Desde 2023 estamos vivenciando um novo ciclo de incidência sobre políticas públicas para acesso à alimentação adequada e saudável, aliado à demanda pela implementação de uma agenda regulatória sobre conflito entre interesses públicos e privados, que possibilite, por exemplo, restrição sobre produtos nocivos à saúde, como ultraprocessados e agrotóxicos.
Ouvimos Nayara Côrtes Rocha, secretária-geral da FIAN Brasil, para entender melhor os caminhos tomados pela sociedade civil organizada diante dos desafios e oportunidades que esse contexto apresenta, bem como para entender as lacunas que ainda precisam ser preenchidas na incidência política em torno do acesso à alimentação adequada e saudável.
Nayara Côrtes Rocha é nutricionista pela Universidade Federal de Goiás e mestre em ciências pela Faculdade de Saúde Pública da USP. Pela FIAN Brasil, compõe o núcleo gestor da Aliança pela alimentação adequada e saudável.
Ibirapitanga: Este é um período em que a mobilização do campo voltou a se dar dentro do arcabouço institucional, a exemplo do Consea e da participação de organizações da sociedade civil em comissões que vem debatendo a atualização e elaboração de políticas públicas. Ao mesmo tempo, mantém-se a atuação em diferentes frentes de incidência. Considerando essa orquestração, como você tem observado os movimentos da sociedade civil organizada em torno da alimentação?
Nayara Côrtes Rocha: Nos últimos anos, especialmente entre 2019 e 2022, além da expansão de organizações e atores em torno do tema da alimentação, tivemos um cenário muito adverso de suspensão de diálogo com o Governo Federal, em meio a violações intensas e quase cotidianas de direitos humanos e, dentre eles, do direito à alimentação. Essa conjunção de fatores certamente impactou nos movimentos da sociedade civil em torno do tema da alimentação. Entendemos que precisamos nos organizar para além dos espaços institucionais, embora eles sejam fundamentais. Tanto porque eles têm seus limites, como porque precisamos manter certa autonomia enquanto sociedade civil. O retorno dos espaços institucionais é super bem vindo, tem demandado bastante energia de movimentos, organizações e coalizões, inclusive da Aliança pela alimentação adequada e saudável.
Ao mesmo tempo em que precisamos nos organizar institucionalmente para contribuir com a reconstrução de políticas públicas, a partir do que aprendemos com nossas experiências anteriores, para que elas sejam cada vez mais eficazes e consolidadas, também precisamos ocupar outros espaços porque algumas lutas partem de fora do âmbito institucional. Inclusive porque alguns temas fundamentais não estão na agenda do governo e é papel da sociedade civil pressionar para que sejam debatidas e entrem nas agendas nacionais.
Eu tenho observado que passamos por esse amadurecimento, desde o período em que o diálogo com o executivo esteve interditado. Compreendemos que precisamos estar prontas para outras formas de incidência para além das que conhecíamos e isso tem sido muito positivo, na minha opinião.
Ibirapitanga: Recentemente, com o avanço da reforma tributária e o decreto presidencial que regulamenta a nova composição da cesta básica, estamos passando por uma intensificação da incidência nesse ciclo. Numa visão geral, quais são as demandas mais prementes deste contexto? Quais são as oportunidades e desafios?
Nayara Côrtes Rocha: As demandas mais prementes neste contexto são ampliar o acesso a alimentos adequados e saudáveis, em sua acepção mais ampla, a todas as pessoas, e tentar conter o aumento no consumo de ultraprocessados que está associado à ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis.
A nova composição da cesta básica é uma vitória importante pela qual lutamos há muitos anos. A ampliação de itens in natura ou minimamente processados, bem como da variedade desses itens foi um primeiro passo no sentido da maior disponibilidade e acesso a alimentos saudáveis e adequados a pessoas que não podem, por si mesmas, acessar esses alimentos. Avança ainda no sentido de o Estado responsabilizar-se pela promoção da dignidade e da saúde em ações de provimento e ainda, simbolicamente, na construção de um entendimento de que alimentos in natura ou minimamente processados são “básicos” e devem compor a base da alimentação humana.
A essência das demandas em relação à reforma tributária é a mesma: ampliar ou facilitar o acesso, nesse caso acesso financeiro, a alimentos in natura ou minimamente processados e desincentivar o consumo dos ultraprocessados, via composição de preço desses itens.
A oportunidade de fazer esta discussão com o governo, parlamentares e a sociedade em geral é, por si, muito interessante porque leva a discussão da saúde para a economia, deixando evidentes algumas contradições existentes a esse respeito. Percebo como uma boa oportunidade também de divulgação da informação de que ultraprocessados fazem mal à saúde e dos privilégios injustificados que esta indústria recebe.
Os desafios estão relacionados a essas oportunidades, a meu ver, porque estamos colocando em cheque os lucros e interesses de agentes comerciais e, por consequência, de atores públicos e privados relacionados a eles, muito poderosos. Mas toda essa movimentação me parece um excelente começo.
Ibirapitanga: Tomando como exemplo o advocacy que está sendo realizado para a taxação de ultraprocessados e agrotóxicos na reforma tributária, podemos dizer que ele bebe da fonte de processos mais antigos — como o emblemático caso da indústria do tabaco — e outros mais recentes. Quais contribuições da sociedade civil, em especial de incidência no ciclo anterior de governo federal, podemos identificar como cruciais para a atuação no ciclo atual?
Nayara Côrtes Rocha: Como mencionei no início, aprendemos muito sobre diversidades de lutas e incidências, no ciclo anterior. Aprendemos caminhos antes pouco conhecidos, como o advocacy no poder legislativo, articulação da sociedade civil em torno não só de pautas, mas de atividades, metas, ações concretas e coordenadas em momentos específicos. Sobre a atuação em rede das grandes corporações, sobre o poder dos agentes comerciais, conflitos de interesse, captura corporativa e a comunicação com a sociedade, sobre articulações regionais e internacionais, enfim… Aprendemos muito! Tudo isso tem sido crucial para esse momento em que precisamos lidar com poderes econômicos e políticos imensos e com os conflitos de interesse no interior dessas discussões.
Todo este aprendizado tem contribuído imensamente com a discussão sobre a taxação de ultraprocessados e agrotóxicos que foram colocadas na agenda nacional pela pressão da sociedade civil, porque não são consenso no governo federal. São pautas sensíveis para o governo, mas são também urgentes, precisam estar presentes na discussão sobre a reforma tributária porque têm grande impacto para toda a sociedade brasileira, e por muito tempo.
Ibirapitanga: Diante do esforço que está sendo realizado agora, quais as lacunas que ainda precisam ser preenchidas na incidência política pelo acesso à alimentação adequada e saudável? Para que direção temos que olhar com mais cuidado?
Nayara Côrtes Rocha: Esta é uma questão interessante porque penso que poderíamos dizer que temos organizações fazendo incidência em praticamente todas as áreas relacionadas ao direito à alimentação. Precisamos olhar com mais cuidado para a questão climática, que é permeada e permeia o sistema alimentar de diversas formas. Na América Latina, parece que não estamos suficientemente dedicados a esta questão, ainda. Além disso, penso que alguns aspectos transversais a toda discussão sobre a alimentação adequada e saudável como o papel de raça, classe e gênero, da economia do cuidado, por exemplo, nos sistemas alimentares e na prática da realização desse direito, muitas vezes ocupam espaços secundários em nossas incidências ainda. Penso que esta também é uma direção que merece mais atenção.
