A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) anunciam a abertura de processo seletivo para a contratação de profissional para atuar na Assessoria Executiva e de Pesquisa, no Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).
Sobre a FIAN Brasil
Somos uma organização de direito privado, sem fins lucrativos, apartidária, sem vínculo religioso, com sede e foro em Brasília (DF), com atuação de abrangência nacional. Nossa missão é contribuir para um mundo livre da fome e da desnutrição, no qual cada pessoa possa desfrutar plenamente dos seus direitos humanos, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), com dignidade e autodeterminação.
A FIAN Brasil, juntamente com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, coordena a secretaria executiva do Observatório da Alimentação Escolar. A atuação do ÓAÊ se organiza a partir de quatro grandes eixos:
i) Ativação do debate público, a partir da sistematização e produção de conteúdo sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae); ii) Incidência política em defesa do cumprimento e aprimoramento dos marcos legais e orçamento do Pnae; iii) Monitoramento e formação para a participação social e o controle social; iv) Mobilização e comunicação, com foco na amplificação das vozes dos sujeitos de direito do programa.
Objetivo da contratação
A/O profissional será responsável pelo assessoramento ao Núcleo Gestor, pela articulação entre as organizações e movimentos que compõem o ÓAÊ, e pela coordenação das atividades.
Atribuições:
Assessorar o núcleo gestor, comitê consultivo e grupos de trabalho do ÓAÊ;
Atualizar, revisar e manter organizado o acervo de materiais de referência sobre o Pnae no website do ÓAÊ;
Coordenar as pesquisas, estudos, publicações e campanhas do ÓAÊ, incluindo a sistematização e redação de conteúdos e supervisão de consultorias;
Elaborar notas e documentos técnicos sobre a alimentação escolar;
Coordenar a realização de eventos virtuais e presenciais;
Gerir o e-mail institucional e os arquivos do ÓAÊ;
Convocar e relatar as reuniões do ÓAÊ;
Participar de reuniões semanais da FIAN Brasil;
Apoiar a redação de notícias e materiais de comunicação do OAE;
Participar de GTs e reuniões promovidas por agências financiadoras;
Apoiar elaboração de relatórios de atividades para as agências financiadoras;
Participar de atividades da FIAN Brasil, para além das atividades do projeto.
Requisitos obrigatórios
Bacharelado em Nutrição, Políticas Públicas, Ciências Sociais, Direito, Economia, ou áreas afins;
Habilidades de comunicação, diálogo e trabalho em equipe;
Conhecimento sobre políticas de segurança alimentar e nutricional,
Experiência de trabalho ou estudo com o Pnae;
Compromisso com direitos humanos e valores éticos relacionados ao trabalho da FIAN Brasil;
Experiência profissional de no mínimo 2 anos;
Indicação de referências para consulta sobre experiência profissional.
Requisitos desejáveis
Experiência de trabalho em/com organizações da sociedade civil, movimentos sociais, espaços de participação social, redes;
Facilidade de escrita e conhecimento de bases de dados e indicadores sociais e de segurança alimentar e nutricional;
Residir em Brasília (DF).
Processo para candidatura
Envio de: I) currículo, II) carta de motivação, III) indicação de ao menos duas pessoas de referências para contato sobre experiência profissional, IV) Declaração de Conflitos de Interesse (Anexo I). Os documentos solicitados deverão ser encaminhados para [email protected] com cópia para [email protected] e [email protected] até às 18 horas do dia 15/07/2024. Entrevistas serão agendadas com as pessoas selecionadas.
Regime de contratação: CLT
Carga horária: 7h/dia
Início previsto dos trabalhos: agosto de 2024
Duração do contrato: 12 meses, prorrogável por igual período.
Diversidade e inclusão
A FIAN Brasil defende e apoia a ampliação da diversidade na sociedade e, por essa razão, estimula e prioriza a candidatura de mulheres, pessoas negras, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e/ou com deficiência, que cumpram os requisitos estabelecidos. Se você se enquadra nesses grupos, indique em sua carta de motivação.
A nova edição do relatório anual Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição examina as causas, os impactos e as respostas às crises alimentar, climática e ecológica. A publicação põe em xeque soluções falsas e motivadas pelo lucro e apresenta alternativas fundamentadas no direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), na justiça ecossocial, na agroecologia e na soberania alimentar.
Os sistemas alimentares industriais não conseguiram atender às necessidades nutricionais da população do nosso planeta. Cerca de 800 milhões de pessoas passam fome atualmente. Nossos sistemas alimentares produzem um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEEs), contribuindo enormemente para a crise climática e exacerbando o acesso a alimentos e nutrição. A extinção em massa de espécies, a destruição de ecossistemas e a interrupção dos ciclos naturais que sustentam a vida na Terra afetam ainda mais o acesso aos alimentos.
O extrativismo, a mercantilização e a financeirização da natureza exacerbaram a exploração, a desapropriação e os despejos violentos. O controle cada vez maior dos recursos naturais por um pequeno número de corporações, indivíduos e estados poderosos também está alimentando a violência baseada em gênero, as formas de discriminação que se cruzam e a crescente desigualdade.
