A Fian Brasil enviou contribuições para o Informe Anual da Relatoria
Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (REDESCA) correspondente
ao ano de 2019, que será apresentado na Assembleia Geral da Organização dos
Estados Americanos (OEA) Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 2020.
O Informe Anual da Redesca busca apresentar um panorama geral sobre a
situação dos DESCA na região, com ênfase em situações de pobreza e
desigualdades no continente. A Relatoria trabalha com os seguintes temas:
pobreza e desigualdade, agua e saneamento, alimentação, direitos trabalhistas,
direitos sindicais, direitos humanos e empresas, meio ambiente e mudanças
climáticas, educação, seguridade social, saúde e direitos culturais.
A publicação analisa criticamente as duas dimensões do Dhana: o direito
de não sofrer fome e o direito de produzir e consumir alimentos de forma
sustentável e saudável, os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à
fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis.
A Redesca é um escritório da CIDH criado especialmente para apoiar a
Comissão no cumprimento de seu mandato de promoção e proteção dos direitos econômicos,
sociais, culturais e ambientais no continente americano.
Por Nathalie Beghin, coordenadora da assessoria política do Inesc e membro do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Fbssan) e Valéria Burity, secretária-geral da FIAN Brasil
Na terça-feira passada, 19 de novembro, o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, lançou a agenda de desenvolvimento social proposta pelo legislativo federal. Diante do enorme vácuo deixado pela equipe de Bolsonaro nessa área, dos impactos das medidas de austeridade do Guedes no aumento das desigualdades, da pobreza, da miséria e da fome, Maia entende que algo precisa ser feito e já.
Seu
plano de desenvolvimento social tem cinco eixos principais:
garantia de renda, inclusão produtiva, rede de proteção ao trabalhador,
incentivo à governança responsável com uma Lei de Responsabilidade Social e
promoção do acesso à água e ao saneamento. Para a viabilidade dessas medidas,
serão apresentadas nas próximas semanas uma Proposta de Emenda
à Constituição e ao menos sete projetos de lei.
Se
bem parece um tanto quanto inusitado que num regime presidencialista o
legislativo tenha que fazer o que o executivo não faz. Não se pode negar a
importância dessa agenda diante do total abandono do presidente Bolsonaro do
povo brasileiro, especialmente da parcela mais empobrecida da população.
A agenda legislativa para o desenvolvimento social parece ter medidas importantes como constitucionalizar o Bolsa Família e assegurar o crescimento real do benefício, para além da inflação. Também há preocupação em relação à universalização do saneamento básico, o que é relevante tendo em vista que milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água potável e coleta de lixo.
Contudo,
é preciso registrar a ausência de medidas relevantes, especialmente para o
enfrentamento de um flagelo que volta a nos rondar, o da fome, para além da
consolidação do Programa Bolsa Família. O Brasil acumulou experiência nesse
campo, desde o lançamento do primeiro Plano Nacional de Alimentação e Nutrição
(I Pronan) no início dos anos de 1970, passando pelo Plano de Combate à Fome do
Presidente Itamar Franco e a criação do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (Consea), no começo da década de 1990, até a aprovação
da alimentação com direito constitucional e a implementação da Política
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan) acompanhada do
fortalecimento da participação social por meio do Consea, nas décadas de 2000 e
2010[1].
Essa atuação, associada a outros fatores como a ampliação das políticas de educação e de saneamento básico, fez com que a desnutrição infantil que acometia uma em cada três crianças brasileiras em meados dos anos de 1970 caísse para patamares baixos no final da década de 2010, da ordem de 6%[2].
Note-se, contudo, que esses avanços não foram igualmente distribuídos, pois indígenas, quilombolas e ribeirinhos vivenciam índices de desnutrição infantil próximos de países africanos. De acordo com o Ministério da Saúde, em 2018, uma em cada quatro crianças indígenas menores de 5 anos sofria de desnutrição crônica. Os números variam entre etnias, alcançando patamares próximos a 80,0% das crianças ianomâmis.
