Apontado como ameaça pelas comunidades do Vale das Cancelas, o Projeto Bloco 8, para mineração na região do território tradicional, é alvo de pedido de suspensão imediata processo do licenciamento. A solicitação faz parte de recomendação assinada por representantes da Defensoria Pública da União (DPU) e da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG).
A DPU e a DPMG recomendam também a suspensão imediata da outorga de captação de águas concedida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) à mineradora Sul Americana de Metais (SAM). A manifestação oficial conjunta do dia 5 dirige-se a instituições subordinadas aos poderes executivos federal e estadual.
O texto destaca que as comunidades tradicionais no Norte de Minas Gerais não tiveram seu direito à consulta prévia exercido até o momento. A orientação é direcionada às secretarias de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) de Minas Gerais; ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à ANA.
“Concordamos com as defensorias públicas quando apontam riscos ao modo de vida dos geraizeiros e ao meio ambiente”, diz o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil Adelar Cupsinski. “É evidente o desrespeito aos direitos territoriais das comunidades. Vale lembrar que a legislação nacional e internacional assegura a elas o direito de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, especialmente nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a OIT.”
“Estamos falando de pessoas que, em alguns casos, serão desalojadas para dar lugar a um empreendimento minerário e que nem sequer foram consultadas sobre isso”, enfatiza a a advogada popular do Coletivo Margarida Alves (CMA) Lethicia Reis.
Em parceria com as comunidades do Vale das Cancelas e movimentos locais, a FIAN Brasil lançou em 28 de maio a publicação digital e impressa O Modo de Vida Geraizeiro e o documentário Nossa Vida É nos Gerais, de produção própria.
O evento virtual foi realizado como um momento de incidência em que as lideranças geraizeiras puderam relatar o que tem ocorrido no território e apresentar demandas ao poder público. O ato contou com a participação da defensora pública estadual Ana Cláudia Alexandre, do defensor público da União João Márcio Simões, do deputado federal Padre João (PT-MG) e da deputada estadual Leninha (PT-MG), além de membros da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento de Minas Gerais (Semad) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), bem como das organizações parceiras (MAB, CPT, CAA e Coletivo Margarida Alves).
“Todo momento em que as comunidades podem ser ouvidas por autoridades públicas é muito importante, porque a realidade do território é de constante violação de direitos”, ressalta o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil Paulo Asafe. “E atualmente o povo geraizeiro do norte de Minas vive uma situação muito complicada, em que vê o licenciamento do maior projeto de mineração da América Latina receber uma espécie de aval do Ministério Público de Minas Gerais, que assinou um termo de compromisso com a empresa Sul Americana de Metais sem dialogar com a comunidade.”
A FIAN Brasil apoiou a redação de um documento que foi entregue simbolicamente às autoridades presentes e será enviado a demais órgãos federais, estaduais e municipais. As reivindicações das comunidades geraizeiras incluem a impugnação do acordo firmado, além de políticas de proteção sanitária, de respeito ao território e de desenvolvimento da agricultura familiar na região.
A publicação aborda o modo de vida do povo tradicional geraizeiro que vive no norte de Minas Gerais, no Território do Vale das Cancelas. Baixe aqui.
As comunidades geraizeiras ocupam esse território há pelo menos 150 anos, porém nas últimas décadas seu espaço tem sido ocupado por grandes empreendimentos, como monoculturas, hidrelétricas, rede de transmissão e projeto de mineração.
As comunidades têm sofrido a perda de suas terras sem ser devidamente consultadas sobre os projetos e sem receber a devida compensação pelos danos causados.
Buscamos então compreender como os empreendimentos privados ou públicos no território geraizeiro têm afetado os direitos dessa população, principalmente no que diz respeito ao direito humano à alimentação e nutrição adequadas (Dhana).
Para tanto, iniciamos a publicação com o histórico e descrição sobre a vida no Vale das Cancelas, em seguida apresentamos os principais projetos em curso no território e seus impactos, trazendo os relatos dos geraizeiros e geraizeiras, e, por fim, apontamos os conceitos e dimensões relacionados ao Dhana e de que forma o Estado tem falhado com suas obrigações de respeitar, proteger, promover e prover esse direito.