Com o título Alternativas Ecológicas Populares ao Greenwashing Corporativo, a publicação da Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição (GNRtFN, na sigla em inglês) propõe um caminho diferente com base nas lutas de base contra a captura corporativa, a lavagem verde e as práticas neocoloniais. Ele promove o Dhana, os direitos humanos dos camponeses e de outras pessoas nas áreas rurais e a soberania alimentar para todas e todos.
A edição do observatório está dividida em quatro seções, que examinam os acontecimentos internacionais; a alimentação e a tripla crise ecológica; o colonialismo verde associado à descarbonização; e as lutas de base e suas soluções para as crises climática e alimentar.
Apesar do agravamento da crise alimentar, em 2023 houve pouca ação internacional decisiva para tratar de suas causas. Em vez disso, a captura corporativa dos fóruns internacionais, principalmente na ONU, continuou inabalável. A crise alimentar e a tríplice crise ecológica do clima, da perda de biodiversidade e da poluição estão inextricavelmente ligadas, porém as empresas e os Estados promovem soluções tecnológicas semelhantes para cada uma delas e não abordam os direitos dos pequenos produtores de alimentos.
Nos últimos anos, a descarbonização e as abordagens relacionadas ao mercado foram impostas como o principal paradigma para lidar com essas crises entrelaçadas. Mas esse neocolonialismo verde simplesmente perpetua a destruição ecológica e a mercantilização da natureza, ao mesmo tempo que aprofunda as desigualdades existentes.
Uma transformação ecossocial justa de nossos sistemas alimentares que proteja o direito de todos à alimentação e à nutrição exige justiça global e a promoção da soberania alimentar, da harmonia e do equilíbrio entre a humanidade e o meio ambiente.
Declaração divulgada pela Rede Global para o Direito à Alimentação e à Nutrição (GNRtFN, na sigla em inglês) enfatiza a necessidade de reconhecer devidamente os avanços na estrutura normativa e jurídica do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) desde a adoção das diretrizes, em 2004. A FIAN faz parte da rede e assina o documento.
O documento foi inicialmente elaborado pela FIAN Internacional e pela Pão para o Mundo (PPM) durante o Fórum Social Mundial 2024, em Katmandu, como resultado do evento paralelo “20 Anos das Diretrizes para o Direito à Alimentação: passado, presente e futuro”.
As recomendações baseiam-se na “Carta de Brasília – Sobre a governança democrática dos sistemas alimentares para a realização do direito humano à alimentação adequada”, declaração do seminário internacional realizado na capital brasileira em 10 de dezembro de 2023, por ocasião da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
DECLARAÇÃO
20 anos das Diretrizes da ONU para o Direito à Alimentação: hora da implementação integral
Por ocasião do 20º aniversário das Diretrizes Voluntárias das Nações Unidas para o Direito à Alimentação, a Rede Global para o Direito à Alimentação e à Nutrição (GNRtFN, na sigla em ingês) pede sua implementação imediata e abrangente, com o devido reconhecimento e a aplicação dos avanços da estrutura normativa e jurídica sobre o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) desde que foram adotadas, em 2004.
Milhões de pessoas estão sofrendo de fome e desnutrição devido a desigualdades estruturais, violência nas sociedades e nos sistemas alimentares e apropriação desenfreada de territórios, caracterizada pela aquisição injusta e insustentável de terra, água, sementes e outros recursos naturais, bem como por regimes comerciais injustos e iníquos. Em função da violência baseada em gênero e das formas de discriminação entrelaçadas, as mulheres, as meninas e as diversidades têm sido desproporcionalmente afetadas por essa desapropriação e pelo aumento das desigualdades. Ao mesmo tempo, o extrativismo, a mercantilização e a financeirização, inclusive no contexto da agricultura industrial e da aquicultura, desencadearam a tripla crise planetária das mudanças climáticas, da perda de biodiversidade e da poluição, com impactos devastadores sobre a realização do direito à alimentação e à nutrição, tanto para as gerações atuais quanto para as futuras.
As Diretrizes do Direito à Alimentação foram adotadas pelo Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS) da ONU e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) em 2004. Elas forneceram uma base sólida para a elaboração e o desenvolvimento de um conjunto completo de normas e políticas de direitos humanos adotadas posteriormente pela ONU, como a Recomendação Geral 34 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), as Diretrizes de Posse da FAO, as Diretrizes para a Pesca em Pequena Escala, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Camponeses e de Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais (Undrop) e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas (Undrip). Elas contribuíram para o avanço da narrativa dos direitos humanos e enriqueceram a estrutura jurídica normativa do Dhana, fornecendo uma orientação para a transformação dos sistemas alimentares com base nos direitos humanos.
Hoje, 29 países reconhecem explicitamente o direito à alimentação adequada em suas constituições, enquanto mais de 100 países o reconhecem implicitamente ou por meio de diretrizes, princípios ou outras disposições pertinentes. Nesse contexto, gostaríamos de destacar o papel do Nepal como pioneiro: a constituição do país garante o direito à alimentação e à soberania alimentar, e uma lei nesse sentido foi aprovada em 2018. A lei prevê mecanismos institucionais em nível nacional, provincial e local, bem como o desenvolvimento coordenado de um plano nacional de nutrição. Uma portaria para implementar a lei foi aprovada pelo governo do Nepal em março deste ano. Com esse reconhecimento legal, o Nepal concentrou seus esforços na redução da proporção da população subnutrida pela metade desde 2018 e atualmente ocupa a 69ª posição entre 125 países no Índice Global de Fome.