Essas conquistas estão seriamente ameaçadas devido ao aumento recente da pobreza e da miséria. Quando o país entra em recessão econômica profunda, a partir de 2014, e implementa medidas de austeridade, cortando essencialmente gastos sociais, e flexibilizando direitos trabalhistas e previdenciários, quem sofre as consequências são os mais pobres, que perdem emprego, veem sua renda desmoronar e não conseguem acessar serviços públicos de qualidade. O IBGE divulgou recentemente a Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) para o ano de 2018, cujos dados são assustadores: um quarto da população brasileira é pobre. São mais de 52 milhões de pessoas com rendimentos inferiores a R$ 420 por mês, menos da metade de um salário mínimo. Dessas, 13 milhões são extremamente pobres (renda mensal per capita inferior a R$ 145), não tendo recursos suficientes para se alimentar adequadamente.
O racismo persiste revoltante: 73% dos
pobres são pessoas negras. O rendimento médio domiciliar per capita das pessoas pretas ou pardas (R$ 934) é quase metade do
rendimento das pessoas brancas (R$ 1.846).
A esse quadro dramático associa-se outro
fenômeno também decorrente de uma alimentação inadequada: a epidemia de sobrepeso
e da obesidade. Estudos recentes têm evidenciado expressivo aumento da obesidade em
todas as idades, faixas de renda e regiões do país. Cerca de 60% dos adultos
estão acima do peso e em torno de 20% são obesos. Entre as crianças e
adolescentes o problema também é muito grave: uma de cada três crianças tem
sobrepeso e, entre os adolescentes, essa relação é de 1 para 4. E mais, a
epidemia está se agravando: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS),
enquanto na década de 1970 apenas 1% das garotas e 0,9% dos garotos estavam
obesos, em 2016 eles representavam 9,4% e 12,7% dessa faixa etária,
respectivamente. Esses resultados levam o Brasil a estar acima das médias
mundiais. A situação é preocupante porque o excesso de peso e a obesidade estão
entre os cinco maiores fatores de risco para mortalidade no mundo.
As pessoas mais empobrecidas cada vez mais são
afetadas devido à ingestão de chamadas “calorias baratas” que são provenientes
de alimentos gordurosos e açucarados, vazios de nutrientes essenciais para a
saúde da população. Estes alimentos trazem consigo um risco aumentado de
doenças não transmissíveis, como hipovitaminoses, diabetes, hipertensão, problemas
cardíacos e alguns tipos de câncer, entre outras.
As
medidas propostas pelo Presidente da Câmara não enfrentam esses flagelos e invisibilizam
o histórico da política de segurança alimentar e nutricional do país. Além
disso, algumas medidas do parlamento brasileiro, a exemplo da reforma
trabalhista, da reforma da previdência e da EC 95, que congelou os gastos
públicos, agravam esses males.
É preciso, como demonstrou a experiência brasileira, conter retrocessos e ir além dessa agenda, pois a situação é alarmante: faz-se necessário de imediato retomar a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com seu órgão de participação, o Consea. Somente uma abordagem intersetorial e verdadeiramente participativa será capaz de efetivamente respeitar, promover e proteger o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas.
A adoção de uma agenda social é um passo em direção às necessidades da população brasileira, mas é preciso caminhar, de maneira mais coerente, para criar um contexto político que garanta a todas e todos o acesso aos direitos fundamentais.
Lançado na Paraíba no último dia 20 de
novembro, o informe da Fian Brasil – Organização pelo Direito Humano à
Alimentação e à Nutrição Adequadas, com o título “DHANA 2019:
autoritarismo, negação de direitos e fome” mostra uma panorama de
ameaças à realização do direito humano a uma alimentação digna para a
ampla maioria da população brasileira.