Uma reunião entre representantes dos povos geraizeiros de Vale das Cancelas, localizado no Norte de Minas Gerais, com a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal foi realizada no dia 18 de junho, em Brasília.
A reunião, que foi acompanhada pela FIAN Brasil, teve como objetivo apresentar a situação dos povos em razão de seus territórios serem atingidos por grandes empreendimentos. Atualmente, uma linhão de transmissão e uma empresa mineradora estão se instalando no território tradicional sem a garantia de qualquer direito e ainda sem a consulta prévia informada.
Moradores de várias comunidades tradicionais geraizeiras do grande território de Vale das Cancelas fizeram, na manhã de sábado (16), um ato público contra a mineração. Foi um momento em que os presentes demonstraram sua solidariedade com as vítimas do crime da Vale em Brumadinho/MG, mas também dialogaram com a comunidade sobre os impactos que serão ocasionados pelo projeto Bloco 8, que a empresa Sul Americana de Metais S/A pretende implantar na região.
(CPT Minas Gerais)
Com bandeiras, cartazes e muita disposição e alegria, os cerca de 120 participantes, que vieram de várias comunidades e municípios da região, marcharam pelo distrito de Vale das Cancelas entoando cantos, distribuindo panfletos e cartilhas e dialogando com aqueles que saíam de suas casas para ver a marcha. O objetivo era sensibilizá-los para os perigos que um projeto grandioso como o Bloco 8 trará para a região.
“O ato foi importante para o esclarecimento de muitas dúvidas que o povo tinha, para mostrar para o povo o que o MAB está fazendo e também as parcerias com outras entidades, além de mostrar o estrago que esse projeto vai causar nas comunidades geraizeiras”, apontou Juvenal Gouveia, geraizeiro, militante do MAB e morador de Vale das Cancelas.
O ato, organizado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens e pela Comissão Pastoral da Terra, e que faz parte de um conjunto de medidas tomadas pelas comunidades e organizações parceiras para impedir a implantação do projeto, contou com o apoio do Sind-Ute e da Campanha do Cerrado, que a CPT faz parte, bem como com a presença de representantes do Centro de Referência em Direitos Humanos, Rede Igreja e Mineração, Sindicato de Trabalhadores Rurais de Salinas, Josenópolis, Riacho dos Machados e Fruta de Leite, Paróquia Santo Antônio de Salinas e do mandato da Deputada Estadual Leninha.
Entendendo o caso
Desde 2010 a Sul Americana de Metais S/A (SAM) vem realizando estudos e tentando obter licenciamento ambiental para o Projeto Vale do Rio Pardo. Após o IBAMA recusar o licenciamento alegando a inviabilidade do empreendimento, a proposta passou, em 2017, por um processo de reestruturação dando origem ao Projeto Bloco 8.
O empreendimento, que conta com um amplo complexo minerário, tem gerando grande apreensão nos geraizeiros em função do seu tamanho e dos impactos que gerará. Serão produzidos 27,5 milhões de toneladas de minério por ano. Ao fim dos 18 anos de operação prevista da mina, o projeto terá gerado 1 bilhão e 500 milhões de toneladas de rejeito de minério, que serão armazenadas em duas barragens de rejeitos: a Barragem 1, que terá 216 hectares e altura final máxima de 165 m, e a Barragem 2, que terá 545,9 hectares e altura final máxima de 133 m.
Além disso a SAM estima que o projeto gerará 54 impactos prováveis, 87% dos quais são negativos e incluem: alteração das propriedades físicas e químicas do solo, assoreamento dos cursos d’água, alteração na qualidade da água e do ar, rebaixamento do nível das águas subterrâneas, perdas na fauna e flora, dispersão forçada de animais, redução da cobertura vegetal nativa, alteração dos modos de vida das comunidades no que diz respeito ao uso e ocupação do solo e da água, remoção das pessoas, isolamento das comunidades, e agravamento das tensões sociais. O projeto está, atualmente, em fase de licenciamento na Superintendência de Projetos Prioritários (SUPPRI) do Governo do Estado de Minas Gerais.
