no confronto para relações baseadas, centralmente, na cooperação conflituosa oportunizou e, por vezes, demandou transformações importantes na organização e na atuação da Fetraf-Sul.

Os principais resultados da investigação são organizados em cinco conclusões. A primeira é que a análise da inserção da Fetraf-Sul nas políticas públicas levou ao resultado teórico explicitado na conformação de um novo padrão de relações entre o Estado e os movimentos e organizações sociais, sobretudo, expresso na cooperação por formulação de políticas públicas e na sua execução qualificada por parte das organizações sociais. A segunda realça que a Fetraf-Sul aproveitou as oportunidades políticas que se abriram nos vários espaços para construir políticas públicas, com base em relações de cooperação com o Estado, que se tornaram efetivas e contribuíram para melhorar a vida dos agricultores familiares. A terceira é que o sindicalismo rural e a segurança alimentar e nutricional se constituíram com trajetórias e relações estanques entre si e com o Estado. Este, em boa medida, segue adotando políticas públicas setorializadas no espaço rural e submete as organizações sociais à mesma lógica na sua execução. A quarta é que, apesar de diversas iniciativas de políticas públicas incrementadas pela Fetraf-Sul e suas organizações filiadas, especialmente pelas mulheres agricultoras familiares, a SAN não se constituiu em prioridade política em sua agenda, nem recebeu atenção acentuada por parte de suas estruturas sindicais.

Ademais, a partir de 2012 a cooperação nas políticas de SAN enfraqueceu nas duas esferas de governo e se tornou mais conflituosa, sobretudo devido às mudanças na operacionalização do PAA em âmbito federal e de governo em Constantina. A quinta evidencia que ocorreram mudanças na profissionalização de dirigentes e da equipe técnica, na passagem de processos de formação para projetos de capacitação, na moderação do discurso da Fetraf, na ampliação de suas estruturas organizativas e na criação de organizações específicas para responder às novas exigências decorrentes de sua inserção na formulação e execução de políticas públicas.

Leia a Tese completa AQUI

Gigantes do agronegócio: o risco das fusões para a agroecologia

Por Alan Tygel*

Desde o ano passado, o já concentradíssimo mundo das multinacionais dos insumos para o agronegócio parece caminhar rumo a uma concentração ainda maior. As chamadas “6 grandes” do ramo – Syngenta, Bayer, Monsanto, Dow, Basf e Dupont – anunciaram fusões que podem levar a termos em breve apenas “3 gigantes”.

A primeira fusão foi anunciada ainda em dezembro de 2015 entre Dow e Dupont, duas empresas estadunidenses. Juntas possuem um valor de mercado de US$ 129 bilhões, e a fusão torna a nova empresa, DowDuPont, a maior do mundo na indústria química.

Em seguida, no início de 2016, veio a notícia da compra da suíça Syngenta pela ChemChina, estatal chinesa. O valor desta operação é estimado em US$ 43 bilhões. A Syngenta é a maior vendedora de agrotóxicos no Brasil.

Com maior alarde por conta da imagem mais forte das empresas, veio no segundo semestre de 2016 o anúncio da compra da estadunidense Monsanto pela alemã Bayer, no valor de US$ 57 bilhões. Veio à tona obscena imagem da empresa que vende o veneno e depois vende o remédio (que há tempos já era o caso da Bayer, mas agora fica mais explícito).

Neste cenário, os movimentos camponeses poderiam perguntar: qual é a diferença para nós? A concentração hoje já é enorme, e já há diversos acordos de compartilhamento de patentes entre estas empresas. Além disso, movimentos camponeses não querem as sementes nem os agrotóxicos, pois defendem a soberania alimentar e a produção agroecológica com as próprias sementes.

Este raciocínio, no entanto, deixa de fora uma questão central: o poder político que estas empresas representam, e sua capacidade de alterar normas fitossanitárias e de vigilância sanitária, leis de patentes, gastos com infraestrutura, lei trabalhistas, de uso do solo, e assim por diante.

Mais concentração, sob esse ponto de vista, significa mais poder do agronegócio para dificultar a vida da agricultura camponesa e da agroecologia. Exemplos atuais disso são o PL do Veneno e as mudanças na Lei de Cultivares, que tramitam hoje no legislativo, ou a própria destruição do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo governo golpista.

Assim, é fundamental compreender o perigo que representam estas fusões, e o que os movimentos populares podem fazer a esse respeito.

Apesar de anunciadas e acordadas entre os acionistas destas empresas, as fusões ainda precisam percorrer um longo processo regulatório até que sejam efetivadas. Cada país onde as empresas atuam deve aprovar as fusões em seus órgãos de defesa da concorrência (antitruste). No Brasil, este órgão é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

O Brasil é um país chave para todas estas empresas. Aqui se consome cerca de 20% de todo agrotóxico pulverizado no mundo, e ao contrário dos mercados europeu e estadunidense, a perspectiva é ainda de expansão.

Resistências

A fusão entre Dow e DuPont tem enfrentado sérias resistências na Europa e nos EUA. Mesmo representantes do agronegócio não veem as operações com bons olhos, já que a tendência é sempre de aumento dos preços e redução das opções. No caso dos agrotóxicos, os preços no Brasil aumentaram cerca de 30% desde 2011, com especial alta no último ano, influenciada pelo aumento do dólar.

Em relação à Bayer-Monsanto, o presidente eleito dos EUA Donald Trump deu mais um motivo de revolta aos movimentos populares: reuniu-se na semana passada a portas fechadas com representantes das duas empresas, e mostrou claramente que para ele não haverá limite algum entre o público e o privado em seu governo (se é que havia antes). Na mesma semana, Trump se reuniu com representantes da AT&T, gigante das telecomunicações que está buscando a fusão com a Time Warner.

Olhando para trás, vemos que dos anos 1970 até recentemente a tendência foi a aquisição de empresas de sementes pelas empresas de agrotóxicos. O resultado hoje todos conhecemos: erosão genética (perda de variedades) e sementes projetadas para funcionar apenas com determinados agrotóxicos, das mesmas empresas.

A perspectiva do aumento da concentração nos leva a crer que, em pouco tempo, será a vez das empresas de fertilizantes e máquinas serem fagocitadas. E as consequências, podemos imaginar: cada vez se concentra mais o pacote tecnológico nas mãos de menos empresas, deixando o próprio agronegócio ainda mais dependente destas empresas – todas estrangeiras, diga-se de passagem. E aquele famoso PIB do agronegócio, que “sustenta a economia brasileira”, flui diretamente para o bolso delas.

Pior mesmo fica a situação da parcela da agricultura familiar que ainda depende dos agrotóxicos e sementes compradas para sobreviver. Literalmente a ponta mais fraca, tende a se endividar cada vez mais, e ver mais longe sua chance de transição para o modelo agroecológico.

Neste sentido, a concentração das empresas de agrotóxicos e sementes representa um grande risco ao desenvolvimento da agroecologia, não só enquanto técnica de produção de alimentos sem insumos sintéticos, mas enquanto modelo de desenvolvimento.

Por isso, ainda que saibamos da imensa promiscuidade entre grandes empresas e o governo, é nosso dever pressionar e dificultar a realização destas fusões. Se houvesse ao menos uma burguesia com o mínimo interesse nacional, as fusões seriam barradas pois iriam acabar de vez com qualquer chance de empresas brasileiras. Mas não parece ser o caso por aqui.

Barrar fusões está longe de ser nosso objetivo principal enquanto organizações que lutam contra o agronegócio. Mas a concretização delas certamente deixa nossa luta pela agroecologia e soberania alimentar mais difícil.

