Gigantes do agronegócio: o risco das fusões para a agroecologia

Por Alan Tygel*

Desde o ano passado, o já concentradíssimo mundo das multinacionais dos insumos para o agronegócio parece caminhar rumo a uma concentração ainda maior. As chamadas “6 grandes” do ramo – Syngenta, Bayer, Monsanto, Dow, Basf e Dupont – anunciaram fusões que podem levar a termos em breve apenas “3 gigantes”.

A primeira fusão foi anunciada ainda em dezembro de 2015 entre Dow e Dupont, duas empresas estadunidenses. Juntas possuem um valor de mercado de US$ 129 bilhões, e a fusão torna a nova empresa, DowDuPont, a maior do mundo na indústria química.

Em seguida, no início de 2016, veio a notícia da compra da suíça Syngenta pela ChemChina, estatal chinesa. O valor desta operação é estimado em US$ 43 bilhões. A Syngenta é a maior vendedora de agrotóxicos no Brasil.

Com maior alarde por conta da imagem mais forte das empresas, veio no segundo semestre de 2016 o anúncio da compra da estadunidense Monsanto pela alemã Bayer, no valor de US$ 57 bilhões. Veio à tona obscena imagem da empresa que vende o veneno e depois vende o remédio (que há tempos já era o caso da Bayer, mas agora fica mais explícito).

Neste cenário, os movimentos camponeses poderiam perguntar: qual é a diferença para nós? A concentração hoje já é enorme, e já há diversos acordos de compartilhamento de patentes entre estas empresas. Além disso, movimentos camponeses não querem as sementes nem os agrotóxicos, pois defendem a soberania alimentar e a produção agroecológica com as próprias sementes.

Este raciocínio, no entanto, deixa de fora uma questão central: o poder político que estas empresas representam, e sua capacidade de alterar normas fitossanitárias e de vigilância sanitária, leis de patentes, gastos com infraestrutura, lei trabalhistas, de uso do solo, e assim por diante.

Mais concentração, sob esse ponto de vista, significa mais poder do agronegócio para dificultar a vida da agricultura camponesa e da agroecologia. Exemplos atuais disso são o PL do Veneno e as mudanças na Lei de Cultivares, que tramitam hoje no legislativo, ou a própria destruição do Ministério do Desenvolvimento Agrário pelo governo golpista.

Assim, é fundamental compreender o perigo que representam estas fusões, e o que os movimentos populares podem fazer a esse respeito.

Apesar de anunciadas e acordadas entre os acionistas destas empresas, as fusões ainda precisam percorrer um longo processo regulatório até que sejam efetivadas. Cada país onde as empresas atuam deve aprovar as fusões em seus órgãos de defesa da concorrência (antitruste). No Brasil, este órgão é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

O Brasil é um país chave para todas estas empresas. Aqui se consome cerca de 20% de todo agrotóxico pulverizado no mundo, e ao contrário dos mercados europeu e estadunidense, a perspectiva é ainda de expansão.

Resistências

A fusão entre Dow e DuPont tem enfrentado sérias resistências na Europa e nos EUA. Mesmo representantes do agronegócio não veem as operações com bons olhos, já que a tendência é sempre de aumento dos preços e redução das opções. No caso dos agrotóxicos, os preços no Brasil aumentaram cerca de 30% desde 2011, com especial alta no último ano, influenciada pelo aumento do dólar.

Em relação à Bayer-Monsanto, o presidente eleito dos EUA Donald Trump deu mais um motivo de revolta aos movimentos populares: reuniu-se na semana passada a portas fechadas com representantes das duas empresas, e mostrou claramente que para ele não haverá limite algum entre o público e o privado em seu governo (se é que havia antes). Na mesma semana, Trump se reuniu com representantes da AT&T, gigante das telecomunicações que está buscando a fusão com a Time Warner.

Olhando para trás, vemos que dos anos 1970 até recentemente a tendência foi a aquisição de empresas de sementes pelas empresas de agrotóxicos. O resultado hoje todos conhecemos: erosão genética (perda de variedades) e sementes projetadas para funcionar apenas com determinados agrotóxicos, das mesmas empresas.