Isso contrasta fortemente com outros países do sul da Ásia. Em Bangladesh, por exemplo, uma lei de direito à alimentação foi elaborada pela Comissão de Leis já em 2016, mas sua aprovação ainda está pendente. Na Índia, apesar de vários desenvolvimentos positivos, como o reconhecimento do direito à alimentação como um direito fundamental pela Suprema Corte em 2001 e a promulgação de uma legislação histórica, como a Lei Nacional de Garantia de Emprego Rural de 2005 e a Lei Nacional de Segurança Alimentar de 2013, a situação da fome é grave e o país ocupa a 111ª posição no Índice Global de Fome.
Pedimos aos governos que fortaleçam seus compromissos com a realização do direito à alimentação e à nutrição e que acabem com a fome e a desnutrição, incorporando as disposições internacionais de direitos humanos à legislação, aos regulamentos, às políticas e aos programas nacionais. Isso implica a criação de mecanismos de responsabilização, garantindo a participação significativa das comunidades afetadas nos processos de tomada de decisão e estabelecendo sistemas transparentes para monitorar e corrigir casos de violações do direito à alimentação.
Pedimos aos governos de todo o mundo que cumpram suas obrigações com relação à realização do direito humano à alimentação e à nutrição, implementando as diretrizes e tomando medidas decisivas para acabar com a fome e a desnutrição. Ao fazer isso, podemos construir coletivamente um futuro em que o gozo do direito à alimentação e à nutrição seja uma realidade para todos, em que os direitos dos indivíduos e das comunidades sejam respeitados, protegidos e cumpridos e em que a comunidade global esteja unida contra as forças que perpetuam a fome e a discriminação.
A cooperação internacional entre os Estados para a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais é uma obrigação de todos os Estados. Todo Estado tem a responsabilidade de contribuir ativamente para a manutenção da paz e da justiça duradouras – especialmente em nações afetadas por conflitos – e para acabar com a pobreza e a fome. Ao abordar as causas fundamentais, responsabilizar os atores responsáveis e promover a colaboração em nível local, nacional e internacional, podemos nos esforçar coletivamente em direção a um mundo em que o direito à alimentação e à nutrição seja realizado para todos. Em particular, nós, as organizações abaixo assinadas, recomendamos o seguinte a todos os Estados para a implementação das Diretrizes do Direito à Alimentação:
Colaborações estratégicas: fortalecer as convergências e estratégias conjuntas com a sociedade civil em sua diversidade, priorizando os detentores de direitos, como movimentos sociais, povos indígenas, movimentos feministas e produtores de alimentos em pequena escala.
Fortalecimento da governança com participação social em todos os níveis: criar e implementar sistemas de governança alimentar com fortes mecanismos de participação social e com uma sólida estrutura legal e institucional e condições garantidas de operação.
Defesa do interesse público diante da influência corporativa nos sistemas alimentares: desenvolver estruturas jurídicas abrangentes de responsabilidade, regulamentação e prestação de contas para as empresas, desde a produção até o consumo, bem como normas que protejam os espaços de governança da influência corporativa e do conflito de interesses.
Engajamento em processos e políticas para transformar os sistemas alimentares e fortalecer a posse da terra: promover e participar ativamente da transformação dos sistemas alimentares, respeitando as culturas alimentares locais, valorizando a agrossociobiodiversidade e os princípios da agroecologia, e priorizando os sistemas locais e territoriais, especialmente a importância da segurança da posse da terra.
Nota 1: A declaração foi iniciada pela FIAN Internacional e pela Pão para o Mundo (PPM, Alemanha) e elaborada por ocasião do Fórum Social Mundial 2024 em Katmandu como resultado do evento paralelo “20 Years of the Right to Food Guidelines: Passado, Presente e Futuro”, organizado pelas duas organizações com a GNRtFN.
Nota 2: As recomendações baseiam-se na “Carta de Brasília – Sobre a governança democrática dos sistemas alimentares para a realização do direito humano à alimentação adequada”, declaração do Seminário Internacional “Governança democrática dos sistemas alimentares para a realização do direito humano à alimentação adequada”, realizado na capital brasileira em 10 de dezembro de 2023, por ocasião da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
A declaração é endossada pelas seguintes organizações e indivíduos:
Organizações
Actuar – Associação para a Cooperação e o Desenvolvimento
Texto: Ascom da Secretaria Geral da Presidência da República
Estão disponíveis, no site Brasil Participativo, todos os materiais resultantes da 6ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que foi realizada de 11 a 14 de dezembro de 2023, em Brasília.
Entre os documentos, é possível conferir o Manifesto da 6ª CNSAN, elaborado colaborativamente durante a Etapa Nacional, que traz uma ampla difusão sobre os significados da agenda de soberania e segurança alimentar e nutricional e os caminhos para a realização do direito humano à alimentação adequada; a Carta de Brasília, com a apresentação de uma agenda estratégica, decolonial e antirracista para a realização do direito humano à alimentação adequada e a transformação dos sistemas alimentares, composta por nove itens; a Revista 6ª CNSAN com o registro dos principais momentos da conferência; e o relatório final com todas as propostas aprovadas.