* Alan Tygel é da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Fonte: Brasil de Fato

Fome entre os Guarani e Kaiowá: “Criança chora, não aguenta mais. Sofrimento mesmo. Quase comendo terra”

Sem a terra tradicional, resta a fome para ao menos 40 comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Em acampamentos improvisados, às margens de rodovias, estradas de terra ou entre lavouras de cana e soja, nas retomadas – áreas não regularizadas e sob conflito – os indígenas não recebem cestas de alimentos desde novembro.

“Criança chora, não aguenta mais. Sofrimento mesmo. Tão fraco mesmo. Quase comendo terra. Precisamos de um apoio. Vou sair pra ver o que consigo porque vai morrer aqui. É desespero, não vai aguentar”, desabafa Gilmar Guarani e Kaiowá, morador da retomada de uma área localizada na Fazenda Madama, em Kurusu Ambá. Por ali vivem cerca de 80 crianças.

Até dezembro de 2014, cerca de 14 mil cestas eram levadas às comunidades por força de um Acordo de Cooperação Técnica do governo federal. Com a não renovação do acordo, desde 2015 o número despencou para no máximo 2 mil. “100% das famílias indígenas do Cone Sul eram atendidas. Não é mais assim”, explica Silvio Raimundo da Silva, agente indigenista da Funai de Dourados.

Hoje se trata de uma ação emergencial tocada pela Conab. “As cestas, na verdade, deveriam ser substituídas por políticas públicas estruturantes. Agricultura, mercado de trabalho, geração de renda. Acontece que a redução das cestas ocorreu, mas não foi acompanhada por outras políticas. Houve um descompasso”, analisa o indigenista.    

As lideranças indígenas apontam que este descompasso se dá pela paralisação das demarcações. “Tamo debaixo de lona, entre fazendas de soja, cana e gado. Só o espaço pros barracos. Plantar fica difícil. Dividimos aquilo que conseguimos e quando a fome aperta nas crianças, o jeito é botar pra dormir”, explica Elizeu Guarani e Kaiowá.

Fome e Insegurança Alimentar

Elizeu é membro da Aty Guasu, principal organização política do povo, e mora no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá. A comunidade compõe os estudos do relatório Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição Guarani e Kaiowá (2016). A pesquisa é da Fian-Brasil com o Cimi e abrange ainda os tekoha Guaiviry e Ypo’i.  

“Pedaços de terras que as comunidades ocupam dentro de seus territórios tradicionais estão dominados por monoculturas das fazendas, cujo cultivo demanda o uso excessivo de agrotóxicos (…) risco à saúde, à vida, representando também uma violação ao direito humano à alimentação, nutrição e água”, diz trecho do estudo.

São mais de 100 domicílios nos três tekoha pesquisados – 46% dos moradores e moradores tinham menos de 15 anos. No momento em que os pesquisadores realizaram as entrevistas (2013), em 75 destas casas os jovens residentes dependiam da família para se alimentar.

De acordo com critérios internacionais de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (Dhana), 13,3% dos domicílios (10) apresentaram insegurança alimentar leve; 58,7% (44) insegurança alimentar moderada e 28% (21) insegurança alimentar grave. Conforme o PNAD/IBGE (2013), em domicílios menos de 18 anos a insegurança alimentar grave atinge 4,8% das famílias brasileiras.   

“A fome é resultado da expulsão das terras e de outros fatores que são causados pela violência gerada pelo atual modelo de produção de alimentos, enquanto a má nutrição resulta da fome, da baixa qualidade, da redução da diversidade e da contaminação dos alimentos, da inadequação das condições de saneamento”, diz trecho do diagnóstico.

“Não pode plantar” e um TAC do MPF

Gilmar Guarani e Kaiowá explica que a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) tentam intermediar um acordo com os proprietários da Fazenda Madama, incidente sobre o território indígena, para que permitam a plantação dos indígenas. “Não pode plantar. Outros lugares não pode pegar água no açude. É assim”, diz o indígena.

“Com a redução no número das cestas de alimentos passamos a indicar como prioridade os lugares com mais vulnerabilidade: as áreas retomadas. Como a recuperação de territórios segue ocorrendo, e a quantidade de cestas diminuindo, tem uma defasagem”, salienta o coordenador da Funai em Dourados, Vander Nishijima.

A distribuição da Conab de cestas ocorre em seis etapas, com um intervalo médio de 60 dias. Com uma quantidade muito menor de cestas, 60 dias viram 120 para a fome de quem está com a barriga vazia. “Existe o entendimento do MPF e nosso, da Funai, de que o estado tem programas para contribuir com a alimentação”, diz Nishijima.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi celebrado entre o MPF, a Funai e o Governo Estadual do Mato Grosso do Sul, no ano passado. A Secretaria de Assistência Social se comprometeu a pavimentar caminhos para o auxílio e levantar famílias indígenas que já participam do Programa Vale Renda.

Aos não-indígenas, o programa oferece uma ajuda em dinheiro. Para os indígenas, em alimentos. No TAC, a Secretaria se comprometeu a até este mês de janeiro ter tudo detalhado para seguir com o cronograma. “Hoje temos algo temporário, o governo estadual tem condições de levar alimentos de modo permanente”, conclui Nishijima.

Bloqueio de estrada e Consea    

Em Naviraí, os Guarani e kaiowá bloquearam por três dias, no final do ano passado, a BR-163. Na pauta a questão da falta de comida e a fome. “A Polícia Federal nos ligou perguntando se tínhamos como levar alimentação. O Cimi e outras entidades arrecadam de forma permanente”, explica Matias Benno, missionário do Cimi.

O indigenista explica que os casos de desnutrição são sistemáticos: “Em Pyelito Kue quase todas as crianças já receberam algum tipo de tratamento envolvendo as consequências da desnutrição. Já houve óbitos. As áreas não regularizadas são disparadas as que mais concentram casos”.

Não há nada de novo ao governo federal. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) fez dez recomendações aos poderes públicos referentes ao quadro dos Guarani e Kaiowá. As propostas foram elaboradas e aprovadas como resultados da missão ao MS realizada entre agosto e setembro.

“As áreas de retomada e acampamentos estão em situação de maior vulnerabilidade e insegurança alimentar e nutricional grave que as demais da região, visto que as terras não estão demarcadas, não acessam as políticas públicas que dependem da regularização e que não são autorizadas a cultivar plantio de alimentos”, diz o Consea.

Há poucos metros da sala da Presidência da República, no Palácio do Planalto, o Consea abordou o acesso dos Guarani e Kaiowá aos alimentos, os impactos de programas sociais, qualidade, quantidade e regularidade das cestas básicas, o acesso à água, documentação e questões relacionadas à demarcação das terras.

Mobilizações artísticas, políticas e doações de alimentos

Priscila Anzoategui é jornalista, advogada, militante, mãe e integrante do Coletivo Terra Vermelha (CTV), organização de Campo Grande (MS). Ativista da causa indígena, a militante percorreu todas as comunidades Guarani e Kaiowá em situação de fome e insegurança alimentar. Percorreu, inclusive, levando carros e carros com doações.

Não se trata, porém, de assistencialismo. “Lá no Tey’i Jusu, Guaiviry, e outros, a gente sabe que os Guarani e Kaiowá querem plantar e estão fazendo de tudo pra voltar a ter essa independência, mas enquanto fazem essa transição precisam das cestas”, explica Priscila. O diálogo com caciques e lideranças é constante.

“Agora em Kurusu Amba, em especial no acampamento do Gilmar, toda vez que a gente vai é essa situação de miséria. No ano passado quando fui levar os alimentos tava bem frio e as crianças descalças. O CTV leva roupas também, e já ajudamos com material escolar”, afirma.