A perspectiva do aumento da concentração nos leva a crer que, em pouco tempo, será a vez das empresas de fertilizantes e máquinas serem fagocitadas. E as consequências, podemos imaginar: cada vez se concentra mais o pacote tecnológico nas mãos de menos empresas, deixando o próprio agronegócio ainda mais dependente destas empresas – todas estrangeiras, diga-se de passagem. E aquele famoso PIB do agronegócio, que “sustenta a economia brasileira”, flui diretamente para o bolso delas.

Pior mesmo fica a situação da parcela da agricultura familiar que ainda depende dos agrotóxicos e sementes compradas para sobreviver. Literalmente a ponta mais fraca, tende a se endividar cada vez mais, e ver mais longe sua chance de transição para o modelo agroecológico.

Neste sentido, a concentração das empresas de agrotóxicos e sementes representa um grande risco ao desenvolvimento da agroecologia, não só enquanto técnica de produção de alimentos sem insumos sintéticos, mas enquanto modelo de desenvolvimento.

Por isso, ainda que saibamos da imensa promiscuidade entre grandes empresas e o governo, é nosso dever pressionar e dificultar a realização destas fusões. Se houvesse ao menos uma burguesia com o mínimo interesse nacional, as fusões seriam barradas pois iriam acabar de vez com qualquer chance de empresas brasileiras. Mas não parece ser o caso por aqui.

Barrar fusões está longe de ser nosso objetivo principal enquanto organizações que lutam contra o agronegócio. Mas a concretização delas certamente deixa nossa luta pela agroecologia e soberania alimentar mais difícil.

* Alan Tygel é da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Fonte: Brasil de Fato

Fome entre os Guarani e Kaiowá: “Criança chora, não aguenta mais. Sofrimento mesmo. Quase comendo terra”

Sem a terra tradicional, resta a fome para ao menos 40 comunidades Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. Em acampamentos improvisados, às margens de rodovias, estradas de terra ou entre lavouras de cana e soja, nas retomadas – áreas não regularizadas e sob conflito – os indígenas não recebem cestas de alimentos desde novembro.

“Criança chora, não aguenta mais. Sofrimento mesmo. Tão fraco mesmo. Quase comendo terra. Precisamos de um apoio. Vou sair pra ver o que consigo porque vai morrer aqui. É desespero, não vai aguentar”, desabafa Gilmar Guarani e Kaiowá, morador da retomada de uma área localizada na Fazenda Madama, em Kurusu Ambá. Por ali vivem cerca de 80 crianças.

Até dezembro de 2014, cerca de 14 mil cestas eram levadas às comunidades por força de um Acordo de Cooperação Técnica do governo federal. Com a não renovação do acordo, desde 2015 o número despencou para no máximo 2 mil. “100% das famílias indígenas do Cone Sul eram atendidas. Não é mais assim”, explica Silvio Raimundo da Silva, agente indigenista da Funai de Dourados.

Hoje se trata de uma ação emergencial tocada pela Conab. “As cestas, na verdade, deveriam ser substituídas por políticas públicas estruturantes. Agricultura, mercado de trabalho, geração de renda. Acontece que a redução das cestas ocorreu, mas não foi acompanhada por outras políticas. Houve um descompasso”, analisa o indigenista.    

As lideranças indígenas apontam que este descompasso se dá pela paralisação das demarcações. “Tamo debaixo de lona, entre fazendas de soja, cana e gado. Só o espaço pros barracos. Plantar fica difícil. Dividimos aquilo que conseguimos e quando a fome aperta nas crianças, o jeito é botar pra dormir”, explica Elizeu Guarani e Kaiowá.

Fome e Insegurança Alimentar

Elizeu é membro da Aty Guasu, principal organização política do povo, e mora no tekoha – lugar onde se é – Kurusu Ambá. A comunidade compõe os estudos do relatório Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição Guarani e Kaiowá (2016). A pesquisa é da Fian-Brasil com o Cimi e abrange ainda os tekoha Guaiviry e Ypo’i.  

“Pedaços de terras que as comunidades ocupam dentro de seus territórios tradicionais estão dominados por monoculturas das fazendas, cujo cultivo demanda o uso excessivo de agrotóxicos (…) risco à saúde, à vida, representando também uma violação ao direito humano à alimentação, nutrição e água”, diz trecho do estudo.