“Com esta pesquisa, pudemos avaliar a importância das retomadas das terras tradicionais para a alimentação e a promoção da saúde das famílias”, comenta a secretária-geral da organização, Nayara Côrtes Rocha. “Os números mostram uma melhora em relação a dez anos atrás, mas também a persistência de um quadro de precariedade e vulnerabilidade.”
No levantamento de 2013, não houve nenhum domicílio em situação de segurança alimentar e nutricional (SAN). No de agora, naquelas três áreas, esse percentual foi de 15,0%, Côrtes lembra que 94,9% das famílias associaram essa mudança à permanência no tekoha – “lugar onde se é”, ou em que se pode viver plenamente. A insegurança alimentar e nutricional (InSAN) grave (fome) e a moderada diminuíram, ao passo que a leve subiu.
“Cabe ressaltar que o índice de SAN é muito pior que aquele verificado no conjunto da população brasileira sob o impacto de dois anos de pandemia. Mesmo computando os dados de Ñande Ru Marangatu, que não estava no levantamento anterior e eleva o índice para 23,3%.”
Comparação dos dados das pesquisas realizadas em 2013 e em 2023 pela FIAN Brasil nas áreas de retomada guarani e kaiowá (Mato Grosso do Sul, Brasil)
“A dimensão alimentar depende de uma série de outros elementos”, comenta a professora Verônica Gronau Luz, uma das coordenadoras do estudo. “Os indicadores socioeconômicos e sanitários constatam a escassez de água, a exposição a agrotóxicos, as limitações de transporte e mobilidade, a falta de acesso a educação e saúde.”
A docente da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) lembra, ainda, o desafio de um solo empobrecido por desmatamento, monocultura e pastagem ao longo de décadas. “Muitos moradores e moradoras relatam, por exemplo, a dificuldade de capinar a braquiária e o colonião sem equipamentos, bem como a ocorrência fora do comum de formigas e outros animais afugentados pela pulverização intensiva das fazendas no entorno.”
A pesquisa de 2023 mostra tanto o peso de programas assistenciais como o Bolsa Família e as cestas de alimentos – uma expressão das possibilidades limitadas de soberania ou autonomia alimentar – quanto a negação do acesso a esses direitos por racismo institucional.
Casos emblemáticos
As áreas estudadas têm em comum a luta histórica pela reocupação de seus territórios originários, o processo de demarcação estagnado e as mortes violentas de lideranças ao longo do movimento de retorno e autodemarcação territorial. “Foi difícil, para as lideranças da Aty Guasu, escolher apenas cinco retomadas de um universo de 60 que diariamente registram um quadro de violações generalizadas”, pontua o membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Flávio Vicente Machado. “Foram ao menos dois anos de assessoria jurídica e política especializada, por parte das organizações aliadas, às lideranças. O consenso resultou na identificação de comunidades emblemáticas dessa luta.”
Ele adianta que o retrato atualizado dessa realidade será incorporado à petição encaminhada em 2016 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh), em conjunto também com a FIAN Internacional e a Justiça Global. “Denunciamos ali o quadro histórico de violência e esbulho, ora sob omissão do Estado brasileiro, ora com sua contribuição ativa”, diz. “Esta nova documentação criteriosa aumenta a chance de admissão da petição baseada nas demandas dessas populações quanto a seus direitos territoriais, à vida, à integridade pessoal e às garantias e proteções judiciais, entre outros direitos civis, políticos e sociais. E o seu resultado beneficiará todo o povo Guarani e Kaiowá.”
Para o integrante do Conselho da Aty Guasu Genito Gomes, líder do tekoha de Guaiviry, a parceria dará mais visibilidade ao cenário de massacre. “As falas dos nossos grandes pais e mães trouxeram a voz sagrada para o relatório, que levará o nosso clamor às autoridades e mostrará como a gente vive”, diz. “Não dá mais para os fazendeiros seguirem nos matando, não dá mais para derramar sangue indígena.”
Genito aponta o Marco Temporal como uma lei criada pelos não indígenas para exterminar esses povos. A tese, inscrita na Lei 14.701/2023 pelos deputados e senadores, condiciona o direito territorial indígena à ocupação dos locais na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que precisará voltar à questão. “Nós não aceitamos essa lei”, enfatiza. “Nossos grandes pais e mães criaram esta terra para a gente viver com saúde, plantar nosso próprio alimento – mandioca, milho, arroz, abóbora, feijão, banana.”
Metodologia mista e protagonismo
O estudo combina dados quantitativos e qualitativos. A parte quantitativa teve como principal instrumento de coleta um questionário construído com o apoio da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan). O questionário passou por validação com a população do estudo por meio dos entrevistadores e das entrevistadoras da pesquisa.
“Foram várias etapas de aprimoramento, ouvindo pessoas-chave, até chegar ao aplicativo de celular usado nas entrevistas”, conta o pesquisador Lucas Luis de Faria, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que coordenou o trabalho com Verônica Gronau. “Essa metodologia não foi ao acaso. Ter as comunidades como protagonistas era um pressuposto e foi fundamental tanto em termos de legitimidade quanto de qualidade.” Houve várias devolutivas, conversas para apresentação dos resultados e escuta.
As dimensões qualitativas abrangeram a etnografia colaborativa e multissituada, observações de campo, registros fotográficos e escritos, história oral, descrições realizadas no decorrer das atividades de capacitação e entrevistas.
“Para realizar as entrevistas capacitamos 17 pessoas das próprias comunidades”, conta a pesquisadora Indianara Ramires Machado, mestre pela Universidade de São Paulo (USP). “Muitas delas destacaram a oportunidade de conhecer melhor as condições de vida das famílias ou viram mais a fundo coisas com que tinham contato no atendimento de saúde ou no cotidiano escolar. Algumas se mostraram interessadas no fazer científico. Que esse oguata [caminhada] seja mais um meio de empoderamento indígena”, completa a integrante da Ação dos Jovens Indígenas de Dourados (AJI).
A ideia é que as adaptações do app da Rede Penssan e da Escala de Insegurança Alimentar Indígena sirvam a pesquisas com outras etnias em todas as regiões do país.
Pressão pela garantia de direitos
“Queremos que o material tenha o máximo possível de usos, tanto na academia como na incidência – a pressão para que o poder público cumpra suas obrigações”, diz o antropólogo da Universidade de Lisboa Felipe Mattos Johnson, também da equipe, exemplificando com as manifestações do Abril Indígena em Brasília e em todo o país.
“Tudo o que vimos e ouvimos nesta construção reafirma que as condições para que os Guarani e Kaiowá possam viver de forma plena só estarão garantidas a partir de um conjunto de elementos, cosmológicos e institucionais, fortalecidos com a demarcação dos territórios.”
A Defensoria Pública da União – DPU, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH, produziu um relatório de acompanhamento em que aponta violações generalizadas e sistemáticas de direitos humanos contra os povos indígenas Yanomami e Ye’kwana.