O Informe DHANA 2019 traz um olhar para a
grave crise que se passa no país, sob a perspectiva do Direito Humano à
Alimentação e à Nutrição Adequadas – DHANA e da soberania alimentar. “O
documento é um esforço de sistematização de dados e análise do contexto
e das políticas ligadas a esse direito. Nós entendemos esse informe
como um instrumento de luta política para a sociedade civil”, frisou
Nayara Côrtes, nutricionista e assessora de Direitos Humanos da FIAN
Brasil, convidada do Projeto SISAN Universidade e do Fórum Paraibano de
Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – FPSSAN para a mesa de
lançamento.
De acordo com a Assessora, 821 milhões de pessoas passam fome no mundo e dois bilhões vivem em estado de insegurança alimentar, o que significa que têm acesso a alimentos em quantidade e qualidade insatisfatórias, comprometendo outros direitos como à saúde. Os dados são da FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.
Nayara citou dados preocupantes da realidade brasileira atual: sistemas alimentares insustentáveis, avanço do desmatamento e das fronteiras agrícolas, reforma agrária paralisada no país, violações de direitos por parte das grandes corporações, ascensão de governos autoritários, assassinato de lideranças de movimentos sociais, extinção de espaços de participação e inflexão no Brasil de conquistas de anos anteriores no campo da soberania e segurança alimentar.
A especialista mencionou as contradições do sistema que produz injustiça fiscal e social: “O país deixa de receber 7 bilhões com isenção de impostos para empresas que produzem refrigerante, um produto que vai gerar adoecimento, dá subsídios para agrotóxicos, duas ações que vão impactar diretamente o SUS, que por sua vez vem sendo alvo de cortes no que é taxado de ‘gasto’ social’ numa política de austeridade que recai sobre os mais pobres e que tem mais dificuldade de acessar alimento”.
A mesa contou ainda com as falas de Gilmar Vicente, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Paraíba – MST-PB e Roselita Albuquerque, da coordenação do Polo da Borborema e do FPSSAN. Ao analisar o momento atual, Gilmar Vicente, defendeu a construção de novas relações entre os humanos e a natureza: “Vivemos um período de alienação, com relação ao outro, a gente não se enxerga mais no outro, não consegue dialogar com o outro e também uma alienação com relação à natureza, não nos enxergamos como parte da natureza, é como se ela fosse acabar e eu não tivesse nada a ver com isso, e assim o capitalismo foi transformando o alimento em mercadoria”.
Já Roselita Vitor, defendeu na leitura do cenário o recorte de gênero e raça: “Se no momento atual tem pessoas sofrendo, tudo fica pior para as mulheres camponesas, negras, indígenas e quilombolas, elas sofrem muito mais, no contexto de volta da fome, elas são as primeiras a serem atingidas”, disse.
DHANA 2019
Na publicação foram analisados criticamente as duas dimensões do DHANA: o direito de não sofrer fome e do direito de produzir e consumir alimentos de forma sustentável e saudável os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis.
O Informe DHANA 2019 é uma iniciativa da FIAN Brasil, em parceria com o FBSSAN – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e com o apoio de Pão Para o Mundo (PPM), MISEREOR e HEKS. O documento está disponível para download gratuitamente no site da FIAN: www.fianbrasil.org.br
Conseguimos retirar da pauta da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) o Projeto de Lei 5.695/2019, que coloca em risco os programas nacionais de alimentação escolar, do livro e materiais didáticos e do transporte escolar. Precisamos ainda que o Senador Izalci Lucas (PSDB/DF), autor do projeto, retire de vez o projeto de tramitação.
Organizações do campo da educação, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, saúde, agricultura familiar, agroecologia e outras se mobilizaram rápida e fortemente para evitar a aprovação do PL e os retrocessos nas políticas de educação e Segurança Alimentar e Nutricional.
Mais de cem entidades assinaram a Carta em defesa da educação e da alimentação escolar, entregue aos senadores e senadoras nesta segunda-feira, dia 18/11, durante a audiência para debater o PL, na Comissão de Assuntos Econômicos.