São mais de 100 domicílios nos três tekoha pesquisados – 46% dos moradores e moradores tinham menos de 15 anos. No momento em que os pesquisadores realizaram as entrevistas (2013), em 75 destas casas os jovens residentes dependiam da família para se alimentar.

De acordo com critérios internacionais de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas (Dhana), 13,3% dos domicílios (10) apresentaram insegurança alimentar leve; 58,7% (44) insegurança alimentar moderada e 28% (21) insegurança alimentar grave. Conforme o PNAD/IBGE (2013), em domicílios menos de 18 anos a insegurança alimentar grave atinge 4,8% das famílias brasileiras.   

“A fome é resultado da expulsão das terras e de outros fatores que são causados pela violência gerada pelo atual modelo de produção de alimentos, enquanto a má nutrição resulta da fome, da baixa qualidade, da redução da diversidade e da contaminação dos alimentos, da inadequação das condições de saneamento”, diz trecho do diagnóstico.

“Não pode plantar” e um TAC do MPF

Gilmar Guarani e Kaiowá explica que a Funai e o Ministério Público Federal (MPF) tentam intermediar um acordo com os proprietários da Fazenda Madama, incidente sobre o território indígena, para que permitam a plantação dos indígenas. “Não pode plantar. Outros lugares não pode pegar água no açude. É assim”, diz o indígena.

“Com a redução no número das cestas de alimentos passamos a indicar como prioridade os lugares com mais vulnerabilidade: as áreas retomadas. Como a recuperação de territórios segue ocorrendo, e a quantidade de cestas diminuindo, tem uma defasagem”, salienta o coordenador da Funai em Dourados, Vander Nishijima.

A distribuição da Conab de cestas ocorre em seis etapas, com um intervalo médio de 60 dias. Com uma quantidade muito menor de cestas, 60 dias viram 120 para a fome de quem está com a barriga vazia. “Existe o entendimento do MPF e nosso, da Funai, de que o estado tem programas para contribuir com a alimentação”, diz Nishijima.

Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi celebrado entre o MPF, a Funai e o Governo Estadual do Mato Grosso do Sul, no ano passado. A Secretaria de Assistência Social se comprometeu a pavimentar caminhos para o auxílio e levantar famílias indígenas que já participam do Programa Vale Renda.

Aos não-indígenas, o programa oferece uma ajuda em dinheiro. Para os indígenas, em alimentos. No TAC, a Secretaria se comprometeu a até este mês de janeiro ter tudo detalhado para seguir com o cronograma. “Hoje temos algo temporário, o governo estadual tem condições de levar alimentos de modo permanente”, conclui Nishijima.

Bloqueio de estrada e Consea    

Em Naviraí, os Guarani e kaiowá bloquearam por três dias, no final do ano passado, a BR-163. Na pauta a questão da falta de comida e a fome. “A Polícia Federal nos ligou perguntando se tínhamos como levar alimentação. O Cimi e outras entidades arrecadam de forma permanente”, explica Matias Benno, missionário do Cimi.

O indigenista explica que os casos de desnutrição são sistemáticos: “Em Pyelito Kue quase todas as crianças já receberam algum tipo de tratamento envolvendo as consequências da desnutrição. Já houve óbitos. As áreas não regularizadas são disparadas as que mais concentram casos”.

Não há nada de novo ao governo federal. O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) fez dez recomendações aos poderes públicos referentes ao quadro dos Guarani e Kaiowá. As propostas foram elaboradas e aprovadas como resultados da missão ao MS realizada entre agosto e setembro.

“As áreas de retomada e acampamentos estão em situação de maior vulnerabilidade e insegurança alimentar e nutricional grave que as demais da região, visto que as terras não estão demarcadas, não acessam as políticas públicas que dependem da regularização e que não são autorizadas a cultivar plantio de alimentos”, diz o Consea.

Há poucos metros da sala da Presidência da República, no Palácio do Planalto, o Consea abordou o acesso dos Guarani e Kaiowá aos alimentos, os impactos de programas sociais, qualidade, quantidade e regularidade das cestas básicas, o acesso à água, documentação e questões relacionadas à demarcação das terras.