O relatório é fruto da missão realizada entre os dias 25 e 27 de janeiro de 2023, no estado de Roraima e reúne 46 recomendações para órgãos do poder público com medidas para enfrentar a crise humanitária vivida pelos povos indígenas em razão do garimpo ilegal.
Em 15 de dezembro de 2022, a FIAN Brasil encaminhou à Defensoria Pública da União e ao Ministério Público Federal – MPF uma petição em que solicita providências urgentes quanto ao cumprimento das obrigações do Estado brasileiro para com o povo indígena Yanomami (nota e petição estão disponíveis no nosso site).
Em resposta, a DPU apresentou o relatório de acompanhamento acima mencionado; e destacou a participação no Grupo de Trabalho de Segurança Alimentar e Nutricional em dois espaços: na Sala de Situação instituída com fundamento na Portaria Conjunta MS/FUNAI 4.094/2018; e no âmbito do Centro de Operações de Emergências.
O assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos, esteve na Alemanha em outubro para atividades de incidência internacional no tema dos agrotóxicos. Participou de articulações e expôs a situação brasileira, com ênfase nas contradições entre a postura dos fabricantes europeus em seus países e em outros mercados – o chamado “duplo padrão” (double standards).
Ao lado da seção Ásia e Pacífico da Pesticides Action Network (PAN) – principal rede mundial da área –, a FIAN Brasil liderou a elaboração de carta de 274 entidades do Sul global em apoio à proposta alemã de proibir a exportação de “agrotóxicos altamente perigosos” (hazardous pesticides).
Chama-se de incidência o conjunto de ações dirigidas pela sociedade civil ao Estado para que cumpra suas obrigações em relação a direitos. A viagem foi apoiada pela FIAN Alemanha.
“Além de apoiar a proposição legislativa, as atividades em Berlim tiveram como principais objetivos apresentar o estado do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas [Dhana] no Brasil, com ênfase nessa questão, para parlamentares, membros do governo federal e organizações parceiras; e estreitar as relações com essas entidades”, explica Vasconcelos. Leia entrevista à Fundação Heinrich Böll.
Com membros da FIAN Alemanha, da PAN Alemanha e da Inkotta Netzwerk, o assessor participou de reunião no Parlamento alemão com parlamentares e assessorias dos Partido Socila-Democrata (SPD) e dos Verdes, que compõem a atual coalizão governamental.
“Apresentei preocupações relatadas no Brasil com as violações de direitos humanos associadas ao uso indiscriminado de agrotóxicos”, conta Vasconcelos. “Ressaltei o peso político ruralista e os efeitos disso para leis e políticas públicas, incluindo o lobby que exercem, com o apoio de empresas alemãs, por meio de institutos e confederações.” Os interlocutores e interlocutoras comprometeram-se a pressionar por uma maior transparência da atuação de suas transacionais no Brasil, bem como uma contestação pública do projeto de lei conhecido como “Pacote do Veneno” (PL 1.459/2022).
A resistência à proposição, encabeçada pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, conseguiu evitar a votação no plenário do Senado este ano. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e pelos senadores/as da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).
Agenda com ministérios
Pedro Vasconcelos também se reuniu com representantes de três ministérios alemães: Agricultura (BMEL), Relações Exteriores (AA) e Cooperação e Desenvolvimento (BMZ).
Aproveitando a presença de responsável pelo Brasil na pasta alemã de Relações Exteriores, o representante abordou o estado do direito à alimentação e à nutrição adequadas e os impactos dos agrotóxicos altamente perigosos no país.
“Fomos questionados sobre eventuais aplicações errôneas das substâncias tóxicas e sobre a necessidade de regular isso. Argumentamos que estamos em processo de regular práticas como a pulverização aérea, mas que a responsabilidade também é de quem exporta substâncias perigosas sabendo como elas são utilizadas”, relata o assessor.
“Ressaltamos que o problema geral está relacionado ao modelo agroexportador, exigente em insumos e com impactos severos no meio ambiente e na saúde. Este modelo gera benefícios e prejuízos desiguais entre Norte e Sul global, levantando questões fundamentais de justiça e responsabilidade. Desta constatação reafirmamos a importância de levar adiante e incentivar transições justas nos sistemas alimentares.”
Regulação das transnacionais
O assessor de Advocacy também participou, na Suíca, de discussões voltadas à criação de um instrumento legalmente vinculante (LBI) que regule internacionalmente as relações entre empresas, principalmente transnacionais, e os direitos humanos. Leia mais.
Para uso por comunidades, movimentos e organizações, a FIAN Internacional sintetizou em perguntas e respostas algumas das principais mensagens de documentos de três relatores especiais de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU): Michael Fakhri, David Boyd e Marcos Orellana. Cada seção da entidade criou materiais visuais pensando na realidade do seu país, sem esquecer o quadro global. E nós, da FIAN Brasil, montamos com a designer Patrícia Nardini dois painéis que você pode imprimir ou compartilhar, como carrosséis de redes sociais, no Facebook e no Instagram.
Baixe aqui os dois painéis. Cada um pode ser impresso como um A3 frente e verso, para dobrar em seis, ou como dois A3, para fixar como cartazes, ou, ainda, montado como um pôster A2 (formato maior) vertical.
São conteúdos que tratam dos problemas nos sistemas alimentares hegemônicos (ou seja, que predominam hoje), chamados industriais ou corporativos, pela abordagem do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Muitas dessas questões você já deve conhecer ou desconfiar, e é muito possível que sua comunidade já pratique os caminhos aqui descritos.
Estamos falando de práticas ligadas à agroecologia, à comida de verdade e à regeneração dos ecossistemas, que deveriam receber apoio dos governantes, legisladores e operadores da Justiça para estar no centro, e não nas bordas, dos modos de produzir, processar, comercializar, preparar e consumir alimentos, que deveriam ser condizentes com as necessidades das atuais e das futuras gerações. Temos que fazer pressão para uma transição com esse horizonte.
Sobre os/as especialistas
Os relatores e relatoras especiais são especialistas independentes a quem o Conselho de Direitos Humanos da ONU concede um mandato para vigiar, aconselhar, examinar e informar publicamente sobre uma questão específica (relatorias temáticas) ou sobre questões de direitos humanos em um determinado país (relatorias por países).
Eles/as visitam países para investigar denúncias de violações de direitos humanos e podem se dirigir aos Estados para pedir informações e formalizar recomendações. Também atuam na conscientização da população. Apresentam relatórios anuais ao Conselho de Direitos Humanos e, muitas vezes, à Assembleia Geral da ONU.
Michael Fakhri é o atual relator sobre o Direito à Alimentação; David Boyd, do Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável; e Marcos Orellana acompanha o tema das Substâncias Tóxicas.
Para mergulhar mais no tema
Leia abaixo as perguntas e respostas preparadas pela FIAN Internacional, que aprofundam o assunto sem complicar a linguagem. E saiba mais sobre o poder das grandes empresas na história em quadrinhos A Captura Corporativa de Sistemas Alimentares.
O problema com o sistema alimentar industrial e como “consertá-lo”
O sistema alimentar industrial (ou corporativo) prejudica as pessoas e o planeta e afeta nossa capacidade de alimentar a nós mesmos, nossas famílias e nossas comunidades de maneira saudável, sustentável e digna.