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta quarta-feira (12) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553, que questiona isenção fiscal para agrotóxicos. O julgamento acontecia em modalidade virtual e, com destaque em abril pelo ministro André Mendonça, a ação passa ser julgada em plenário presencial. A FIAN Brasil é uma das entidades ouvidas no processo como amicus curiae (“amigo da corte”).
“O uso de agrotóxicos interfere diretamente no direito humano à alimentação e à nutrição adequadas do povo brasileiro”, destaca o assessor de Direitos Humanos da entidade, Adelar Cupsinski. “Esse problema vem afetando sobremaneira a vida e a saúde dos povos indígenas, dos povos e comunidades tradicionais e dos trabalhadores rurais, bem como a sua produção agrícola. A alternativa saudável consiste em incentivar a agricultura tradicional e a agricultura agroecológica.”
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em 2016, a ADI 5.553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos dessas substâncias. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Esse princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais em função da importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Desse modo, há 27 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.
A medida tem impacto direto na arrecadação fiscal. De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a estimativa é de que estados e União deixaram de arrecadar R$ 12,9 bilhões, considerando a comercialização de agrotóxicos no ano de 2021. O valor representa, por exemplo, cinco vezes o orçamento reservado pela União em 2024 para prevenção e combate a desastres naturais (R$ 2,6 bilhões).
Posicionamento dos ministros
Com ida para plenário, o julgamento – que estava em estágio avançado, já com manifestações de votos de nove ministros – é reiniciado. Ou seja, os ministros deverão se manifestar novamente.
A retomada do julgamento é compreendida por organizações que incidem como amicus curiae (amigos da corte) como importante oportunidade para ampliar o diálogo com sociedade e Suprema Corte sobre impactos da concessão de benefícios ao mercado de agrotóxicos.
Relator da ação, o ministro Edson Fachin havia reconhecido em seu voto que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5.553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos. Também solicitou que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.
Na manifestação do voto, o ministro evocou também o princípio da precaução para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, apontou Fachin. O posicionamento do ministro é semelhante ao das organizações sociais que atuam como amicus curiae na ação, como a Terra de Direitos, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a FIAN.
Já o ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Mendes afirmou em seu voto que os danos à saúde “não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde”. A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais. Os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli acompanharam o voto de Gilmar Mendes. Já o ministro André Mendonça reconheceu, parcialmente, a inconstitucionalidade da isenção fiscal e determinou que a União e estados façam uma avaliação do benefício. Organizações e instituições de pesquisa também reivindicam a apresentação de dados que justifique a validade das normativas.
Com o reinício do julgamento, as organizações têm a expectativa de que os ministros revejam os votos pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do benefício fiscal.
“Abre-se a oportunidade dos ministros que votaram pela constitucionalidade dos benefícios fiscais reavaliarem seus votos, assim como para os ministros que ainda não julgaram avaliar a matéria com a preocupação constitucional de proteção do meio ambiente e a saúde da população brasileira. A reavaliação das políticas fiscais aos agrotóxicos pelo poder executivo da União e dos Estados relacionando desenvolvimento econômico, proteção ambiental, direito à saúde e à segurança alimentar é essencial para essa ação, para evidenciar a não aplicabilidade do princípio da seletividade tributária sobre os agrotóxicos”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade.
Benefício para mercado de commodities
Segundo as organizações, a isenção fiscal beneficia diretamente o mercado de commodities, voltadas para o mercado externo, e não incide no aumento do preço dos alimentos que compõem a cesta básica para os consumidores, como argumenta entidades representativas do agronegócio.
De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), 89% da área total com uso de agrotóxicos em 2022 é voltada para plantio de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar e pastagens. Com menos incentivos e pressão do agronegócio, de produção de alimentos para consumo interno sofre seguidas retrações. Enquanto a área de plantio de soja aumento em 187% de 2000 a 2021, no mesmo período o plantio de arroz diminuiu 54%, e o de feijão, 37%.
Além da manifestação contrária à isenção pelas organizações, a Procuradoria Geral da República (PGR) declarou na mesma ação que os incentivos aos agrotóxicos não se coadunam com os objetivos do estado democrático de Direito ambiental. Os conselhos nacionais de Saúde (CNS) e de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) recomendaram aos ministros do STF que “rejeitem quaisquer proposições que resultem ou possibilitem a redução ou a isenção fiscal e tributária a agrotóxicos uma vez que estamos diante de perigos graves de saúde pública devido à exposição a essas substâncias nocivas”.
A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas anuncia a abertura de processo seletivo para a contratação temporária de assessor(a) de Advocacy.
O regime de contratação é como pessoa jurídica, com início dos trabalhos previsto para julho de 2024. A duração do contrato é de 12 meses, prorrogável por igual período.
Sobre a FIAN Brasil
Somos uma organização de direito privado, sem fins lucrativos, apartidária, sem vínculo religioso, com sede e foro em Brasília (DF), com atuação de abrangência nacional.
Nossa missão é contribuir para um mundo livre da fome e da desnutrição, no qual cada pessoa possa desfrutar plenamente dos seus direitos humanos, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), com dignidade e autodeterminação.