Mobilizações artísticas, políticas e doações de alimentos

Priscila Anzoategui é jornalista, advogada, militante, mãe e integrante do Coletivo Terra Vermelha (CTV), organização de Campo Grande (MS). Ativista da causa indígena, a militante percorreu todas as comunidades Guarani e Kaiowá em situação de fome e insegurança alimentar. Percorreu, inclusive, levando carros e carros com doações.

Não se trata, porém, de assistencialismo. “Lá no Tey’i Jusu, Guaiviry, e outros, a gente sabe que os Guarani e Kaiowá querem plantar e estão fazendo de tudo pra voltar a ter essa independência, mas enquanto fazem essa transição precisam das cestas”, explica Priscila. O diálogo com caciques e lideranças é constante.

“Agora em Kurusu Amba, em especial no acampamento do Gilmar, toda vez que a gente vai é essa situação de miséria. No ano passado quando fui levar os alimentos tava bem frio e as crianças descalças. O CTV leva roupas também, e já ajudamos com material escolar”, afirma.

Para conseguir as doações, de um modo geral, o Coletivo articula apresentações artísticas em Campo Grande, faz intervenções políticas e conta com apoios diversos. “As lideranças entram em contato com a gente e tentamos fazer tudo rápido. Uma arte da campanha, escolhe um ponto de arrecadação e começa a difundir”.

No próximo sábado, 21, por exemplo, o Sesc da capital sul-mato-grossense receberá o espetáculo infantil “Kikio” do Grupo Guavira de Teatro de Bonecos. O artista e integrante do CTV Jorge de Barros, cujo ateliê confecciona os bonecos, traz histórias indígenas na peça. Quem quiser conferir e ajudar os Guarani e Kaiowá, pode levar alimentos para doar.

Por Renato Santana

Publicado originalmente no site do CIMI

Los hermanos contra os agrotóxicos

Argentinos lutam em várias frentes contra devastação provocada pelos agroquímicos; crianças de escolas rurais são atingidas


Os fatos se sucedem na Argentina, e parecem ter no Tribunal Monsanto um polo irradiador. Depois de denunciada no Tribunal, uma pesquisa que comprova a relação entre câncer e agroquímicos foi censurada e gerou solidariedade em outros países. Estudo da mesma universidade anunciou a comprovação dos efeitos tóxicos do glifosato para o sistema nervoso. Expostas no Tribunal, as fotografias de “O custo humano dos agrotóxicos”, de Pablo Ernesto Piovano, sobre as ‘zonas fumigadas’, ganhou prêmio internacional.

E mais. Uma fábrica da Monsanto foi fechada. Uma caravana contra os agrotóxicos foi armada por vizinhos autoconvocados que se definem como “vítimas de envenenamento por viver em pueblos fumigados com agrotóxicos”. A morte por intoxicação de uma criança está sendo julgada.

CENSURA AOS ACAMPAMENTOS SANITÁRIOS

O médico Damián Verzeñassi acabava de voltar da Holanda, onde relatara ao Tribunal Internacional Monsanto as pesquisas realizadas por sua equipe na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, demonstrando a relação existente entre expansão do uso de agrotóxicos e a tendência a contrair câncer na população rural. Foi quando soube que estava impedido de acessar os dados da pesquisa, trancados com corrente e cadeado pelo decano da Faculdade de Ciências Médicas, à qual ele e sua equipe estão ligados. A reação da comunidade acadêmica e dos movimentos sociais fez os dados serem liberados.

Verzeñassi e sua equipe realizam pesquisas em acampamentos sanitários nas regiões de cultivo de soja transgênicas, fumigadas por agrotóxicos – além da cuenca sojera, as províncias do Chaco, Santiago Del Estero, Salta e Formosa. Desde 2010, já alcançaram com os acampamentos 96.800 pessoas que vivem em 27 localidades de quatro províncias argentinas. Desse encontro entre quem vive nas localidades de menos de 10 mil habitantes e dos estudantes e docentes da universidade pública foram surgindo dados que permitiram à equipe de Verzañassi identificar as enfermidades e seu comportamento nos últimos 20 anos: hipotireoidismo, doenças respiratórias, malformações congênitas, abortos espontâneos, diferentes tipos de câncer.