Os relatores especiais da ONU sobre o Direito à Alimentação, sobre o Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável e sobre Substâncias Tóxicas descreveram os principais problemas com o sistema alimentar industrial (ou corporativo), em particular no que diz respeito à destruição ambiental e violações de direitos humanos relacionadas. Eles também delinearam o que os governos devem fazer para avançar em direção a práticas agroecológicas sustentáveis, saudáveis e justas que apoiem o direito à alimentação e nutrição e os direitos humanos de forma mais ampla.
I Qual é o problema com o sistema alimentar industrial?
“O mundo tem sido dominado por corporações em sistemas alimentares que usam a riqueza para gerar mais riqueza, em vez de usar a vida para gerar mais vida.” (Fakhri, p. 9)
Existem muitos problemas com a forma como os alimentos são produzidos, processados, distribuídos, preparados e consumidos em nossos sistemas alimentares. Estes incluem a destruição de ecossistemas, exploração de trabalhadores e alimentação e dietas insalubres.
O sistema alimentar industrial é dominado por corporações e é um dos principais contribuintes para a emergência climática, perda de biodiversidade, degradação do solo, esgotamento da água e poluição.
Esse sistema depende fortemente de produtos químicos e combustíveis fósseis e desloca e marginaliza as práticas agrícolas das comunidades camponesas que foram desenvolvidas ao longo de gerações e funcionam em harmonia com a natureza. Por meio de uma combinação de incentivos e políticas públicas e privadas, os pequenos produtores de alimentos estão cada vez mais dependentes de sementes comerciais, pesticidas e fertilizantes controlados por empresas poderosas. Essas empresas podem ditar preços e empurrar os camponeses para um sistema de “agricultura por contrato”, no qual perdem o poder de decisão sobre o que e como produzem. O sistema alimentar industrial também promove a apropriação de terras e recursos naturais, minando a capacidade das comunidades de se alimentarem.
Trabalhadores agrícolas e de alimentos são frequentemente explorados e expostos a pesticidas nocivos, e não são raros os casos de trabalho escravo e infantil.
O sistema alimentar industrial deixa as pessoas doentes com produtos alimentícios ultraprocessados agressivamente promovidos pela publicidade. Dietas não saudáveis são responsáveis por 10 milhões de mortes anualmente. Além disso, o uso indevido de antibióticos na pecuária e na aquicultura reduz o efeito desses medicamentos quando necessários para tratar humanos.
A cada dia, a indústria de alimentos ganha mais poder para moldar mercados e pesquisas e influenciar governos e políticas públicas a seu favor. Pode fazer isso com os bilhões que ganha com a exploração de recursos naturais e mão de obra barata.
Como o sistema alimentar industrial danifica nosso planeta?
O sistema alimentar industrial é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, desde as emissões e a destruição de sumidouros de carbono (por exemplo, plantas que podem armazenar carbono para que ele não entre na atmosfera). É responsável por até 37% das emissões globais de gases de efeito estufa que aumentam a temperatura do nosso planeta e levam a catástrofes, como pragas, inundações e secas. Muito disso acontece por meio do desmatamento, quando as agroindústrias convertem florestas em terras para a agricultura produzir commodities de exportação, como carne bovina, soja e óleo de palma.
A intensificação industrial da agricultura é uma “prática extrativa” que perturba as bases de nossos ecossistemas com impactos duradouros para nossos filhos e seus filhos. Isso inclui o uso excessivo de água doce, em particular pela indústria pecuária, e a poluição da água potável por meio de pesticidas, fertilizantes e dejetos animais. A agricultura industrial também é responsável pela poluição do ar e pela degradação e erosão do solo – ameaçando a própria base de nossa alimentação.
O sistema alimentar industrial destrói a diversidade biológica promovendo monoculturas (o cultivo de uma única cultura em um campo de cada vez), ameaçando os sistemas de sementes crioulas e promovendo dietas baseadas em uma gama muito estreita de culturas. A superexploração, a poluição e a destruição de áreas de pesca resultaram em um terço dos peixes de água doce ameaçados de extinção. O uso de agrotóxicos causou uma perda maciça de insetos e aves que se alimentam deles, desequilibrando o funcionamento da natureza.
O sistema alimentar industrial e a poluição, a destruição ambiental e o desmatamento que o acompanham forneceram um terreno fértil perfeito para doenças zoonóticas – doenças que passam de animais para humanos – como a Covid-19. As más condições de trabalho e os abusos ambientais na indústria alimentar também contribuíram para a sua propagação.
O que isso significa para o direito das pessoas à alimentação e direitos conexos?
Os impactos ambientais do sistema alimentar industrial aprofundam as desigualdades existentes e causam múltiplas violações dos direitos humanos.
A poluição da água, do ar, do solo e dos alimentos com produtos químicos tóxicos usados na agricultura industrial tem efeitos de longo alcance na saúde de camponeses, trabalhadores, comunidades vizinhas e consumidores, podendo causar mortes prematuras.
Os agrotóxicos envenenam regularmente trabalhadores e camponeses. São responsáveis por cerca de 200 mil mortes por envenenamento agudo a cada ano. Eles têm sido associados a doenças graves, incluindo câncer, derrames, anomalias congênitas e distúrbios neurodegenerativos, como a doença de Parkinson, e são particularmente prejudiciais para mulheres e crianças. As crianças expostas a agrotóxicos – por exemplo, quando trabalham em fazendas, brincam em solo contaminado ou bebem água contaminada – podem sofrer danos graves em seu desenvolvimento cognitivo e físico.
A poluição da água e o uso excessivo de água pela agricultura industrial também levam à escassez de água para as comunidades locais. Isso tem impactos diretos em seus direitos à água e à saúde. Também afeta seu direito à alimentação e nutrição, pois prejudica sua capacidade de cultivar e preparar alimentos e pode levar a doenças transmitidas pela água que afetam sua nutrição e saúde. A capacidade das comunidades de cultivar alimentos para si mesmas e ganhar a vida também é severamente prejudicada por sua exposição a mudanças e condições climáticas severas, desastres naturais e destruição do meio ambiente, incluindo a degradação do solo.
II Como os sistemas alimentares devem ser transformados para garantir o direito à alimentação e à nutrição?
“(…) transformar os sistemas alimentares que exploram milhões de trabalhadores, prejudicam a saúde de bilhões de pessoas e infligem trilhões de dólares em danos ambientais é moral e legalmente imperativo para respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos.” (Boyd, 2021, p. 26)
Não podemos mais confiar no foco no crescimento econômico para superar a fome e a desnutrição. O direito a um ambiente saudável é protegido por lei na grande maioria dos países. Sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis são um componente central desse direito, conforme confirmado por vários tribunais e instituições nacionais de direitos humanos em todas as regiões. Transformar os sistemas alimentares para se tornarem saudáveis, sustentáveis e justos é essencial para enfrentar a crise ambiental global.
A agroecologia aborda muitas fraquezas do sistema alimentar industrial. Questiona as dinâmicas de poder (incluindo aquelas entre mulheres e homens), destaca a importância do acesso e controle das pessoas sobre o conhecimento e os recursos e leva a melhorias concretas no Dhana.