Porém, a luta agora continua e se amplia. As propostas que combatemos neste PL estão também presentes na PEC do Pacto Federativo (PEC 188/2019), à qual se soma um artigo que prevê a desobrigação do poder público de expandir rede de escolas.
Seguimos mobilizados e ampliando nossa resistência! Educação pública e gratuita, e alimentação nas escolas são direitos de todo(a)s!
A Fian Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas lança nesta quarta-feira (20/11), em João Pessoa (PB), o Informe DHANA 2019: autoritarismo, negação de direitos e fome. O evento acontece às 16 horas, no auditório CCSA-11 da Universidade Federal da Paraíba.
Participam do debate de lançamento da publicação, Gilmar Vicente, militante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); Roselita Albuquerque, membro da coordenação política do Polo Sindical da Borborema e, Nayara Côrtes, assessora de Direitos Humanos da FIAN Brasil.
O Informe DHANA 2019 apresenta um olhar para a grave crise que se passa no país, desde a perspectiva do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) e da soberania alimentar.
Na publicação foram analisados criticamente as duas dimensões do DHANA: o direito de não sofrer fome e do direito de produzir e consumir alimentos de forma sustentável e saudável os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis.
O Informe DHANA 2019 é uma iniciativa da FIAN Brasil, em parceria com o FBSSAN – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e com o apoio de Pão Para o Mundo (PPM), MISEREOR e HEKS.
Conferência Estadual
O lançamento do Informe DHANA 2019 antecede a 5ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, que acontece na Capital paraibana nos dias 21 e 22 de novembro, com o tema “Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional: Direito de Todas e Todos”.
Serviço
Lançamento Informe DHANA 2019: autoritarismo, negação de direitos e fome
Durante o IX Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional, realizado no dia 13 de novembro, a Fian Brasil lançou o Informe Dhana 2019: autoritarismo, negação de direitos e fome. O Fórum que teve como tema “Ambientes alimentares saudáveis: direitos de todos/as e dever de cada um” aconteceu no Centro Universitário Uninovafapi em Teresina (PI).
O Informe Dhana 2019, elaborado em parceria com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, registra e denuncia as diferentes ações e omissões que retiram do povo brasileiro a possibilidade de produzir e consumir alimentos adequados, saudáveis e sustentáveis.
A mesa de lançamento do Informe Dhana contou com a participação do reitor Dr. Carlos Alberto Pinto; da coordenadora do Curso de Nutrição, Sheila Vasconcelos; da coordenadora do Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional, Norma Sueli Alberto; do jornalista do Joio e o Trigo, Guilherme Zocchio; do presidente do Conselho Regional de Nutricionistas (6a. Região), Dr. José Hilário, entre outras representações.
A publicação foi apresentada pela secretária geral da Fian Brasil, Valéria Burity. A publicação analisa criticamente as duas dimensões do Dhana: o direito de não sofrer fome e o direito de produzir e consumir alimentos de forma sustentável e saudável, os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis.
O Fórum é organizado pelo Grupo de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – GPSSAN liderado pela professora Ma. Norma Alberto e segue em sua nona edição contando com exposições, cursos, oficinas, feira agroecológica, palestras e roda de conversa.
Cerca de 463 milhões de adultos, ou 9% da população, têm diabetes em 2019, mas metade delas não sabe disso, segundo dados do Atlas do Diabetes, lançado nesta quinta (14).
O Brasil é o quinto país com maior número de pessoas com a condição, mas cerca de 46% (7,7 milhões) das pessoas que têm a doença não estão cientes disso.
Segundo as informações do relatório, a maior parte das pessoas com diabetes (79%) vive em países em desenvolvimento, como o Brasil. A maioria dos casos de diabetes no mundo é do tipo 2, relacionado a hábitos de vida não saudáveis, como dietas, falta de atividade física e obesidade.