Para conseguir as doações, de um modo geral, o Coletivo articula apresentações artísticas em Campo Grande, faz intervenções políticas e conta com apoios diversos. “As lideranças entram em contato com a gente e tentamos fazer tudo rápido. Uma arte da campanha, escolhe um ponto de arrecadação e começa a difundir”.

No próximo sábado, 21, por exemplo, o Sesc da capital sul-mato-grossense receberá o espetáculo infantil “Kikio” do Grupo Guavira de Teatro de Bonecos. O artista e integrante do CTV Jorge de Barros, cujo ateliê confecciona os bonecos, traz histórias indígenas na peça. Quem quiser conferir e ajudar os Guarani e Kaiowá, pode levar alimentos para doar.

Por Renato Santana

Publicado originalmente no site do CIMI

Los hermanos contra os agrotóxicos

Argentinos lutam em várias frentes contra devastação provocada pelos agroquímicos; crianças de escolas rurais são atingidas


Os fatos se sucedem na Argentina, e parecem ter no Tribunal Monsanto um polo irradiador. Depois de denunciada no Tribunal, uma pesquisa que comprova a relação entre câncer e agroquímicos foi censurada e gerou solidariedade em outros países. Estudo da mesma universidade anunciou a comprovação dos efeitos tóxicos do glifosato para o sistema nervoso. Expostas no Tribunal, as fotografias de “O custo humano dos agrotóxicos”, de Pablo Ernesto Piovano, sobre as ‘zonas fumigadas’, ganhou prêmio internacional.

E mais. Uma fábrica da Monsanto foi fechada. Uma caravana contra os agrotóxicos foi armada por vizinhos autoconvocados que se definem como “vítimas de envenenamento por viver em pueblos fumigados com agrotóxicos”. A morte por intoxicação de uma criança está sendo julgada.

CENSURA AOS ACAMPAMENTOS SANITÁRIOS

O médico Damián Verzeñassi acabava de voltar da Holanda, onde relatara ao Tribunal Internacional Monsanto as pesquisas realizadas por sua equipe na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, demonstrando a relação existente entre expansão do uso de agrotóxicos e a tendência a contrair câncer na população rural. Foi quando soube que estava impedido de acessar os dados da pesquisa, trancados com corrente e cadeado pelo decano da Faculdade de Ciências Médicas, à qual ele e sua equipe estão ligados. A reação da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais fez os dados serem liberados.

Verzeñassi e sua equipe realizam pesquisas em acampamentos sanitários nas regiões de cultivo de soja transgênicas, fumigadas por agrotóxicos – além da cuenca sojera, as províncias do Chaco, Santiago Del Estero, Salta e Formosa. Desde 2010, já alcançaram com os acampamentos 96.800 pessoas que vivem em 27 localidades de quatro províncias argentinas. Desse encontro entre quem vive nas localidades de menos de 10 mil habitantes e dos estudantes e docentes da universidade pública foram surgindo dados que permitiram à equipe de Verzañassi identificar as enfermidades e seu comportamento nos últimos 20 anos: hipotireoidismo, doenças respiratórias, malformações congênitas, abortos espontâneos, diferentes tipos de câncer.

SOJA EM GRANDE ESCALA

“Quando estudamos o que tinham em comum, vimos que eram vilarejos em regiões onde se começou a produzir soja em grande escala há 20 anos”, diz o médico. Essa foi exatamente a época em que a soja transgênica entrou no país. “As doenças que prevalecem nesses territórios, segundo os dados observados, coincidem com os problemas de saúde associados aos agrotóxicos, de uso obrigatório no pacote de transgênicos”.

O mapa de saúde dos vilarejos fumigados revela grandes diferenças com o mapa epidemiológico nacional da Argentina, demonstra a pesquisa.  Em nível nacional, a primeira causa de morte são os problemas cardiovasculares, enquanto nessas regiões um terço dos óbitos ocorre por alguma forma de câncer – o que representa cerca de 50% a mais que no resto do país.

Os últimos dados parciais revelados pela equipe de Verzeñassi, em 2015, sobre a localidade de San Salvador (Entre Ríos), mostram que, entre 2000 e 2014, 80 dos domicílios visitados relataram 84 casos de câncer diagnosticados, dos quais 46,4% ocorridos nos últimos cinco anos.

“Chama a atenção que a escalada de perseguições surja quando estou de licença participando do Tribunal em Haia, e membros da nossa equipe tenham falado aos meios de comunicação sobre o mapa do câncer na região”, observou Verzañassi, que recebeu apoio de vários setores da sociedade argentina e internacional. Seus estudos vêm sendo apresentados como prova em juízo em congressos, nacionais e internacionais, e requisitados por autoridades científicas. O caso repercutiu também na Itália, consumidora da soja argentina.

ESCOLAS RURAIS

As escolas rurais são diretamente afetadas pelas fumigações. Como no Brasil, onde o caso de Rio Verde, a 200 km de Goiânia, foi registrado no filme Pontal do Buriti – brincando na chuva de veneno.

Feitas em horário de aula e sem aviso prévio, causam doenças de pele e das vias respiratórias, vômitos e problemas gastrointestinais em crianças e adultos. Na região de Entre Ríos, as fumigações vêm atingindo 82 escolas, com cerca de 2.500 alunos, 450 professores e 80 funcionários. No departamento de Uruguay são 15 escolas, das 28 pesquisadas. E em Gualeguaychú, 19 entre as 23 escolas visitadas sofreram fumigações. O mesmo ocorre em Córdoba, onde há 1500 escolas a menos de um quilômetro de campos fumigados, com 12 mil alunos e 900 professores. “Parem de fumigar a escolas”, diziam cartazes de associações de docentes, padres e ambientalistas que se mobilizam contra essa prática.

O país é o terceiro maior produtor de soja transgênica do mundo, com 60,8 milhões de toneladas na safra 2014/2015, perdendo apenas para o Brasil (94,5 milhões de toneladas) e os Estados Unidos (108 milhões de toneladas), em números absolutos.

CIENTISTA ESTUDA GLIFOSATO

A Argentina foi o primeiro país latino-americano a aprovar o cultivo de sementes transgênicas. Vinte anos depois, é um dos maiores produtores de soja geneticamente modificada do mundo, e um dos países com mais aplicação de agrotóxicos – atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil. O mais usado é o glifosato, conhecido como “mata mato” ou Roundup , da multinacional Monsanto. É o veneno mais comercializado em escala global, por sua suposta inocuidade.

Contudo, pesquisa desenvolvida pela professora Silvana Rosso na Faculdade de Ciências Bioquímicas e Farmacêuticas da Universidade Nacional de Rosário – a mesma onde os dados dos “acampamentos sanitários” foram censurados – traz luz ao debate acerca dos efeitos sinistros do glifosato para o desenvolvimento animal e humano. Mesmo em doses menores que aquelas a que os humanos estão expostos, o glifosato produz efeitos citotóxicos e altera a constituição do DNA, comprovou o estudo.

Durante cinco anos, a equipe da professora avaliou os efeitos do glifosato sobre o desenvolvimento e função do sistema nervoso de mamíferos expostos ao veneno no período de gestação, usando como modelo animal fêmeas de ratos, cujo sistema nervoso é semelhante ao humano.

“Observamos, por meio de testes comportamentais realizados em laboratório com animais que foram expostos ao glifosato durante o período de gestação, sinais de neurotoxicidade manifestados por alterações na capacidade de respostas reflexas, diminuição na atividade motora, na aprendizagem e na memória, e que essas alterações são irreversíveis”, diz Silvana Rosso.