SOJA EM GRANDE ESCALA

“Quando estudamos o que tinham em comum, vimos que eram vilarejos em regiões onde se começou a produzir soja em grande escala há 20 anos”, diz o médico. Essa foi exatamente a época em que a soja transgênica entrou no país. “As doenças que prevalecem nesses territórios, segundo os dados observados, coincidem com os problemas de saúde associados aos agrotóxicos, de uso obrigatório no pacote de transgênicos”.

O mapa de saúde dos vilarejos fumigados revela grandes diferenças com o mapa epidemiológico nacional da Argentina, demonstra a pesquisa.  Em nível nacional, a primeira causa de morte são os problemas cardiovasculares, enquanto nessas regiões um terço dos óbitos ocorre por alguma forma de câncer – o que representa cerca de 50% a mais que no resto do país.

Os últimos dados parciais revelados pela equipe de Verzeñassi, em 2015, sobre a localidade de San Salvador (Entre Ríos), mostram que, entre 2000 e 2014, 80 dos domicílios visitados relataram 84 casos de câncer diagnosticados, dos quais 46,4% ocorridos nos últimos cinco anos.

“Chama a atenção que a escalada de perseguições surja quando estou de licença participando do Tribunal em Haia, e membros da nossa equipe tenham falado aos meios de comunicação sobre o mapa do câncer na região”, observou Verzañassi, que recebeu apoio de vários setores da sociedade argentina e internacional. Seus estudos vêm sendo apresentados como prova em juízo em congressos, nacionais e internacionais, e requisitados por autoridades científicas. O caso repercutiu também na Itália, consumidora da soja argentina.

ESCOLAS RURAIS

As escolas rurais são diretamente afetadas pelas fumigações. Como no Brasil, onde o caso de Rio Verde, a 200 km de Goiânia, foi registrado no filme Pontal do Buriti – brincando na chuva de veneno.

Feitas em horário de aula e sem aviso prévio, causam doenças de pele e das vias respiratórias, vômitos e problemas gastrointestinais em crianças e adultos. Na região de Entre Ríos, as fumigações vêm atingindo 82 escolas, com cerca de 2.500 alunos, 450 professores e 80 funcionários. No departamento de Uruguay são 15 escolas, das 28 pesquisadas. E em Gualeguaychú, 19 entre as 23 escolas visitadas sofreram fumigações. O mesmo ocorre em Córdoba, onde há 1500 escolas a menos de um quilômetro de campos fumigados, com 12 mil alunos e 900 professores. “Parem de fumigar a escolas”, diziam cartazes de associações de docentes, padres e ambientalistas que se mobilizam contra essa prática.

O país é o terceiro maior produtor de soja transgênica do mundo, com 60,8 milhões de toneladas na safra 2014/2015, perdendo apenas para o Brasil (94,5 milhões de toneladas) e os Estados Unidos (108 milhões de toneladas), em números absolutos.

CIENTISTA ESTUDA GLIFOSATO

A Argentina foi o primeiro país latino-americano a aprovar o cultivo de sementes transgênicas. Vinte anos depois, é um dos maiores produtores de soja geneticamente modificada do mundo, e um dos países com mais aplicação de agrotóxicos – atrás apenas dos Estados Unidos e do Brasil. O mais usado é o glifosato, conhecido como “mata mato” ou Roundup , da multinacional Monsanto. É o veneno mais comercializado em escala global, por sua suposta inocuidade.

Contudo, pesquisa desenvolvida pela professora Silvana Rosso na Faculdade de Ciências Bioquímicas e Farmacêuticas da Universidade Nacional de Rosário – a mesma onde os dados dos “acampamentos sanitários” foram censurados – traz luz ao debate acerca dos efeitos sinistros do glifosato para o desenvolvimento animal e humano. Mesmo em doses menores que aquelas a que os humanos estão expostos, o glifosato produz efeitos citotóxicos e altera a constituição do DNA, comprovou o estudo.