Já o diabetes tipo 1 é uma deficiência autoimune que surge em geral na infância e na adolescência e prejudica a produção da insulina, responsável por manter os níveis de glicose no sangue normais.
A tendência é que, até 2030, 578 milhões de pessoas no mundo tenham a doença e que esse número chegue a 700 milhões de adultos em 2045 (pouco mais de 10% da população mundial).
Ao todo, cerca de 231 milhões de pessoas vivem com diabetes não sabem que estão com o problema. O relatório afirma que o desconhecimento mostra a necessidade urgente de melhorar a detecção do diabetes para que o tratamento seja oferecido e as complicações da doença possam ser evitadas.
Segundo projeções, o diabetes e suas complicações relacionadas levaram à morte de 4,2 milhões adultos em 2019. Estimativas apontam que a doença está associada a 11% de todas as mortes ocorridas em pessoas entre 20 e 79 anos.
Um dos problemas dessas mortes é o impacto econômico que elas causam, já que atingem parte da população economicamente ativa.
O relatório aponta que os custos mundiais diretamente relacionados ao diabetes, em pessoas entre 20 e 79 anos, cresceram de US$ 232 bilhões em 2007 para US$ 727 bilhões em 2017.
Para 2019, a estimativa é que os gastos cheguem a US$ 760 bilhões (pouco mais de R$ 3 trilhões).
Considerando as projeções de crescimento do número de pessoas com a condição, o relatório projeta, de modo conservador, que os gastos aumentarão cerca de 8% até 2030 e 11% até 2045.
A partir de 2003 o governo federal adotou uma política de segurança alimentar e nutricional como carro chefe de suas ações. Apesar das contradições desse período, foram adotados marcos legais e institucionais para a realização do direito à alimentação e foram criados, de maneira participativa, programas como o Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa um milhão de cisternas. Essas medidas, aliadas, a outros fatores, permitiram que o Brasil avançasse em alguns indicadores relacionados à pobreza, à desnutrição e à mortalidade infantil. Por essa razão o país se tornou uma referência em políticas de segurança alimentar e nutricional em todo o mundo.
Em 2019, a Fian Brasil em parceria com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, dando continuidade ao relatório de 2017, apresenta o Informe sobre o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas 2019: autoritarismo, negação de direitos e fome, lançado no dia 5 de novembro, em audiência pública na Câmara dos Deputados, em Brasília.
O Informe é escrito num momento em que, segundo o Estado de Segurança Alimentar e Nutricional do Mundo (SOFI), o número de pessoas que enfrentam a fome no mundo aumentou, já são cerca de 821 milhões de pessoas em todo o mundo. Com a nova inclusão do indicador FIES (Food Insecurity Experience Scale) e uma avaliação da insegurança alimentar moderada, temos números ainda maiores que indicam que aproximadamente 2 bilhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar, numa escala global. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em agosto deste ano, revela como os sistemas alimentares hegemônicos são responsáveis por gases de efeito estufa e o impacto que o aquecimento global pode ter sobre a segurança alimentar, afetando especialmente países de clima tropical.
O também recente informe da Lancet, seguindo a mesma linha de argumentos, registra que atualmente os sistemas alimentares são responsáveis pelo que especialistas estão considerando como uma “Sindemia Global” a sinergia de três pandemias: obesidade, desnutrição e mudanças climáticas e que estes sistemas geram desigualdades, em muitos casos expulsam de suas terras, em todo o mundo, milhões de pessoas que produzem alimentos diversificados para a própria subsistência ou para o mercado, tornando assim nossa alimentação cada vez mais monótona e menos saudável.
Esses dados são preocupantes, especialmente se considerarmos o contexto global de regressão dos direitos humanos e o crescimento do poder corporativo, bem como do autoritarismo governamental, em diversas partes do mundo, fenômenos que representam grave ameaça e lesões concretas ao Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), em todo mundo.
