Na última semana (6 e 10 de junho), a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) realizaram o 5º Encontro Nacional de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (V ENPSSAN), com o tema “Muitas fomes e crises sistêmicas: contribuições desde a soberania e a segurança alimentar e nutricional”.
O encontro apresentou os resultados alarmantes do 2º Inquérito nacional sobre insegurança alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil (II Vigisan), revelando que atualmente 33,1 milhões de brasileiras e brasileiros convivem com a fome; e 6 a cada 10 pessoas, ou 125,2 milhões de indivíduos, passam os dias com algum grau de insegurança alimentar. Assista neste link.
O assunto dialoga com uma das mesas temáticas do 5º Encontro, “Ações políticas e políticas públicas no Brasil: análises e prospecção de caminhos”, em que a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, explicou que o impacto no acesso à alimentação tem relação direta com as medidas de austeridade do governo atual e que, desde o golpe de 2016, o Brasil passa por um processo acelerado de desmonte das instituições de participação e controle social, cortes e enfraquecimento dos programas de proteção social e de segurança alimentar e nutricional e, como consequência, sente o aumento da pobreza e da pobreza extrema.
“O desmonte mostrou a fragilidade desses programas, então para avançar é preciso conciliar os programas que já conhecemos e defendemos com reformas populares importantes, como as reformas trabalhista, previdenciária, tributária, agrária”, disse a secretária geral.
Para Burity, a racionalidade neoliberal para além do mercado, a lógica da competição e da meritocracia, a negação das obrigações relacionadas à política de segurança alimentar e nutricional, o uso da violência e da criminalização para conter lutas sociais e as escolhas relacionadas à política econômica estão entre os fatores que desencadearam impactos contundentes e constantes nas violações ao direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana).
Para saber mais sobre o assunto, leia o Informe Dhana 2021 – pandemia, desigualdade e fome. A publicação detalha o esvaziamento orçamentário e institucional das políticas que permitiriam conter parcialmente o impacto da calamidade e pavimentar o caminho para uma recuperação com justiça social. Também mostra a relação desse quadro com as opções macroeconômicas dos últimos anos e com a ditadura da austeridade fiscal – marcada a ferro e fogo pelo Teto dos Gastos Sociais.
No diálogo, mediado por Tereza Campello (Cátedra Josué de Castro) e participação de Ladislau Dowbor (PUC-SP), Elisabetta Recine (Conferência Popular de SAN) e Cátia Grisa (UFRGS), Valéria Burity apresentou um panorama sobre as ações políticas e políticas públicas no Brasil desde a democratização até os dias atuais e discutiu prospecções, dilemas, enfrentamentos e desafios da agenda, como novas possibilidades de organização e mobilização social, reforma tributária progressiva e uma economia que concilie crescimento com redução de desigualdades de raça, etnia, classe e gênero.
Burity explicou que é necessário retomar e aperfeiçoar programas de fomento e proteção à agricultura familiar, agroecologia e proteção ambiental, pensar políticas de abastecimento alimentar, retomar programas que garantam a produção e o consumo saudável de alimentos, ampliar os recursos financeiros destinados às crianças e jovens assistidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar.
Para ela, também é importante seguir fortalecendo estratégias de combate à fome, obesidade e doenças crônicas não transmissíveis; e promover o acesso à terra, visto que há um quadro de profundas desigualdades na estrutura fundiária brasileira. “A defesa do território e a proteção dos povos indígenas, quilombolas e povos e comunidades tradicionais é fundamental. Há uma violência histórica dirigida a esses povos, que tem sido agravada pelas falas perversas do presidente da República. É fundamental resgatar a dívida com essas populações”, explicou.
Burity falou sobre a importância de retomar os componentes nacionais do sistema nacional de segurança alimentar e nutricional (Sisan), que foi proposto pela sociedade civil garantindo um mecanismo de articulação, participação e construção de pactos federativos muito importantes.
“É necessário ter a força social como base e construir um projeto de soberania e segurança alimentar e nutricional, de garantia do direito à alimentação, a partir dessa força. Governabilidade não pode ser sinônimo de governabilidade parlamentar apenas. A luta pela soberania e segurança alimentar pelos povos e pela natureza deve estar no centro dos sistemas alimentares”. Acrescentou, por fim, que qualquer projeto que queira reverter o acentuado quadro de desigualdade e concentração de renda deve ser anticolonial, antirracista e feminista.
FIAN Brasil