Agrotóxicos: degradação do cerrado e incidência de câncer

Qual é um dos pontos em comum entre a alarmante destruição do Cerrado brasileiro e alta e incidência de câncer em certas regiões do Brasil? A utilização de agrotóxicos* pelo agronegócio nas monoculturas é provavelmente um dos principais catalizadores. Esse tema transversal foi abordado durante a ‘Oficina da saúde da mulher: dialogando sobre o Cerrado e o câncer de mama’, organizada no sábado (25) pela Comissão Pastoral da Terra – CPT de Mato Grosso na comunidade de São Manoel do Parí, município de Nossa Senhora do Livramento, a 32 km de Cuiabá.

Cleudes de Souza Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – STTR de Livramento, explicou que o Cerrado, berço das águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano, está em perigo devido à sua exploração pelo agronegócio, com uma utilização desenfreada de agrotóxicos, que empobrecem a terra, poluem os rios, contaminam o ar e envenenam as pessoas. No entanto, Cleudes explica que esse problema vem de uma mentalidade antiga, cujo único foco é o lucro, representada hoje pelo agronegócio, a matriz energética e um sistema patriarcal e discriminatório. “A mulher criou a agricultura cerca de 10.000 anos atrás, e aí o homem criou a propriedade privada. A propriedade privada permitiu a dominação do homem sobre o homem e do homem sobre a mulher”, disse Cleudes, demonstrando que, no final das contas, muitos dos problemas enfrentados hoje pela sociedade estão relacionados. O presidente lamenta que temas como esses não sejam ensinados nas escolas, pois através de uma verdadeira conscientização, haveria uma possibilidade de lutar contra a utilização exagerada de agrotóxicos, a degradação do Cerrado e a propagação de vários tipos de câncer. Em outras palavras, seria uma garantia para nossa saúde e nosso futuro.

Na sequência, Adriana Catelli Correa, representante da MTmamma amigos do peito, introduziu o trabalho da Associação criada em março de 2009, cujo objetivo é auxiliar pessoas portadoras desse câncer, através de programas educativos, atendimento psicossocial, atividades voltadas para a autoestima, orientações jurídicas, terapias complementares e capacitação de voluntários, entre outros. O trabalho da MTmamma começou com voluntários que levavam café e reconforto para pacientes e famílias vítimas dessa doença, já que além dos impactos físicos que o câncer tem, existem graves impactos psicológicos e emocionais. A representante denunciou que, além disso, a mulher tem que enfrentar o preconceito espalhado pela imagem de feminilidade ligada ao peito, imagem imposta por essa mesma sociedade machista e patriarcal. “Hoje, a mulher é extremamente objetificada, reduzida a um par de seios, a um pedaço de carne. No caso do câncer de mama, não só cria insegurança e vergonha terríveis, como põe vidas em risco, já que muitas mulheres preferem ignorar certos sinais da doença, por medo de perder o peito”, lamentou Adriana. Nesse sentido, as voluntárias da Associação realizam um forte trabalho de conscientização e troca de vivências, já que muitas delas passaram ou passam por essa dolorosa experiência.

O trabalho é ainda mais importante quando se trata de comunidades do campo, cujo acesso à informações e infraestrutura é mais difícil. No entanto, até nos centros urbanos existem muitas carências de infraestrutura e atendimento, lembrou a representante. Ela defende que muitos esforços em políticas publicas precisam ser feitos pelos governos estadual e federal.

Para lutar contra o câncer e a degradação do Cerrado, existem alternativas, como um sistema pautado na agroecologia. A agroecologia luta por um estilo de vida saudável e pelos direitos e empoderamento da mulher. A Irmã Vera, coordenadora regional da CPT, explicou que a organização trabalha essas problemáticas e muitas mais, desde sua criação com o apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, 40 anos atrás, durante a ditadura militar. “A Comissão foi criada com labradores, sindicatos, povos e comunidades do campo submetidos à violências e conflitos. Não é uma igreja, não representa uma só religião, é uma organização ecumênica que luta por uma sociedade social e ambientalmente justa”. No Mato Grosso, a CPT é um dos membros fundadores do Grupo de Intercâmbio em Agroecologia – Gias, uma rede de cerca de 40 organizações cujo objetivo é alertar a sociedade mato-grossense sobre as ameaças representadas pelo agronegócio, demostrando que outro sistema social, ambiental e economicamente justo é possível: a agroecologia. Nessa ótica, a agroecologia garante a segurança e soberania alimentar, protege o meio-ambiente, promove populações e povos tradicionais, empodera mulheres, jovens e a agricultura familiar, e valoriza o intercâmbio de conhecimentos tanto recentes quanto ancestrais.

No entanto, Glória María Grández Muñoz, avisou que essas lutas, que já eram difíceis até então, vão provavelmente ficar piores ainda, dada a atual conjuntura política do país. “Estamos vivendo uma situação muito triste, com um governo golpista que não para de cometer retrocessos contra a agricultura familiar, a saúde, a educação e as mulheres. Em apenas um mês conseguiu acabar com várias conquistas alcançadas pela sociedade civil e os movimentos sociais. Por isso precisamos ficar unidos, atentos e nos organizar”, concluiu a assistente social ligada à CPT e assessora do deputado federal Ságuas Moraes.