Durante cinco anos, a equipe da professora avaliou os efeitos do glifosato sobre o desenvolvimento e função do sistema nervoso de mamíferos expostos ao veneno no período de gestação, usando como modelo animal fêmeas de ratos, cujo sistema nervoso é semelhante ao humano.

“Observamos, por meio de testes comportamentais realizados em laboratório com animais que foram expostos ao glifosato durante o período de gestação, sinais de neurotoxicidade manifestados por alterações na capacidade de respostas reflexas, diminuição na atividade motora, na aprendizagem e na memória, e que essas alterações são irreversíveis”, diz Silvana Rosso.

IMPACTO NA SAÚDE

Em 2015, a Agência Internacional do Câncer (Iarc), que pertence à Organização Mundial de Saúde (OMS), recategorizou o glifosato como “provavelmente cancerígeno”. Mas nesse mesmo ano a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar desautorizou a Iarc: considera que o glifosato não é nem carcinogênico nem mutagênico.

Em 29 de junho de 2015, um mês depois que a OMS e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) publicaram um estudo conjunto sustentando que o glifosato não é cancerígeno, a Comissão Europeia renovou a permissão de uso do glifosato no continente até o último dia de 2017. Até então, a Agência Europeia de Produtos Químicos terá, espera-se, uma conclusão definitiva sobre o efeito dessa substância sobre as pessoas.

No Brasil, o Ministério Público Federal reforçou o pedido de banimento do glifosato por ser um produto cancerígeno. O herbicida 2.4D também é proibido em vários países do mundo. Ambos são muito utilizados no Brasil e na Argentina.

A EXPLOSÃO DO CONSUMO

O consumo do glifosato na Argentina saltou dos 30 milhões de litros/ano em 1996 – quando foi aprovado o uso de transgênicos no país – para 400 milhões em 2016, apontam estudos da Universidade Nacional da Plata. Foram pulverizados mais de 24,5 milhões de hectares, cerca de 60% da área cultivada do país. Isso significa um aumento de maisde 1000 % em duas décadas.

No Brasil, o aumento foi de um terço em cinco anos, de 120 mil toneladas em 2010 para quase 195 mil em 2014, conforme dados apresentados pela pesquisadora Sonia Corina Hess, professora da UFSC. “Glifosato e transgênico vão juntos. A indústria convenceu todo o mundo que o veneno não é venenoso. Mas quem faz os testes é a indústria”, alertou ela, na Audiência Pública sobre Agrotóxicos que criou o Forum Paulista contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, no fim de agosto.

Também o pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo, que esteve no Tribunal Monsanto representando a Abrasco, alerta para a invisibilidade do problema: “Temos anualmente 400 mil casos de intoxicação e 4 mil mortes relacionadas com os pesticidas no Brasil. O Tribunal é de grande relevância para os países da América Latina”.

Por Inês Castilho

Publicado em De Olho nos Ruralistas

Desnutrição volta assolar aldeias indígenas de MS

O fantasma da desnutrição volta a “assombrar” o território indígena em Mato Grosso do Sul. Em acampamentos Guarani e Kaiowá de Kurusu Ambá (Coronel Sapucaia) e Pyelito Kuê (Iguatemi), lideranças afirmam que centenas de crianças já apresentam quadro de desnutrição por falta de alimentos e água potável. A cesta básica estaria atrasada desde novembro e água, só de açude.

O guarani kaiuá Elizeu Lopes, diz que a Funai alega insuficiência de recursos por parte da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), não havendo previsão de distribuição de cestas básicas para nenhum acampamento indígena no Estado.

Segundo ele, as famílias pedem socorro. “A gente divide o pouco que se tem, mas quando não há nada, as crianças dormem para esquecer a fome. Nós bebemos água em açudes, junto com o gado, que é melhor tratado no Brasil do que seres humanos”, destaca.

Segundo o guarani, mais de 200 crianças estariam com desnutrição. Ele afirma que cerca de 20 delas chegam a estar acamadas.

O professor da Faculdade Intercultural Indígena da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Neimar Machado de Souza, explica que nessas comunidades, 42% das crianças, menores de cinco anos, sofrem de desnutrição crônica, apresentando baixa estatura e peso para a idade, conforme o relatório da Rede Internacional de Informação e Ação pelo Direito Humano à Alimentação (FIAN 2016).