Essa abordagem imita processos ecológicos e interações biológicas. Muitas vezes produz rendimentos mais elevados do que a agricultura industrial. Como menos produtos químicos são usados, causa menos danos ao meio ambiente. Também corrige danos causados pelo sistema alimentar industrial: reduz as emissões de gases de efeito estufa, recupera a saúde do solo, protege a diversidade biológica e diminui o risco de pandemias. Além disso, apoia a construção coletiva do conhecimento, aproxima consumidores e produtores, garante meios de vida dignos para as pessoas que trabalham nos sistemas alimentares e promove a equidade social.
O que os governos devem fazer para transformar os sistemas alimentares?
“Os efeitos ambientais devastadores dos sistemas alimentares industriais e as dietas não saudáveis associadas ao gozo de uma ampla gama de direitos humanos dão origem a amplos deveres dos Estados de prevenir esses danos. Os Estados devem aplicar uma abordagem baseada em direitos a todas as leis, regulamentos, políticas e ações relacionadas à alimentação, a fim de minimizar os impactos negativos sobre o meio ambiente e os direitos humanos”. (Boyd, 2021, p. 17)
Os governos devem reduzir o uso de agroquímicos e banir os mais perigosos. Eles deveriam parar de exportar agroquímicos proibidos em seus próprios países. Eles devem introduzir regulamentações mais fortes e impostos mais altos sobre agroquímicos. O dinheiro desses impostos deve ser usado para apoiar os produtores na redução de agrotóxicos e na transição para a agroecologia. Os países precisam monitorar cuidadosamente a poluição por agroquímicos e seus impactos na saúde das pessoas.
Antibióticos devem ser permitidos apenas para tratamento veterinário individual de animais. A pecuária intensiva precisa acabar. É preciso haver regulamentações mais fortes para a agricultura industrial para evitar a propagação de doenças zoonóticas.
Os governos devem fornecer apoio técnico para práticas agrícolas que restaurem a saúde do solo, incluindo o uso de fertilizantes orgânicos, rotação diversificada de culturas e compostagem.
Eles devem adotar e fazer cumprir as leis para impedir o desmatamento e a conversão em terras agrícolas, ao mesmo tempo em que fazem isenções apropriadas para produtores de pequena escala. Devem estimular a diversificação de cultivos e torná-la obrigatória em grandes monoculturas. Os sistemas alimentares devem fazer parte das estratégias de biodiversidade.
Os governos devem proteger os sistemas de sementes dos camponeses (os direitos dos camponeses de salvar, usar e trocar sementes e raças de gado adaptadas localmente) e garantir que as leis nacionais e internacionais não os prejudiquem. Eles devem reviver e apoiar as variedades tradicionais e os conhecimentos e práticas ancestrais relacionados. Da mesma forma, devem proteger e restaurar a biodiversidade do mar.
As regras do comércio internacional precisam ser reformadas e os acordos agrícolas injustos devem ser encerrados. Novas regras comerciais devem ser baseadas na lei de direitos humanos, garantir a equidade e apoiar a transição para sistemas alimentares sustentáveis e agroecologia.
Os governos devem investir na infraestrutura dos mercados territoriais nos níveis local, nacional e regional. Devem também apoiar cooperativas de produtores e consumidores que facilitem a troca de conhecimento e a adoção de práticas agroecológicas. Eles devem corrigir qualquer viés existente nas políticas que privilegiam os supermercados sobre os mercados informais de agricultores.
Os governos devem proteger e melhorar os produtores de alimentos de pequena escala, especialmente as mulheres, o direito à terra e outros recursos naturais – inclusive por meio da reforma agrária.
Eles devem desenvolver diretrizes sobre nutrição que integrem preocupações de saúde e sustentabilidade e implementar programas nacionais de refeições escolares gratuitas que forneçam alimentos saudáveis a todas as crianças. Os alimentos para essas e outras instituições públicas (como hospitais) devem ser comprados de produtores locais e preparados nas cozinhas das escolas.
Os governos devem proibir a promoção de produtos alimentícios e bebidas ultraprocessadas para crianças e impor impostos e etiquetas de advertência para que as pessoas consumam menos.
A governança dos sistemas alimentares precisa mudar fundamentalmente. Os direitos e meios de subsistência dos mais desfavorecidos – incluindo aqueles que não têm acesso à terra e alimentos saudáveis e sustentáveis, ou cujo direito a um ambiente saudável é ameaçado ou violado – precisam ser priorizados. Eles devem ser capazes de participar quando os governos fazem novas políticas sobre alimentos. Especialmente a participação das mulheres precisa ser fortalecida. A transformação dos sistemas alimentares deve ser baseada nas próprias soluções das pessoas, e não imposta de cima por “especialistas”.
Os governos devem incorporar o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e o direito a um ambiente saudável e sustentável nas leis nacionais com mecanismos para responsabilizar autoridades e empresas.
As declarações das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses (Undrop) e sobre os Direitos dos Povos Indígenas (Undrip) devem ser aplicadas quando os governos adotam novas leis e políticas. Da mesma forma, eles devem aplicar as Diretrizes sobre Posse e Pesca Sustentável em Pequena Escala para evitar a apropriação de terras, água e recursos naturais. Eles também devem garantir que os trabalhadores agrícolas e de alimentos sejam protegidos pelas leis trabalhistas.
O poder corporativo nos sistemas alimentares precisa ser reduzido, inclusive por meio de legislação que reverta a concentração excessiva. A conclusão das negociações de um acordo internacional para regular as corporações transnacionais também é fundamental para isso.
Os governos devem restringir o lobby corporativo e as doações da indústria de alimentos e suas associações empresariais, e outras tentativas de influenciar as políticas relacionadas aos sistemas alimentares.
A FIAN Brasil compilou num livro as atividades realizadas e materiais produzidos no projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade – pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas na Escola.
A iniciativa, executada ao longo de 2021, teve como objetivo contribuir para a promoção desse direito humano, conhecido pela sigla Dhana, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
O livro também destaca a linha do tempo dessa política pública e duas reportagens produzidas pelo portal O Joio e o Trigo no especial jornalístico Merenda não é lucro. Apresenta, ainda, cinco entrevistas inéditas sobre alimentação escolar e sobre como a soberania e segurança alimentar e nutricional atravessa os desafios do Brasil e do mundo. As entrevistadas e o entrevistado são Deborah Duprat, José Graziano, Maria Emília Pacheco, Sofía Monsalve e Tereza Campello.
Além de Crescer e Aprender com Comida de Verdade: um ano em defesa do direito à alimentação adequada no Pnae, a coleção de publicações do projeto inclui dois livretos e duas cartilhas.
Restrição aos ultraprocessados e apoio à agricultura familiar
O Crescer e Aprender, desenvolvido ao longo de 2021 com apoio da Global Health Advocacy Incubator (Ghai), teve como foco a restrição aos produtos alimentícios ultraprocessados e o incentivo a uma maior participação da agricultura familiar no fornecimento de alimentos para as escolas públicas. Foram ações de produção de conhecimento, formação, articulação, sensibilização e incidência, num contexto fortemente impactado pela pandemia de Covid-19 e pelo desmonte das políticas sociais, marcado ainda por tentativas de captura do cardápio escolar.