IMPACTO NA SAÚDE

Em 2015, a Agência Internacional do Câncer (Iarc), que pertence à Organização Mundial de Saúde (OMS), recategorizou o glifosato como “provavelmente cancerígeno”. Mas nesse mesmo ano a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar desautorizou a Iarc: considera que o glifosato não é nem carcinogênico nem mutagênico.

Em 29 de junho de 2015, um mês depois que a OMS e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicaram um estudo conjunto sustentando que o glifosato não é cancerígeno, a Comissão Europeia renovou a permissão de uso do glifosato no continente até o último dia de 2017. Até então, a Agência Europeia de Produtos Químicos terá, espera-se, uma conclusão definitiva sobre o efeito dessa substância sobre as pessoas.

No Brasil, o Ministério Público Federal reforçou o pedido de banimento do glifosato por ser um produto cancerígeno. O herbicida 2.4D também é proibido em vários países do mundo. Ambos são muito utilizados no Brasil e na Argentina.

A EXPLOSÃO DO CONSUMO

O consumo do glifosato na Argentina saltou dos 30 milhões de litros/ano em 1996 – quando foi aprovado o uso de transgênicos no país – para 400 milhões em 2016, apontam estudos da Universidade Nacional da Plata. Foram pulverizados mais de 24,5 milhões de hectares, cerca de 60% da área cultivada do país. Isso significa um aumento de maisde 1000 % em duas décadas.

No Brasil, o aumento foi de um terço em cinco anos, de 120 mil toneladas em 2010 para quase 195 mil em 2014, conforme dados apresentados pela pesquisadora Sonia Corina Hess, professora da UFSC. “Glifosato e transgênico vão juntos. A indústria convenceu todo o mundo que o veneno não é venenoso. Mas quem faz os testes é a indústria”, alertou ela, na Audiência Pública sobre Agrotóxicos que criou o Forum Paulista contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, no fim de agosto.

Também o pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo, que esteve no Tribunal Monsanto representando a Abrasco, alerta para a invisibilidade do problema: “Temos anualmente 400 mil casos de intoxicação e 4 mil mortes relacionadas com os pesticidas no Brasil. O Tribunal é de grande relevância para os países da América Latina”.

Por Inês Castilho

Publicado em De Olho nos Ruralistas

Fian Brasil inicia diagnóstico sobre situação alimentar em território quilombola e geraizeiro de MG

As violações de direitos e a situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequada (DHANA) no Território Quilombola de Brejo dos Crioulos e no Território Geraizeiro de Vale das Cancelas, ambos localizados na região Norte de Minas Gerais, são foco de dois diagnósticos em elaboração pela Fian Brasil.

“A elaboração destes diagnósticos tem como objetivo analisar de maneira qualitativa a situação do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) nos dois territórios. Devido ao enfoque da Fian, ao tratar do DHANA também abarcamos uma ampla gama de direitos correlatos, como acesso à educação, saúde e cultura, e com base nisso pretendemos fazer uma série de recomendações ao Estado brasileiro sobre o que deve ser feito para alterar essas realidades”, aponta o assessor de direitos humanos da Fian Brasil, Lucas Prates.

A visita em Brejo dos Crioulos para elaboração do diagnóstico foi realizada entre os dias 10 e 13 de janeiro e contou com a participação de cerca de 30 lideranças das comunidades que compõem o território, homens e mulheres. Já no Território Geraizeiro de Vale das Cancelas a visita foi realizada entre os dias 13 a 16 de janeiro, com a participação de cerca de 40 lideranças, entre homens e mulheres.

O processo de coleta de dados foi realizado por meio de entrevistas com lideranças, entrevistas domiciliares e grupos focais, e abordaram três grandes eixos: soberania alimentar, gênero e processo social da alimentação, na perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos.

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Grupo focal com mulheres de Brejo dos Crioulos assessorado por Edina Lapa do CAA

Em cada território foi abordada a questão da dimensão territorial e do acesso ao território e o acesso às políticas públicas de fomento à produção alimentar que impactam, diretamente, no acesso à alimentação. Responsável pela elaboração dos diagnósticos, o antropólogo Dr. Júlio César Borges, observa que mesmo com o acesso a cerca de 85% do território garantido, as comunidades de Brejo dos Crioulos sofreram nos últimos 5 anos com uma grave seca na região, que atrapalhou a produção de alimentos. “Aliada à seca, constatamos a presença de uma alimentação comprada, com pouca produção própria – o que não supre as necessidades das famílias. Desta forma restou evidente a atual importância de aposentadorias e do Programa Bolsa Família para a aquisição de alimentos”.

Mesmo com a dificuldade da produção de alimentos no território quilombola, o antropólogo aponta que comparando os dois territórios, a situação de Vale das Cancelas é mais preocupante pois além de “não terem o território garantido, [os/as geraizeiros/as] sofrem com ameaças de empresas de eucalipto, que desde a década de 70 estão acabando com a água e jogando muito agrotóxico na região, e ainda enfrentam problemas com empresas mineradoras e de usinas hidrelétricas”, destaca Júlio César Borges.

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Júlio Borges durante entrevista domiciliar em Vale das Cancelas

As visitas nos territórios contaram com o apoio do CAA – Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas  e MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens. Os diagnósticos serão apresentados ainda no primeiro semestre de 2017 e são elaborados com o apoio da Misereor, Pão Para o Mundo e HEKS-EPER.

Brejo dos Crioulos

O Território Quilombola de Brejo dos Crioulos localiza-se na região norte de Minas Gerais, entre os municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, e possui cerca de 17.300 hectares. O território divide-se em oito comunidades, reunindo em torno de 500 famílias.

Vale das Cancelas

O Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas abrange um total de 73 localidades dos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, onde vivem mais de 1.400 famílias geraizeiras.

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.

Flávia Quirino/Assessoria de Comunicação FIAN Brasil

 

Desnutrição volta assolar aldeias indígenas de MS

O fantasma da desnutrição volta a “assombrar” o território indígena em Mato Grosso do Sul. Em acampamentos Guarani e Kaiowá de Kurusu Ambá (Coronel Sapucaia) e Pyelito Kuê (Iguatemi), lideranças afirmam que centenas de crianças já apresentam quadro de desnutrição por falta de alimentos e água potável. A cesta básica estaria atrasada desde novembro e água, só de açude.

O guarani kaiuá Elizeu Lopes, diz que a Funai alega insuficiência de recursos por parte da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), não havendo previsão de distribuição de cestas básicas para nenhum acampamento indígena no Estado.

Segundo ele, as famílias pedem socorro. “A gente divide o pouco que se tem, mas quando não há nada, as crianças dormem para esquecer a fome. Nós bebemos água em açudes, junto com o gado, que é melhor tratado no Brasil do que seres humanos”, destaca.

Segundo o guarani, mais de 200 crianças estariam com desnutrição. Ele afirma que cerca de 20 delas chegam a estar acamadas.

O professor da Faculdade Intercultural Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Neimar Machado de Souza, explica que nessas comunidades, 42% das crianças, menores de cinco anos, sofrem de desnutrição crônica, apresentando baixa estatura e peso para a idade, conforme o relatório da Rede Internacional de Informação e Ação pelo Direito Humano à Alimentação (FIAN 2016).

O professor explica ainda que as causas dessa crise decorrem do fato que estas e outras comunidades indígenas enfrentam histórico abandono e racismo institucional. “A não demarcação dos territórios também afeta diretamente as duas áreas. Medidas paliativas foram tomadas em 2005, quando houve redução, mas não a reversão nos casos de desnutrição. Faltam políticas públicas”, destacou, observando que as crianças para terem acesso a escola precisam andar todos os dias mais de 20 quilômetros.