Links:

– Saiba mais sobre a CPT: http://www.cptnacional.org.br/index.php

– Saiba mais sobre a Associação MTmamma, amigos do peito: http://www.mtmamma.com.br/principal

– Saiba mais sobre o Gias: http://bit.ly/GiasFB

* Os dados sobre agrotóxicos estão disponíveis no dossiê Abrasco: http://abrasco.org.br/dossieagrotoxicos/

Nota da FIAN Brasil sobre a atual conjuntura política

A seção brasileira da FIAN, organização internacional que trabalha pelo respeito, proteção e garantia do direito à alimentação e nutrição adequadas, expressa sua mais profunda preocupação com o grave quadro de retrocesso de direitos que resultam da atual crise política e com os ataques sofridos pelas jovens instituições brasileiras, que fragilizam a democracia.

A posse de Michel Temer na Presidência da República decorre de um processo de impeachment altamente controverso e absolutamente carente de legitimidade jurídica e política.

A FIAN Brasil ressalta a importância que o Congresso Nacional teve e terá no julgamento definitivo da presidenta Dilma. Apesar de ser certo que este Congresso, em sua maioria, atua de acordo com o interesse dos setores mais conservadores da sociedade brasileira, não se pode negar que, neste momento, as últimas esperanças democráticas da sociedade estão depositadas não só nas ruas e nas lutas sociais diárias, mas também nas senadoras e senadores que julgarão o impeachment da Presidenta Dilma, primeira mulher que ocupa este cargo e que foi democraticamente eleita pela população brasileira com mais de 54 milhões de votos.

Logo nas suas primeiras horas o governo interino de Temer expediu a Medida Provisória nº 726/2016. Esta MP reduziu de 32 para 23 o número de ministérios. Em alguns casos, a extinção de órgãos implicou na junção das atribuições ministeriais de diferentes pastas, a exemplo do Ministério da Justiça e Cidadania e o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário.

A junção do Ministério de Desenvolvimento Social e o Ministério de Desenvolvimento Agrário representou a extinção, em poucas horas, de instituições que simbolizavam mais de uma década de amadurecimento de políticas públicas importantes. Isto foi feito sem qualquer avaliação do impacto econômico, social e político deste ato e sem que houvesse, confirmando a ilegitimidade deste governo transitório, qualquer consulta à sociedade. É importante enfatizar que estes Ministérios foram responsáveis por políticas que, apesar da necessidade de aperfeiçoamento em muitos aspectos, garantiram, por exemplo, acesso à água, à renda, ao crédito e à extensão rural para agricultores e agricultoras familiares, apoio à produção agroecológica, entre outros. Os programas implementados foram responsáveis por importantes resultados. De acordo com a FAO, o Brasil conseguiu reduzir em 58% o número de mortes de crianças desnutridas, com isso, atingiu uma das metas da Conferência Mundial de Alimentação, reduzir em 50% o número de pessoas desnutridas até 2015.

Em sentido semelhante e no que concerne aos Povos e Comunidades Tradicionais, as mudanças implementadas pela MP nº 726 atentam contra os direitos de tais grupos ao transferirem para o Ministério da Educação e Cultura a titulação de terras quilombolas, por exemplo.

É também incerto, neste momento, o prognóstico de instituições e conselhos no âmbito do Poder Executivo tais como o Conselho Nacional de Direitos Humanos, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), o Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT), o Conselho de Política Indigenista, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Ainda, o primeiro time de novos ministros, todos homens e nenhum deles negro, representam a antiga elite política que por muitos anos governou o país para uma minoria. Dos 23 ministros nomeados, pelo menos cinco tiveram seus nomes ligados à Operação Lava Jato. Existe inquérito policial, cuja abertura foi aceita pelo STF (Supremo Tribunal Federal), contra o atual ministro do Planejamento, acusado de receber propina em obras da Petrobras e da Eletronuclear1. Outras nomeações apontam para a intensificação da criminalização dos movimentos populares e para o apoio, ainda maior, a setores responsáveis por graves violações de direitos humanos. Neste sentido, as nomeações para o Ministério da Justiça e Cidadania, cujo titular recebeu severas críticas pelo trato militar dispensado aos e às estudantes secundaristas de São Paulo2 que exerceram manifestações pacíficas, ou ainda a nomeação para o Ministério da Agricultura, cujo novo mandatário recebeu, dentre outros, o “prêmio” motosserra de ouro por parte do Greenpeace3.

Somam-se a esses primeiros retrocessos diversos outros já anunciados pelo governo interino de Temer, dentre os quais se destacam o foco da agenda social na parcela 5% mais pobre da população, o que pode representar a redução dos beneficiários do Programa Bolsa Família em cerca de 36 milhões de pessoas4; a revisão das leis trabalhistas e da terceirização; e, finalmente, o aprofundamento do ajuste fiscal, o qual certamente recairá sobre as parcelas mais empobrecidas da população.

Também há risco de gravíssimos retrocessos no que diz respeito aos territórios e demais direitos originários dos povos indígenas, uma vez que poderão ser revistas e revogadas demarcações de Terras Indígenas encaminhadas recentemente pela administração de Dilma Rousseff.

Estes atos configuram, de maneira patente, atentado ao princípio da proibição do retrocesso social, o qual define a obrigatoriedade da permanência do atual nível de concretização dos direitos fundamentais e impõe o desenvolvimento dessa concretização. Esse princípio está previsto em tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil e vem sendo reiteradamente consagrado pelo Supremo Tribunal Federal6.

Diante das razões apresentadas, a FIAN Brasil reafirma a sua posição política ao lado dos movimentos populares e de organizações da sociedade civil que lutam contra violações e retrocessos em matéria de direitos humanos. O trabalho da FIAN Brasil continua inabalável e atento, mais do que nunca, em contraposição às forças conservadoras que impedem a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

NOTA PUBLICA DA FIAN BRASIL