O Brasil segue este fluxo, assistimos ao crescimento do autoritarismo e do neoliberalismo e seu nefasto impacto sobre a democracia, sobre os sistemas alimentares e sobre o direito à alimentação. Quando a economia, prevalece sobre direitos, a vida de muitas pessoas está em ameaça.
O Informe DHANA 2019 registra e denuncia as diferentes ações e omissões que retiram do povo brasileiro a possibilidade de produzir e consumir alimentos adequados, saudáveis e sustentáveis. A publicação analisa criticamente as duas dimensões do Dhana: o direito de não sofrer fome e o direito de produzir e consumir alimentos de forma sustentável e saudável, os retrocessos nas áreas de proteção social e combate à fome, de produção e consumo de alimentos sustentáveis.
A publicação apresenta um olhar para a grave crise que se passa no país, desde a perspectiva do Dhana e da soberania alimentar.
“No Brasil estamos cada vez mais caminhando para sistemas alimentares insustentáveis e que não alimentam. Um exemplo disso, é que entre 60% e 70% das compras de uma família são produzidas por dez grandes empresas, entre elas: Unilever, Nestlé, Procter e Gamble, Kraft e Coca-Cola, o que leva a uma alimentação cada vez mais monótona e ultra processada, associada à perda da biodiversidade e aumento de doenças crônicas, simultaneamente”, destacou durante o lançamento, Mariana Santarelli, uma das pesquisadoras responsáveis pela elaboração do Informe e que é relatora especial de Direitos Humanos da Plataforma Dhesca.
Pobreza e desigualdade
Para Francisco Menezes, representante do Fbssan – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e consultor da Action Aid Brasil, o Informe denuncia também o falso conceito de que na economia só exista uma verdade, um único modelo possível, que é o neoliberalismo. “A crise que acontece no mundo desde 2008 mostra como o receituário desse modelo neoliberal está, inclusive, fazendo com que tenhamos a crise econômica mais longa da história. A parte do relatório que trata sobre economia é muito importante, principalmente porque o aspecto econômico incide muito no direito humano à alimentação”.
Na apresentação, Menezes destacou que os dados de 2018 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD contínua/IBGE), mostram uma trajetória preocupante de crescimento da pobreza e mais ainda da extrema pobreza. “Em 2015 existia uma aplicação de políticas incorretas, mas existia também uma crise política que impedia o governo de governar e, a partir disso tivemos o crescimento da pobreza e extrema pobreza de forma bastante acelerada e é impressionante que até agora não existam quaisquer políticas de reversão dessa tendência. Em quatro anos a pobreza voltou ao nível de 8 anos atrás e a extrema pobreza ao nível de 13, já a desigualdade voltou ao nível de 10 anos atrás, pela renda monetária”.
Autoritarismo e retirada de direitos
“O neoliberalismo, mais do que uma política econômica, é uma racionalidade política que impõe a lógica da livre concorrência e da empresa como única forma de organização possível, essa racionalidade tem sido abraçada pelo Estado, que passa ele próprio a agir como empresa, que passa a privatizar e flexibilizar direitos. O neoliberalismo é um projeto que inverte o fardo da economia, permitindo concentração de renda e, portanto, mais desigualdade. Projetos que retiram direitos e ameaçam a vida não são aprovados se não por medidas autoritárias. No campo da Segurança Alimentar, a primeira Medida Provisória do Presidente já trazia a extinção do Consea e uma proposta para que as organizações não governamentais pudessem ser supervisionadas pelo governo. Embora esse último dispositivo tenha sido retirado da MP, no momento de sua conversão em lei, o que vemos é que a redução de espaços democráticos, não só o Consea, mas também outros conselhos, demonstram um caráter autoritário do Governo, porque a democracia não é representada só pelo voto, é representada também pelo espaço para conflitos, para visões plurais, para a criação e manutenção de direitos. O que temos assistido é que, em vez de reduzir desigualdades, a opção deste governo é de reduzir a democracia”, ressalta a Secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.