“O Brasil tem 1.113 terras indígenas, das quais 654 aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Este número corresponde a 58,7% do total das terras indígenas do país”, explica.

O PROGRESSO entrou em contato com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que disse que iria mandar uma nota essa semana sobre o caso.

A Conab disse que entregou 200 cestas básicas nas duas comunidades nos dias 01 e 02 de dezembro. “Existe em nossa Unidade Armazenadora em Campo Grande 04 etapas de 1.400 cestas destinadas à Funai em Ponta Porã, responsável pelos acampamentos em questão. As cestas estão à disposição dos parceiros da Ação de Distribuição de Alimentos -ADA. A Conab ressaltou apenas que não há, no momento, previsão de repasse orçamentário/financeiro pela SESAN/MDSA para custeio operacional da Ação de Distribuição de Cestas de Alimentos.

Campanha

Em Dourados,uma campanha arrecada alimentos não perecíveis para essas comunidades indígenas. O ponto de coleta pode ser na recepção do Jornal O PROGRESSO, na Avenida Presidente Vargas 447, em frente a Praça Antônio João. Outro ponto de coleta é na Fadir, da UFGD. Endereço: Rua Quintino Bocaiúva, 2100 – Jardim da Figueira.

Fonte: O Progresso

Discurso de encerramento do mandato de Maria Emília L. Pacheco no Consea

Discurso de encerramento do mandato – Maria Emília L. Pacheco

Encerramos, hoje, nosso mandato da gestão 2012-2016, nesse importante Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, onde cheguei em 2004, conselheira representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e em 2012, fui honrada com a indicação para assumir a presidência que busquei exercer de forma colegiada.

Nos últimos anos, tivemos a melhoria dos indicadores sociais, com a redução da extrema pobreza; a diminuição significativa da insegurança alimentar moderada e grave, da mortalidade infantil e da desnutrição.

A saída do Brasil do Mapa Mundial da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), mostrou o acerto da adoção de estratégias intersetoriais concretizadas em iniciativas políticas como a valorização do salário mínimo, a garantia de emprego, a execução de programas de transferência de renda, como Bolsa Família, e a inovação de programas estruturantes a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa de Alimentação Escolar ( PNAE), o Programa um milhão de cisternas (P1MC) e Uma terra e duas águas (P1+2), e a aprovação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que hoje sofrem fortes ameaças.

Mas no exercício crítico permanente de monitoramento e controle social que caracteriza esse Conselho, problematizamos a situação de insegurança alimentar grave que permanece entre os povos indígenas, segmentos da população negra, comunidades quilombolas. Debatemos sobre os problemas políticos e econômicos que impactam a soberania e segurança alimentar e nutricional, enfatizando que os trabalhadores e pobres não podem arcar com o ônus da crise. Defendemos reiteradamente as políticas redistributivas. Fizemos aflorar diferentes percepções e debates sobre temas controversos de forma democrática, como o impactos dos agrotóxicos e transgênicos, a premência da democratização do acesso à terra e direitos territoriais, e explicitamos alertas sobre os riscos de retrocessos e desconstrução de direitos que já se manifestavam nos governos anteriores nesse período.

Mas hoje, no contexto de ruptura democrática, com indignação constatamos que estamos mais longe da realização do Direito Humano à Alimentação Adequada, inscrito em nossa Constituição, desde 2009, fruto de significativa mobilização social, com ativa participação do Consea em interlocução com a Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.

Tudo indica que estamos no caminho de volta do país ao Mapa da Fome, setenta anos depois do libelo expresso no livro “Geografia da Fome” de nosso patrono Josué de Castro, sobretudo diante da possibilidade de aprovação, nos próximos dias, no Congresso Nacional, da Proposta de Emenda Constitucional do teto dos gastos públicos (PEC 55) sobre a qual endereçamos, ontem um manifesto ao Senado Federal.

Esse cidadão do mundo, a quem novamente presto a minha homenagem, pelo seu compromisso com a justiça social, pelo seu legado histórico, ensinou-nos que não há exílio das idéias. Em meio às adversidades precisamos resistir.

Celebramos os passos dados até agora na construção do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) como estrutura responsável pela formulação, implementação e gestão participativa da política de Segurança Alimentar e Nutricional em todos os níveis.

Mas como avançar nesse caminho quando se extingue o Ministério do Desenvolvimento Agrário e secretarias voltadas para os Direitos Humanos, Igualdade Racial e Políticas para as Mulheres, numa manifestação de descompromisso dos atuais governantes com os Sujeitos de Direitos, sobretudo nesse contexto de crescimento de onda conservadora nas manifestações de preconceitos, racismo e intolerância. Há muitos desafios também nos estados e municípios. Temos acompanhado com preocupação iniciativas de judicialização de Conseas. O momento atual requer estratégias claras de resistência no plano estadual e municipal. Diante dos grandes desafios, é importante também a construção da interface entre o Sisan e o Sistema Único de Assistencia Social (Suas) e Sistema Único de Saúde (Sus).

Quis a história que as minhas últimas atividades públicas como representante do Consea simbolizassem vários campos de ação do conselho e um chamamento sobre o quadro de ameaças, retrocessos e incertezas que vivemos.

A comitiva liderada pelo Consea, em visita à região dos povos indígenas das etnias Guarani e Kaiowá, no Cone Sul do Mato Grosso do Sul, constatou um quadro de violência com mortes por assassinato, preconceitos, violação de direitos humanos, em especial o Direito Humano à Alimentação Adequada.

Uma verdadeira tragédia humana! Assim podemos sintetizar a dura e dramática realidade de vulnerabilidade social, e de insegurança alimentar e nutricional grave desses povos.

Vare’á continuam gritando, como eu disse no meu discurso de posse em 2012, para falar da ausência do broto da semente; para falar da fome. Continuam vivendo a realidade de negação de seus Tekoha como lugar de pertencimento onde buscam a subsistência, produzem sua cultura, e cultivam a solidariedade e a generosidade. O lugar onde realizam o seu “modo de ser”.

A expansão do agronegócio, com um alto nível de degradação ambiental com contaminação por agrotóxicos do solo e dos mananciais, e o verdadeiro confinamento a que estão submetidos esses povos, estão a exigir dos poderes públicos, com respaldo de manifestação de apoio de órgãos internacionais, enfrentar a raiz dos problemas com o arquivamento da PEC 215 e resposta com demarcação e titulação de terra, a garantia do Direito Humano à Alimentação e acesso às políticas públicas, em conformidade com as cláusulas de nossa Constituição cidadã.

Como resposta emergencial de caráter de ajuda humanitária firmou-se um acordo para distribuição imediata de cesta de alimentos nas áreas de retomada, rompendo-se com o silencio e o descaso do poder público com os gritos da fome. Ao Consea cabe, em diálogo com a Comissão Especial de Violação do DHAA, continuar interpelando o Executivo, Legislativo e Judiciário. E ainda, acompanhar o trabalho do Comitê Técnico de Povos e Comunidades Tradicionais na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) que, em interação com a mesma instancia no plano estadual, continuará monitorando as violações de direitos desses povos.

Estive no IX EnconAsa, no Semiárido, onde a “vida pulsa e o povo resiste” no ecoar das vozes das organizações da agricultura familiar, das mulheres, dos jovens, dos povos e comunidades tradicionais “construindo e transformando o semiárido”, articulados pela Articulação do Semiárido (ASA). Estratégias e práticas inovadoras, deram origem a um novo paradigma de convivência com o semiárido plasmado em programas e projetos públicos inspirados nas iniciativas das organizações sociais de armazenamento da água de chuva (P1Mc e P1+2), casas de semente, gestão coletiva de fundos e produção de alimentos agroecológicos saudáveis.