Representantes de comunidades tradicionais do Vale das Cancelas, nas proximidades de Grão Mogol (Norte de Minas), reivindicam agilidade na regularização fundiária na região. A cobrança foi feita em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizada nesta quarta-feira (12/7/17).
Foi um desdobramento de visita realizada pela comissão a Grão Mogol no dia 1º de junho, quando foi constatada necessidade de reconhecimento formal do território ocupado pelos geraizeiros (populações tradicionais que vivem no cerrado mineiro). A área em conflito é formada por terras devolutas (sem propriedade registrada, cuja destinação é de responsabilidade do Estado), arrendadas para grandes empresas.
O representante das comunidades geraizeiras, Adair Pereira, relatou que a luta pela demarcação das terras vem desde a década de 1920 e é entremeada por agressões e ameaças de morte por parte de mineradoras. Para ele, falta reconhecimento dos povos tradicionais pelas autoridades, o que é agravado pelo cultivo do eucalipto, pela instalação de barragens e pela mineração.
Da mesma forma, a representante da comunidade São Lourenço, Lourdes Francisco da Costa, afirmou que os povos que ocupam o Vale das Cancelas por décadas nunca foram reconhecidos como proprietários das terras e, por isso, estão sendo criminalizados.
O membro da Comissão Pastoral da Terra, Alexandre Gonçalves, alertou para o aumento da violência no campo em virtude da ausência da regularização fundiária e citou um estudo que mostra que os processos judiciais e a grilagem de terras existem há quase um século na região.
Sobrevivência – A representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Carine Ramos, disse que as terras serão retomadas pelas comunidades com ou sem o apoio do Estado. “Reivindicamos a demarcação dos territórios, a transparência sobre os empreendimentos da região, o reconhecimento legal dos direitos das comunidades e o respeito a esses povos por parte da polícia”, afirmou.
O coordenador nacional do MAB, Joceli Andreoli, acrescentou que as comunidades tradicionais vêm sendo ignoradas pelo poder público. “Os geraizeiros protegem o meio ambiente e geram emprego e renda, por meio da produção de alimentos saudáveis. Esses empreendimentos que roubaram nossas terras não trazem nenhum benefício para Minas Gerais”, completou.
Estado garante empenho para solução do problema
O subsecretário de Estado de Acesso à Terra e Regularização Fundiária, Geraldo Vítor de Abreu, relatou que a regularização fundiária corre a passos lentos, o que fez o governo tratar a questão como prioridade. Segundo ele, estão sendo feitas tratativas com as empresas arrendatárias de terras devolutas, mas há dificuldade com informações sobre os contratos de cessão dessas áreas.
O representante do Estado afirmou, ainda, que é possível encontrar uma solução jurídica definitiva de modo a repassar essas terras para as comunidades tradicionais e garantiu que há empenho para que essa regularização seja feita o mais rápido possível.
Diálogo – O assessor de Direitos Humanos da Polícia Militar, capitão Ricardo Foureaux, em resposta à denúncia de violação de direitos por parte da corporação em Grão Mogol, garantiu que nenhuma ação de reintegração de posse é cumprida sem amplo diálogo e sem ordem judicial.
Ele também esclareceu que os militares são treinados para tratar todas as pessoas como cidadãos e que a PM tem a função institucional de auxiliar em processos de negociação.
Ministério Público e Judiciário também se dizem parceiros
O procurador da Promotoria de Justiça de Conflitos Agrários, Afonso Henrique de Miranda Teixeira, descreveu que há, na região, um mosaico de problemas, que envolvem questões ambientais, econômicas e sociais. Ele manifestou apoio aos geraizeiros e cobrou das autoridades estaduais que encontrem um espaço para que as comunidades vivam com dignidade.
O promotor André Prado lamentou que as comunidades tradicionais do Vale das Cancelas estejam sendo expulsas de suas terras. Mais que isso, alertou para o fato de o meio ambiente estar sendo degradado pelos empreendimentos que se instalaram na região. “Somos parceiros nessa luta e esperamos que a justiça seja feita para essas pessoas com celeridade”, afirmou.
O juiz da Corregedoria-Geral de Justiça, Sérgio Fernandes, solicitou que as denúncias sejam formalizadas no órgão para que se possa dar um encaminhamento positivo. O magistrado garantiu que o problema não vai ficar sem reposta.