As atividades envolveram estreita colaboração com a ACT Promoção da Saúde, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP), além do Joio, na produção de conteúdo. Um novo parceiro foi o Instituto Desiderata, que no período desenvolveu projeto focado na saúde de crianças e adolescentes, em âmbito municipal, no Rio de Janeiro.
Na iniciativa, a FIAN Brasil também contou com a parceria da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição (Opsan) da Universidade de Brasília (UnB), entre outras organizações. As conversas com a FIAN Colômbia trouxeram conceitos e uma forma de olhar para programas de alimentação escolar alinhada ao Dhana e à soberania alimentar.
Importância reafirmada
Presente em todas as escolas da rede pública do país, o Pnae atende 40 milhões de estudantes e tem quase 70 anos de história.
Todas as escutas, diagnósticos e interações reafirmaram a importância de defender essa que é uma das maiores políticas de alimentação escolar do mundo, que faz bem para a cidade e o campo e que foi a base para programas de vários países.
As atividades também trouxeram novos elementos para nossa atuação em 2022 e 2023, num projeto que buscará contribuir para o enfrentamento das desigualdades no Brasil a partir dos sistemas alimentares.
A cartilha explica o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), passando por seus objetivos, diretrizes, legislação e regulamentação. Também apresenta as recomendações do Guia alimentar para a população brasileira e do Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos.
Aborda, entre outros pontos, por que os produtos alimentícios ultraprocessados não podem ser incluídos no cardápio ou têm a oferta limitada; por que é importante comprar mais alimentos frescos, da agricultura familiar local; e quais os impactos dessas medidas para a saúde dos estudantes, para os pequenos agricultores e agricultoras, para a sociedade e para o meio ambiente.
O conteúdo inclui, ainda, um texto sobre a necessidade de proteger o ambiente escolar da interferência do setor comercial de produtos ultraprocessados.
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A publicação faz parte de coleção ligada ao projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade, da FIAN Brasil, que se integra à mobilização nacional de mais de 50 organizações em defesa do Pnae.
Com base em pesquisas, relatórios oficiais e da sociedade civil e reportagens recentes, o informe mostra como a crise sanitária e as decisões tomadas no seu enfrentamento ampliaram o desemprego, inflacionaram a comida, agravaram as vulnerabilidades históricas e impulsionaram a fome. A estabilidade e a regularidade na oferta de alimentos saudáveis não estão garantidas, comprometendo a garantia universal daquele direito, conhecido pela sigla Dhana, e sua sustentabilidade.
Inquérito nacional da rede Penssan aponta que, no fim de 2020, o país contava com 116,8 milhões de pessoas com algum nível de insegurança alimentar, entre os quais 19 milhões em insegurança alimentar grave, o que significa que, no intervalo de dois anos, 9 milhões de pessoas foram empurradas para a fome. Um semestre depois, os números certamente são ainda piores, como tem detectado a ONU em âmbito global.
A publicação digital de 73 páginas aborda o contexto e os novos desafios dos pontos de vista da produção de alimentos, das políticas públicas e da promoção desse direito pela sociedade civil e pelo poder público, analisando ainda as violações das obrigações do Estado.
São tratados os impactos sobre as populações indígena e quilombola, as mulheres e as pessoas em situação de rua; a falta de acesso regular à água; o inflacionamento dos alimentos, a concentração de mercado e a quebra na compra da agricultura familiar; o aumento do desemprego e dos trabalhos informais. Capítulos examinam, ainda, a situação de problemas ambientais como o uso de agrotóxicos e a grilagem.
Agravamento de cenário já precário
O informe lembra que o novo coronavírus agravou um cenário em que o direito à alimentação e à nutrição adequadas já se encontrava fragilizado, em função de fatores como o desmonte das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional (SAN), a limitação de verbas imposta pela Emenda Constitucional 95 e a aprovação das reformas previdenciária e trabalhista.
É mencionado estudo da ONG Conectas e do instituto Cepedisa que, em 3.049 normas editadas pelo governo federal ao longo da pandemia, constatou uma estratégia institucional de propagação do vírus sob a liderança da Presidência da República.
“O Estado brasileiro está descumprindo, de forma crescente, as três dimensões de sua responsabilidade – respeitar, proteger e satisfazer – em relação aos direitos humanos, entre eles o Dhana”, explica a assessora da FIAN Nayara Côrtes, autora do capítulo que traz esse recorte. “Em muitos casos, o Executivo e o Legislativo apoiam e incentivam violações, com anuência do Judiciário.” Leia mais em reportagem do portal jornalístico O Joio e o Trigo.
Em outubro a FIAN lançará uma nova edição do Informe Dhana, publicação bienal que detalha o estado e a evolução da SAN no país.
Leia, abaixo, carta aberta que 40 entidades, entre elas a FIAN Brasil, encaminharam aos senadores e senadoras para que rejeitem o Projeto de Lei 3.292/2020 e outros PLs que tentam descaracterizar o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). E acompanhe nossa atuação em defesa dessa política pública.
A quem interessa mudar a lei do Pnae?
A quem interessa tirar a prioridade de aquisição de povos indígenas, quilombolas e assentados/as da reforma agrária?
A quem interessa criar mercado para as empresas e para o agronegócio?
No dia 8 de junho, 40 movimentos sociais e organizações não governamentais, somadas a seis Frentes Parlamentares, realizaram um ato virtual em defesa do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que reuniu cerca de 800 participantes em uma sala de Zoom, e pouco mais de 8.000 espectadores que assistiram ao ato nas redes sociais. O que motiva esta ampla mobilização é o posicionamento contrário a uma série de projetos de Lei (PLs) que tramitam no Congresso Nacional e que ameaçam o Pnae, comprometem a autonomia dos estados e municípios, dos/as nutricionistas responsáveis técnicos/as e retiram de cena protagonistas importantes como indígenas, quilombolas e assentados/as da reforma agrária na aquisição de alimentos. As mudanças propostas tornam o Pnae vulnerável aos múltiplos interesses de grandes produtores, da indústria de alimentos e das grandes redes de supermercados, ferindo frontalmente a garantia da alimentação adequada e saudável, que respeita a produção sustentável, a cultura e os hábitos alimentares saudáveis.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) é uma política pública fundamental para a promoção da segurança alimentar e nutricional, reconhecida internacionalmente por garantir comida saudável no prato de mais de 40 milhões de estudantes em todo o Brasil. Existe há quase 70 anos, mas somente em 2009, por meio da Lei 11.947, é que os/as agricultores/as familiares, assentados/as da reforma agrária, povos indígenas e comunidades remanescentes de quilombos passaram a ter prioridade na venda de sua produção para alimentar os/as estudantes. Foi também no período mais recente que se aperfeiçoaram os cardápios em prol de uma alimentação pautada pela cultura alimentar e produção local, sustentabilidade, sazonalidade e diversificação. Estas conquistas levaram a uma significativa melhora na qualidade da alimentação e na dinamização das economias locais, fortalecendo sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.
Com a pandemia, as aulas presenciais foram suspensas, e a oferta das refeições nas escolas, interrompida. Nesta ocasião, o Congresso Nacional tomou a importante decisão de autorizar a distribuição de kits/cestas de alimentos do Pnae às famílias dos/as estudantes, através da Lei nº 13.987/2020.