Para aprocuradora federal dos Direitos dos Cidadãos, Deborah Duprat, as políticas de austeridade que começam com a crise de 2008 “já foram avaliadas no resto do mundo, principalmente na Europa. Vários estudos foram realizados mostrando que essas políticas também são políticas que vão ampliar as desigualdades e que impactam muito fortemente os direitos fundamentais, os direitos sociais. Nós então, aqui no Brasil, já tínhamos como antecipar, de alguma maneira, o que vinha se anunciando em termos de economia, e temos no Brasil um grande exemplo de como essas políticas de austeridade impactam nas políticas públicas, que é Emenda Constitucional 95 que reduz o investimento público por 20 anos, quando se reduz o investimento público não se leva adiante políticas de enfrentamento às desigualdades e aos cenários de fome”.
Extinção do Consea
A extinção do Consea e seus efeitos também foram destacados em diversas falas, entre elas a da ex-presidenta do Conselho, Elisabetta Recine. “Acabar com o Consea não é acabar com um espaço de participação social, é desestruturar todo um processo de fazer política pública, que longe de perfeito, construiu exemplos de uma outra forma de se fazer política pública, como a qualificação do PNAE, todas as modalidades do PAA, a estratégia intersetorial de controle da obesidade, são alguns exemplos construídos no âmbito do Consea que estamos perdendo”.
Representante da coordenação nacional do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Antônia Silva, falou sobre a importância da reforma agrária para a produção de alimentos saudáveis. “Esse governo é uma enxurrada de desgraças para nós, toda essa gravidade, como o aumento da fome, pode se agravar ainda mais quando chegarem os efeitos das mudanças que estão sendo feitas nesse país, como os efeitos da reforma da previdência, o fim da seguridade social, como a flexibilização de leis como bem o relatório mostrou, como o fim e paralisação de acesso à terra para quilombolas, indígenas, sem terra e todos os outros trabalhadores, como o fim da agricultura familiar anunciado pela Ministra. Esses tempos só vão passar com nossa força, com nossa capacidade de lutar”.
Presidida pelo Deputado Federal Leonardo Monteiro, a audiência pública de lançamento do Informe Dhana 2019 contou com a participação de outros parlamentares, entre eles: Luiza Erundina, Erika Kokay, Patrus Ananias, Airton Faleiros, Nilto Tatto. Os parlamentares ressaltaram a importância da publicação para subsidiar questões que envolvem a pauta na Câmara dos Deputados.
Lançamentos
Além do lançamento nacional, o informe foi lançado em São Paulo, na Assembléia Legislativa, no dia 31 de outubro. Os próximos lançamentos do Informe Dhana 2019 acontecem no dia 13 de novembro em Teresina (PI) e no dia 20 de novembro em João Pessoa (PB). O Informe Dhana 2019 é uma iniciativa da FIAN Brasil, em parceria com o FBSSAN – Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, e com o apoio de Pão Para o Mundo (PPM), Misereor e Heks/Eper.
Caso foi apresentado ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos (OEA), e pede a condenação do Brasil por falha sistemática na
fiscalização e reparação aos atingidos.
Entidades pedem que o Brasil seja condenado pelas violações ao direito à vida, às garantias processuais e à proteção judicial, à liberdade de associação, ao direito à propriedade privada e coletiva, à igualdade perante a lei e ao direito a uma vida digna, segundo o disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Quatro anos após o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, em
Mariana, entidades e movimentos ingressaram com um caso perante a
Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA). O objetivo é a
condenação do Estado Brasileiro pelas violações de direitos humanos
cometidas ao longo da Bacia do Rio Doce. A iniciativa inédita foi uma
articulação do Centro de Direitos Humanos e Empresas (HOMA – UFJF), FIAN
Brasil, Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (GEPSA), Justiça
Global, Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB), e
Núcleo de Direitos Humanos da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).