A FIAN Brasil atua para fortalecer o Dhana por meio de ações de exigibilidade, formação, informação e incidência política. As ações de incidência política e advocacy são construídas em conjunto com diferentes redes da sociedade civil, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e a Plataforma Dhesca. Além disso, a FIAN Brasil coordena a secretaria executiva do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e está representada no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), no Grupo Consultivo do Comitê Gestor do Pnae e na Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil.
Objetivo da contratação
A/o assessor(a) de Advocacy deverá apoiar a execução de ações de incidência política da FIAN Brasil, em especial no Congresso Nacional, contribuindo em temas prioritários.
Atividades previstas
Monitorar pautas prioritárias para a FIAN Brasil no Congresso Nacional;
Sistematizar e analisar dados e informações para elaboração de pareceres, notas técnicas, planilhas e sínteses voltadas ao trabalho legislativo;
Estabelecer diálogo com parlamentares e assessorias parlamentares para a promoção de agendas relativas ao Dhana;
Apoiar a execução de ações específicas de incidência política da FIAN Brasil no Congresso Nacional;
Participar de reuniões periódicas com a Coordenação de Advocacy, equipes de projetos da FIAN Brasil e redes das quais a FIAN faz parte.
Requisitos obrigatórios
Ensino superior completo em Ciência Política, Ciências Sociais, Direito, Economia, Políticas Públicas ou áreas afins;
Conhecimento e experiência de atuação em processos legislativos;
Capacidade de redação de documentos voltados para a incidência política (planilhas, relatórios, pareceres);
Compromisso com direitos humanos e valores éticos relacionados ao trabalho da FIAN Brasil;
Compromisso em relação ao cumprimento de prazos;
Habilidades de comunicação, diálogo e trabalho em equipe;
Residir em Brasília (DF);
Disponibilidade para trabalho híbrido com agendas presenciais semanais no Congresso Nacional.
Requisitos desejáveis
Experiência com políticas de segurança alimentar e nutricional;
Experiência aplicada de incidência no Congresso Nacional;
Experiência de trabalho em/com organizações da sociedade civil, movimentos sociais ou redes.
Processo para candidatura
Currículo, carta de motivação e declaração de conflitos de interesse(baixe aqui para preencher) deverão ser encaminhados para [email protected] com cópia para [email protected] até as 18:00 do dia 31/05/2024. Entrevistas serão agendadas com as pessoas selecionadas.
Diversidade e inclusão
A FIAN Brasil defende e apoia a ampliação da diversidade na sociedade e, por essa razão, estimula e prioriza a candidatura de mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e/ou com deficiência, que cumpram os requisitos estabelecidos. Se você se enquadra nesses grupos, indique em sua carta de motivação.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) aprovou, em plenária, nota pública em que manifesta o pesar pelas perdas de vidas e sua total solidariedade a todas às pessoas do Rio Grande do Sul diante das consequências trágicas de chuvas torrenciais.
“Neste momento, é fundamental que todas as ações dos governos federal, estadual e municipal se articulem para que o resgate e a assistência cheguem a quem precisa chegar”, defende o texto, destacando como prioridade “aqueles que já estavam em situação de maior vulnerabilidade em função do racismo ambiental e da injustiça climática, como os povos indígenas, a população negra, os povos e comunidades tradicionais e a população em situação de rua”. Leia a íntegra abaixo.
Nota pública | Solidariedade a todas as pessoas do Rio Grande do Sul e chamamento para ação O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em sua 2ª Plenária de 2024, realizada nos dias 7 e 8 de maio, em Brasília, manifesta o pesar pelas perdas de vidas e sua total solidariedade a todas as pessoas do Rio Grande do Sul que, mais uma vez, estão enfrentando as consequências trágicas de chuvas torrenciais.
Episódios que infelizmente se tornarão cada vez mais frequentes, seja com chuvas, secas, temperaturas extremas. São tragédias anunciadas e por décadas negligenciadas, como se fossem um futuro que não chegaria. O desmantelamento da legislação ambiental – inclusive a recente flexibilização por estados e municípios, o desmonte do sistema de proteção e defesa civil, práticas predatórias de produção de alimentos e de ocupação de terras e territórios que estruturam os sistemas alimentares hegemônicos, não faltam exemplos que expliquem o por que estamos diante de um verdadeiro colapso que ceifa vidas e afeta profundamente as condições de vida.
Neste momento, é fundamental que todas as ações dos governos federal, estadual e municipal se articulem para que o resgate e a assistência cheguem a quem precisa chegar. Todas as comunidades e segmentos populacionais precisam dessas ações, sobretudo aqueles que já estavam em situação de maior vulnerabilidade em função do racismo ambiental e da injustiça climática, como os povos indígenas, a população negra, os povos e comunidades tradicionais e a população em situação de rua, que são afetados de forma desigual pelos desastres socioambientais. Um levantamento de um conjunto de organizações, incluindo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), aponta uma situação crítica em dezenas de comunidades indígenas em todo o estado. Também clamamos para que todo apoio seja prestado às inúmeras organizações da sociedade civil que estão mobilizando pessoas e ações para levar comida, água, roupas e medicamentos às comunidades da região Sul.
