Cercados, Guarani Nhandeva temem ataque de pistoleiros em retomada no Mato Grosso do Sul

Após a retomada de uma fazenda localizada dentro do perímetro da Terra Indígena Ypo’i/Triunfo, no município de Paranhos (MS), fronteira com o Paraguai, indígenas do povo Guarani Nhandeva foram cercados por pistoleiros e, com medo de ataques e mortes, pedem a presença da Polícia Federal. A retomada ocorreu no início desta semana e o grupo está isolado e sem alimentação.

“Precisamos de apoio o mais rápido possível. Estamos cercados e passando perigo”, denuncia uma das lideranças da retomada, não identificada por razões de segurança. “Parte do grupo foi dividido pelos pistoleiros que estão nos cercando. Ficamos sem comunicação com o pessoal que está na retomada”.

Os pistoleiros chegaram logo após a retomada e permanecem cercando os Guarani Nhandeva, que, sem sinal de telefone, estão com dificuldades de comunicação. Segundo informações dos indígenas, a tensão tem aumentado na retomada e nenhuma autoridade chegou ainda na área. Eles temem que ataques possam ocorrer à noite e, por isso, reforçam que a presença da Polícia Federal é urgente.

Assassinatos, água envenenada e cárcere privado: um histórico de violência e violações

A Terra Indígena Ypo’i/Triunfo foi uma das incluídas no Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) celebrado entre Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2007, após diversas tentativas dos indígenas de retornarem para seus tekoha e sucessivas expulsões por parte de fazendeiros.

O TAC estabeleceu o ano de 2009 para que a Funai publicasse os Relatórios Circunstanciados de Idenficação e Delimitação (Rcid) de um conjunto de terras Guarani e Kaiowá, no sul do Mato do Grosso do Sul, sob pena de multa diária de mil reais em caso de descumprimento do prazo. Atualmente, essa multa já soma uma cifra milionária e segue crescendo a cada dia.

No final daquele ano, com o prazo da publicação vencido e sem perspectiva de verem a demarcação de Ypo’i/Triunfo concluída, os Nhandeva resolveram retomar uma fazenda incidente sobre sua terra tradicional. No dia seguinte à retomada, foram brutalmente atacados por pistoleiros, que despejaram os indígenas e assassinaram os irmãos Rolindo e Genivaldo, ambos professores, cujos corpos desapareceram.

Os indígenas conseguiram retornar e permanecer na área retomada, garantida por decisão da Justiça. A violência e as violações, entretanto, continuaram: fazendeiros envenenaram o córrego que era a única fonte de água dos indígenas, e seu direito de entrar e sair da área retomada foi restrito pelo fazendeiro, que os cerrou por mais de 100 dias atrás das porteiras da fazenda.

Em 2015, uma nova retomada foi feita, e desde então os Guarani Nhandeva seguem vivendo em pequenas áreas de mato retomadas dentro da terra indígena. Após anos de luta, finalmente, em 19 de abril do ano passado, Dia do Índio, o Rcid de Ypo’i/Triunfo foi publicado pela Funai, reconhecendo aos indígenas os 19,7 mil hectares desta área.

Desde 2016, os indígenas aguardam a publicação da Portaria Declaratória da área pelo Ministério da Justiça, para proceder com a demarcação da área e encerrar a situação crítica de vulnerabilidade em que vivem. Foi nesse contexto que, sem mais aguentar esperar, resolveram realizar a retomada que está agora cercada por jagunços.

“Não queremos que se repita o que aconteceu com Rolindo e Genivaldo”

O assassinato dos irmãos Rolindo e Genivaldo Vera segue vivo na memória dos Guarani Nhandeva de Ypo’i/Triunfo. O corpo de Genivaldo foi encontrado nove dias depois do ataque, a trinta quilômetros do local do ataque, e o de seu irmão jamais foi localizado.

