A principal dificuldade para a viabilização do Subsistema Especial de Atenção à Saúde Indígena no Brasil, que se arrasta desde a sua criação no ano de 1999, diz respeito ao mecanismo de contratação dos Recursos Humanos para o desenvolvimento das ações de assistência à saúde nas comunidades. Tanto a criação dos Distritos Sanitários ESPECIAIS Indígenas em 1999, como da Secretaria ESPECIAL de Saúde Indígena em 2010, foram fundamentadas no caráter EXCEPCIONAL que caracteriza a assistência à saúde das populações indígenas no país. A modalidade de contratação de recursos humanos adotada desde o início e até hoje, por meio de convênios com organizações da sociedade civil, não é a mais adequada, sendo objeto de um Termo de Conciliação Judicial (TCJ) assinado há vários anos que obriga o governo federal a adotar uma nova forma de contratação para a prestação deste serviço.
Recentemente o Ministério da Saúde criou um Grupo de Trabalho paritário, envolvendo usuários, trabalhadores e gestores para analisar e apresentar propostas a esta questão. Entre as dificuldades levantadas e que levaram a um verdadeiro impasse na primeira reunião do grupo, estão a percepção de que a contratação por meio de Concurso Público e Regime Jurídico Único não é viável para as características EXCEPCIONAIS da assistência à saúde prestada diretamente nas comunidades indígenas; a privatização da saúde indígena por meio de um Instituto, Fundação ou de Organizações Sociais (OS) compromete os princípios básicos da autonomia e do controle social nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas; e a terceirização por meio de Organizações da Sociedade Civil (OSC) carece de um marco regulatório legal mais adequado para as relações entre o Estado e o Terceiro Setor.
A Assembleia Extraordinária dos Povos Indígenas de Roraima sobre Saúde Indígena, realizada nos dias 30 de outubro a 01 de novembro de 2016, em Boa Vista, reunindo quase duas mil lideranças indígenas, profissionais de saúde e gestores dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas Yanomami e Leste de Roraima, representando uma população aproximada de 70.000 indígenas e 630 comunidades, aprovou entre as suas principais propostas a realização de um processo amplo de discussão e consulta prévia aos povos indígenas visando a elaboração de uma proposta de LEI ESPECÍFICA PARA A CONTRATAÇÃO DIFERENCIADA DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE INDÍGENA, a ser apresentada ao Congresso Nacional.
De acordo com esta proposta, deveria ser regulamentada por lei a necessidade de contratação EXCEPCIONAL dos profissionais da Saúde Indígena por meio de um Regime Diferenciado e via CLT, conforme admite a Constituição Federal. A polêmica da contratação de servidores públicos pela CLT pode ser resumida nas seguintes citações (extraídas de artigos da internet):
“O art. 37, IX, da Constituição do Brasil autoriza contratações, sem concurso público, desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, quer para o desempenho das atividades de caráter eventual, temporário OU EXCEPCIONAL, quer para o desempenho das atividades de caráter REGULAR E PERMANENTE.” (Ministro Maurício Correa – STF)
A interpretação do artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, deve ser feita de modo restritivo; a lei do ente federado deve estabelecer quais os casos de contratação, isto é, quais são as necessidades temporárias de interesse público excepcional; a lei do ente federado deve estabelecer qual o prazo máximo do contrato e quantas vezes pode ser prorrogado, o que não poderá ser muitas vezes, senão descaracteriza o caráter temporário da necessidade.
Esta discussão é absolutamente necessária e urgente para garantir a efetiva implementação e continuidade da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) nos termos e princípios estabelecidos desde as primeiras Conferências Nacionais de Saúde Indígena, sob o protagonismo decisivo das Organizações Indígenas e seus parceiros do movimento indigenista em todo o país.
Por Paulo Daniel, especialista em Saúde Indígena
Publicado, originalmente, no site do CIMI