As conferências nacionais de segurança alimentar realizadas periodicamente pelo Brasil foram foco de interesse de várias delegações participantes da instância de diálogo promovida pela organização da ONU para a Alimentação e Agricultura (FAO), entre 11 e 12 de maio, na cidade da Guatemala. Segundo o agrônomo Eduardo Amaral Borges, conhecido como Cazuza, nenhum dos países presentes ao encontro tinha organizado eventos deste porte, com a presença do governo e ampla participação da sociedade civil, para a definição e monitoramento da implementação de políticas pública nesta área..
Para os representantes da FAO, essa deve ser uma política de Estado inspiradora aos diversos governos da região, que manifestaram interesse em conhecê-la melhor. Cazuza, que integra o Grupo de Pesquisa e Extensão em Sistemas Agroflorestais do Acre (Pesacre), esteve na reunião em nome do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), quando detalhou o processo de realização das conferencias e de mobilização para oportunizar a diversidade de participação dos grupos sociais.
“A 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, por exemplo, organizada em novembro de 2015, em suas diversas etapas (municipais, estaduais e nacional), envolveu cerca de 30 mil brasileiros de todas as regiões do país, para a reflexão e proposição de políticas e programas relacionadas ao direito humano à alimentação adequada e saudável”, relatou Cazuza.
“Somente a etapa nacional, a conferência em si, reúne em média dois mil participantes. Destacamos que a ampla participação nacional é facilitada quando há uma abertura do governo, que ajuda a financiar a participação da sociedade civil neste processo. Daí a importância de ser uma política de Estado”, acrescentou o conselheiro, que recentemente tomou posse para o biênio 2017-2019 do Consea.
Experiência e construção
O encontro “Instâncias de Diálogo e Construção Participativa de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional: Um Assunto de Estratégia Política” apresentou as distintas experiências de atuação da sociedade civil nos conselhos de segurança alimentar que funcionam na Guatemala, Equador e Brasil.
Para representantes da entidade presentes, como a oficial de Alianças e Parcerias da FAO/Chile, Duclair Sternadt, e a engenheira agrônoma Emma Siliprandi (ex-integrante do Consea), o objetivo foi deixar algumas sugestões para a Guatemala, na elaboração de seu próprio sistema. Além de estabelecer uma rede entre esses países para continuar aprimorando os mecanismos de participação da sociedade civil na questão da segurança alimentar e nutricional.
De acordo com Cazuza, foi interessante observar as diferenças entre Guatemala, Equador e Brasil. Na Guatemala, por exemplo, a composição da instância equivalente ao Consea é diferente. A presença da sociedade civil é minoritária no conselho governamental. Mas existe a Instância de Consulta e Participação da Sociedade Civil da Guatemala (Incopas), que é acionada na medida em que o governo sente necessidade. A Incopas indica cinco membros para participar do Consea local.
“A experiência brasileira é de fato inspiradora para a América Latina, como disse a FAO. Por isso fomos chamados. Mas todos reconhecem que cada país precisa construir a sua própria estratégia. Com base em suas próprias realidades sociais. E essas iniciativas se fortalecerão a partir do momento em trocarmos experiências.”
Modo de trabalho do Consea
“Com referência ao Brasil, o que apresentamos, como estratégia de participação da sociedade civil, foi a estrutura do Consea – que tem dois terços da sociedade civil e a presidência da entidade”, enfatizou Cazuza.
O conselheiro explicou que o Consea possui comissões permanentes para aprofundar os temas de segurança alimentar e nutricional com diversos recortes: social, cultural, regional etc. Há a criação de grupos de trabalho e a realização de mesas de controvérsias e seminários temáticos.
“Detalhamos também que as comissões se reúnem previamente para preparara as plenárias, que são encontros de dois dias que ocorrem cerca de seis vezes por ano. E que o processo mais importante realmente é a organização das conferências nacionais”.
Conquistas e avanços
Cazuza enfatizou que o Consea e seus métodos de trabalho resultam de um longo processo de conquistas da sociedade, de mais de duas décadas. Esse processo começou a partir da Constituição de 1988, que garantiu a participação da sociedade na governança do país. por meio de conselhos, como o Consea. Desde a Carta Magna de 88, vêm ocorrendo aperfeiçoamentos nos normativos, como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, conhecida como Losan, que institucionalizou a responsabilidade do poder público na promoção do direito de todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos, em qualidade e quantidade, e criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). A Losan foi sancionada pelo presidente da República no dia 15 de setembro de 2006,
O conselheiro ressalvou que o atual cenário de crise é um desafio, não apenas para o Brasil, no sentido de garantir que os direitos e conquistas em soberania alimentar sejam mantidos e que haja os avanços esperados.
“Entre os avanços desejados, queremos ampliar a diversidade de segmentos sociais representados no Consea, além da aproximação com outros segmentos que não estão no Consea, como alguns segmentos de movimentos urbanos que também trabalham a questão da segurança alimentar, e outras entidades de comércio solidário”, revelou.
Fonte: Ascom/Consea