“Por isso estamos pedindo que a Polícia Federal venha aqui urgente garantir a nossa segurança. Por causa da demora da Polícia Federal que os professores Rolindo e Genivaldo Vera foram assassinados aqui nessa mesma região”, afirma outra liderança, ressaltando que eles também esperam a Funai e pedem que a informação “chegue até o presidente” do órgão.

 

Por Tiago Miotto/Cimi e Rafael de Abreu
Fonte: CIMI

NOTA PÚBLICA: Ameaças e violência em comunidades do Cerrado piauiense

Conjunto de entidades que formam a  Articulação Piauiense dos Povos Impactados pelo MATOPIBA, com o apoio de organizações nacionais e internacionais, denunciam ameças e o clima de insegurança e medo vivido pelas comunidades do Cerrado no Piauí. Confira:

NOTA PÚBLICA: Ameaças e violência em comunidades do Cerrado piauiense

As entidades que compõem a Articulação Piauiense dos Povos Impactados pelo MATOPIBA (APIM), com o apoio de organizações nacionais e internacionais, vêm a público denunciar o clima de ameaças, insegurança e medo que reina em boa parte das comunidades do Cerrado piauiense, principalmente nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués, Bom Jesus, Currais e Monte Alegre, para onde o capital avança com devastação ambiental e opressão junto às famílias das comunidades locais, para se apropriar dos bens naturais abundantes no bioma.

Fomos informados que, no dia 19 de setembro de 2017, o senhor Adaildo José da Silva, morador do povoado Morro D’água, no município de Baixa Grande do Ribeiro (PI), ao sair de sua casa para levar os filhos para a escola, foi vítima de uma emboscada, em que foi ameaçado de morte com o uso de um facão e agredido física e verbalmente pelo senhor Valdimar Delfino dos Santos a serviço de quem se apresenta como proprietário da área. Vale destacar que esta é mais uma das ameaças que o camponês sofre, pois desde o ano passado já registrou pelo menos quatro Boletins de Ocorrência denunciando as ameaças sofridas, bem como recebeu uma notificação extrajudicial para que abandone a terra em que nasceu, foi criado e que até hoje vive.

Nem mesmo a presença da Caravana Internacional em Defesa do Cerrado, ocorrida no período de 05 a 11 de setembro de 2017, que percorreu a região e constatou violações de direitos à vida e que colheu abundantes depoimentos sobre ameaças, intimidações e agressões que os camponeses sofrem diariamente para cederem lugar ao agronegócio, foi suficiente para cessar as ameaças às famílias camponesas. Uma das comunidades visitadas foi a de Melancias, no município de Gilbués, próxima da localidade Morro D’água, onde vive o senhor Adaildo.

Desde 2004, na terra em que Adaildo vive, tem se apresentando como suposto proprietário um advogado de Brasília, Bauer Souto Santos. Ele diz ter adquirido naquele ano a propriedade e que nela encontrou a família de Adaildo, com quem teria feito um comodato verbal, pelo qual ele poderia permanecer na área.

Mesmo com o suposto acordo verbal, começaram as pressões para que o posseiro abandonasse a área. Pressões que se converteram em ameaças e que têm se repetido com frequência, haja vista os quatro Boletins de Ocorrência que o senhor Adaildo se viu obrigado a registrar.

No dia 31 de julho de 2017, o advogado Bauer Souto encaminhou ao posseiro uma notificação extrajudicial, dando-lhe o prazo de 30 dias para desocupar a fazenda sob alegação de que ele estaria favorecendo que terceiros ocupassem a área, ameaçando-o de entrar com processo judicial contra ele.

Diante da situação de total insegurança em que a família do senhor Adaildo e tantas outras da região vivem, as entidades da APIM manifestam publicamente total solidariedade e apoio a essas famílias, repudiam todas as formas de opressão contra os camponeses e reivindicam das autoridades competentes providências no sentido de garantir a integridade física e as condições de vida com dignidade às famílias camponesas.

Teresina, Piauí, 22 de setembro de 2017.