Isto é o que precisa ser feito agora, mas é impossível não chamar a atenção para que, passada a emergência, estas famílias e comunidades recebam os serviços e apoio necessários para retomarem suas vidas com dignidade. Com a interrupção nas vias de acesso, é necessário que o poder público se antecipe a um possível comprometimento no abastecimento de alimentos para os municípios. E com o impacto ainda mais amplo, são necessárias medidas públicas de abastecimento que previnam o aumento no preço de alimentos básicos, como o arroz, com a perda de parte da safra e atraso no próximo plantio. Todos os anúncios de ações de emergência e recuperação após o período crítico a ser superado precisam ser monitorados para que de fato sejam implementados e feito o melhor uso do recurso público. As instâncias do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), notadamente as câmaras intersetoriais de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisans) e os conselhos de Segurança Alimentar e Nutricional (Conseas) são espaços estratégicos para articulação e controle social dessas medidas.
E, coerente ao tema da 2ª Plenária de 2024 do Consea, que trouxe o tema: “Mudanças climáticas, soberania e segurança alimentar e nutricional”, o Conselho, somado a milhões de vozes, alerta: não há mais tempo para adiar a pactuação interfederativa para implementação de uma estratégia ampla de mitigação e adaptação às mudanças climáticas orientada pelos princípios da justiça climática e não pelas falsas soluções vinculadas à financeirização da natureza.
Desde 2023 estamos vivenciando um novo ciclo de incidência sobre políticas públicas para acesso à alimentação adequada e saudável, aliado à demanda pela implementação de uma agenda regulatória sobre conflito entre interesses públicos e privados, que possibilite, por exemplo, restrição sobre produtos nocivos à saúde, como ultraprocessados e agrotóxicos.
Ouvimos Nayara Côrtes Rocha, secretária-geral da FIAN Brasil, para entender melhor os caminhos tomados pela sociedade civil organizada diante dos desafios e oportunidades que esse contexto apresenta, bem como para entender as lacunas que ainda precisam ser preenchidas na incidência política em torno do acesso à alimentação adequada e saudável.
Nayara Côrtes Rocha é nutricionista pela Universidade Federal de Goiás e mestre em ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Pela FIAN Brasil, compõe o núcleo gestor da Aliança pela alimentação adequada e saudável.
Ibirapitanga: Este é um período em que a mobilização do campo voltou a se dar dentro do arcabouço institucional, a exemplo do Consea e da participação de organizações da sociedade civil em comissões que vem debatendo a atualização e elaboração de políticas públicas. Ao mesmo tempo, mantém-se a atuação em diferentes frentes de incidência. Considerando essa orquestração, como você tem observado os movimentos da sociedade civil organizada em torno da alimentação?
Nayara Côrtes Rocha: Nos últimos anos, especialmente entre 2019 e 2022, além da expansão de organizações e atores em torno do tema da alimentação, tivemos um cenário muito adverso de suspensão de diálogo com o Governo Federal, em meio a violações intensas e quase cotidianas de direitos humanos e, dentre eles, do direito à alimentação. Essa conjunção de fatores certamente impactou nos movimentos da sociedade civil em torno do tema da alimentação. Entendemos que precisamos nos organizar para além dos espaços institucionais, embora eles sejam fundamentais. Tanto porque eles têm seus limites, como porque precisamos manter certa autonomia enquanto sociedade civil. O retorno dos espaços institucionais é super bem vindo, tem demandado bastante energia de movimentos, organizações e coalizões, inclusive da Aliança pela alimentação adequada e saudável.
Ao mesmo tempo em que precisamos nos organizar institucionalmente para contribuir com a reconstrução de políticas públicas, a partir do que aprendemos com nossas experiências anteriores, para que elas sejam cada vez mais eficazes e consolidadas, também precisamos ocupar outros espaços porque algumas lutas partem de fora do âmbito institucional. Inclusive porque alguns temas fundamentais não estão na agenda do governo e é papel da sociedade civil pressionar para que sejam debatidas e entrem nas agendas nacionais.
Eu tenho observado que passamos por esse amadurecimento, desde o período em que o diálogo com o executivo esteve interditado. Compreendemos que precisamos estar prontas para outras formas de incidência para além das que conhecíamos e isso tem sido muito positivo, na minha opinião.
Ibirapitanga: Recentemente, com o avanço da reforma tributária e o decreto presidencial que regulamenta a nova composição da cesta básica, estamos passando por uma intensificação da incidência nesse ciclo. Numa visão geral, quais são as demandas mais prementes deste contexto? Quais são as oportunidades e desafios?
Nayara Côrtes Rocha: As demandas mais prementes neste contexto são ampliar o acesso a alimentos adequados e saudáveis, em sua acepção mais ampla, a todas as pessoas, e tentar conter o aumento no consumo de ultraprocessados que está associado à ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis.
A nova composição da cesta básica é uma vitória importante pela qual lutamos há muitos anos. A ampliação de itens in natura ou minimamente processados, bem como da variedade desses itens foi um primeiro passo no sentido da maior disponibilidade e acesso a alimentos saudáveis e adequados a pessoas que não podem, por si mesmas, acessar esses alimentos. Avança ainda no sentido de o Estado responsabilizar-se pela promoção da dignidade e da saúde em ações de provimento e ainda, simbolicamente, na construção de um entendimento de que alimentos in natura ou minimamente processados são “básicos” e devem compor a base da alimentação humana.