Mas lá também ouvi as vozes de protesto contra as ameaças de corte de orçamento, de volta às velhas práticas da industria da seca. Ouvi um apelo que cabe ao Consea encaminhar, uma vez que temos monitorado os Termos de Parceria entre governo e sociedade: que o governo honre os compromissos liberando os recursos firmados em contratos pré-estabelecidos e complete a universalização do acesso à água para consumo humano.

Não posso deixar de registrar o significado político do 2º Encontro Nacional de Pesquisa em SAN que consolidou a criação da Rede Brasileira de Pesquisa em SAN, cuja semente foi lançada neste Conselho. Nesses tempos sombrios e de incertezas representa um precioso espaço para reflexão crítica sobre dilemas, contradições e desafios como o conflito de interesses público-privado no processo de construção da Política e do Sisan no país.

Este é um momento também de agradecimentos.

Expresso meus agradecimentos aos conselheiros e às conselheiras, suas organizações, redes e fóruns, pelos ensinamentos fruto da interlocução sobre as várias dimensões da soberania e san, que requer de nós da sociedade civil uma postura militante da interdisciplinaridade. Peço-lhes licença para sublinhar, sobretudo meus agradecimentos aos (as) profissionais da nutrição e saúde, que me proporcionaram novos aprendizados para a construção de uma visão mais holística de san.

Agradeço também aos presidentes dos conseas estaduais pela atuação significativa na construção do Sisan, chamando-nos para as reflexões sobre as diferentes realidades no país.

Meus agradecimentos aos povos indígenas, povos tradicionais de matriz africana e povos de terreiro, movimento negro, organizações de mulheres, movimentos sociais do campo e da cidade pelo diálogo de saberes e por trazerem com veemência a relação entre o DHAA, e o caráter estrutural das formas de dominação que produzem desigualdades.

Aos gestores e gestoras públicos que praticam os valores republicanos e que zelam pelas suas funções, com inestimáveis contribuições para a soberania e san, os meus sinceros agradecimentos.

Dirijo-me aqui também aos valorosos e às valorosas integrantes da secretaria do Consea, incansáveis na sua dedicação e compromisso de apoiar o Consea no cumprimento de sua missão. O meu muitíssimo, obrigada.

Aos jovens estagiários e às estagiárias que aqui estão e que por aqui passaram meu reconhecimento e a certeza que continuarão militantes pela causa da soberania e san.

Agradeço as organizações observadoras que, com sua presença constante engrandecem o sentido deste conselho.

Quero agradecer também à FASE- Solidariedade e Educação, onde trabalho, ao Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que representei nesses anos, e à Articulação Nacional de Agroecologia, pelo seu apoio para o exercício dessa nobre missão.

Temos um legado histórico construído coletivamente a ser preservado e renovado com a mobilização social na 5ª Conferencia Nacional de SAN, que inovou em sua metodologia e produziu o manifesto sobre Comida de Verdade, que acena para a importância da dimensão cultural dos sistemas alimentares.

Tivemos conquistas e devemos nos manter com firmeza na defesa da Constituição no que concerne aos direitos, em especial do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e na defesa da implementação do Plano Nacional de SAN.

Importante manter a iniciativa política de interação entre os conselhos como Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), Conselhos de Saúde e Assistencia Social, que além de permitir articular posições na conjuntura tem o desafio de influenciar no Plano Plurianual (PPA).

Minha expectativa é que o Consea continue ecoando as vozes do campo, da floresta, das águas e das cidades, expressão de nossa sociobiodiversidade e de uma sociedade pluriétnica; que continue a enfrentar as injustiças combatendo o racismo e o machismo.

Encerro a minha missão no Consea, porém sem abdicar do compromisso cidadão com a firme determinação de continuar atuando em outros espaços em defesa da “comida de verdade no campo e na cidade, por direitos e soberania alimentar”.

Obrigada!

Brasília, 30 de novembro de 2016

Má nutrição afeta um terço da população mundial e custa US$ 3,5 trilhões por ano, diz FAO

Uma em cada três pessoas no mundo não possui uma alimentação adequada, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Mais de 2 bilhões de indivíduos no planeta sofrem de deficiências nutricionais e cerca de 150 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade têm o crescimento atrofiado devido a dietas pobres. Ao mesmo tempo, 1,9 bilhão de indivíduos estão acima do peso ideal.

Um terço da população mundial enfrenta alguma forma de má nutrição, seja subnutrição ou obesidade e sobrepeso, revelou a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) na quinta-feira (1). A alimentação inadequada custa 3,5 trilhões de dólares anuais ao desenvolvimento econômico e aos investimentos em saúde dos países, alertou a agência da ONU.

“A nutrição tem que ser considerada uma questão pública, uma responsabilidade de Estado”, disse o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, durante a abertura do Simpósio Internacional sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis para Dietas Saudáveis e Nutrição Aprimorada, em Roma.

Mais de 2 bilhões de pessoas no planeta sofrem de deficiências nutricionais que afetam a saúde e cerca de 150 milhões de crianças com menos de cinco anos de idade têm o crescimento atrofiado devido a dietas pobres. Ao mesmo tempo, 1,9 bilhão de indivíduos estão acima do peso ideal. Desse contingente, 600 milhões são classificados como obesos.

Enfatizando que nenhum país está “imune” à má nutrição”, Graziano afirmou que “consumidores devem ser empoderados para escolher alimentos e dietas saudáveis”, através de iniciativas de proteção social, educação para a nutrição e rotulagens e propagandas verdadeiras e precisas.

O dirigente acrescentou que a FAO está comprometida em apoiar Estados-membros para lidar com desafios em toda a cadeia produtiva de alimentos e disse ainda que governos devem estimular a diversificação da agricultura e facilitar o acesso a mercados pelas famílias de agricultores mais pobres.

Também presente no evento, o diretor da área de Nutrição para Saúde e Desenvolvimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), Francesco Branca, transmitiu o posicionamento de Margaret Chan, a chefe do organismo internacional, sobre o tema.

“A nutrição é um desafio para todos os países. Seja o nanismo, o desperdício, anemia ou obesidade, nenhum país está livre. Com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estamos comprometidos em acabar com todas as formas de má nutrição até 2030”, disse Francesco.

O simpósio internacional reuniu especialistas e representantes dos Estados-membros até sexta-feira (2) para debater problemas nacionais e também experiências de sucesso que melhoraram sistemas de venda, processamento e também de marketing de alimentos.

Fonte: Nações Unidas

Carta pela formação de frentes parlamentares de segurança alimentar e nutricional

image-1As entidades presentes no Seminário Nacional sobre o Direito Humano à Alimentação, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e pela Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional da Câmara dos Deputados em 30 de novembro e 1° de dezembro de 2016, estimulam a criação de frentes parlamentares estaduais e municipais com foco na segurança alimentar e nutricional. Leia.

O direito humano à alimentação adequada está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e, desde 2010, está expresso como direito fundamental no artigo 6° da Constituição da República.

De acordo com a ONU, o direito à alimentação adequada realiza-se quando a pessoa tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para sua obtenção. Esse direito é ligado à dignidade inerente à pessoa humana e é indispensável para a realização de outros direitos humanos. Ele é também inseparável da justiça social, requerendo a adoção de políticas socioeconômicas e ambientais, orientadas para a erradicação da fome, da pobreza e para a realização dos direitos humanos para todos.