O Congresso Nacional sempre esteve ao lado da Alimentação Escolar, mas neste momento a virtuosa lei que rege o programa está ameaçada por PLs que tramitam tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. Não há dúvidas quanto à intenção de setores econômicos em acessar este mercado governamental, que adquire anualmente, apenas com recursos do Governo Federal, cerca de R$ 4 bilhões em alimentos, em todo o território nacional.
Por isso, apelamos para que modificações na legislação não aconteçam sem um amplo debate com as representações dos diversos setores envolvidos com o Pnae, a exemplo da agricultura familiar e camponesa, nutricionistas e gestores. As alterações propostas podem levar a retrocessos que vão prejudicar a alimentação dos estudantes e os circuitos locais de produção e abastecimento.
ATENÇÃO, SENADORES/AS: rejeitem o PL 3.292/2020!!!!!!!
Foi aprovado na Câmara dos Deputados, seguindo para o Senado, o PL 3.292/2020, de autoria do deputado Major Vitor Hugo (PSL/GO). Este PL cria reserva de mercado para a compra de leite fluido na alimentação escolar e retira a prioridade da aquisição de alimentos de povos indígenas e comunidades quilombolas e assentados(as) da reforma agrária. Cabe destacar que tramitam no Congresso Nacional mais de dez PLs de natureza similar, como o PL 4.195/2012 (que propõe a obrigatoriedade de oferta da carne suína) e seus apensados, e o PL 1.466/2021 (que torna obrigatória a oferta diária de feijão e arroz em pelo menos 50% das refeições servidas no âmbito do Pnae).
Dizemos não ao PL 3.292/2020, e a outros PLs similares, porque:
NÃO SE DEVE CRIAR RESERVAS DE MERCADO NA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR. A criação de uma cota para a compra de leite fluido cria um perigoso precedente de reserva de mercado, tornando o Pnae vulnerável aos múltiplos interesses e lobbies da indústria de alimentos, que veem no programa um canal de escoamento de seus produtos;
A AGRICULTURA FAMILIAR NÃO SERÁ BENEFICIADA. Quem fornece majoritariamente leite fluido ao Pnae não são os/as agricultores/as familiares, e sim, laticínios de médio e grande porte. Neste sentido, o argumento central de favorecimento da agricultura familiar não se sustenta;
ESTADOS E MUNICÍPIOS DEVEM TER AUTONOMIA PARA DECIDIR O QUE COMPRAR PARA A ALIMENTAÇÃO A ESCOLAR. Ao transferir a responsabilidade de definição do cardápio para o Congresso Nacional, é ferida a autonomia de estados e municípios na definição da compra e dos cardápios, que devem ser pautados pela oferta local, sazonalidade, diversificação agrícola da região e na promoção da alimentação adequada e saudável, e elaborado por nutricionistas;
ÓRGÃOS FEDERAIS JÁ SE POSICIONARAM CONTRA CONSIDERANDO A VIABILIDADE TÉCNICA E OPERACIONAL. A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados votou pela rejeição, sendo esse também o posicionamento oficial do próprio FNDE, Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), da Casa Civil, e do Ministério Público Federal.
LOGÍSTICA E VIABILIDADE OPERACIONAL DEVEM SER LEVADAS EM CONSIDERAÇÃO PARA A COMPRA DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR. Muitos municípios, especialmente os de menor porte, não possuem condições adequadas para o transporte e armazenamento do leite fluido nas escolas;
ALIJAM AS COMUNIDADES INDÍGENAS E GRUPOS TRADICIONAIS ESPECÍFICOS E VÃO TRAZER SÉRIOS EFEITOS PARA A SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL DESSAS COMUNIDADES. Ao retirar a prioridade de aquisição concedida aos assentamentos da reforma agrária, comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, os PLs ampliam sua exclusão do acesso aos mercados e às políticas públicas, além de prejudicar sua cultura alimentar e promover ainda mais a desnutrição destes povos. Em Nota Técnica, a Funai avalia como fundamental considerar, no âmbito da alimentação escolar indígena e de comunidades tradicionais, o respeito aos costumes e características de suas culturas, bem como o contexto de autoconsumo;
O PNAE É UM PROGRAMA DA EDUCAÇÃO QUE CUMPRE PAPEL CENTRAL NA AGENDA DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL E EDUCAÇÃO. O FNDE É O ÓRGÃO COMPETENTE PARA REGULAMENTAR E MONITORAR O Pnae. Ao retirar a designação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) da regulamentação da aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar, o PL 3.292 soma-se a uma série de outros ataques legislativos que tentam fragilizar esta instituição tão importante para a coordenação nacional e intersetorial do Pnae.
Mais argumentos técnicos podem ser conhecidos em Nota Técnica produzida pelo Observatório da Alimentação Escolar.
ATENÇÃO DEPUTADOS: Rejeitem o PL 284/2021!!!!!!!!
Este PL, de autoria da deputada Luísa Canziani (PTB/PR), prevê que durante o período de suspensão das aulas presenciais, em razão de situação de calamidade pública, possa haver não apenas a distribuição de gêneros alimentícios diretamente às famílias, mas, de modo alternativo, a distribuição de recursos financeiros. Nos opomos a esta proposta por avaliar que o tema da distribuição de alimentos durante a pandemia já está devidamente disciplinado pela Lei nº 13.987/2020, que permitiu a distribuição apenas de gêneros alimentícios, e não a utilização de “cartões alimentação”. Cabe lembrar que este tema já foi exaustivamente debatido na Câmara dos Deputados, tanto na tramitação da MP nº 934/2020, quanto na tramitação do PL nº 2159/2020, sendo rejeitado. Qualquer nova proposta de alteração proveniente deste PL e seus apensados deve seguir os ritos de passagem pelas comissões e os debates com a sociedade.
Dizemos não ao PL 284/2021, porque:
A DISTRIBUIÇÃO DE CESTAS DE ALIMENTOS É A MAIS ADEQUADA PARA A GARANTIA DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO. Se tomado como base o recurso per capita (no Ensino Fundamental, por exemplo, é de R$ 0,36 por dia letivo), o valor passível de ser transferido seria de apenas R$ 7,20 por mês. Estes valores, fora da dinâmica das compras públicas, não são suficientes para garantir segurança nutricional dos estudantes durante um mês;
A TRANSFERÊNCIA FINANCEIRA INTERROMPE AS COMPRAS DA AGRICULTURA FAMILIAR. Isso coloca em risco a produção e compromete a renda de pequenos as agricultores/as, que dependem deste canal de comercialização para seu sustento, o que tende a aumentar a pobreza no campo, já acentuada pela pandemia da Covid-19, contexto no qual, de um total de 19 milhões de pessoas passando fome, 12% são da área rural (Vigisan) ;
FAVORECE O CONSUMO DE ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS E A COMPRA EM GRANDES REDES DE SUPERMERCADO. A operacionalização dos recursos do Pnae por empresas de “cartão alimentação”, que podem ser utilizados apenas em rede cadastrada de supermercados, tende a centralizar nas grandes redes de abastecimento e na aquisição de alimentos ultraprocessados o orçamento destinado à alimentação escolar. Esta mudança vai na contramão das diretrizes do programa, que favorecem as compras locais da agricultura familiar e a garantia de oferta de uma alimentação saudável e adequada. Não há dúvidas quanto ao interesse destas empresas e da indústria de alimentos em acessar este bilionário mercado institucional, através de modelos de gestão que já estão sendo incubados em prefeituras de grandes capitais.