A essência das demandas em relação à reforma tributária é a mesma: ampliar ou facilitar o acesso, nesse caso acesso financeiro, a alimentos in natura ou minimamente processados e desincentivar o consumo dos ultraprocessados, via composição de preço desses itens.
A oportunidade de fazer esta discussão com o governo, parlamentares e a sociedade em geral é, por si, muito interessante porque leva a discussão da saúde para a economia, deixando evidentes algumas contradições existentes a esse respeito. Percebo como uma boa oportunidade também de divulgação da informação de que ultraprocessados fazem mal à saúde e dos privilégios injustificados que esta indústria recebe.
Os desafios estão relacionados a essas oportunidades, a meu ver, porque estamos colocando em cheque os lucros e interesses de agentes comerciais e, por consequência, de atores públicos e privados relacionados a eles, muito poderosos. Mas toda essa movimentação me parece um excelente começo.
Ibirapitanga: Tomando como exemplo o advocacy que está sendo realizado para a taxação de ultraprocessados e agrotóxicos na reforma tributária, podemos dizer que ele bebe da fonte de processos mais antigos — como o emblemático caso da indústria do tabaco — e outros mais recentes. Quais contribuições da sociedade civil, em especial de incidência no ciclo anterior de governo federal, podemos identificar como cruciais para a atuação no ciclo atual?
Nayara Côrtes Rocha: Como mencionei no início, aprendemos muito sobre diversidades de lutas e incidências, no ciclo anterior. Aprendemos caminhos antes pouco conhecidos, como o advocacy no poder legislativo, articulação da sociedade civil em torno não só de pautas, mas de atividades, metas, ações concretas e coordenadas em momentos específicos. Sobre a atuação em rede das grandes corporações, sobre o poder dos agentes comerciais, conflitos de interesse, captura corporativa e a comunicação com a sociedade, sobre articulações regionais e internacionais, enfim… Aprendemos muito! Tudo isso tem sido crucial para esse momento em que precisamos lidar com poderes econômicos e políticos imensos e com os conflitos de interesse no interior dessas discussões.
Todo este aprendizado tem contribuído imensamente com a discussão sobre a taxação de ultraprocessados e agrotóxicos que foram colocadas na agenda nacional pela pressão da sociedade civil, porque não são consenso no governo federal. São pautas sensíveis para o governo, mas são também urgentes, precisam estar presentes na discussão sobre a reforma tributária porque têm grande impacto para toda a sociedade brasileira, e por muito tempo.
Ibirapitanga: Diante do esforço que está sendo realizado agora, quais as lacunas que ainda precisam ser preenchidas na incidência política pelo acesso à alimentação adequada e saudável? Para que direção temos que olhar com mais cuidado?
Nayara Côrtes Rocha: Esta é uma questão interessante porque penso que poderíamos dizer que temos organizações fazendo incidência em praticamente todas as áreas relacionadas ao direito à alimentação. Precisamos olhar com mais cuidado para a questão climática, que é permeada e permeia o sistema alimentar de diversas formas. Na América Latina, parece que não estamos suficientemente dedicados a esta questão, ainda. Além disso, penso que alguns aspectos transversais a toda discussão sobre a alimentação adequada e saudável como o papel de raça, classe e gênero, da economia do cuidado, por exemplo, nos sistemas alimentares e na prática da realização desse direito, muitas vezes ocupam espaços secundários em nossas incidências ainda. Penso que esta também é uma direção que merece mais atenção.
Texto: Anna Beatriz Anjos/Agência Pública (apublica.org) Foto: José Cícero/Agência Pública
O movimento indígena elegeu um desafio no encerramento da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior assembleia dos povos originários no Brasil: derrubar a mais recente decisão de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o marco temporal.
Em 22 de abril, durante o primeiro dia do acampamento, Mendes suspendeu todas as ações sob sua relatoria que tratam da lei que valida o marco temporal. Ela propõe que só sejam demarcadas terras ocupadas pelos indígenas na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. A lei, aprovada no Congresso Nacional em 2023, foi patrocinada pela bancada ruralista.
Gilmar Mendes é relator de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que pedem a derrubada da lei do marco temporal. Uma delas foi proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora do ATL, junto a partidos políticos. As lideranças esperavam que Mendes desse um parecer rejeitando o marco, já que o próprio STF havia declarado, em setembro do ano passado, que a tese é inconstitucional, num ato considerado como uma conquista histórica dos indígenas.
Contudo, Mendes não só manteve a vigência da lei como determinou a criação de uma câmara de conciliação para discutir a tese. Essa câmara será formada por entidades de defesa dos direitos indígenas e do agronegócio, partidos políticos, poderes Executivo e Legislativo, Procuradoria-Geral da República (PGR) e Advocacia-Geral da União (AGU). Cada uma das partes tem 30 dias para apresentar propostas para alcançar um consenso sobre o tema.
Por que isso importa?
A ação do ministro Gilmar Mendes contrariou decisão do próprio STF do ano passado e, segundo as lideranças indígenas, fortalece a tese do marco temporal. O marco é o maior obstáculo à demarcação de novas terras atualmente.
Agora, segundo a Apib, uma das prioridades do movimento nos próximos meses é trabalhar para tentar reverter a medida tomada por Mendes.