O direito humano à alimentação adequada está relacionado a um modelo de desenvolvimento inclusivo, socialmente justo, ambientalmente responsável e sustentável e que respeite as culturas locais, a pluralidade de modos de vida e a biodiversidade.

O Brasil conquistou nos últimos anos diversos avanços em indicadores de segurança alimentar e nutricional, com o ápice na saída do mapa da fome. Isso foi resultado da criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e de políticas públicas de reforma agrária, acesso à terra, à saúde, à educação e ao alimento; políticas que incentivaram a agricultura familiar e camponesa, a agroecologia, a garantia territorial dos povos e comunidades tradicionais e o fortalecimento da participação social dos territórios rurais e dos diferentes segmentos sociais.

Hoje esses avanços, que ainda são insuficientes, estão ameaçados pelo desmonte do Estado brasileiro promovido pelo grupo que se apoderou do governo. Além dos retrocessos em curso, há problemas persistentes: a concentração fundiária, o modelo de desenvolvimento centrado na monocultura e no interesse de corporações transnacionais, o uso de agrotóxicos, a crescente liberação dos transgênicos, a irresponsabilidade ambiental, a desvalorização de alimentos tradicionais e regionais, a ausência de regulação de produtos ultraprocessados não saudáveis e suas agressivas estratégias de marketing, bem como a presença de “desertos alimentares” – regiões que não possuem oferta acessível de alimentos variados, frescos e livres de veneno.

A atuação organizada de parlamentares engajados na efetividade do direito humano à alimentação é importantíssima, seja pela necessidade de produção normativa, seja pelo papel de fiscalização que o poder legislativo exerce. A formação de frentes parlamentares é um importante mecanismo de catalisação desses esforços em torno da proteção e da promoção de direitos.

A grande maioria das assembleias legislativas e câmaras de vereadores, porém, ainda não conta com frentes parlamentares de segurança alimentar e nutricional. Frentes parlamentares nos estados e municípios são espaços de diálogo com a sociedade e de organizar temáticas e demandas que devem ser regulamentadas localmente. Além disso, têm o papel de monitorar a implantação do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e de contribuir na elaboração e efetivação dos respectivos planos estaduais e municipais.

Nesse sentido, as entidades presentes no Seminário Nacional sobre o Direito Humano à Alimentação, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e pela Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional da Câmara dos Deputados em 30 de novembro e 1° de dezembro de 2016, estimulam a criação de frentes parlamentares estaduais e municipais com foco na segurança alimentar e nutricional, criando uma rede de resistência para evitar retrocessos e para lutar por avanços no campo dos direitos humanos econômicos, sociais, ambientais e culturais.

 

Brasília, 1° de dezembro de 2016.

 

Agentes de Pastoral Negros do Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo

Associação Brasileira de Agroecologia

Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão

Associação Rede de Pesquisadores e Extensionistas em Segurança Alimentar e Nutricional

Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Centro Nordestino de Medicina Popular

Comissão Permanente de Presidentes Estaduais de CONSEAS

Confederação Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ

Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

Conselho Federal de Nutricionistas

Conselho Indigenista Missionário

Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil

FIAN – Rede de Informação e Ação pelo Direito a se Alimentar

Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo

Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana – FONSANPOTMA

Greenpeace

Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Professor Kitoko

Grupo de Trabalho Educação do Movimento Slow Food Brasil

Movimento Camponês Popular

Movimento dos Pequenos Agricultores

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Rede Nacional de Colegiados Territoriais

Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz

Via Campesina

Países latino-americanos inserem questão de gênero no combate à fome

Apesar de os países latino-americanos terem avançado no combate à pobreza e à fome nos últimos anos, os benefícios não foram uniformes entre homens e mulheres. Dessa forma, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), elaborou um plano estratégico que insere a igualdade de gênero na luta contra as desigualdades econômicas na região.

Ministras e autoridades dos países da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) aprovaram na semana passada (16) uma estratégia de gênero para o Plano de Segurança Alimentar, Nutrição e Erradicação da Fome 2025 (Plano SAN-CELAC), principal acordo regional da luta contra a fome.

O objetivo é assegurar que a implementação do plano garanta o empoderamento das mulheres, para que os resultados de sua aplicação as alcancem igualmente.

As desigualdades de gênero não apenas limitam o acesso a recursos e a possibilidades de desenvolvimento, mas também afetam o bem-estar das mulheres e de seus lares, especialmente em termos de segurança alimentar e nutricional.

Segundo o documento apresentado na semana passada, isso significa “adotar medidas que combatam as desigualdades em relação às oportunidades de participação e ao acesso aos benefícios derivados da aplicação do plano em favor das mulheres”.

“Apesar de a região ter avançado na redução da pobreza, é muito significativo que essa redução não tenha afetado de igual maneira homens e mulheres. O índice de feminização da pobreza cresceu de forma sustentada nos últimos anos, o que mostra que as estratégias para a superação da pobreza sozinhas não afetam de forma significativa a vida das mulheres”, disse Margarida Fernández, diretora do Instituto Salvadorenho para o Desenvolvimento da Mulher.

A estratégia de gênero foi elaborada por um grupo de trabalho da CELAC, com o apoio da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), apresentada em reunião ministerial da CELAC.

Para a ministra da Mulher da República Dominicana, Janet Camilo, a estratégia permitirá dar início à inclusão das mulheres rurais nas políticas públicas regionais, facilitando seu empoderamento econômico e bem-estar, rumo à plena igualdade de gênero em 2030 — um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Segundo a FAO, assegurar o sucesso do Plano SAN-CELAC, cuja meta é erradicar a fome na região até 2025, requer uma distribuição de poder equitativa entre homens e mulheres em todas as esferas do desenvolvimento. A estratégia será apresentada aos chefes de Estado da região na próxima cúpula da CELAC, em janeiro de 2017.

Segurança alimentar das mulheres latino-americanas

O percentual de mulheres obesas supera o de homens na região e, em mais de 20 países, a diferença é de mais de 10 pontos percentuais. Em Antígua e Barbuda, a obesidade afeta 38,7% das mulheres, e na Jamaica, 35,7%, na comparação com 18,4% de homens.

A anemia é um problema que persiste, afetando atualmente cerca de 40% das mulheres globalmente e cerca de 25% das mulheres na região da América Latina e Caribe.

A estratégia de gênero apresentada pela FAO destaca a necessidade urgente de produzir estatísticas e indicadores nacionais desagregados por gênero.

“Precisamos saber exatamente como a fome afeta as mulheres da região, e desenvolver políticas que considerem a divisão sexual do trabalho nas zonas rurais”, explicou Claudia Brito, oficial de gênero da FAO.

Além disso, o documento destaca que é necessário analisar a institucionalidade da segurança alimentar para incorporar o enfoque de igualdade de gênero e fortalecer a participação das mulheres no desenho e operação das políticas públicas.

As mulheres também devem ser acesso igualitário aos serviços e programas para a produção, para que não recaiam somente sobre elas tarefas de alimentação e cuidado que reproduzem desigualdades e a distribuição tradicional de papéis de gênero nos lares.

A estratégia destaca a importância de aumentar a alfabetização e o acesso a tecnologias da informação e comunicação para garantir o direito à consulta e ao consentimento livre informado, com ênfase especial em mulheres indígenas e afrodescendentes.

Segundo a FAO, os países devem promover a participação das mulheres nos sistemas agroalimentares e nos processos de elaboração e tomada de decisões de políticas públicas de alimentação e nutrição.

“A voz das mulheres é fundamental para atingir a fome zero em 2025, e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável”, disse Claudia Brito.