ACT Promoção da Saúde
Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável
Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA Brasil)
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida
Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Comissão de Presidentes e Presidentas dos CONSEAs Estaduais (CPCE)
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG)
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ)
Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (CONTRAF Brasil)
Conselho Federal de Nutricionistas (CFN)
Colegiado Nacional de Presidentes e Presidentas dos CONSEAs Estaduais (CPCE)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)
Federação Nacional dos Nutricionistas (FNN)
FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional
Frente Parlamentar de Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional
Frente Parlamentar Mista da Agricultura Familiar
Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas
Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas
Frente Parlamentar pelo Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica
Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido
Frente Parlamentar em Defesa dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Movimento Camponês Popular (MCP)
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento Geraizeiro
Movimento Nacional pela Soberania Popular Frente à Mineração (MAM)
Núcleo Agrário do PT
Observatório da Alimentação Escolar
Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil
União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (UNICOPAS)
Com 108 páginas, a publicação reúne dados e relatos sobre os impactos dessas substâncias no Brasil e em mais sete países latino-americanos e caribenhos: Colômbia, Paraguai, Equador, Honduras, Guatemala, México e Haiti.
O relatório mostra como os agrotóxicos impactam a saúde humana e o meio ambiente, e como isso impede a realização plena do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Também identifica um padrão na estratégia das corporações na região.
O lançamento contou com a participação do relator especial para Substâncias Tóxicas e Perigosas da ONU, Marcos Orellana, e da geógrafa Larissa Bombardi, autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. Foram apresentados testemunhos sobre comunidades atingidas de Brasil, Haiti e Paraguai. A documentação do caso brasileiro, em que pulverização aérea foi usada como arma para expulsão de posseiros de área rural em disputa em Pernambuco, será entregue a Orellana e possivelmente a relatores/as especiais de outros temas.
A mediação coube a Valéria Burity, da FIAN Brasil, e o informe foi apresentado por Juan Carlos Morales González, da FIAN Colômbia, e pelo pesquisador Leonardo Melgarejo. Mais de 700 pessoas participaram.
No dia 5 o relatório terá novo momento de divulgação global: um seminário no qual a FIAN Internacional vai apresentar também os resultados de estudo sobre experiências de transição para comunidades e sistemas alimentares livres de agrotóxicos.
Múltiplos impactos
Agrotóxicos na América Latina parte da conceituação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), consagrado em tratados internacionais, para mostrar como esse direito é violado na região.
O Dhana deve ser considerado em suas duas dimensões: o direito de estar livre da fome e o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Esse direito não se restringe a uma condição biológica. Portanto, é preciso falar de todo o processo alimentar (o conjunto de processos sociais, econômicos e culturais nos quais a alimentação está envolta), visando que ele esteja direcionado para a promoção da dignidade humana e garantindo a sustentabilidade socioambiental desse processo.
Assim, a garantia efetiva do Dhana relaciona-se à garantia, para toda população, do consumo, por seus próprios meios e de forma emancipatória, de alimentos adequados, saudáveis, nutritivos e culturalmente aceitáveis, sem discriminação por motivos de raça, de etnia, de gênero, de geração, ou de questões econômicas e sociais. Os dados e relatos apresentados no informe mostram como o uso dessas substâncias afeta todas essas dimensões do Dhana.
Estado capturado por corporações
Os dados e os relatos trazidos pelas FIANs evidenciam que existe uma captura do Estado por parte das grandes corporações. Há tolerância, aquiescência e até protagonismo de nossos Estados diante das diferentes formas de violência que permitem que agrotóxicos sejam usados sem controle. Há, assim, a violação sistemática e deliberada das obrigações estatais para com o Dhana e direitos relacionados, priorizando o lucro em lugar do respeito aos direitos humanos, à sustentabilidade ambiental e à própria democracia. A agenda legislativa e várias mudanças regulatórias ocorrem para favorecer essa situação e os interesses das empresas.
Por padrão, houve aumento do uso e comercialização de agrotóxicos na última década. O produto de maior uso é o herbicida glifosato, classificado como cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc). Esse aumento está associado também ao aumento das lavouras geneticamente modificadas (GM), no contexto da venda de pacotes tecnológicos. Seguem-se a esse modelo a simplificação dos hábitos alimentares e a destruição de práticas e de saberes culturais. Os impactos sobre a saúde e o meio ambiente concentram-se nos países exportadores de commodities (basicamente soja, milho, algodão e colza) dominadas por essas transnacionais.
Violência e desregulação
A flexibilização das legislações é agravada por perseguições e mortes de ativistas, criminalização de movimentos sociais, legalização de crimes e abafamento de reações. Os conflitos de interesses associados a tais desvios da comunidade científica e política expressam-se na omissão ou na culpa direta de agências responsáveis pelo controle da qualidade dos alimentos, dos insumos e da proteção à saúde e ao ambiente, estabelecendo um ciclo vicioso no qual o agravamento de problemas soma-se a decisões que recrudescem suas causas.
O uso de agrotóxicos proibidos na Comunidade Europeia cresce em nossa região, onde registra-se que, atualmente, pelo menos um terço dos produtos mais vendidos corresponde a praguicidas altamente perigosos, vetados em seus países de origem.
Também tem ocorrido aumento no número de intoxicações aliado à subnotificação dessa questão. As informações sobre intoxicação e altas taxas de enfermidades relacionadas ao emprego de agrotóxicos, apesar da ausência de espaços de denúncia para tais casos, são bastante numerosas em praticamente todos os países que participam deste informe.
Na Guatemala, por exemplo, houve registro de resíduo do agrotóxico DDT no leite materno em volume 185 vezes superior ao limite considerado tolerável pela OMS, enquanto na Colômbia agrotóxicos representaram 28,67% das intoxicações por substâncias químicas em 2014. Esses dados se agravam pela ausência de políticas públicas aplicadas à análise e ao monitoramento de resíduos desses princípios ativos.
Recomendações
Agrotóxicos na América Latina aponta os Estados onde estão localizadas as sedes das empresas fabricantes dessas substâncias como os grandes responsáveis por seus danos. A FIAN identifica graves deficiências nos mecanismos universais e regionais de direitos humanos ao propor medidas vinculativas para reverter e punir o uso crescente de desses produtos e suas consequências.
A entidade defende que os países da região estabeleçam moratórias sobre culturas geneticamente modificadas ou outros modelos agroprodutivos altamente exigentes de agrotóxicos e observem o princípio da precaução em qualquer decisão sobre o assunto. O relatório enfatiza a necessidade de estruturar mecanismos de nacionais de justiciabilidade, reparação, indenização e não repetição acerca de violações dos direitos de populações, comunidades e indivíduos. Propõe também que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos incorpore e aplique o enfoque das obrigações extraterritoriais ao analisar a situação em nossos países.