O professor explica ainda que as causas dessa crise decorrem do fato que estas e outras comunidades indígenas enfrentam histórico abandono e racismo institucional. “A não demarcação dos territórios também afeta diretamente as duas áreas. Medidas paliativas foram tomadas em 2005, quando houve redução, mas não a reversão nos casos de desnutrição. Faltam políticas públicas”, destacou, observando que as crianças para terem acesso a escola precisam andar todos os dias mais de 20 quilômetros.

“O Brasil tem 1.113 terras indígenas, das quais 654 aguardam atos administrativos do Estado para terem seus processos demarcatórios finalizados. Este número corresponde a 58,7% do total das terras indígenas do país”, explica.

O PROGRESSO entrou em contato com a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) que disse que iria mandar uma nota essa semana sobre o caso.

A Conab disse que entregou 200 cestas básicas nas duas comunidades nos dias 01 e 02 de dezembro. “Existe em nossa Unidade Armazenadora em Campo Grande 04 etapas de 1.400 cestas destinadas à Funai em Ponta Porã, responsável pelos acampamentos em questão. As cestas estão à disposição dos parceiros da Ação de Distribuição de Alimentos -ADA. A Conab ressaltou apenas que não há, no momento, previsão de repasse orçamentário/financeiro pela SESAN/MDSA para custeio operacional da Ação de Distribuição de Cestas de Alimentos.

Campanha

Em Dourados,uma campanha arrecada alimentos não perecíveis para essas comunidades indígenas. O ponto de coleta pode ser na recepção do Jornal O PROGRESSO, na Avenida Presidente Vargas 447, em frente a Praça Antônio João. Outro ponto de coleta é na Fadir, da UFGD. Endereço: Rua Quintino Bocaiúva, 2100 – Jardim da Figueira.

Fonte: O Progresso

Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição 2016 disponível para download

Manter as sementes nas mãos dos povos. É este o título do Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição 2016, lançado no dia 16 de novembro, no auditório interno da Fiocruz Brasília, com a presença do assessor sênior da Fian Internacional, Flavio Valente, da pesquisadora do Observatório Brasileiro de Hábitos Alimentares da Fiocruz, Denise Oliveira, e Cleber Folgado militante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

A publicação, reconhecida internacionalmente, reúne pontos de vista e experiências das organizações da sociedade civil, movimentos sociais e academia, descrevendo como as empresas transnacionais tentam privatizar, monopolizar e controlar as sementes, patentes e codificar esta fonte de vida à custa dos direitos humanos dos povos e manutenção da biodiversidade.

Publicado pela primeira vez em 2008, o Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição é uma publicação anual que monitora as políticas, processos e questões-chave relacionadas com o direito à alimentação e à nutrição adequadas em níveis global, regional, nacional e local. E atua como uma ferramenta de monitoramento, que contribui para dar visibilidade às lutas dos povos sobre o tema.

A publicação é dividida em duas seções temáticas, a primeira explora as conexões entre sementes, biodiversidade e o direito à alimentação e à nutrição. A segunda seção está organizada por região geográfica e apresenta avanços importantes em torno do direito à alimentação e à nutrição nos níveis local e nacional.

É nesta seção que se apresenta o artigo “Grande Povo Guarani e Kaiowá e a sua luta por direitos e pela vida no Brasil”, de autoria de Valéria Burity, Secretária Geral da Fian Brasil, Flávio Machado, missionário do Cimi – Conselho Indigenista Missionário e Adelar Cupsinski, assessor jurídico do Cimi, que traz um retrato do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas no Brasil e a luta das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá pelo seu direito à terra e ao território, aos alimentos e à vida.

O Observatório é resultado do esforço coletivo da Rede Global para o Direito à Alimentação e à Nutrição, que atualmente inclui 24 organizações da sociedade civil e movimentos sociais que reconhecem a necessidade de agir em conjunto para a realização de tal direito humano.

No Brasil, a publicação é lançada pela FIAN Brasil e FIAN Internacional com o apoio da Fiocruz Brasília.

Acesse a publicação em português pelo link: https://goo.gl/vCV6Ev

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.