Segundo ela, é necessário que os países desenvolvam marcos jurídicos e programas que respondam às necessidades específicas das mulheres indígenas e afrodescendentes, já que muitas delas registram os mais altos índices de insegurança alimentar na região.

A estratégia destaca a necessidade de promover políticas que envolvam intencionalmente as mulheres jovens, considerando seus interesses, condições e necessidades.

Fonte: Nações Unidas

Análise sobre realidade socioeconômica e nutricional do povo Guarani e Kaiowá será lançada em Brasíl

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Se em todo o país o índice de insegurança alimentar, que mede a dificuldade de acesso a alimentos em quantidade e qualidade adequadas, é de 22,6%, em três comunidades Guarani e Kaiowá pesquisadas pela FIAN Brasil esse índice é de 100%. A informação consta no documento “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”, cujo Resumo Executivo será lançado no dia 16 de agosto, às 14 horas, no auditório 1 da Faculdade de Ciências da Saúde, da UnB, em Brasília.

O documento traz a análise das violações de direitos e suas diferentes causas, que são responsáveis pela situação de insegurança alimentar e nutricional dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Iniciada em 2013, a pesquisa socioeconômica e nutricional, com abordagem em direitos humanos, foi realizada em 96 domicílios de três comunidades indígenas: Kurusu Ambá, Ypo’i e Guaiviry.

A pesquisa e a releitura levaram cerca de três anos para serem concluídas, resultando em um trabalho extenso. O Resumo Executivo é uma forma mais amigável de apresentar os principais resultados deste trabalho.

Uma das constatações da pesquisa é a realidade alimentar de crianças e jovens Guarani e Kaiowá. Em 76% dos domicílios a pessoa entrevistada afirmou que, no mês anterior a setembro de 2013, houve ocasião em que crianças e jovens da casa passaram um dia todo sem comer e foram dormir com fome, porque não havia comida na casa. Já em 82% dos domicílios havia a afirmação de que esse grupo comeu menos quantidade de comida do que julgava ser necessário, porque não dispunham de recursos para obter alimentos.

Ainda, outro dado aponta que as famílias procuram proteger suas crianças desta terrível situação: em cerca de 80% das residências a pessoa entrevistada afirma ter comido menos para deixar comida para as crianças.

As causas das violações identificadas na pesquisa estão assentadas, além da negação do direito ao território e as disputas que daí decorrem, na discriminação que o povo Guarani e Kaiowá sofre. “Geralmente, as violações de direitos dos povos indígenas acontecem em razão de sua identidade cultural. Esta violação abre portas para negação de outros direitos, incluindo o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Estas violações são históricas, estão associadas ao processo de exploração econômica do Estado e são de responsabilidade das três funções do Estado brasileiro, como procuramos evidenciar no documento”, ressalta a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

O lançamento da publicação é realizado pela FIAN Brasil e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e contará com a presença de lideranças Guarani e Kaiowá, de pesquisadores da UNICAMP, do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição (OPSAN/UnB) e da FIAN Internacional.

Situação Guarani e Kaiowá

Os Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul compõem um grupo de mais de 45 mil pessoas. Além dos que estão em centros urbanos, a maioria dos indígenas vive em três situações: minoria em terra demarcada; grande maioria nas reservas, onde estão os piores indicadores de violência, desnutrição e suicídio; e outra parcela está em acampamentos de beira de estrada ou em áreas de retomadas, isto é, ocupando partes de fazendas que se sobrepõem aos seus territórios tradicionais, em situação de conflito. Geralmente, os Guarani e Kaiowá encontram-se cercados por monoculturas de cana e grãos que demandam uso intensivo de agrotóxicos. Há muitas denúncias sobre contaminação de água. Também há denúncias de que as comunidades são, intencionalmente, alvos de pulverização de agrotóxicos.

Os conflitos entre os representantes dos setores do agronegócio e as comunidades indígenas são graves, persistindo os despejos e o assassinato de lideranças como reação à luta pelo Tekohá. Desde o assassinato de Marçal, em 1983, foram mortos dezenas de líderes, sendo que alguns nunca tiveram seus corpos encontrados, como é o caso de Nísio Gomes, do Tekohá Guaiviry. Além do assassinato de lideranças, centenas de mortes decorrem dos conflitos pela terra. Em 2014, o Mato Grosso do Sul concentrava 54,8 % dos assassinatos contra povos indígenas no país. Apesar da abertura, em alguns casos, de processos judiciais, não há ninguém preso em razão das mortes das lideranças indígenas no Mato Grosso do Sul.

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.

CIMI 

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) é um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que, há 44 anos, atua como organização de apoio aos povos indígenas, buscando fortalecer o processo de autonomia desses povos, atuar junto às comunidades e apoiar as lutas pela garantia de seus direitos históricos e pela valorização de seus conhecimentos e sua pluralidade étnico-cultural.

Confira a Programação:

14h – Abertura – Valéria Burity, Secretária Geral da FIAN Brasil

14h10 – Vídeo sobre a situação atual dos Guarani e Kaiowá

14h20 – Testemunho de Liderança Guarani e Kaiowá

14h40 – Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas – Flavio Valente, FIAN Internacional

15h – Apresentação do trabalho O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico – Ana Segall, Pesquisadora da UNICAMP, e Thaís Franceschini, Pesquisadora e membro da FIAN Brasil

15h20 – A situação de violações de direitos dos Povos Indígenas no Mato Grosso do Sul – Cleber Buzatto, Secretário Executivo – CIMI

15h40 – Debate

17h30 – Considerações Finais e Encerramento

Insegurança Alimentar – O que é?

Pelos critérios da EBIA – Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e Nutricional, são domicílios em condição de segurança alimentar aqueles onde os moradores têm acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas e não sentem qualquer ameaça de sofrer restrição no futuro próximo. Os domicílios com insegurança alimentar leve, de acordo com a EBIA, são aqueles nos quais é detectada alguma preocupação quanto a falta de alimentos num futuro próximo e onde há um comprometimento com a qualidade dos alimentos disponíveis. Nos domicílios com insegurança alimentar moderada, os moradores conviveram com a restrição quantitativa de alimento. Por fim, nos domicílios com insegurança alimentar grave, além dos membros adultos, as crianças, quando há, também passam pela privação de alimentos, podendo chegar à sua expressão mais grave, que é a fome.

O que é o direito humano à alimentação e à nutrição adequada?

Atualmente no mundo existe a produção do dobro de alimentos que seria necessário para alimentar toda a sua população, ainda assim são cerca de 850 milhões de pessoas afetadas pela fome. Esse fato indica que sem um modelo sustentável, justo e equitativo de produção e consumo de alimentos, não há garantia do exercício ao direito à alimentação e à nutrição adequadas.

Em 1999 o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas elaborou o Comentário Geral n° 12, que traz em seu parágrafo 6º a seguinte definição:

“O direito à alimentação adequada se realiza quando todo homem, mulher e criança, sozinho ou em comunidade com outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, a uma alimentação adequada ou aos meios necessários para sua obtenção”.

Partindo do Comentário Geral nº 12 e de outros instrumentos legais internacionais, a FIAN tem proposto e trabalhado com o conceito de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (DHANA). Tal conceito indica que as obrigações legais dos Estados em nível internacional para com a alimentação dos seres humanos deve ser considerado em diferentes e amplas dimensões, incluindo: a segurança alimentar e nutricional (em outras palavras, o direito de se estar livre da fome tanto em nível quantitativo, quanto qualitativo); a soberania alimentar dos povos; a dimensão de gênero; e o aspecto nutricional em dimensão potencial (uma alimentação que nutra o ser humano de modo que ele possa desenvolver todas as suas potencialidades e capabilidades).