Parlamentares defendem regularização de terras
O presidente da comissão e autor do pedido para a realização do debate, deputado Cristiano Silveira (PT), afirmou que a questão fundiária no Norte de Minas envolve a construção da hidrelétrica de Irapé, o plantio de eucalipto, a extração do carvão e a atividade mineradora.
De acordo com ele, são cerca de 70 comunidades atingidas, o que torna a demarcação das terras a principal demanda para os povos tradicionais que vivem no Vale das Cancelas.
O deputado Rogério Correia (PT) destacou que as comunidades sofrem com o avanço do agronegócio. Segundo ele, o Legislativo pode ajudar por meio do avanço de projetos de lei para evitar a entrada de mineradoras na região e para regulamentar a mesa de diálogo na resolução de conflitos.
Já o deputado Doutor Jean Freire (PT) lamentou que a região sofra com problemas nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e regularização das terras. Ele criticou os empreendimentos que se instalam no Vale das Cancelas e degradam a natureza sem promover desenvolvimento para o Estado.
As violações de direitos e a situação de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequada (DHANA) no Território Quilombola de Brejo dos Crioulos e no Território Geraizeiro de Vale das Cancelas, ambos localizados na região Norte de Minas Gerais, são foco de dois diagnósticos em elaboração pela Fian Brasil.
“A elaboração destes diagnósticos tem como objetivo analisar de maneira qualitativa a situação do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA) nos dois territórios. Devido ao enfoque da Fian, ao tratar do DHANA também abarcamos uma ampla gama de direitos correlatos, como acesso à educação, saúde e cultura, e com base nisso pretendemos fazer uma série de recomendações ao Estado brasileiro sobre o que deve ser feito para alterar essas realidades”, aponta o assessor de direitos humanos da Fian Brasil, Lucas Prates.
A visita em Brejo dos Crioulos para elaboração do diagnóstico foi realizada entre os dias 10 e 13 de janeiro e contou com a participação de cerca de 30 lideranças das comunidades que compõem o território, homens e mulheres. Já no Território Geraizeiro de Vale das Cancelas a visita foi realizada entre os dias 13 a 16 de janeiro, com a participação de cerca de 40 lideranças, entre homens e mulheres.
O processo de coleta de dados foi realizado por meio de entrevistas com lideranças, entrevistas domiciliares e grupos focais, e abordaram três grandes eixos: soberania alimentar, gênero e processo social da alimentação, na perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos.
Em cada território foi abordada a questão da dimensão territorial e do acesso ao território e o acesso às políticas públicas de fomento à produção alimentar que impactam, diretamente, no acesso à alimentação. Responsável pela elaboração dos diagnósticos, o antropólogo Dr. Júlio César Borges, observa que mesmo com o acesso a cerca de 85% do território garantido, as comunidades de Brejo dos Crioulos sofreram nos últimos 5 anos com uma grave seca na região, que atrapalhou a produção de alimentos. “Aliada à seca, constatamos a presença de uma alimentação comprada, com pouca produção própria – o que não supre as necessidades das famílias. Desta forma restou evidente a atual importância de aposentadorias e do Programa Bolsa Família para a aquisição de alimentos”.
Mesmo com a dificuldade da produção de alimentos no território quilombola, o antropólogo aponta que comparando os dois territórios, a situação de Vale das Cancelas é mais preocupante pois além de “não terem o território garantido, [os/as geraizeiros/as] sofrem com ameaças de empresas de eucalipto, que desde a década de 70 estão acabando com a água e jogando muito agrotóxico na região, e ainda enfrentam problemas com empresas mineradoras e de usinas hidrelétricas”, destaca Júlio César Borges.
O Território Quilombola de Brejo dos Crioulos localiza-se na região norte de Minas Gerais, entre os municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, e possui cerca de 17.300 hectares. O território divide-se em oito comunidades, reunindo em torno de 500 famílias.
Vale das Cancelas
O Território Tradicional Geraizeiro de Vale das Cancelas abrange um total de 73 localidades dos municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, onde vivem mais de 1.400 famílias geraizeiras.
FIAN
A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.
Flávia Quirino/Assessoria de Comunicação FIAN Brasil