As entidades pedem a condenação do Estado Brasileiro em medidas de
não repetição, em medidas reparatórias direcionadas à população atingida
pelo rompimento da barragem de Fundão e também ao meio ambiente.
Passados quatro anos desde o desastre, poucas medidas de reparação
foram efetivamente tomadas para reparar os direitos violados da
população que habita a bacia do Rio Doce. O rompimento de uma nova
barragem de rejeitos da Vale, em Brumadinho, também demonstra de maneira
evidente que o Estado Brasileiro tem falhado no seu dever de
fiscalização.
Raphaela Lopes, advogada da Justiça Global, aponta que o Estado
Brasileiro tem responsabilidade direta no rompimento da barragem da
Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP. “A responsabilização
do Estado em relação ao rompimento da barragem de Fundão surge a partir
de dois fundamentos. O primeiro diz respeito às medidas que não foram
tomadas devidamente para prevenir que o desastre acontecesse. Isso tem a
ver com o próprio licenciamento da barragem de rejeitos, que não foi
feito de modo diligente, e também com o processo de monitoramento do
funcionamento dessa barragem. O segundo fundamento decorre da falha
sistemática do Estado em reparar os danos oriundo do rompimento da
barragem de Fundão”, afirma Raphaela.
A petição apresenta uma série de violações que ainda hoje persistem ao longo da Bacia do Rio Doce. Famílias atingidas ainda não foram reassentadas, relatos de tratamento diferenciado entre atingidos – em especial em relação às mulheres, que sofrem discriminação nos processos decisórios e no acesso à reparação -, grande incerteza com relação à qualidade da agua, o que prejudica tanto o consumo da água em cidades ao longo da Bacia do Rio Doce, quanto a pesca e as lavouras que dependem do abastecimento do rio, são algumas das violações citadas no documento.
“O Estado Brasileiro tem sido negligente com suas obrigações tanto de
assegurar a proteção social como ambiental no caso das barragens de
rejeitos, e frente a isso estamos vivendo tristes cenários. Passados 4
anos, vivenciamos a completa falência do sistema judicial na reparação
aos danos causados pelo rompimento da barragem de rejeitos de Fundão,
sem a efetivação de garantias de acesso à justiça das famílias
atingidas. Esperamos que a Corte possa analisar essa caso, tão
emblemático para a história brasileira, mas também para toda a realidade
da mineração na América Latina. As comunidades atingidas depositam
muita esperança no sistema interamericano para acessar seus direitos, na
data de hoje”, afirma Tchenna Maso, da Coordenação Nacional do MAB.
As entidades pedem que o Brasil seja condenado pelas violações ao
direito à vida, às garantias processuais e à proteção judicial, à
liberdade de associação, ao direito à propriedade privada e coletiva, à
igualdade perante a lei e ao direito a uma vida digna, segundo o
disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
“Esperamos que venha a condenação do Brasil ao final desse processo, e
que a Corte imponha sanções ao Estado. Além das medidas de reparação,
há as chamadas medidas de não repetição, que podem incluir inclusive
alterações legislativas, além da necessidade de o país avançar em uma
política de reparação a atingidos por grandes desastres socioambientais,
como foi o caso de Fundão”, aponta Raphaela.
Para as entidades, o ingresso deste caso perante o Sistema Interamericano também se relaciona com o desmonte da política ambiental brasileira e seus órgãos de proteção. “O óleo que se alastra pelas praias do Nordeste, as queimadas na Amazônia e no Pantanal, o rompimento da barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, todos esses episódios não são acidentais, são produto de uma escolha política deliberada que inclui a flexibilização da legislação e a fragilização orçamentária e institucional dos órgãos ambientais”, salienta Melisanda Trentin, coordenadora da Justiça Global. “Esperamos que esse caso possa fortalecer os movimentos sociais, os povos e populações atingidas que lutam contra esses retrocessos na seara ambiental”, finaliza Raphaela.