Há dois caminhos para isso, segundo Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib. Um deles é convencer outros ministros da Corte a rechaçar a decisão monocrática de Mendes. Ela foi encaminhada para apreciação dos demais via julgamento virtual. A carta final do ATL cobra que os juízes “não se acovardem” e “sejam contrários a essa decisão de morte”.
A segunda alternativa depende de o ministro Edson Fachin decidir pela inconstitucionalidade da lei em uma ação que pede sua derrubada, da qual ele é relator.
Indígenas avaliam que decisão de Gilmar Mendes é retrocesso
“O ministro Gilmar Mendes, acima de tudo, desprestigia o entendimento do colegiado do Supremo que já decidiu pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal”, destaca Terena, da Apib. “Isso traz uma insegurança jurídica enorme para os povos indígenas. A lei ainda está em vigência; os povos indígenas, no limbo jurídico; e a violência nos territórios, aumentando.”
A Apib avaliou a decisão de Mendes como um retrocesso que adiará ainda mais o já prolongado debate sobre o marco temporal, encarado pelos indígenas como a maior ameaça às demarcações. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, relatou em entrevista à Agência Pública no começo do mês que a lei tem atrapalhado a efetivação de novas demarcações pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Enquanto isso, o presidente da bancada ruralista no Congresso, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), classificou a decisão de Mendes como “uma vitória”. “Se a Funai a partir de agora quiser demarcar, vai ter que cumprir a lei que nós aprovamos no Congresso”, disse em vídeo postado em suas redes sociais.
O avanço no reconhecimento dos territórios tradicionais pelo Estado é a pauta central do movimento indígena e do Acampamento Terra Livre desde o seu surgimento, em 2003. Embora seja um direito garantido pela Constituição, a demanda segue longe de ser plenamente atendida.
“No ano passado, em setembro, quando o Supremo declarou a inconstitucionalidade da tese, não achamos que não estaríamos aqui, no dia de hoje, novamente falando sobre esse assunto”, afirmou Terena no fim do acampamento.
O cruzamento entre equidade de gênero, modos de produção mais sustentáveis e o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes é o foco de Mulheres, Agroecologia e Alimentação Escolar: Recomendações ao Pnae.
Escrito por Vanessa Schottz com contribuições de Mariana Santarelli, o livro apresenta um conjunto de recomendações com o objetivo de ampliar e qualificar o acesso da produção das agricultoras agroecológicas ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, uma política com quase sete décadas e R$ 5,5 bilhões de orçamento, só em recursos federais, que é responsável pelas refeições de 40 milhões de estudantes das escolas públicas de todo o país.
“Por sua capilaridade e sua escala, o Pnae representa um mercado institucional com enorme potencial na promoção do acesso à alimentação adequada, ao mesmo tempo que contribui para o fomento à produção de base familiar e agroecológica e a valorização da cultura alimentar local”, observa Schottz. “Mas nesse cenário também se expressam as profundas desigualdades que marcam a sociedade brasileira, o que se reverte em maior dificuldade de serem acolhidos, como fornecedores, as mulheres, jovens, indígenas e povos e comunidades tradicionais [PCTs].”
Lançado nesta sexta (5), Mulheres, Agroecologia e Alimentação Escolar é fruto de parceria entre a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a FIAN Brasil e o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).
A análise identifica as dificuldades, desafios e oportunidades das compras públicas com base na pesquisa-ação “Comida de verdade nas escolas do campo e da cidade”, que teve a autora no grupo de trabalho de metodologia ao lado de Juliana Casemiro, Morgana Maselli e Flavia Londres.
“Nos nove municípios sobre os quais lançamos esse olhar, em 2019, encontramos experiências emblemáticas de acesso ao Pnae com protagonismo feminino”, conta Maselli. Em Remanso (BA), por exemplo, um grupo de mulheres pescadoras artesanais introduziu na merenda escolar espécies de peixes como pescada, tilápia, tucunaré e cari, ofertados como filé, mas também sob formas que aumentam seu prazo de validade, como conserva [peixe cozido em molho de tomate], linguiça, almôndega e hambúrguer de pescado. “Além de introduzir essas espécies no cardápio, aumentando a variedade nutricional, a movimentação com foco no programa estimulou a estruturação e o fortalecimento das ações desse grupo de mulheres”, explica Maselli.
“Na cota de 30% reservada à agricultura familiar nas suas aquisições, o Pnae deve, por lei, priorizar indígenas, PCTs, assentados e, desde o ano passado, grupos de mulheres”, comenta a assessora da FIAN Brasil e do ÓAÊ Luana Cunha. “Só que há muitos obstáculos para efetivar esse caminho, como mostram nossos estudos de caso em Caarapó [MS] e Tabatinga [AM]. Precisamos enfrentar a falta de estrutura e de vontade política, o racismo institucional e os lobbies para que essa política cumpra seu papel plenamente.”
A publicação integra a coleção do projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”, iniciativa focada nas compras públicas, que a FIAN concluiu no fim de 2023.
Sobre a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar
O Pnae é considerado uma das políticas públicas mais centrais e bem-sucedidas da estratégia de soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN), ao prever que ao menos 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados e municípios sejam utilizados para aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar. Para se ter uma ideia, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), “em escolas públicas localizadas em desertos alimentares, onde o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso ou impossível, às segundas-feiras, as crianças comem 50% a mais do que nos outros dias da semana”.